No sertão do Cariri Cearense, nasceu uma mulher que desafiou o destino. Em tempos de coronéis e jagunços, quando o poder tinha nome de homem e o medo se medie em léguas, ela ergueu sua voz, seu mando e seu nome. Chamava-nam de coronela de Saia, a dona do tipi, a mulher que mandava mais que o vigário.

Seu nome de batismo era Maria da Soledade Landim, mas o povo, o povo do sertão, eternizou-a de outro jeito, do Tipi. E até hoje, mais de um século depois, seu nome ecou entre as serras, nas conversas de varanda, nos causos contados à beira do fogo. Este é o relato de sua vida entre o que é a história confirmada e o que o povo transformou em lenda.
Porque no sertão às vezes o mito e o fato caminham lado a lado e é difícil saber onde termina um e começa o outro. [Música] [Aplausos] [Música] O Cariri Cearense. Fim do século XIX. Um tempo em que o sertão era quase um país à parte. governado por coronéis, fazendeiros e padres. As leis da capital demoravam a chegar e quando chegavam muitas vezes já não valiam mais.
Era o tempo das grandes secas, das fazendas de gado e das disputas por terras que se resolviam mais na bala que no tribunal. O povo vivia sob o mando de famílias poderosas. Cada uma controlava uma região, uma vila, uma ribeira. Os homens que mandavam tinha agunços, padrinhos políticos e influências sobre a polícia e sobre os padres.
E no meio desse mundo de ferro e pólvora, o papel da mulher era claro, cuidar do lar, dos filhos e da fé. Mas de vez em quando o sertão paria exceções, mulheres de fibra, de coragem e mandou. Mulheres como Fideralina Augusto em Lavras da Mangabeira ou como Maria da Soledade Landim, a do Tipjvante na história dos homens.
Tipi a época era um pequeno povoado pertencente ao município de Aurora, encravado no sopé da serra entre Aurora, Missão Velha e Barro, terra quente de solo fértil e gente valente. Foi ali que nasceu e construiu sua fama, a mulher que o povo aprenderia a respeitar e a temer. Maria da Soledade Landim nasceu em 1865 no Sítio Gameleira, município de Missão Velha, no Ceará.
Filha de João Manoel da Cruz, conhecido como Joca da Gameleira e de Joaquina de Sales Landim, a Quininha. Pertencia a uma família tradicional, dona de terras, gado e influência na região. Era a quarta de oito irmãos, filhos de uma linhagem sertaneja antiga, acostumada com a seca, com o trabalho e com o mando. Cresceu vendo o pai negociar cabeças de gado e a mãe resolver disputas doméstica com uma firmeza que impressionava.
Desde menina, Marik aprendeu a montar, a lidar com o gado, a medir distâncias e a comandar agregados. O destino já parecia apontar para uma mulher que não se deixaria dobrar. As histórias orais dizem que tinha temperamento forte, voz firme e um olhar que fazia os outros abaixarem a cabeça. Era respeitada e temida desde moça, e, segundo alguns relatos, não ademiti injustiças nem submissão.
Mas naquela época o futuro de uma mulher, mesmo a mais decidida, passava pelo casamento. E foi assim que em 1884, aos 19 anos, Maria da Soledade Landim casou-se com José Antônio de Macedo, conhecido como Cusa do Tipi. Cazusa do Tip era um homem de posses, também oriundo de família influente. Os Macedo, como os Landim, tinham terras e nome respeitado.
O casamento uniu duas linhagens de prestígio e consolidou o poder dos dois no Cariri. Juntos foram morar no Sítio Tip, uma região fértil e estratégica, cercada de riaços, pés de oitica e casas espaças. Ali construíram um lar próspero, fazenda, engenho, gado e roçados de milho, feijão, algodão e cana. cuidava da casa e dos negócios e, segundo as lembranças familiares, não se contentava com a sombra do marido.
Queria participar das decisões, das compras, das trocas, das contratações. Tiveram três filhos. Raimundo Antônio de Macedo, o Mundoca, Joana da Soledade, Landinha Joaninha e João Antônio de Macedo. A família prosperava e o tipi crescia em importância, mas o destino, esse mesmo que a tornaria lendária, logo a colocaria à prova.
