
Bem-vindo a este percurso por um dos casos mais inquietantes registrados na história do Tocantins. Antes de iniciar, te convido a deixar nos comentários de onde está nos assistindo e a hora exata em que escuta esta narração. Nos interessa saber até que lugares e em que momentos do dia ou da noite chegam estes relatos documentados.
Em 1906, o então norte de Goiás, região que hoje conhecemos como Tocantins, era um território de imensos vazios, cortado por rios caudalosos e habitado por diversas etnias indígenas que gradualmente entravam em contato com os novos povoados que surgiam ao longo do rio, que dá nome ao estado. Pedro Afonso, fundado em 1848 por missionários católicos, era uma das poucas povoações estabelecidas na região.
A cerca de 20 km dali, nas proximidades do que hoje é Tocantínia, existia uma aldeia do povo gerente, conhecida pelos poucos viajantes que se aventuravam pela região. Foi nesse cenário de encontros entre mundos que se desenrolou o caso da indígena Potira, uma mulher de aproximadamente 28 anos que, segundo relatos registrados por um padre capuchinho italiano chamado Giuseppe Salerno, desapareceu durante uma noite de lua cheia no mês de junho daquele ano.
Os registros iniciais pareciam simples, uma indígena que se afastou da aldeia e nunca mais foi vista. Contudo, o que tornou esse caso peculiar foram os eventos subsequentes e a forma como os detalhes emergiram ao longo das décadas seguintes, revelando um mistério muito mais complexo e perturbador.
O padre Salerno mantinha um diário detalhado de suas atividades missionárias, escrito em italiano e posteriormente traduzido parcialmente para o português. Nele encontram-se as primeiras menções ao caso. Hoje, 24 de junho, a comunidade xerente está inquieta. Uma mulher chamada Potira não retornou após sair para buscar ervas medicinais nas margens do rio.
O cacique organizou buscas, mas sem sucesso até o momento”, escreveu ele. O que chamou a atenção do missionário, no entanto, foi a reação dos membros da aldeia nos dias seguintes. Ao contrário do esperado, em casos de desaparecimento, não houve continuidade nas buscas após o terceiro dia.
Quando questionados, os indígenas desviavam o olhar e mudavam de assunto. O silêncio tornou-se uma presença palpável na aldeia. Há registros de que Potira vivia em uma situação incomum para os padrões da sua comunidade. Tinha se casado com um homem chamado Carajá, mas o relacionamento era marcado por tensões. Alguns relatos sugerem que ela não podia ter filhos, algo que causava estranhamento em uma cultura onde a fertilidade feminina era altamente valorizada.
Outros sussurros recolhidos pelo padre em conversas privadas com mulheres mais velhas da aldeia indicavam que Potira possuía conhecimentos sobre plantas que iam além do comum, especialmente aquelas associadas a rituais de cura e proteção. O comerciante Antônio Rodrigues dos Santos, que mantinha um pequeno armazém em Pedro Afonso e ocasionalmente negociava com o xerente, registrou em seu livro de contas algumas observações sobre a indígena. A mulher Potira veio hoje trocar ervas por sal e ferramentas.
Traz sempre folhas que os cabôclos da região apreciam para seus chás. Mantém-se distante e fala pouco, diferente dos outros. da sua gente. O que ninguém poderia prever é que o desaparecimento de Potira seria apenas o início de uma série de eventos inquietantes que se estenderam por décadas, culminando em uma investigação amadora nos anos 50, quando um jornalista do sul do país, interessado em histórias do Brasil central, depou-se com os fragmentos desse caso.
Nas semanas que se seguiram ao desaparecimento, o padre Salerno notou mudanças sutis no comportamento da comunidade. A cabana onde Potira vivia foi abandonada, algo incomum, já que os indígenas geralmente reutilizavam todas as estruturas da aldeia. Ninguém se aproximava do local que gradualmente foi sendo tomado pela vegetação.
Carajá, o marido de Potira, tornou-se uma figura ainda mais reservada. começou a passar longos períodos fora da aldeia caçando sozinho, algo considerado arriscado e estranho para os padrões comunitários do gerente. Quando questionado pelo padre sobre o paradeiro de sua esposa, limitava-se a dizer: “Ela encontrou seu caminho.
” O tempo passou e a história de Potira parecia fadada a se juntar aos inúmeros mistérios não resolvidos do sertão brasileiro. O padre Salerno foi transferido para outra missão em 1908, levando consigo suas anotações e as inquietações sobre o caso. A região continuou seu lento processo de transformação com a chegada de mais colonos e a gradual retração do território indígena.
Foi somente em 1922, 16 anos após o desaparecimento, que surgiu o primeiro indício perturbador sobre o que poderia ter acontecido com Potira. Um garimpeiro chamado Joaquim Ferreira Lopes, buscando diamantes nas proximidades do rio Sono, encontrou encravada em uma árvore antiga, uma pequena caixa de madeira entalhada com símbolos que não reconheceu.
Dentro dela havia mechas de cabelo negro amarradas com fibra vegetal e um colar de sementes típico dos adornos xerente. Lopes, supersticioso como muitos homens do sertão, sentiu-se desconfortável com o achado e entregou os itens ao delegado de Pedro Afonso, Euclides Moreira da Silva.
Este, por sua vez, registrou o ocorrido em um breve relatório e arquivou os objetos como artigos indígenas encontrados no mato. O relatório mencionava que os índios consultados mostraram-se perturbados ao ver os objetos e recusaram-se a tocá-los, mas não aprofundava a questão. Aquela caixa, no entanto, permaneceu esquecida em um armário da pequena delegacia até 1935, quando um novo delegado, reorganizando arquivos antigos, redescobriu-a e, curioso, decidiu investigar sua origem.
Foi assim que o nome de Potira ressurgiu quase três décadas após seu desaparecimento. O delegado Armando Cavalcante, homem metódico e com certo interesse por antropologia, iniciou uma série de entrevistas com os moradores mais antigos da região. O que descobriu sugeriu um cenário muito mais complexo do que um simples desaparecimento na mata.
Uma senhora idosa, Maria Benedita, que trabalhava como lavadeira e ocasionalmente vendia produtos aos indígenas, relatou que Potira havia procurado sua ajuda semanas antes de desaparecer. Ela veio aqui agitada, falando em português quebrado. Disse que precisava se esconder, que tinha visto algo que não devia. mencionou homens brancos e uma caverna perto do rio.
