O Açougueiro de Pernambuco: Fazendeiro Vendia Carne de Escravos Como Charque no Mercado (1854)

Em março de 1854, na freguesia de São Lourenço da Mata, interior de Pernambuco, autoridades sanitárias apreenderam 127 kg de shark vendido no mercado público, que, segundo análise posterior, não era carne bovina. Exames rudimentares identificaram vestígios de ossos humanos misturados ao produto.


Os registros da Câmara Municipal descreviam o achado como carne de procedência duvidosa, vendida por atravessadores da fazenda Santa Efigênia. O Shark estava salgado, prensado e embalado como qualquer outro. Ninguém suspeitou até que um médico português recém-chegado de Lisboa notasse a estrutura óssea estranhamente semelhante à anatomia humana. Documentos eclesiásticos da época registravam o desaparecimento de 31 escravizados da propriedade entre janeiro e março daquele ano. Nenhum corpo foi encontrado, nenhuma fuga foi registrada.
Os livros da fazenda indicavam apenas baixas por doenças diversas. Quando investigadores visitaram o engenho, encontraram uma salgadeira clandestina nos fundos da propriedade, com instrumentos que não serviam ao abate de gado. Se você está assistindo agora, deixe nos comentários de onde você nos assiste e que horas são aí.
Inscreva-se no canal para acompanhar outros casos que a história tentou enterrar. E fique até o final, porque o que aconteceu em Santa Efigênia vai além de qualquer imaginação. A fazenda Santa Efigênia era uma das propriedades mais prósperas da região de São Lourenço da Mata em meados do século XIX. Seus canaviais se estendiam por mais de 800 haares, alimentando três engenhos de açúcar que empregavam quase 200 escravizados.
O proprietário Joaquim Tavares da Silva descendia de portugueses estabelecidos no Brasil desde o século X. Sua família acumulara fortuna e prestígio através do cultivo de cana e da produção de aguardente. Joaquim herdara a propriedade em 1847, aos 42 anos, após a morte prematura de seu pai.
Homem instruído educado em Coimbra, ele retornara ao Brasil com ideias modernizantes sobre administração rural. Frequentava missas dominicais na igreja matriz, contribuía generosamente para obras de caridade e mantinha relações cordiais com autoridades locais. Sua esposa, dona Mariana, era conhecida por promover festividades religiosas e distribuir esmolas aos pobres livres da região.
Nos primeiros anos, sob gestão de Joaquim, Santa Efigênia experimentou crescimento notável. A produção de açúcar aumentou 40%, entre 1848 e 1851. Ele introduziu técnicas de irrigação aprendidas em Portugal e reorganizou a distribuição de tarefas entre os escravizados. Visitantes elogiavam a ordem aparente da propriedade. As senzalas, embora precárias como todas da época, pareciam minimamente mantidas.
Não havia relatos públicos de castigos excessivos ou fugas em massa. Documentos da Câmara Municipal registravam Joaquim como contribuinte exemplar. Ele pagava seus impostos pontualmente e participava de leilões públicos. Em 1850 foi nomeado capitão da Guarda Nacional, título honorífico que reforçava seu status entre os proprietários rurais.
Cartas trocadas com comerciantes do Recife revelam um homem meticuloso, preocupado com números, margem de lucro e eficiência operacional. Porém, algo mudou drasticamente entre 1852 e 1853. Os registros financeiros mostram queda abrupta na renda da fazenda. Uma praga atacou os canaviais, reduzindo a safra pela metade.
Joaquim contraiu dívidas com comerciantes portugueses e casas de crédito do Recife. Cartas preservadas no Arquivo Público de Pernambuco mostram sua crescente desesperação. Em uma delas, datada de julho de 1853, ele escreve a um primo em Lisboa: “As perdas me consomem. Preciso encontrar formas de recuperar o capital investido antes que tudo desmorone.
A solução que Joaquim encontrou permaneceu oculta por meses. Ele começou a negociar shark com atravessadores do mercado público de São Lourenço. Dizia que diversificava os negócios, aproveitando o gado excedente da propriedade. Os compradores aceitavam sem questionar. O preço era competitivo, a qualidade aceitável.
Ninguém suspeitava que a fazenda Santa Efigênia não possuía rebanho bovino significativo. Os livros de registro de animais indicavam apenas 12 bois de tração e algumas mulas. Entre setembro de 1853 e março de 1854, Joaquim vendeu aproximadamente 680 kg de shark ao mercado local. O produto era salgado, curado e embalado em fardos de pano, idênticos aos que vinham do sul da província.