Em 1905, Cazusa faleceu. então viúva aos 40 anos, viu-se diante de um dilema: vender as terras e depender dos irmãos ou tomar as rédias da vida e manter o império de pé. Ela escolheu o segundo caminho. Sozinha, sem marido, assumiu o comando da fazenda, dos filhos e dos negócios. E foi aí que nasceu a fama da coronela do tipi.
Os moradores da região contam que quando alguém se aproximava da casa de era recebido com respeito e temor. A mulher sabia negociar, sabia falar duro, mas também tinha um senso de justiça, o que lhe rendeu tanto aliados quanto inimigos. Era comum vêla montada a cavalo, chapéu de aba larga, vestido pesado, cavalgando entre as plantações.
Fiscalizava o trabalho dos agregados e resolvia pendências com autoridade de um coronel, um gesto, um olhar e todos entendiam o que devia ser feito. Naquele tempo, uma mulher viúva com poder sobre homens e terras era quase uma aberração. enfrentou o preconceito comíveis. E quem tentava subestimar sua força acabava descobrindo que sob o vestido havia ferro e fogo.
Pouco depois voltou a casar-se, dessa vez com Antônio Abel de Araújo, viúvo, homem tranquilo, vindo de missão velha. O casamento foi mais uma aliança do que paixão. Dizem que o segundo marido respeitava o mando de e não se metia em suas decisões. Ela continuava sendo a senhora do tipi. Com o passar dos anos, se tornou peça fundamental nas redes de poder do Cariri.
Sua família tinha ligações com os Landin, os Macedo, os Cruz e os outros clãs tradicionais. Nomes que figuravam entre os mais poderosos do interior. Com o falecimento do marido, ela herdou terras, influência e contatos e usou tudo isso com inteligência. Os moradores mais antigos contam que participava das decisões da comunidade, resolvia disputas de terra e influenciava a política local.
era procurada para resolver conflitos entre vizinhos, fazer acordos e dar conselhos. Uma espécie de juíza do sertão. Seus pareceres tinham mais peso que os do delegado ou do juiz de Aurora. Era o tempo do coronelismo e o sertão conheceu seus coronéis de saia. A fama de Macedo está intimamente ligada à chamada questão de 1908 ou fogo do Taveira, um dos episódios políticos mais marcantes da história de Aurora.

Naquele tempo, o município era administrado por Antônio Leite, irmão de uma das cunhadas de esposa de seu irmão, José Francisco, e grande amigo de Casusa Macedo, filho já falecido da matriarca. Antônio ocupava simultaneamente os cargos de prefeito, intendente e coletor em uma época turbulenta em que as deposições de chefes políticos se tornavam cada vez mais comuns.
Era o mesmo período em que Honório, de Lavras da Mangabeira foi deposto pela própria mãe, dona Federalina. E um episódio que chocou o Cariri. O tio do prefeito coronel Teotônio Leite, pai de Vicente Macedo, casado com Joaninha, a única filha de decidiu liderar um movimento para derrubar o sobrinho do poder. Para isso, chamou os Macedo a se reunirem à campanha.
Os filhos e chegaram a participar de algumas reuniões, mas a velha matriarca, usando de sua autoridade, proibiu-os de continuar no movimento, lembrando os laços familiares e de amizade que mantinham com o próprio prefeito. Obedientes à mãe, os filhos comunicaram imediatamente até o Tônio Leite que estavam se retirando da conspiração.
O anúncio causou grande impacto. Sem o apoio dos Macedo. O movimento praticamente se desfez, já que a força e o prestígio da família eram pilares fundamentais da revolta. Ofendido e tomado pela ira, o coronel Teotônio decidiu se vingar. ordenou um cerco ao sítio TPI, residência dos Macedos, e mandou incendiar todas as dependências da propriedade.