Achei que estava confusa, talvez doente. Dei-lhe um chá e ela se acalmou. Foi a última vez que a vi. Outros depoimentos colhidos por Cavalcante indicavam que na mesma época do desaparecimento de Potira, um grupo de homens desconhecidos havia passado pela região. Apresentavam-se como pesquisadores interessados em minérios, mas mantinham-se reservados.
sobre suas reais intenções. Um deles, descrito como um homem alto e magro de barba grisalha chamado Augusto Mendes, havia feito diversas perguntas sobre lendas locais e lugares considerados sagrados pelos indígenas. No diário do padre Salerno, que Cavalcante conseguiu consultar através de correspondência com a ordem religiosa no Rio de Janeiro, havia uma menção intrigante que não constava nas traduções iniciais.
Estou preocupado com as intenções dos homens que chegaram há duas semanas. Dizem buscar conhecimento científico, mas suas perguntas sugerem outros interesses. Hoje vi um deles conversando com Potira na orla da floresta. Ela parecia apreensiva. Mais perturbador ainda foi o depoimento de um ex-funcionário da prefeitura, Sebastião Cardoso, que afirmou ter visto Potira na companhia do homem de barba grisalha na noite de seu suposto desaparecimento. Eles não me viram. estavam próximos ao rio, discutindo.
Eles seguravam um objeto que brilhava sob a lua, parecia um medalhão ou algo assim. Ela tentava afastar-se, mas ele a deteve pelo braço. Não interferi porque pensei ser um assunto entre eles, talvez algum tipo de negócio. No dia seguinte, quando soube do desaparecimento, fiquei com medo de falar.
As investigações de Cavalcante, no entanto, foram abruptamente interrompidas. Seus superiores em Goiânia ordenaram que o caso fosse arquivado, alegando que recursos policiais não deveriam ser desperdiçados com desaparecimentos antigos de indígenas. A caixa com os pertences de Potira foi novamente guardada, desta vez nos arquivos estaduais, onde permaneceu por mais duas décadas.
Em 1954, o jornalista Paulo Roberto Martins do jornal Correio Paulistano, viajando pelo Brasil central em busca de histórias para uma série de reportagens sobre os mistérios do interior, ouviu rumores sobre o caso em uma hospedaria em Porto Nacional. Intrigado, dedicou vários meses a rastrear os fragmentos da história. Martins conseguiu localizar o diário completo do padre Salerno, que havia falecido em 1942 na Itália.
Nas anotações finais, encontrou um relato perturbador que o religioso nunca havia compartilhado oficialmente. Noite passada, tive uma visita inesperada. Carajá veio até a missão em estado de grande agitação. Confessou-me algo terrível sobre Potira, mas fez-me jurar que não revelaria a ninguém enquanto ele vivesse. Disse que temia pela alma dela e pela sua própria. As palavras dele me deixaram sem sono.
Se o que disse é verdade, há um mal insuspeitado operando nas sombras desta terra. O jornalista também descobriu que Augusto Mendes, o homem de barba grisalha mencionado nos relatos, não era um simples pesquisador. Documentos encontrados na biblioteca nacional indicavam que ele havia sido membro de uma obscura sociedade científica chamada Círculo Antropológico do Brasil, fundada por europeus e brasileiros no final do século XIX.
O grupo tinha interesse particular em conhecimentos tradicionais indígenas e em artefatos considerados de poder extraordinário. Um relatório fragmentado da sociedade, datado de 1907 mencionava uma aquisição significativa do território gerente, sem especificar do que se tratava. O mesmo documento fazia referência a sacrifícios necessários para o avanço do conhecimento e a relutante contribuição de uma informante nativa.
Martins tentou localizar descendentes de Carajá, o marido de Potira, e descobriu que ele havia morrido em circunstâncias misteriosas em 1918. Segundo relatos orais preservados pelo Xerente, Carajá havia se tornado um homem atormentado após o desaparecimento da esposa. Passava dias inteiros sentado à beira do rio, murmurando para si mesmo.
Em certa manhã, pescadores o encontraram morto com uma expressão de terror no rosto. Não havia marcas de violência, mas seu corpo estava contorcido de uma forma considerada antinatural. Ao vasculhar os arquivos estaduais, o jornalista redescobriu a caixa com os pertences de Potira e notou algo que havia escapado às investigações anteriores.
Na parte inferior da caixa, quase imperceptíveis, havia inscrições em tinta vegetal que se assemelhavam a um mapa rudimentar. Consultando antropólogos, Martins concluiu que poderia indicar uma localização nas proximidades da confluência dos rios Tocantins e Sono. Em setembro de 1954, Martins organizou uma expedição até o local.
Acompanhado por um fotógrafo do jornal e por um guia local, explorou a região por duas semanas. O que encontrou nunca foi publicado em sua série de reportagens que foi abruptamente interrompida. O jornalista retornou a São Paulo visivelmente abalado, e solicitou afastamento do trabalho por questões de saúde. Três meses depois, foi encontrado morto em seu apartamento, aparentemente vítima de um ataque cardíaco.
O fotógrafo que o acompanhou, Cláudio Mendes, recusou-se a falar sobre a expedição pelo resto de sua vida. Em seu leito de morte em 1969. confidenciou a seu filho. Há coisas neste mundo que os olhos humanos não deveriam ver. Lugares que não deveriam ser perturbados. Enterramos tudo, mas temo que não tenha sido o suficiente. Entre os pertences de Martins, encontrados após sua morte, havia um caderno de anotações com páginas arrancadas e uma fotografia parcialmente queimada.
Na imagem podia-se discernir o que parecia ser a entrada de uma caverna com marcas ou inscrições nas paredes. No verso da foto escrito à mão, havia apenas o lugar onde ela foi levada. Que Deus nos perdoe por abri-lo novamente. Os arquivos policiais de São Paulo contém um relatório curioso sobre o apartamento de Martins quando seu corpo foi encontrado.
Apesar do inverno rigoroso, todas as janelas estavam abertas. No banheiro havia uma bacia com água escurecida por cinzas, como se o jornalista tivesse queimado papéis e tentado se desfazer das cinzas. Mais intrigante ainda, seu corpo apresentava extrema rigidez e uma expressão facial sugestiva de intenso terror, semelhante à descrita para Carajá décadas antes.
A história poderia ter terminado aí, enterrada novamente pelo tempo. No entanto, em 1962, um professor de antropologia da Universidade de São Paulo, Eduardo Galvão, pesquisando rituais funerários entre o gerente, registrou um relato perturbador. Ao entrevistar um ancião da tribo, ouviu uma história transmitida oralmente sobre uma mulher chamada Potira, que havia traído os segredos sagrados e sido punida por isso.