Testemunhos posteriores de escravizados revelaram que um barracão isolado, a 300 m da Casagrande fora transformado em salgadeira. Apenas quatro cativos de confiança tinham acesso ao local. Os demais eram proibidos de se aproximar sob ameaça de castigo severo. A reputação de Joaquim Tavares permanecia intacta aos olhos da sociedade.
Ele comparecia a bailes, jantares e celebrações religiosas. Conversava com párocos e autoridades sobre política imperial, abolição gradual e progresso econômico. Sua esposa continuava bordando para a igreja e recebendo visitas de senhoras da elite local. Nada em sua conduta sugeria o que ocorria nos fundos de sua propriedade.
Documentos eclesiásticos cruzados com livros de registro da fazenda revelam inconsistências perturbadoras. Entre janeiro e março de 1854, 31 escravizados desapareceram dos registros de Santa Efigênia. As causas anotadas eram vagas: febre maligna, complicação pulmonar, debilidade geral. Nenhum corpo foi sepultado no cemitério de escravizados da propriedade.
Nenhum padre foi chamado para administrar sacramentos. Nenhum vizinho ou autoridade questionou a mortandade repentina. Padre Antônio Ferreira, responsável pela freguesia, anotou em seu diário pessoal uma visita que fez à Santa Efigênia em fevereiro de 1854. Ele escreveu: “Senhor Joaquim me recebeu com cordialidade, mas notei a ausência de vários rostos conhecidos entre os cativos.
Quando perguntei sobre eles, respondeu apenas que as doenças levaram os mais fracos. Não me convidou a benzer os túmulos. Achei estranho, mas não insisti. A verdade só começou a emergir quando o médico português Manuel Cardoso Ribeiro, recém-chegado ao Recife, foi chamado para examinar carne suspeita apreendida no mercado.
Manuel estudara anatomia em Lisboa e participara de autópsias. Ao analisar os fragmentos ósseos encontrados no Shark, imediatamente reconheceu estruturas incompatíveis com a anatomia bovina. As proporções, a densidade e o formato dos ossos sugeriam origem humana. Os primeiros indícios de que algo sinistro ocorria em Santa Efigênia surgiram meses antes da descoberta oficial.
Porém, como frequentemente acontecia em uma sociedade estruturada pela escravidão, os sinais foram ignorados, desvalorizados ou ativamente suprimidos. A palavra de escravizados não tinha valor legal. Suas denúncias raramente chegavam aos ouvidos de autoridades e quando chegavam eram descartadas como fantasias, ressentimentos ou mentiras.
Em outubro de 1853, uma escravizada chamada Joana conseguiu fugir de Santa Efigênia. Ela caminhou 18 quilômetros até alcançar a vila de São Lourenço, onde tentou falar com o delegado. Joana implorou proteção, alegando que pessoas estavam desaparecendo da fazenda e que ninguém sabia o destino dos corpos.


O delegado capitão Francisco Mendes registrou o caso como fuga de cativa fujona com histórias fantasiosas. Joana foi devolvida a Joaquim Tavares no dia seguinte. Testemunhas relataram que Joana voltou à fazenda acorrentada na traseira de uma carroça. Ela nunca mais foi vista.
Os registros da propriedade anotam apenas Joana, 28 anos, falecida por complicações após tentativa de fuga, novembro de 1853. Nenhuma investigação foi aberta, nenhum corpo foi apresentado. A vida seguiu normalmente em Santa Efigênia. Em dezembro do mesmo ano, um escravizado chamado Miguel desapareceu durante a noite.
Miguel trabalhava nos Canaviais e era considerado trabalhador resistente e obediente. Sua ausência foi notada na contagem matinal, mas nenhum alarme foi dado para captura de fugitivo. Joaquim simplesmente anotou no livro. Miguel, 34 anos, doença súbita, dezembro de 1853. Outros escravizados murmuravam que Miguel fora visto sendo levado ao barracão isolado na noite anterior, mas ninguém ousava perguntar.
Já noário, outro cativo testemunhou anos depois em depoimento ao subdelegado. A gente sabia que quem entrava naquele barracão não saía. Tinha quatro homens escolhidos pelo senhor que trabalhavam lá dentro. Eles não falavam com ninguém. À noite, a gente ouvia barulhos, mas era proibido olhar. Quem desobedecesse ia pro tronco ou pior.