Entretanto, o próprio filho de Teotônio, Vicente Macedo, ao saber da decisão do pai, correu para avisar sua esposa, que montou as pressas num cavalo e percorreu quatro léguas, cerca de 24 km a galope, até o tipi, para alertar a mãe Macedo sobre o perigo iminente. Sem hesitar, Marik reuniu seus animais e pertences e partiu com toda a família em direção à Missão Velha, onde o chefe político Joaquim de Santana, parente próximo seu e de seu falecido marido, poderia oferecer proteção.
Havia também a possibilidade de buscar abrigo em barbalha sob a influência do coronel João Raimundo Macedo, o Joca do Brejão, tio de seu primeiro esposo. Naquele mesmo período, a região vivia outro conflito, desta vez entre os santos do sítio do Taveira e os Leite, envolvendo disputas por terras ricas em cobre. Quando os homens de Teotônio chegaram à Taveira à procura de o encontro resultou em violenta luta, durante a qual foi morto Casusa Macedo, o filho caçula da matriarca, então com apenas 14 anos, que se encontrava refugiado ali
com os demais familiares. Apesar da tragédia, manteve-se firme. Ao ver os filhos chorando sobre o corpo do irmão, ordenou com voz firme: “Não deixa disso. Encosta ele num pé de parede e vamos lutar. E ela mesma ajudou a colocar o corpo do filho junto à parede, retornando em seguida ao combate.
Coragem e disposição eram qualidades que não lhe faltavam. Pouco tempo depois, com o apoio de vários coronéis do Cariri, Marik reuniu cerca de 600 homens armados, um verdadeiro exército sertanejo, e marchou sobre a Aurora no dia 23 de dezembro de 1908. O ataque foi devastador. Casas e fazendas foram incendiadas. A ofensiva liderada por dona contou com o auxílio de figuras poderosas do sertão.
Domingos Furtado de Milagres, Raimundo Santana de Missão Velha, Joca do Brejão de Barbalha e José Inácio do Barro juntos enviaram um telegrama ao presidente do estado ligado aos Acioli, pedindo a retirada das forças policiais de Aurora, pedido que foi prontamente atendido, o que permitiu que a vingança de se consumasse sem resistência.
A façanha levou a matriarca dos Macedo ao patamar de uma verdadeira chefe política. Uma raridade para uma mulher naquela época. ganhou o respeito do povo e dos coronéis, tornando-se uma das únicas, se não a única, mulher do sertão a exercer poder de decisão e comando em assuntos políticos e militares. Anos depois, quando seu filho Antônio Macedo assumiu a Prefeitura de Aurora, o município foi dividido em zonas administradas para facilitar a gestão.
Uma dessas áreas que se estendia até os limites da Paraíba ficou sob responsabilidade de dona que administrou com eficiência e pulso firme. O sítio Tiponstruído após a destruição, tornou-se um coito famoso de cangaceiros, um refúgio seguro entre uma pilhagem e outra. Com eles, mantinha ótimas relações, oferecendo abrigo e alimento em troca de fidelidade.
Sempre que precisava, podia contar com a força desses homens do sertão. Um exército à disposição da mulher, que para muitos foi a verdadeira coronel do Cariri. A matriarca da família Macedo teve uma morte cercada de mistério em 6 de janeiro de 1924. Mulher profundamente religiosa, Marik era conhecida por suas orações diárias, nas quais pedia fvorosamente a Deus que nunca precisasse presenciar a morte de outro filho.
Certo dia, foi chamada as pressas ao tipi, pois sua filha Joana estava gravemente doente. O destino, porém, a atendeu de forma curiosa ao seu pedido. Ao entrar no quarto da filha, sofreu um súbito e estranho mal. falecendo instantaneamente. Assim, não chegou a ver a morte de Joana, que veio a falecer apenas alguns dias depois, entre três e seis, segundo relatos.
Anos mais tarde, durante a esumação dos restos mortais de foi encontrado um detalhe intrigante. Sua dentadura estava posicionada na altura das costelas. A descoberta levou muitos a acreditar que a matriarca teria morrido asfixiada após engolir acidentalmente os dentes postiços. M.