Segundo o relato, ela havia revelado a localização de uma caverna onde os antigos guardavam objetos de poder, incluindo uma pedra que falava com os espíritos e podia mostrar o que está escondido em outros mundos. O mais inquietante era a descrição do destino de Potira. Ela não está morta nem viva.
Permanece entre os mundos, guardando a entrada para que ninguém mais possa passar. O ancião recusou-se a dizer mais, afirmando que mesmo falar sobre o assunto poderia atrair desgraça. Galvão, intrigado, tentou relacionar o relato com outros mitos indígenas da região, mas concluiu que a história de Potira parecia única e possivelmente influenciada pelo contato com não indígenas.
Em suas anotações, observou: “Há elementos que sugerem uma mistura de crenças tradicionais com eventos possivelmente históricos transfigurados pela tradição oral. A menção a homens de barba que buscavam a pedra parece uma referência a contatos reais.” Em 1967, uma expedição arqueológica liderada pela Universidade de Brasília, investigando sítios pré-históricos na região, encontrou uma caverna cujas características correspondem parcialmente à descrição das anotações de Martins.
No interior havia pinturas rupestres incomuns que não seguiam os padrões típicos da arte pré-histórica brasileira. Algumas figuras representavam o que parecia ser uma mulher em diferentes posturas, sempre próxima a um círculo ou esfera. Mais significativo, porém, foi o achado de um pequeno compartimento natural na rocha, selado com argila endurecida e fibras vegetais.
Dentro, os arqueólogos encontraram uma caixa de madeira similar à descrita nos registros sobre Potira, contendo um objeto esférico de pedra polida com inscrições que não puderam ser identificadas. O líder da expedição, Dr. Carlos Eduardo Pereira, enviou o artefato para análise no laboratório da universidade. O relatório preliminar indicava que a pedra era composta de um tipo de quartzo não comum na região e que as inscrições pareciam combinar elementos de diferentes sistemas de escrita, algo inexplicável para uma área sem tradição de escrita pré-colombiana.
Três dias após a entrega do artefato ao laboratório, ocorreu um incêndio inexplicável que destruiu parte do departamento, incluindo o objeto e todos os registros relacionados. O técnico que realizou as análises iniciais sofreu queimaduras graves e durante sua recuperação no hospital manifestou comportamento errático, insistindo que havia algo dentro da pedra e que ela mostrava coisas que não deveriam ser vistas. Dr.
Pereira, abalado pelo incidente, abandonou a pesquisa e recusou-se a retornar à caverna. em entrevista anos mais tarde, afirmou apenas: “Há locais que a ciência ainda não está preparada para compreender, fronteiras que talvez não devamos cruzar. A região onde a caverna foi encontrada tornou-se parte do território inundado pela represa da usina hidrelétrica de Lageado no final da década de 90, enterrando quaisquer vestígios físicos que ainda pudessem existir.
No entanto, os gerentes mais velhos ainda se recusam a pescar ou nadar naquela parte do lago, alegando que a água ali não dorme tranquila. Entre os poucos registros que sobreviveram sobre Potira, há um detalhe recorrente que desperta particular inquietação. Tanto o padre Salerno quanto o delegado Cavalcante e, posteriormente o jornalista Martins mencionaram um aspecto físico peculiar da indígena.
Ela possuía heterocromia, ou seja, seus olhos eram de cores diferentes, um castanho e outro azul esverdeado, extremamente raro entre populações indígenas. Esse detalhe ganhou uma dimensão perturbadora quando em 1968 uma enfermeira do hospital de Porto Nacional registrou o caso de uma criança ribeirinha que sofria de pesadelos constantes.
A menina de 8 anos desenhava repetidamente a figura de uma mulher próxima ao rio, sempre com um olho escuro e outro claro. Quando questionada sobre a identidade da mulher, respondia apenas: “É a que guarda a porta”. Ela quer voltar, mas não pode. Os pais da criança, pescadores que viviam próximo à região onde teria sido a aldeia de Potira, relataram que a filha nunca havia ouvido a história da indígena desaparecida.
Os pesadelos começaram após uma tarde em que a menina brincava sozinha à beira do rio e retornou molhada, alegando que a mulher, dos olhos diferentes, havia chamado-a para ver algo na água. A médica que atendeu o caso, doutora Márcia Rodrigues, manteve um registro detalhado dos desenhos e relatos da criança, notando padrões consistentes que não pareciam típicos de imaginação infantil.
Em suas anotações, observou: “Os detalhes são demasiado específicos e constantes para serem pura invenção. A descrição da caverna submersa em particular contém elementos arquitetônicos que uma criança deste contexto dificilmente conheceria. Os desenhos da menina mostravam o que parecia ser uma série de câmaras interconectadas sob a água, com a figura feminina sempre posicionada em uma passagem central.
Em alguns havia representações de objetos semelhantes a esferas ou discos emitindo linhas onduladas que a criança descrevia como pedras que cantam. Após seis meses de tratamento sem melhora significativa, os pais da menina mudaram-se para Goiânia, buscando distância do rio e do que acreditavam ser a causa dos distúrbios da filha. A Dra.
Rodrigues perdeu contato com o caso, mas registrou em uma nota final. Independentemente da causa real dos sintomas, o sofrimento é innegável. Há algo naquela região que afeta profundamente a psique humana, seja através de sugestão, contaminação ambiental ou fatores ainda não compreendidos pela medicina atual. Em 1972, um pesquisador independente chamado Roberto Campos, interessado em fenômenos inexplicados, tentou rastrear a família da menina para um seguimento do caso.
Descobriu que eles haviam se mudado novamente, desta vez para o sul do país, após um incidente inquietante. A menina, então, com 12 anos, desapareceu por três dias e foi encontrada caminhando desorientada às margens do rio Tocantins, a mais de 200 km de Goiânia, próximo à antiga localização da Aldeia Xerente.
Quando questionada sobre como havia chegado ali, a menina não soube explicar, dizendo apenas que seguiu a voz que vinha da água. Após esse episódio, a família retirou-se para o anonimato, recusando-se a falar com pesquisadores ou jornalistas. Campos, no entanto, conseguiu acesso aos arquivos médicos da menina e notou algo perturbador que havia escapado à análise inicial.
Nos últimos desenhos, antes de sua mudança para Goiânia, a figura feminina, presumivelmente Potira, começava a apresentar alterações. Sua forma tornava-se gradualmente mais alongada e distorcida, com membros exageradamente finos e uma cabeça desproporcional. Mais significativo ainda, os dois olhos, antes de cores diferentes fundiam-se em um único olho central, grande e vazio.