Os cativos começaram a desenvolver estratégias de sobrevivência baseadas no silêncio e na invisibilidade. Evitavam cruzar com Joaquim após o anoitecer. Não questionavam quando alguém desaparecia. Rezavam baixo nas cenzalas pedindo proteção. Alguns tentavam se manter sempre visíveis. trabalhando com vigor redobrado, temendo que a fraqueza ou doença os tornasse alvos. A fazenda operava sob camada espessa de terror não dito.
Um comerciante livre, José da Costa, que fornecia sal para a fazenda, também notou irregularidades. Entre setembro de 1853 e fevereiro de 1854, Joaquim comprou quantidades extraordinárias de sal grosso. As encomendas triplicaram em relação aos anos anteriores.
José estranhou, pois sabia que Santa Efigênia não possuía charqueada significativa, nem rebanho bovino considerável. Quando perguntou, Joaquim respondeu que estava conservando carne de porco e peixe. José comentou a estranheza com outros comerciantes no mercado, mas ninguém deu importância. Joaquim era homem respeitado, capitão da Guarda Nacional, proprietário estabelecido.
Não cabia a comerciantes livres questionar os negócios de senhores de engenho. A hierarquia social da época sufocava qualquer suspeita que viesse debaixo. Em janeiro de 1854, uma mulher livre chamada Rosa, que vendia quitutes no mercado, comentou com vizinhas que o shark vendido por atravessadores de Santa Efigênia tinha cheiro diferente.
Ela disse que a textura era estranha, menos fibrosa que carne de gado. Algumas mulheres pararam de comprar, mas a maioria descartou a observação. Carne barata era mercadoria valiosa. Perguntas podiam gerar problemas. Padre Antônio Ferreira, mesmo não tendo sido convidado a benzer túmulos, continuou registrando suas inquietações.
Em março de 1854, ele anotou: “As almas de Santa Efigênia parecem pesadas. Quando celebrei missa na capela da propriedade, os cativos evitavam olhar diretamente para mim. Vi medo, não devoção. Senr. Joaquim estava tenso, apressado. Algo não está certo. Os sinais se acumulavam, mas nenhuma autoridade agia.
A estrutura social escravagista naturalizava o desaparecimento de pessoas negras. Mortes de escravizados não geravam investigações detalhadas. Senhores, tinham poder absoluto sobre propriedades e corpos. O estado interferia minimamente. A igreja, embora registrasse batismos e óbitos, dependia da boa vontade dos proprietários para acessar fazendas.
A omissão era institucional. Em fevereiro de 1854, um escravizado chamado Tomás conseguiu esconder bilhete em cesto de mandioca enviado ao mercado. O papel encontrado por uma lavadeira livre continha mensagem desesperada escrita em português rudimentar. Ajuda. Santa Efigênia mata a gente. Ninguém acredita, por favor. A lavadeira mostrou o bilhete ao marido que o levou ao subdelegado.
O subdelegado arquivou o documento sem investigação, alegando que poderia ser falsificação ou brincadeira. Os atravessadores que compravam Shark de Joaquim também começaram a notar inconsistências. Um deles, Severino Rodrigues, testemunhou posteriormente. Eu perguntava de onde vinha tanta carne, porque sabia que o engenho não tinha charqueada grande. Ele dizia que comprava de fornecedores do sertão.
Eu acreditava porque o preço era bom. Hoje penso que fui cúmplice sem saber. A esposa de Joaquim, dona Mariana, pode ter sabido de algo. Cartas encontradas após os eventos sugerem que ela questionou o marido sobre o barracão isolado. Em uma delas, sem data precisa, ela escreve a uma prima: “Jaquim está diferente, passa horas naquele lugar.
Diz que é salgadeira para gado, mas nunca vi gado sendo abatido. Tenho medo de perguntar demais. Ele fica nervoso quando, insisto. Em março de 1854, semanas antes da descoberta, três escravizados tentaram fuga coletiva. Foram capturados a poucos quilômetros da fazenda. Joaquim os mandou açoitar publicamente como exemplo.
Depois, os três desapareceram. Os registros anotam: Antônio, 26 anos, Benedito, 31 anos, Francisco, 29 anos, falecidos por complicações após castigo corretivo, março de 1854. Januário, que sobreviveu, relatou: “A gente sabia o que significava sumir depois do açoite. Não era morte comum, era outra coisa. A gente não falava, mas todo mundo sabia.
O medo era tão grande que paralisava a língua. A sociedade local funcionava com base em impactos silenciosos. Autoridades não investigavam propriedades rurais sem motivo grave. Comerciantes não questionavam a origem de mercadorias. Vizinhos não interferiam nos assuntos uns dos outros. A escravidão dependia desse silêncio coletivo, dessa cegueira voluntária.
