CALOU ATÉ A CONHECIDA GRITARIA BOLSONARISTA; A PERGUNTA: A CÂMARA MERECE GLAUBER BRAGA?

Nos últimos anos, a Câmara dos Deputados tem sido palco de confrontos ideológicos intensos, embates verbais inflamados e disputas políticas que muitas vezes ultrapassam o limite do razoável. Mas, em meio ao tumulto permanente, algumas vozes conseguem se destacar – não pelo volume, mas pela firmeza, pela profundidade moral e pela incapacidade absoluta de negociar aquilo que consideram princípios inegociáveis. Nesse cenário, a pergunta que reverbera pelas galerias fechadas, pelos corredores silenciosos e até mesmo pelas redes sociais é inevitável: a Câmara dos Deputados merece Glauber Braga?
O episódio que reacendeu essa discussão envolveu não apenas política, mas emoção, memória, dor familiar e a luta de um deputado para defender sua honra diante de algo que ultrapassava a disputa ideológica. Tudo começou com uma provocação pública repetida sete vezes por um agressor que, nas palavras de Glauber, “não sabia o que estava dizendo” – até o momento em que atacou de forma vil a memória da mãe do deputado, uma mulher que ele descreve como honrada, que “cavou o chão com as unhas” e que, àquela altura, já sofria com Alzheimer e faleceria alguns dias depois.
Essa dor pessoal serviu como pano de fundo para o discurso mais forte, mais emotivo e mais politicamente carregado que o plenário viu nos últimos anos. Um discurso que, por sua densidade emocional, chegou a calar até mesmo a tradicional “gritaria bolsonarista” – conhecida pelas provocações, interrupções e tumultos organizados. Mas, desta vez, ninguém ousou atravessar. O plenário ouviu. E calou.
“Congresso inimigo do povo”: o início de um confronto anunciado
Glauber abriu sua fala com uma frase que já seria suficiente para incendiar qualquer sessão: “Congresso inimigo do povo.” Mas imediatamente explicou: se um deputado age de acordo com a consciência pública, se honra os votos que recebeu e não tem do que se envergonhar, então não deve sentir-se ferido pela afirmação.
O recado estava dado: a crítica não era genérica, mas direcionada. E os alvos sabiam disso.
Glauber não estava ali para se justificar, não estava ali para fazer pose ou pedir desculpas. Ele mesmo deixou claro: “Eu não posso pedir desculpas por defender uma mulher honrada.” Muito menos se arrepender por reagir a ataques contra sua mãe, seu filho e sua família. Se a provocação repetida e covarde lhe tirou o equilíbrio por um instante, a tentativa de cassá-lo agora tinha outro objetivo, muito mais amplo: calar sua voz política.
A dor que vira política e a política que vira história

Ao relatar o episódio, Glauber não se escondeu atrás de discursos técnicos ou jurídicos. Falou de emoção, falou de dignidade, falou de um amor que ultrapassa qualquer disputa partidária.
“Pela minha família, eu sou capaz de muito mais do que um chute na bunda”, declarou.
O plenário, geralmente barulhento, ficou estático.
Esse episódio, que seus adversários tentam utilizar como justificativa para cassação, virou o centro de um debate muito maior: até onde vai a hipocrisia política de um Congresso que tolerou tudo, menos um gesto impulsivo de alguém que nunca teve contra si uma denúncia de corrupção em 16 anos de mandato?
O próprio deputado reforçou essa contradição gritante:
“Desde 2009 não existe uma única denúncia de corrupção contra mim. E agora eu sou retirado à força do mandato sem ter cometido crime?”
É uma pergunta que ecoa. Que machuca. Que dialoga diretamente com a indignação crescente da população brasileira.
A tentativa de cassação: um teatro político anunciado
Segundo Glauber, a tentativa de cassação não tem absolutamente nada a ver com o episódio do chute. Trata-se, segundo ele, de retaliação direta do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, com quem o deputado travou embates intensos, especialmente durante a luta contra o orçamento secreto – um dos maiores esquemas de corrupção institucionalizada já revelados no país.
E ele foi ainda mais direto: a representação que pedia sua cassação, feita por um partido adversário, não foi defendida nenhuma vez, nem sequer com uma pergunta na Comissão de Ética. Para Glauber, a tentativa é política, silenciosa e covarde.