Intrigado por essa transformação nas representações, Campus consultou um antropólogo especializado em mitologia indígena, que sugeriu paralelos com figuras metamórficas presentes em diversas cosmologias nativas, seres que transitam entre formas humanas e não humanas, frequentemente associados a portais ou fronteiras entre mundos.
O que parece estar representado aqui, observou o especialista, é um processo de transformação ou transfiguração. Nas tradições indígenas amazônicas, particularmente, há o conceito de seres que servem como guardiões de passagens entre o mundo visível e outros planos de existência. A modificação corporal seria um sinal dessa função liminar.
Enquanto esses eventos se desenrolavam no Brasil, um desenvolvimento paralelo e igualmente perturbador ocorria em Lisboa. Em 1974, durante a renovação de uma antiga biblioteca pertencente à Universidade de Coimbra, foram encontrados documentos relacionados ao círculo antropológico do Brasil, a misteriosa organização da qual Augusto Mendes havia feito parte.
Entre os papéis havia correspondências datadas entre 19 e 68, trocadas entre Mendes e um acadêmico português chamado Fernando Teixeira. As cartas escritas em código parcial faziam referências repetidas a uma aquisição indígena do Tocantins e a experimentos realizados com um artefato translativo ou pedra de passagem. Uma carta particularmente perturbadora, datada de setembro de 1906, três meses após o desaparecimento de Potira, dizia: “O experimento com o sujeito nativo foi simultaneamente um fracasso e um sucesso de proporções inesperadas. A transição não ocorreu conforme o protocolo, resultando na perda do
sujeito. Contudo, o fenômeno observado sugere que a teoria do portal está correta. O problema agora é que estabelecemos contato, mas perdemos o controle sobre o que pode vir em retorno. Teixeira respondia com aparente alarme. Sua descrição do incidente é profundamente preocupante. Se a nativa realmente permanece em estado liminar, como sugere, ela pode servir involuntariamente como âncora.
Recomendo o selamento imediato do local e a dispersão dos artefatos restantes. Alguns conhecimentos exigem um preço alto demais. A última carta da sequência, enviada em março de 1908, continha apenas uma breve mensagem. Finalizamos a contenção. Os objetos foram separados e ocultos conforme protocolo. Recomendo fortemente que toda pesquisa nesta direção seja abandonada.
Há fronteiras que a humanidade não está preparada para cruzar e seres do outro lado que não devemos despertar. Essas cartas foram analisadas pelo historiador português Dr. Antônio Machado, que publicou um artigo acadêmico sobre as sociedades científicas ocultistas do início do século XX. Machado especulou que o círculo poderia ter estado envolvido em experiências pseudocientíficas.
baseadas em uma mistura de antropologia primitiva, ocultismo europeu e tradições indígenas mal compreendidas. Mais significativa, porém, foi sua descoberta de que, após o aparente fracasso do experimento do Tocantins, o círculo havia se fragmentado, com vários de seus membros sofrendo destinos perturbadores.
Mend, conforme registros hospitalares de 1912, foi internado em uma instituição psiquiátrica no Rio de Janeiro, onde permaneceu até sua morte em 1917. diagnosticado com mania persecutória e alucinações recorrentes. Seus registros médicos mencionavam episódios em que gritava sobre olhos que observam através da água e a mulher que espera para retornar.
Fernando Teixeira, por sua vez, abandonou abruptamente sua carreira acadêmica e retirou-se para um monastério nos Açores, onde se dedicou à tradução de textos religiosos antigos até sua morte em 1929. Em seu testamento incluiu uma cláusula estranha, determinando que todos os seus diários pessoais fossem queimados sem serem lidos e que um certo recipiente de pedra selado em sua posse fosse lançado nas profundezas do oceano, onde a luz do sol não alcança.
Esses fragmentos históricos permaneceram desconectados por décadas, dispersos em arquivos de diferentes países e instituições. Foi somente em 1984 que um pesquisador brasileiro, Dr. Vicente Assis, da Universidade Federal de Goiás, começou a reunir os diversos elementos da história de Potira, motivado inicialmente por interesse na documentação sobre povos indígenas do Brasil central.
Assis havia crescido em Pedro Afonso e ouvido versões da lenda de Potira na infância, o que começou como uma pesquisa histórica convencional, gradualmente transformou-se em uma investigação muito mais inquietante, à medida que padrões perturbadores emergiam dos registros fragmentados.
O que me impressionou”, escreveu ele em suas notas de pesquisa, foi a consistência de certos elementos ao longo de décadas e através de fontes completamente independentes. A heterocromia de Potira, a caverna subaquática, a pedra com inscrições, os efeitos psicológicos nas pessoas que se envolveram com o caso, tudo sugere algo além de uma simples lenda urbana ou exagero folclórico.
Sis mapeou meticulosamente todos os relatos disponíveis e identificou o que acreditava ser a localização aproximada da caverna antes de ser submersa pelo lago da represa. Realizou entrevistas com moradores antigos da região e descendentes de pessoas envolvidas no caso, acumulando um arquivo impressionante de depoimentos e evidências circunstanciais. Em 1986, conseguiu permissão para realizar uma expedição de mergulho exploratório na área suspeita, acompanhado por uma equipe da universidade.
O que aconteceu durante essa expedição permanece parcialmente obscuro, já que o relatório oficial menciona apenas condições adversas que impediram uma exploração completa. No entanto, gravações de áudio recuperadas do equipamento de comunicação dos mergulhadores revelam momentos perturbadores.
Nas gravações, disponíveis nos arquivos da universidade, mas raramente consultadas, pode-se ouvir o próprio Assis descrevendo uma estrutura que corresponde às descrições da caverna. Sua voz, inicialmente profissional e metódica, torna-se gradualmente mais agitada. Encontramos a entrada. Parece ter sido ampliada artificialmente. Há marcações nas paredes, símbolos que não reconheço.
A visibilidade está piorando, mas parece haver uma câmara maior adiante. Após alguns minutos de comunicação entrecortada por estática, houve-se um momento de silêncio seguido pela voz claramente alarmada de Assis. Tem algo se movendo ali. Não, não é um peixe. Parece uma, meu Deus, é uma mão humana. está cenando para nós.
Segundos depois, ouve-se um som agudo, seguido por gritos de pânico e ordens para retornar à superfície imediatamente. A gravação termina com o que parece ser um grito distorcido e o som de equipamento sendo arrastado. Oficialmente, a expedição foi interrompida devido a uma falha nos equipamentos de mergulho que colocou em risco a vida dos pesquisadores.
Sis e sua equipe retornaram a salvo, mas o professor nunca mais organizou outra expedição ao local. De fato, ele solicitou licença da universidade logo após o incidente e passou seis meses em tratamento para o que foi descrito como esgotamento nervoso.