Santa Efigênia operava dentro desse sistema, apenas levando à crueldade alguns passos além do que já era normalizado. Os sinais estavam todos ali. Compras excessivas de sal, desaparecimentos frequentes, ausência de túmulos, shark sem gado, terror visível entre escravizados, denúncias descartadas. Mas ninguém conectou os pontos.
até que a evidência física, innegável e chocante fosse colocada sobre a mesa de exame do médico português. A descoberta oficial aconteceu em 18 de março de 1854, quando Manuel Cardoso Ribeiro apresentou relatório detalhado à Câmara Municipal de São Lourenço da Mata.
O médico português não tinha vínculos sociais com proprietários locais, o que lhe deu liberdade para expor conclusões perturbadoras. Seu relatório preservado no Arquivo Público de Pernambuco é documento de leitura difícil. Manuel escreveu: “Após exame minucioso dos fragmentos ósseos encontrados no shar apreendido, concluo com certeza científica que pertencem a esqueleto humano.
As estruturas correspondem a fêmur, costelas e vértebras de indivíduo adulto. A ossatura foi cerrada com precisão, provavelmente com ferramentas de açou. A carne foi salgada e prensada segundo técnica comum de conservação. A notícia gerou comoção imediata. Autoridades provinciais enviaram delegação para investigar Santa Efigênia. Joaquim Tavares foi interrogado em sua própria Casagre.
Inicialmente negou tudo, alegando que o Shark vinha de fornecedores externos. Porém, quando investigadores examinaram os livros de compra e venda, não encontraram registro de aquisição de gado ou carne de terceiros. A contabilidade mostrava apenas venda, nunca compra.
No dia 20 de março, autoridades inspecionaram o barracão isolado. O que encontraram confirmou as piores suspeitas. O local funcionava como salgadeira clandestina, equipada com mesas de corte, facas de açouge, ganchos de suspensão, barris de sal grosso e prensas para shark. Havia vestígios de sangue nas paredes e no chão de terra batida. O cheiro era insuportável.
Nos fundos do barracão, investigadores descobriram vala contendo restos humanos parcialmente decompostos. Ossos misturados com cal, crânios quebrados, fragmentos de tecido. Um dos investigadores, capitão Raimundo Alves, escreveu em seu relatório: “A cena é de horror indescritível. Não há dúvida de que crimes e deiondos foram cometidos neste local.
A quantidade de restos sugere múltiplas vítimas. Os quatro escravizados que trabalhavam no barracão foram interrogados separadamente. Seus depoimentos, registrados com frieza burocrática pela justiça da época, revelam sistema calculado e metódico. Um deles, identificado apenas como Pedro, 38 anos, declarou: “O Senhor escolhia quem ia pro barracão, geralmente os mais fracos, doentes ou que davam problema.
mandava a gente levar de noite. Dizia que era pro bem da fazenda. Pedro continuou. A gente matava rápido. O Senhor não queria sofrimento demorado. Depois a gente cortava como se fosse gado. Salgava, prensava, embalava. O Senhor vendia no mercado. Dizia que era a única forma de salvar a fazenda da ruína.
Se a gente não obedecesse, ia prová-la também. Outro cativo, Damião, 41 anos, confirmou: “Foram mais de 30. Eu perdi a conta. A gente não queria fazer, mas o senhor dizia que éramos cúmplices. Se contássemos ia morrer também. A gente vivia com medo fazendo aquilo. De noite eu não conseguia dormir. Via os rostos. O depoimento mais detalhado veio de Inácio, 45 anos, que trabalhava na fazenda desde criança.
Ele descreveu: “O senhor mudou quando a safra fracassou. Ficou desesperado com as dívidas. Um dia chamou a gente e disse que tinha solução. Mostrou o barracão reformado. Disse que íamos ajudar a salvar Santa Efigênia. A gente não entendeu no começo. Inácio prosseguiu. A primeira foi Joana, aquela que tinha fugido e foi trazida de volta. O senhor disse que ela não prestava mais, que ia dar exemplo.
Mandou a gente levar ela pro barracão. A gente matou, cortou, salgou. Depois ele vendeu no mercado, ninguém percebeu. Aí ele continuou. Os depoimentos revelam que Joaquim Tavares escolhia vítimas estrategicamente. Priorizava escravizados doentes, considerados improdutivos, que representavam custo sem retorno. Também selecionava aqueles que demonstravam resistência, tentavam fuga ou questionavam ordens.