A cena paradoxal se aprofundou quando ele comparou seu processo ao de figuras como Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, ambos com graves acusações ou condenações formais.
“Não venham querer me igualar”, disparou.
A greve de fome, as viagens pelo Brasil e a militância que abraça
Se a Câmara tentou isolá-lo, o Brasil não tentou.
Emocionado, Glauber contou como percorreu todos os 26 estados e o Distrito Federal em apenas 48 dias, dialogando com movimentos sociais, trabalhadores, sindicatos, jovens, religiosos e até pessoas que não concordam com suas ideias, mas que reconhecem a injustiça de um processo que tenta cassar um mandato limpo, combativo e coerente.
Uma multidão que cresceu, se organizou e se fez presente, mesmo sem poder ocupar as galerias – que, segundo Glauber, foram fechadas propositalmente para impedir que o povo acompanhasse a sessão. Uma metáfora perfeita da política que tenta se esconder da própria população.
Glauber agradeceu um por um: militantes socialistas, trabalhadores, religiosos, apoiadores de várias correntes políticas, figuras públicas e, com especial emoção, a deputada Luiza Erundina, que lhe disse: “Você é o filho que eu não tive.”
Foi aí que o plenário estremeceu.
Erundina, aos 91 anos, representa uma linha política que acredita profundamente no poder transformador da justiça social. Ser reconhecido por ela dessa forma não é apenas uma homenagem – é um símbolo, um legado vivo.
A juventude que observa e o futuro que se constrói agora
Glauber fez questão de direcionar parte do discurso à juventude que acompanha as sessões, mesmo quando elas são transmitidas pela metade – como ocorreu recentemente quando a TV Câmara foi tirada do ar durante tumultos envolvendo bolsonaristas.
Ele fez um alerta profundo:
“Não se pode negociar princípios e convicções profundas.”
A frase sintetiza sua postura desde que chegou à Câmara, em 2009: não recuar em temas estruturais, não se omitir diante da injustiça, não recuar frente à pressão.
Glauber relembrou a luta pelas 40 horas semanais, a denúncia contra o orçamento secreto, a defesa da classe trabalhadora e a batalha contra a pejotização e a precarização do trabalho. Ele lembrou que mandatos parlamentares devem ser tribunas do povo, ecoando a frase clássica de Lenin – algo raro de se ouvir em pleno plenário.
E completou:
“Eu estou deputado federal. Eu sou militante socialista. E isso não se negocia.”
Hugo, de quatro anos, e a promessa silenciosa de um pai
Um dos momentos mais emocionantes do discurso – e talvez um dos mais humanos já vistos no Congresso – foi quando Glauber falou de seu filho Hugo, de apenas quatro anos.
Ele contou que o menino gosta de ir à Câmara, subir nos carpetes, correr pelos corredores – sem entender nada do que está acontecendo naquele momento.
Mas, um dia, vendo os vídeos dessa sessão, ele entenderá. E, segundo Glauber, não terá motivos para se envergonhar do pai.
Nesse momento, muitos parlamentares – até adversários – baixaram os olhos.
O desfecho provisório de uma batalha maior
Glauber encerrou afirmando que não estava nervoso, mas calmo – profundamente calmo –, porque estava consciente de estar cumprindo seu papel. Ele sabia que a decisão final estaria nas mãos dos demais parlamentares e que seu voto nem contaria no processo.
Mas fez questão de marcar posição, deixando uma marca histórica no plenário:
“Calar um mandato que não se corrompeu é uma violência.”
E para muitos brasileiros que assistiram de casa, pela internet, pelos recortes que viralizaram, uma pergunta permanece: quem merece quem?
A Câmara merece um deputado como Glauber Braga?
Ou o país merece uma Câmara capaz de silenciar justamente aqueles que não têm manchas, não têm escândalos, não têm rabo preso – apenas coragem?
A resposta, como ele mesmo disse, virá não apenas da votação, mas da história.
Porque, diante de uma política marcada por escândalos, acordos secretos, conchavos e traições, uma coisa ficou clara naquela tarde:
Glauber Braga falou pelo seu mandato, falou pela sua mãe, falou pelo seu filho, falou pelos trabalhadores – mas, acima de tudo, falou por um Brasil que se recusa a aceitar a injustiça como normalidade.
E isso, definitivamente, não se cala.