Quando retornou às atividades acadêmicas, Assisa abandonou completamente a pesquisa sobre Potira e dedicou-se a temas mais convencionais da antropologia. Recusava-se a discutir a expedição ao lago, mesmo com colegas próximos. Um deles, no entanto, relatou que durante uma confraternização, onde Assis havia bebido demais, ele murmurou: “Ela ainda está lá embaixo, entre este mundo e outro, e não está sozinha”.

Os materiais coletados por Assis, ao longo de sua pesquisa, foram arquivados na universidade, mas diversas fotografias e anotações desapareceram misteriosamente. Rumores entre os funcionários do arquivo sugerem que o próprio professor teria removido certos documentos antes de catalogá-los oficialmente, especialmente aqueles relacionados ao que a equipe havia visto no fundo do lago.
Uma funcionária do arquivo que pediu para não ser identificada afirmou que viu Assis queimando papéis e fotografias no pátio traseiro da universidade uma noite, semanas após a expedição. Ele parecia obsessivo, verificando repetidamente se cada fragmento havia sido completamente destruído. Quando percebeu minha presença, sobressaltou-se como se tivesse visto um fantasma e murmurou algo sobre não deixar que ela encontre um caminho através das imagens.
Em 1990, um incidente perturbador na região do lago reascendeu brevemente o interesse pelo caso. Três adolescentes que nadavam em uma área próxima à suposta localização da caverna submersa desapareceram simultaneamente. Dois deles foram encontrados horas depois, desorientados e com hipotermia severa, apesar do calor do verão tocantinense. O terceiro jovem nunca foi localizado.
Os dois sobreviventes contaram histórias inconsistentes sobre o que havia acontecido. Um deles afirmava terem visto luzes estranhas no fundo do lago e mergulhado para investigar. Enquanto o outro insistia que mãos saíram da água e os puxaram para baixo.
Ambos, no entanto, descreveram terem visto uma mulher indígena no fundo do lago, com um olho escuro e outro claro, que parecia simultaneamente tentar afastá-los e atraí-los para mais fundo. Os relatos foram atribuídos a alucinações causadas pelo quase afogamento, mas a polícia local notou a semelhança inquietante com a antiga lenda de Potira. O caso do adolescente desaparecido foi eventualmente arquivado após buscas extensivas não encontrarem qualquer vestígio.
Nesse mesmo período, um fenômeno curioso começou a ser reportado por pescadores que frequentavam o lago. Em certas noites, especialmente durante a lua cheia, era possível ver o que pareciam ser luzes difusas, emanando das profundezas, próximo à área onde estaria a caverna submersa. As autoridades atribuíram o fenômeno à bioluminescência natural ou reflexos, mas os moradores mais antigos recusavam-se a pescar naquela região após o anoitecer.
Em 1994, o professor Vicente Assis foi encontrado morto em seu escritório na universidade, aparentemente vítima de um ataque cardíaco. A autópsia revelou que ele sofria de uma condição cardíaca não diagnosticada, tornando sua morte por causas naturais plausível. No entanto, detalhes da cena chamaram a atenção.
Seu corpo foi encontrado sentado à mesa de trabalho, rodeado por mapas antigos da região do Tocantins, e páginas com anotações frenéticas sobre ciclos lunares e níveis de água do lago. Mais perturbador ainda era a expressão em seu rosto, descrita pelo funcionário que encontrou o corpo como o terror mais puro que já vi em um ser humano.
mesa havia um desenho aparentemente feito pelo próprio Assis nas horas antes de sua morte. Uma representação detalhada de uma mulher indígena, parcialmente transformada em algo não inteiramente humano, com um único olho central e membros alongados. No verso do desenho em caligrafia trêmula, estava escrito: “O ciclo está completo. Ela encontrou um caminho de volta através de mim.
Deus me perdoe pelo que libertei. O apartamento de Assis foi investigado após sua morte e a polícia encontrou um cenário incomum. As paredes de seu escritório doméstico estavam cobertas por centenas de desenhos similares ao encontrado em sua mesa na universidade, todos mostrando a mesma figura feminina em diferentes estágios de transformação.
Havia também dezenas de recipientes com água espalhados pelo apartamento, cada um contendo pequenos objetos, cabelos, unhas, fragmentos de tecido. A sobrinha de Assis, que cuidou de seu espolho, relatou ter encontrado um diário trancado em um cofre no apartamento. As entradas dos últimos meses tornavam-se progressivamente mais paranoicas, com Assis relatando que via o reflexo de Potira em qualquer superfície aqua, até mesmo em um copo d’água.
A entrada final datada da véspera de sua morte continha apenas não há mais onde se esconder. A água está em toda parte, em nosso sangue, em nossas células. Ela usou isso para encontrar seu caminho de volta através de mim, através de todos que tocaram sua história. O diário foi posteriormente perdido quando a residência da sobrinha sofreu um incêndio inexplicável que começou, segundo os bombeiros, no banheiro onde o documento estava sendo guardado.
Em 2001, uma antropóloga da Universidade de Brasília, Dra. Helena Monteiro, interessada em mitos aquáticos indígenas, começou a investigar as lendas que circulavam sobre o lago de Lagado. Sem conhecer os detalhes históricos do caso de Potira, ela documentou relatos contemporâneos de pescadores e ribeirinhos sobre avistamentos de uma mulher das águas ou mãe do lago.
Os relatos compartilhavam elementos consistentes. Uma mulher indígena vista brevemente ao anoitecer ou amanhecer, frequentemente próxima a redemoinhos ou águas particularmente profundas. Os pescadores mais velhos advertiam contrarresponder se ela chamasse ou fazer contato visual, especialmente se a aparição tivesse olhos de cores diferentes, ou mais perturbador, um único olho grande no centro do rosto.
Monteiro notou que diferente de outras figuras do folclore aquático brasileiro, como a Iara, essa entidade não era descrita como sedutora ou bela, mas como alguém que quer sair ou alguém procurando um substituto. Alguns relatos sugeriam que ela aparecia principalmente para pessoas que estivessem sozinhas na água e apenas se tivessem alguma característica física em comum, especialmente heterocromia ou outras marcas de nascença distintivas.
Durante sua pesquisa, Monteiro entrevistou um homem idoso que havia trabalhado como guia para a amalfadada expedição de Vicente Assis em 1986. O homem, inicialmente relutante em falar, finalmente revelou o que afirmava ter sido o verdadeiro motivo pelo qual a expedição fora abortada. Não foi falha no equipamento”, disse ele.