Sua lógica era simultaneamente econômica e punitiva. Ele transformava perdas inevitáveis em mercadoria comercializável. Documentos contábeis apreendidos na Casa Grande mostram registros codificados. Joaquim anotava as vendas de Shark em coluna separada, identificadas apenas como produto especial. Entre setembro de 1853 e março de 1854, ele lucrou aproximadamente R80.000 com essas vendas.
O valor representava 15% de sua receita no período, suficiente para aliviar parte das dívidas acumuladas. A esposa de Joaquim, dona Mariana, foi interrogada em 22 de março. Ela alegou desconhecimento total, disse que o marido proibia sua aproximação do barracão, alegando ser local impróprio para as senhoras. Ela afirmou que desconfiava de algo errado, mas jamais imaginou a natureza dos crimes.
Não há evidências documentais que comprovem ou refutem seu envolvimento. Ela foi liberada sem acusação formal. Joaquim Tavares foi preso em 23 de março de 1854. Durante interrogatório, inicialmente negou a autoria culpando os quatro escravizados.
alegou que eles agiam sem seu conhecimento, vendendo carne humana e embolsando o dinheiro. Porém, a contabilidade detalhada encontrada em seus próprios livros contradizia essa versão. As anotações eram de próprio punho, organizadas com precisão meticulosa. Confrontado com provas, Joaquim finalmente confessou: “Seu depoimento registrado pelo escrivão municipal é documento perturbador.
” Ele declarou: “Fiz o que era necessário para preservar o patrimônio familiar. A fazenda estava falindo. Eu não podia deixar tudo desmoronar por causa de uma safra ruim. Os cativos que usei eram improdutivos, doentes ou problemáticos. Ia perdê-los de qualquer forma.” Joaquim continuou com frieza. Transformei prejuízo em lucro. Foi decisão racional, comercial.
Eles não tinham valor como trabalhadores. Tinham valor como mercadoria de outro tipo. Ninguém perguntou a procedência do Shark. Ninguém suspeitou. Se o médico português não tivesse aparecido, eu teria continuado até equilibrar as contas. A sociedade local reagiu com horror e negação simultâneos.


Jornais da província publicaram relatos sensacionalistas. O caso foi chamado de O açueiro de Pernambuco pela imprensa do Recife. Alguns proprietários rurais defenderam Joaquim discretamente, alegando que pressões econômicas levavam homens ao desespero. Outros exigiram punição exemplar para preservar a ordem social.
Padre Antônio Ferreira celebrou missa especial pelas vítimas. Em sermão registrado por testemunha, ele disse: “Estamos diante de abominação que envergonha a nossa sociedade cristã. Mas pergunto, quantos sinais ignoramos? Quantas vezes fechamos os olhos para crueldades porque eram cometidas contra aqueles que consideramos menos que humanos? Santa Efigênia é espelho de nossos pecados coletivos.
Os escravizados sobreviventes da fazenda foram interrogados individualmente. Muitos confirmaram o clima de terror. Uma mulher chamada Rita, 33 anos, declarou: “A gente via pessoas sumindo e não podia falar. Se falasse, sumia também. A gente rezava baixo, pedindo para não ser escolhida. Cada manhã que a gente acordava viva era milagre”.
Outro sobrevivente, André, 28 anos, relatou: “Teve noite que a gente ouvia barulho vindo do barracão, som de serra, de corte. A gente tampava os ouvidos e rezava. De manhã, mais alguém tinha sumido e a gente fingia que não sabia de nada, porque saber era perigo.” As autoridades provinciais ordenaram esumação completa da vala nos fundos do barracão.
Foram encontrados restos mortais de pelo menos 28 indivíduos. Embora a decomposição e fragmentação tornassem contagem exata impossível, muitos corpos estavam incompletos, com partes faltando, provavelmente comercializadas como Shark. A equipe de esumação trabalhou três dias sob escaldante, documentando cada fragmento encontrado.
Manuel Cardoso Ribeiro participou da esumação. Ele anotou em diário pessoal: “Nunca presenciei tamanha barbárie.” Estudei anatomia em Lisboa. Conduzi autópsias, mas nada me preparou para esta cena. Os restos foram tratados como lixo, descartado sem mínima dignidade.
Não consigo parar de pensar que pessoas compraram e consumiram essa carne nos mercados sem saber. Os atravessadores que vendiam o Shark de Joaquim foram interrogados. A maioria alegou ignorância absoluta. Severino Rodrigues, o principal distribuidor, declarou: “Se eu soubesse, jamais teria tocado naquilo. O Senr. Joaquim era homem respeitado. O produto parecia normal, como eu podia imaginar.