“Foi o que o professor viu dentro da caverna havia uma espécie de câmara com paredes que pareciam ter sido trabalhadas, não naturais. No centro, algo como um altar de pedra e sobre ele um esqueleto humano sentado como se estivesse esperando. Mas o pior não foi isso. Quando o professor se aproximou, o esqueleto moveu a cabeça em sua direção.
E então só então percebemos que não era inteiramente um esqueleto. Havia partes ainda cobertas por algo semelhante à pele, preservada pela água de alguma forma, e os olhos, um escuro, um claro, ainda estavam lá observando. O relato, facilmente descartável como exagero ou fabricação, ganhou uma dimensão inquietante quando Monteiro descobriu que o guia nunca havia conhecido Vicente Assis antes da expedição e não tinha qualquer conhecimento prévio sobre Potira ou sua característica ocular distintiva. A pesquisa de Monteiro atraiu a atenção de
um grupo internacional que investigava fenômenos inexplicados. Em 2003, uma expedição conjunta foi organizada com equipamento de mergulho avançado e veículos subaquáticos com câmeras remotas. A ideia era explorar a área sem colocar mergulhadores em risco direto. Os resultados dessa expedição foram inconclusivos em termos oficiais.
O relatório publicado menciona apenas que anomalias estruturais sugestivas de ocupação humana antiga foram identificadas, mas que condições de visibilidade e problemas técnicos impediram uma documentação adequada. O grupo se dissolveu logo após a expedição, com vários de seus membros abandonando abruptamente o campo de pesquisa.
Um técnico que participou da operação dos veículos subaquáticos, no entanto, compartilhou anonimamente em um fórum online uma história diferente. Segundo ele, as câmeras captaram imagens claras de uma estrutura artificial dentro da caverna submersa, uma espécie de câmara com entalhes nas paredes que pareciam combinar símbolos indígenas com outros de origem desconhecida.
O mais perturbador”, escreveu ele, “oi quando direcionamos a câmera para o centro da câmara. Havia algo que parecia ser um corpo sentado em uma plataforma de pedra. Não esqueleto, não completamente. Era como se o tempo tivesse afetado aquela coisa de maneira diferente do normal. Partes pareciam completamente decompostas, outras preservadas, quase frescas.
Mas o que me fez abandonar o projeto foi o que aconteceu depois. Enquanto observávamos através da câmera, a figura moveu lentamente a cabeça em direção à lente e então todos os sistemas falharam simultaneamente. Quando recuperaram o veículo subaquático dias depois, descobriram que todas as gravações haviam sido corrompidas, restando apenas ruído visual e estática.
Mais perturbador ainda, a lente da câmera principal apresentava uma rachadura perfeita, como se tivesse sido deliberadamente danificada. Nos anos seguintes, o lago de Lagado tornou-se local de uma série de desaparecimentos inexplicados. Entre 2003 e 2008, sete pessoas desapareceram enquanto nadavam ou pescavam, todas em áreas próximas à suposta localização da caverna.
Dois corpos foram eventualmente recuperados, apresentando o que os relatórios médicos descreveram como alterações fisiológicas atípicas, incluindo uma calcificação extrema dos tecidos oculares. Em 2009, um documentarista independente de Palmas, Carlos Eduardo Santos, começou a produzir um vídeo sobre as lendas do lago, entrevistando moradores locais e pesquisando relatos históricos.
Durante sua pesquisa, Santos encontrou menções ao caso de Potira e estabeleceu contato com o filho do fotógrafo Cláudio Mendes, que havia acompanhado o jornalista Paulo Roberto Martins em 1954. O filho de Mendes, agora um homem idoso, inicialmente recusou-se a discutir o assunto, afirmando que seu pai havia feito com que prometesse nunca falar sobre o que havia acontecido durante aquela expedição.
No entanto, após muita insistência, concordou em entregar a santos uma caixa lacrada que seu pai havia deixado, com instruções para que só fosse aberta após sua morte. A caixa, mantida fechada por décadas, continha diversas fotografias que haviam sido tiradas durante a expedição de Martins à região onde supostamente estaria a caverna de Potira.
As imagens mostravam a entrada da caverna, ainda acessível por terra na época, e diversos artefatos encontrados no local, incluindo fragmentos de cerâmica com símbolos estranhos e o que parecia ser uma pequena caixa de madeira similar à descrita nos relatos sobre Potira. A fotografia mais perturbadora, porém, mostrava o interior da caverna.
No centro da imagem, parcialmente oculto por sombras, havia o que parecia ser uma figura humana sentada em uma plataforma de pedra. A qualidade da imagem deteriorada pelo tempo tornava impossível distinguir detalhes, mas uma ampliação cuidadosa revelava o que pareciam ser dois pontos de luz onde estariam os olhos da figura, um escuro, um claro. No verso da fotografia escrito à mão, havia isto não está morto.
Quando ela abriu os olhos, entendi que nunca esteve. Selamos novamente à entrada, mas temo que seja tarde demais. Santos, profundamente perturbado pelo material, decidiu continuar sua investigação. Organizou uma pequena expedição ao lago, determinado a filmar no local aproximado onde a caverna estaria submersa.
Na noite anterior, a expedição, no entanto, sofreu um grave acidente de carro que o deixou hospitalizado por meses. Durante sua recuperação, Santos relatou pesadelos recorrentes, nos quais via uma mulher indígena emergindo lentamente da água.
Primeiro apenas seus olhos heterocromáticos visíveis, depois seu rosto gradualmente transformado em algo não inteiramente humano. Em seus sonhos, ela repetia uma frase em uma língua que ele não compreendia, mas que de alguma forma sabia significar. Agora você também viu. Agora você também é parte disto. Santos abandonou o projeto do documentário após sua recuperação.
As fotografias que havia recebido desapareceram de seu apartamento durante sua hospitalização, sem sinais de arrombamento ou invasão. Em 2012, um grupo de estudantes da Universidade Federal do Tocantins, inspirados por lendas urbanas sobre o lago, realizou uma sessão noturna de mergulho não autorizada na área da suposta caverna.
Apenas três dos cinco estudantes retornaram. As buscas pelos dois desaparecidos foram infrutíferas. Os sobreviventes relataram que ao se aproximarem do fundo do lago, começaram a ver o que parecia ser luzes pulsantes, emanando de uma formação rochosa. Ao se aproximarem, sentiram o que descreveram como uma corrente anormalmente forte que os puxava em direção a uma abertura na rocha.
Dois deles conseguiram nadar contra a corrente, mas os outros foram arrastados para dentro. Um dos sobreviventes que tentou seguir os amigos para resgatá-los, afirmou ter visto brevemente o interior de uma câmara iluminada por um brilho azulado e dentro dela uma mulher sentada, nem viva, nem morta, com um olho de cada cor.
Antes que pudesse entrar completamente, sentiu-se sendo empurrado para trás por uma força igualmente forte, como se a própria água o estivesse rejeitando. As autoridades atribuíram os desaparecimentos a um acidente de mergulho causado por correntes subaquáticas perigosas e a descrição da mulher a alucinações causadas por narcose de nitrogênio.
A área foi oficialmente interditada para mergulho, com boias de advertência instaladas na superfície. No entanto, os relatos de avistamentos da mulher do lago continuaram a se multiplicar entre os moradores da região. Pescadores relatavam ver brevemente um rosto emergindo da água ao lado de seus barcos, sempre ao entardecer ou amanhecer.
Outros diziam ouvir uma voz feminina, chamando seus nomes quando estavam sozinhos próximos à água. Um elemento recorrente nesses relatos modernos era que a figura feminina parecia estar gradualmente mudando. Os avistamentos mais antigos descreviam uma mulher claramente indígena, com olhos de cores diferentes. Os mais recentes falavam de uma entidade mais ambígua, com feições menos humanas.
E mais perturbador ainda, um único olho central em um rosto alongado. Em 2019, durante uma seca severa que reduziu dramaticamente o nível do lago de Lageado, parte de uma formação rochosa que normalmente permanecia submersa, emergiu brevemente. Moradores locais notaram o que pareciam serem tales na rocha, símbolos que não correspondiam aos padrões típicos da arte rupestre conhecida na região.
Arqueólogos da Universidade Federal do Tocantins obtiveram permissão para examinar os símbolos antes que o nível da água voltasse a subir. O relatório preliminar indicava similaridades com inscrições encontradas em outros sítios arqueológicos brasileiros, mas com elementos inexplicáveis que não correspondiam a nenhuma tradição indígena conhecida.
Mais significativo foi um símbolo central, uma figura feminina estilizada com um círculo no lugar da cabeça, contendo dois pontos de tamanhos diferentes, como olhos assimétricos. Ao redor dessa figura, havia representações de outras figuras humanas em posições que sugeriam movimento em direção a um centro, como se estivessem sendo atraídas. A datação dos entalhes revelou-se problemática.
Enquanto a erosão e pátina sugeriam grande antiguidade, detalhes estilísticos apontavam para uma origem mais recente, possivelmente do início do século XX, coincidindo com o período do desaparecimento de Potira. Antes que uma análise mais aprofundada pudesse ser realizada, chuvas intensas elevaram novamente o nível do lago, submergindo a formação rochosa.
A equipe de arqueólogos planejava retornar quando as condições permitissem, mas uma série de eventos inexplicáveis começou a afetar seus membros: sonambulismo, pesadelos recorrentes e, no caso mais extremo, uma arqueóloga que foi encontrada caminhando desorientada às margens do lago no meio da noite, sem qualquer memória de como havia chegado lá. A líder da equipe, Dra.
Mariana Rocha, inicialmente cética em relação às lendas locais, começou a notar padrões perturbadores. Em seus registros pessoais, escreveu: “Há algo aqui que desafia explicações convencionais. Os sonhos compartilhados por membros da equipe, todos envolvendo água e uma figura que chama, são específicos demais para serem coincidências. A forma como os símbolos na rocha parecem mudar sutilmente em fotografias tiradas em dias diferentes, como se estivessem respirando.
E essa sensação constante de sermos observados quando estamos próximos ao lago, especialmente ao entardecer. O projeto foi oficialmente suspenso após um membro da equipe sofrer o que foi descrito como um episódio psicótico, durante o qual tentou submergir na água repetidamente, afirmando que ela estava chamando. O indivíduo foi hospitalizado e posteriormente transferido para tratamento psiquiátrico em Palmas. Dra.
Rocha, no entanto, continuou sua pesquisa de forma independente. Conseguiu acesso a registros históricos que haviam permanecido esquecidos em arquivos municipais de Pedro Afonso, incluindo relatórios policiais da época do desaparecimento de Potira e correspondências do padre Salerno. Entre os documentos encontrou algo que havia escapado a pesquisadores anteriores, uma descrição física detalhada de Potira.
incluindo a menção a sua heterocromia, mas também a outro traço distintivo, uma marca de nascença na forma de um círculo perfeito na nuca que os indígenas interpretavam como um sinal espiritual. Mais inquietante ainda foi a descoberta de um depoimento nunca antes catalogado, dado por uma criança indígena que afirmava ter visto Potira na noite de seu desaparecimento.
Segundo o relato traduzido pelo padre, a criança observara secretamente quando homens pálidos levaram Potira para a caverna sagrada, carregando uma pedra que brilhava sob a lua. Eles fizeram Potira sentar-se sobre a pedra e começaram a cantar em uma língua estranha. A pedra brilhou mais forte e então Potira gritou, mas não com sua voz.
Era como se muitas vozes gritassem através dela. E então ela não estava mais lá, mas também não tinha ido embora. Era como se estivesse lá e não estivesse ao mesmo tempo. Em suas anotações pessoais, Dra. Rocha relacionou esse depoimento com as teorias pseudocientíficas do círculo antropológico do Brasil sobre portais dimensionais e estados liminares de existência.
O que inicialmente pareceria mero ocultismo fantasioso ganhava uma dimensão perturbadora, quando confrontado com a consistência dos relatos ao longo de décadas e os eventos inexplicáveis associados ao caso. O que parece emergir”, escreveu ela, “É possibilidade de que esses homens tentaram usar PTIra em algum tipo de ritual ou experimento baseado tanto em crenças ocultistas europeias, quanto em conhecimentos indígenas mal compreendidos sobre a caverna.
Seja o que for que aconteceu, parece ter resultado em um estado paradoxal. Potira não morreu no sentido convencional, mas também não continuou a existir normalmente. Os relatos consistentemente descrevem uma entidade que existe em um estado liminar, parcialmente aqui, parcialmente em outro lugar. Em maio de 2021, Dra.
Rocha organizou uma expedição final ao lago, determinada a documentar o que quer que estivesse associado à lenda de Potira. Acompanhada apenas por um cinegrafista e um técnico de mergulho, utilizou o equipamento de gravação subaquática avançado, incluindo câmeras com visão noturna. A equipe nunca retornou. Seus equipamentos foram encontrados abandonados na margem do lago, incluindo a câmera principal, que ainda funcionava.