Agora vou carregar essa culpa até morrer. Investigação posterior revelou que pelo menos 680 kg de carne humana foram comercializados em São Lourenço da Mata, entre setembro de 1853 e março de 1854. Famílias livres e pobres compraram e consumiram o produto sem suspeitar.
A descoberta gerou trauma coletivo na comunidade. Algumas pessoas ficaram doentes ao saber, outras desenvolveram a versão permanente à carne salgada. Os quatro escravizados que trabalharam no barracão foram mantidos presos como testemunhas e possíveis cúmplices. Seus destinos legais permaneceram incertos. A legislação da época não tinha precedente claro para julgar cativos forçados a cometer crimes por senhores.
Alguns juristas argumentavam que eles eram instrumentos, não autores. Outros exigiam punição, independente de coersão. Joaquim Tavares aguardou o julgamento na cadeia pública de São Lourenço. Nos meses seguintes, sua saúde deteriorou rapidamente. Ele desenvolveu febre persistente e delírios. Médicos suspeitaram de infecção ou colapso nervoso.
Em junho de 1854, três meses após a prisão, Joaquim morreu na cela. A causa oficial foi registrada como febre maligna não especificada. A morte de Joaquim Tavares em junho de 1854 encerrou qualquer possibilidade de julgamento público. Autoridades provinciais consideraram o caso resolvido com o falecimento do principal acusado.
Não houve tribunal, não houve sentença formal, não houve debate jurídico sobre a natureza dos crimes. O sistema judicial da época respirou aliviado com a resolução conveniente. Os quatro escravizados que trabalharam no barracão permaneceram presos até agosto de 1854, sem julgamento, sem acusação formal, sem defesa.
Em decisão administrativa, o juiz municipal determinou que fossem vendidos em leilão público, com recursos destinados ao pagamento de dívidas de Santa Efigênia. Pedro, Damião, Inácio e o quarto homem, cujo nome se perdeu nos registros, foram arrematados por diferentes compradores e enviados para propriedades distantes. Já noário, o escravizado que forneceu depoimentos detalhados sobre o terror na fazenda desapareceu dos registros históricos após setembro de 1854.
Não há informação sobre sua vida posterior, libertação ou morte. Como milhares de outros, sua existência foi reduzida a algumas linhas em documentos oficiais, depois apagada completamente do registro histórico. Rita André e outros sobreviventes de Santa Efigênia foram redistribuídos entre herdeiros da família Tavares. A propriedade foi inventariada e dividida. Os canaviais continuaram sendo cultivados.
Os engenhos continuaram moendo cana. A vida econômica da fazenda seguiu como se nada tivesse acontecido. O barracão foi demolido em julho de 1854 por ordem judicial. Todas as ferramentas foram queimadas. Dona Mariana, viúva de Joaquim, mudou-se para o Recife em outubro de 1854. Ela vendeu sua parte na herança e cortou vínculos com São Lourenço da Mata.
Documentos indicam que ela viveu discretamente até 1871, quando faleceu. Em testamento, deixou doações generosas para ordens religiosas, possivelmente buscando expiação. Nunca falou publicamente sobre os crimes do marido. Os herdeiros de Joaquim Tavares pressionaram autoridades para encerrar investigações.
argumentavam que a família já sofrera suficiente com a morte do patriarca e a exposição pública. Políticos locais, muitos com vínculos econômicos com proprietários rurais, concordaram. Em dezembro de 1854, o caso foi oficialmente arquivado. Os registros foram selados e enviados para arquivo provincial. A imprensa da província cobriu o caso intensamente entre março e junho de 1854.
Jornais do Recife publicaram relatos sensacionalistas, chamando Joaquim de monstro e desgraça da civilização cristã. Porém, após sua morte, a cobertura diminuiu rapidamente. Em agosto, o caso praticamente desapareceu das páginas. Outros escândalos, outras notícias, outras prioridades ocuparam o espaço.
Parte do silenciamento foi intencional. Proprietários rurais temiam que o caso alimentasse discursos abolicionistas. A década de 1850, via crescimento gradual de movimentos questionando a escravidão. Santa Efigênia oferecia munição poderosa para críticos do sistema. Mostrava até onde a desumanização podia chegar.