As gravações recuperadas mostram os últimos momentos da expedição. A equipe em um pequeno barco no meio do lago ao entardecer. Na gravação pode-se ouvir, doutora Rocha apontando para algo na água. Está vendo aquele brilho? Não é reflexo. Está vindo de baixo. A câmera move-se para captar o que parece ser uma luz azulada pulsando sobre a superfície.
O técnico de mergulho prepara seu equipamento, visivelmente nervoso. Não gosto disso, doutora. A água não deveria se comportar assim. De fato, ao redor do barco, a água parece se mover de forma não natural, formando pequenos redemoinhos que não correspondem às condições de vento ou corrente.
A gravação mostra o mergulhador entrando na água, conectado por uma linha de segurança. Por alguns minutos, tudo parece normal, com comunicação regular entre ele e a equipe no barco. Então, abruptamente, ele grita através do comunicador: “Tem alguém aqui embaixo? Não é possível. Como ela pode estar respirando? Seus olhos, meu Deus! Seus olhos! A linha de segurança tensiona-se subitamente, como se o mergulhador estivesse sendo puxado com força.
Totara Rocha e o cinegrafista tentam puxá-lo de volta, mas a linha rompe-se. Nesse momento, a superfície da água ao redor do barco começa a borbulhar intensamente. Últimas imagens mostram algo emergindo da água, não completamente, apenas o suficiente para revelar o que parece ser um rosto parcialmente visível, com feições que combinam características humanas e não humanas.
No centro do rosto, onde deveriam estar dois olhos, há apenas uma grande orbe luminosa. A câmera cai, capturando imagens caóticas do barco, balançando violentamente. Ouvem-se gritos e então a gravação termina. As autoridades classificaram o caso como acidente de barco, presumindo que a embarcação havia virado devido a condições meteorológicas inesperadas e que os três tripulantes haviam se afogado.
No entanto, apesar de buscas extensivas, nenhum corpo foi encontrado. Curiosamente, a irmã de doutora Rocha, ao organizar os pertences da pesquisadora, encontrou um envelope lacrado, com instruções para ser aberto apenas em caso de sua morte. Dentro havia um diário detalhando sua pesquisa sobre Potira e uma carta de despedida que sugeria que Rocha estava ciente dos riscos que corria.

“Se você está lendo isto, é porque não retornei”, dizia a carta. Não lamente por mim. Vou voluntariamente por escolha própria. Após anos estudando esse fenômeno, compreendi que Potira não é apenas uma vítima ou um espírito vingativo. Ela é uma guardiã involuntária de uma fronteira que nunca deveria ter sido perturbada. O que quer que exista do outro lado dessa fronteira tem tentado encontrar um caminho para nosso mundo através dela, usando-a como âncora.
Os experimentos daqueles homens em 1906 abriram algo que não compreendiam. A carta continuava: “Os padrões são claros. Aqueles que desaparecem não são escolhidos aleatoriamente. Todos possuem alguma característica distintiva: heterocromia, marcas de nascença incomuns, anomalias genéticas raras, assim como potira.
Acredito que o que quer que exista do outro lado procura hospedeiros compatíveis, capazes de existir em ambos os estados simultaneamente. Eu também possuo tal característica, uma marca de nascença idêntica a Dipotira, um círculo perfeito na nuca. As linhas finais da carta eram particularmente perturbadoras. Vou ao encontro dela voluntariamente, não como vítima, mas como pesquisadora.
Se minha teoria estiver correta, poderei compreender finalmente o que aconteceu e talvez encontrar uma forma de encerrar este ciclo. Se não retornar, pelo menos terei certeza de que não fui apenas mais uma vítima inconsciente na longa cadeia que começou com ela.
E talvez, apenas talvez, minha escolha consciente faça alguma diferença no que quer que exista entre os mundos. O diário terminava com uma observação que parecia ter sido escrita com pressa, possivelmente na própria noite da expedição final. A água do lago está em todo lugar, em nosso sangue, em nossas lágrimas, em cada célula de nosso corpo. Agora entendo como ela tem alcançado pessoas ao longo de décadas, porque aqueles que se envolvem com sua história nunca escap verdadeiramente.
Não é ela quem nos encontra através da água, é o que está do outro lado, usando-a como conduto. Esta noite, quando o sol se pr, não serei eu buscando Potira, mas o contrário. As autoridades consideraram o conteúdo da carta e do diário como indicativo de um estado mental perturbado, possivelmente explicando o comportamento de risco que levou ao suposto acidente.
Desde então, o lago permaneceu aparentemente tranquilo. Os avistamentos da mulher do lago cessaram e não houve mais desaparecimentos. explicados na região. Para muitos, a lenda de Potira tornou-se apenas mais uma história antiga do sertão brasileiro, gradualmente diluída pelo tempo.
No entanto, pescadores da região ainda evitam certas partes do lago, especialmente ao entardecer e amanhecer. Dizem que ocasionalmente, quando o lago está particularmente calmo, é possível ver dois reflexos na água onde deveria haver apenas um. o seu próprio e ao lado dele brevemente o de uma mulher com olhos que não combinam.
Mais inquietante ainda é um fenômeno recente reportado por mergulhadores que trabalham na manutenção da barragem de lajeado. Em certas áreas profundas do lago, equipamentos eletrônicos falham inexplicavelmente. Bússolas giram sem direção definida e nas paredes rochosas submersas, novos entalhes ocasionalmente aparecem.
Símbolos que lembram aqueles encontrados anos antes, mas sutilmente diferentes, como uma linguagem evoluindo gradualmente. O caso da indígena Potira permanece um enigma obscuro, enterrado nas profundezas do lago e nos arquivos empoeirados de instituições diversas. As perguntas fundamentais persistem sem resposta definitiva. O que realmente aconteceu naquela noite de lua cheia em 1906? Que experimento aqueles homens tentaram realizar? E o que continua a aguardar nas profundezas entre este mundo e outro, observando através de olhos que não combinam? Talvez algumas fronteiras
realmente não devessem ser cruzadas. Talvez alguns conhecimentos exijam um preço alto demais. E talvez em certos lugares isolados do Brasil profundo, histórias que parecem meras lendas carreguem um núcleo de verdade perturbadora, uma verdade que, como as águas do lago de Lageado, esconde suas correntes mais perigosas sob uma superfície aparentemente plácida.
Se você algum dia visitar o Tocantins e se aventurar próximo ao lago, preste atenção ao seu reflexo na água. E se notar um segundo reflexo ao lado do seu, não olhe diretamente nos olhos dele, especialmente se um for escuro e outro claro, ou pior ainda, se houver apenas um grande e vazio, observando pacientemente.
Pois Potira ainda espera entre os mundos, entre a vida e algo outro, e dizem que ela não está mais sozinha. M.