Mostrava que escravizados eram tratados literalmente como gado, inclusive no sentido mais horrível possível. Cartas trocadas entre autoridades provinciais encontradas por historiadores no século XX revelam preocupação com repercussões políticas. Um delegado escreveu em julho de 1854: “Devemos encerrar esse assunto discretamente.
Não convém alimentar debates que podem desestabilizar a ordem social. O culpado está morto. Os negócios da província precisam continuar.” Manuel Cardoso Ribeiro, o médico português que descobriu a verdade, enfrentou hostilidade velada. Ele foi excluído de círculos sociais da elite recifense. Suas tentativas de publicar artigo científico sobre o caso foram bloqueadas.
Em 1856, ele retornou a Lisboa, desiludido com o Brasil. Em carta, a colega portuguesa escreveu: “Descobri verdade que ninguém queria conhecer. preferiram matar o mensageiro do que enfrentar a mensagem. As vítimas de Santa Efigênia nunca receberam sepultamento digno. Após a exumação, os restos mortais foram colocados em caixão coletivo e enterrados em área não consagrada do cemitério municipal.
Nenhuma missa foi celebrada, nenhum nome foi gravado, nenhuma família foi notificada porque muitas vítimas eram africanas, arrancadas de suas terras, sem parentes conhecidos no Brasil. Padre Antônio Ferreira tentou organizar cerimônia memorial em setembro de 1854. Autoridades desaconselharam, argumentando que reabrir feridas não beneficiaria ninguém.
O padre realizou missa privada. documentada em seus diários, ele escreveu: “Rezei pelas almas esquecidas, tratadas como mercadoria na vida e na morte. Que Deus tenha misericórdia de todos nós que permitimos esse sistema funcionar”. Os consumidores que compraram e ingeriram a carne humana viveram com trauma duradouro.
Alguns desenvolveram problemas psicológicos. Uma mulher chamada Josefa, que comprava Shark regularmente no mercado, ficou gravemente doente ao descobrir. Testemunhas relataram que ela passou meses sem conseguir comer carne. Vizinhos comentavam que ela repetia obsessivamente: “Eu não sabia. Eu não sabia”. Famílias inteiras carregaram culpa involuntária.
Pais que alimentaram filhos com aquela carne sofreram angústia insuportável. A comunidade desenvolveu trauma coletivo, mas não tinha linguagem ou estrutura para processar o horror. A solução foi o silêncio, parar de falar, parar de lembrar, enterrar a memória junto com os corpos. São Lourenço da Mata tentou esquecer Santa Efigênia.
O nome da fazenda foi mudado pelos novos proprietários. Referências ao caso foram evitadas em conversas públicas. Crianças nascidas após 1854 cresceram sem conhecer a história. Em uma geração, o caso tornou-se quase lenda urbana, algo que talvez tivesse acontecido, talvez não. Difícil de verificar.
Documentos oficiais preservaram fragmentos da verdade, relatórios policiais, autos de apreensão, depoimentos de testemunhas, laudos médicos, todos arquivados em caixas empoeiradas. Durante décadas, ninguém os consultou. Historiadores do século XX, pesquisando escravidão em Pernambuco, redescobriram o caso.
Suas publicações trouxeram Santa Efigênia de volta à consciência histórica. Mais de 100 anos depois, os descendentes de escravizados de Santa Efigênia viveram sob sombra que muitos nem conheciam. Famílias negras da região carregam histórias interrompidas, ancestrais cujos destinos nunca foram esclarecidos. Alguns desapareceram nos registros entre 1853 e 1854, sem explicação, sem túmulo, sem memória preservada.
A escravidão não apenas destruiu vidas, mas apagou identidades, cortou linhas de transmissão familiar, criou buracos negros na história coletiva. A impunidade foi absoluta. Joaquim Tavares morreu sem enfrentar justiça. Os herdeiros mantiveram riqueza e status social. A estrutura escravagista, que permitiu os crimes continuou operando até 1888.
Nenhuma reforma legal foi implementada em resposta ao caso. Nenhuma proteção adicional foi criada para escravizados. O sistema seguiu matando, torturando, explorando até ser finalmente abolido por pressão econômica e política, não por consciência moral.
Os quatro cativos forçados a participar dos crimes nunca receberam reconhecimento como vítimas. foram tratados como cúmplices, vendidos como mercadoria, dispersados e esquecidos. Suas vozes registradas apenas em fragmentos de depoimentos oficiais revelam homens aterrorizados, forçados a escolher entre obedecer ordens horríveis ou morrer. Não houve compaixão, não houve compreensão, não houve justiça para eles.
Santa Efigênia representa extremo dentro de sistema já extremo, mas também expõe lógica central da escravidão, a transformação de pessoas em coisas, em propriedade, em mercadoria. Joaquim Tavares apenas levou essa lógica ao limite. Se escravizados eram objetos econômicos, por que não maximizar seu valor comercial de todas as formas possíveis? A pergunta é obscena, mas a escravidão sempre foi obscena.
Santa Efigênia apenas explicitou o que o sistema inteiro pressupunha. Perguntas permaneceram sem resposta. Quantas outras propriedades cometeram crimes semelhantes sem serem descobertas? Quantos senhores de engenho, pressionados por dívidas ou simplesmente sádicos, ultrapassaram limites já tênues da crueldade legal? Quantos corpos foram descartados em valas anônimas, sem registro, sem testemunhas, sem consequências.
A escravidão criou condições para atrocidades invisíveis. Santa Efigênia foi descoberta por acaso, quantas outras não foram? A verdade sobre consumo da carne humana no mercado nunca foi plenamente investigada. Autoridades temiam pânico público. Preferiram minimizar, alegando que quantidade era limitada, que poucas pessoas foram afetadas.
Mais os 680 kg documentados representavam dezenas de refeições distribuídas pela comunidade. Famílias pobres, que compravam shark barato como fonte de proteína foram vítimas involuntárias de crime que não podiam imaginar. O trauma coletivo de São Lourenço da Mata não foi reconhecido ou tratado. Não existiam estruturas de apoio psicológico.
A sociedade lidou com o horror através de negação e esquecimento. Mas traumas não desaparecem simplesmente porque paramos de falar sobre eles. Eles ficam na memória comunitária, transmitidos através de silêncios, medos não explicados, histórias fragmentadas. Hoje, mais de 170 anos depois, os restos mortais das vítimas de Santa Efigênia continuam em túmulo coletivo, sem identificação. Nenhum memorial foi erguido, nenhuma placa marca o local.
A fazenda, sob outros nomes e proprietários, permaneceu produtiva até meados do século XX. A terra que testemunhou horror inominável continuou gerando lucro, indiferente ao sangue que a embebeu. Descendentes de escravizados da região raramente conhecem essa história. Não é ensinada em escolas locais, não faz parte da memória oficial.
Como tantos outros horrores da escravidão, foi deliberadamente esquecida, enterrada sob camadas de silêncio institucional. Apenas pesquisadores especializados conhecem os detalhes. O grande público ignora que o açgueiro de Pernambuco realmente existiu. A história de Santa Efigênia nos força a confrontar verdades desconfortáveis.
A escravidão não foi apenas injustiça econômica ou opressão política. Foi sistema de terror cotidiano, onde pessoas viviam sob ameaça constante de violência extrema, onde corpos podiam ser mutilados. mortos e descartados sem consequências. Foi estrutura que transformou seres humanos em objetos tão completamente que um homem educado, respeitado, cristão, viu como solução racional para problemas financeiros transformar escravizados em Shark.
E foi sistema mantido por silêncios coletivos, pelos que não quiseram ver, pelos que viram e nada fizeram, pelos que sabiam e escolheram esquecer, pelos que arquivaram documentos e encerraram investigações, pelos que mudaram de assunto e preferiram não falar. O horror de Santa Efigênia não aconteceu apenas no barracão isolado, aconteceu em cada momento em que a sociedade escolheu não olhar, não perguntar, não agir.
As vítimas de Joaquim Tavares da Silva não têm nomes nos registros históricos. Foram reduzidas a números, idades aproximadas, causas de morte falsificadas. suas histórias, suas vidas, suas famílias, tudo foi apagado. Elas merecem ser lembradas.
Merecem que seus nomes sejam resgatados, suas mortes reconhecidas, sua humanidade afirmada contra sistema que tentou negá-la absolutamente. Mas o silêncio continua. A história de Santa Efigênia permanece obscura, conhecida apenas por especialistas, ignorada pelo público geral, como se houvesse vergonha demais em admitir que isso aconteceu, como se preferíssemos acreditar que a escravidão foi ruim, mas não tão ruim assim, como se não quiséssemos enfrentar o abismo completo da desumanização que nossos ancestrais permitiram, justificaram e lucraram. Se esta história te impactou, se você ficou
até o final, é porque sente que essas verdades ocultas também precisam ser expostas. Então, deixe sua avaliação nos comentários de zer a 10. Como você avaliaria esta história? E aproveite para se inscrever no canal. Há muitos outros casos que o mundo tentou esquecer, mas nós insistimos em lembrar.

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