A cena era surreal, inédita e profundamente assustadora. No epicentro da democracia brasileira, a Câmara dos Deputados, o lugar que deveria ser o templo da transparência e do debate público, transformou-se em palco de um ato de censura e truculência que ficará marcado na história. A jornalista Natuza Nery, com a autoridade de décadas cobrindo o Congresso, não hesitou em confrontar ao vivo o Presidente da Câmara, Hugo Motta, sobre a medida arbitrária de expulsar a imprensa do plenário. O que se seguiu foi uma denúncia estarrecedora de violência e um “apagão” que só pode ter sido ordenado do topo da pirâmide de poder. Este episódio não é apenas um deslize logístico ou uma falha de comunicação; é um sintoma perigoso da deterioração das relações entre o poder e a fiscalização jornalística, e um atentado direto contra os pilares do Estado Democrático de Direito.
A atitude inicial de retirar a imprensa de dentro do plenário, conforme relatado pela jornalista, não é “usual, não é trivial” e, de forma inegável, representa um cerceamento grave à liberdade de imprensa. É o tipo de movimento que se espera em regimes autoritários, onde o controle da narrativa é prioridade absoluta, e não em uma república consolidada. O trabalho da imprensa, em momentos de alta tensão política, é garantir que o público tenha acesso imediato e fidedigno ao que ocorre nos bastidores do poder. Ao remover os olhos e ouvidos da nação, a Câmara estava, na prática, tentando realizar um debate fundamental às escuras.

O Presidente Hugo Motta, colocado contra a parede, buscou o controle de danos. Em um contato telefônico com a jornalista, ele alegou que “não era essa a intenção dele” e prometeu que faria uma retratação pública no plenário. Essa atitude, embora protocolarmente correta, falha em resolver a essência do problema. A Natuza, com a acuidade que a distingue, exigiu um compromisso crucial: que “isso nunca mais acontecerá dentro da gestão dele”. Motta respondeu que sim e, em um gesto de reconhecimento da gravidade, pediu desculpa à imprensa brasileira por “este episódio”. Ele reforçou a narrativa de que não deu a ordem de expulsão, algo que já havia dito a outros repórteres.
Contudo, a versão oficial colide com a realidade presenciada. A imprensa não pôde registrar a cena de caos interno que culminou em luta corporal entre parlamentares e seguranças. Repórteres experientes, como Lisa Claveri, relataram que foram assessorias da Presidência da Câmara que os expulsaram de lá. A dissonância entre a palavra de Motta — que nega ter dado a ordem para a Polícia Legislativa — e o fato consumado — a expulsão efetiva — levanta uma questão de comando e responsabilidade: Se o Presidente da Casa nega a ordem, quem, de fato, está no controle das estruturas de segurança do Poder Legislativo? A negação de responsabilidade, neste caso, pode ser tão danosa quanto a ordem em si, pois sugere uma Casa sem comando centralizado ou, pior, um comando que opera nas sombras.
O cerceamento à cobertura jornalística presencial foi apenas a metade do ataque. O sinal da TV Câmara, o canal oficial e público para a transmissão dos trabalhos, parou de transmitir as cenas. A jornalista, ao explicar a estrutura de comando, é enfática: o sinal da TV Câmara “só sai do ar para uma decisão de cima”. Este não é um erro técnico fortuito. É um ato deliberado, uma decisão de alguém “com poder” que buscou, ativamente, impor um apagão informativo ao país. O que estavam tentando esconder? A interrupção da transmissão pública, somada à expulsão da imprensa privada, configura o cenário de censura perfeita, um vácuo de informação preenchido pela especulação e pela desconfiança. É um tapa na cara do princípio democrático da publicidade dos atos.
A denúncia de Ana Flor (cuja participação é subentendida pelo título e pelo tom da fala de outros repórteres) revela o drama vivido do lado de fora. A repórter, em mais de 20 anos de cobertura, jamais presenciou uma cena daquele tipo. Durante mais de 20 minutos, a imprensa gritava do lado de fora: “Libera, libera”, um coro de protesto que ecoa a súplica por transparência. Enquanto isso, o que se desenrolava era uma “luta corporal entre parlamentares e a segurança da Câmara”. O uso de força contra a representação popular dentro do próprio Parlamento é um ultraje que merece apuração imediata e rigorosa.
A própria repórter tornou-se vítima da truculência. Ao tentar cobrir e se aproximar do momento de tensão, ela “recebeu empurrões de seguranças da Câmara”. Tais situações, ela corretamente pontua, “não são aceitáveis”. A segurança, que deveria garantir a ordem e a integridade de todos, agiu de forma “truculenta”, transformando o ambiente de trabalho dos jornalistas em uma zona de conflito. A indignação é palpável e a pergunta permanece: “Se o presidente da Câmara não autorizou isso, onde ele estava?”. O vácuo de liderança é lamentável para a história da Câmara e, principalmente, para a democracia brasileira.
É impossível dissociar o caos da motivação política. A jornalista Glauber, trazida ao debate (ou citada, dependendo do contexto da gravação), ressalta que tudo o que ocorreu está inserido no contexto de uma votação crítica: a do texto de dosimetria que “privilegia, que ajuda o ex-presidente Jair Bolsonaro”. A tentativa de blindar ou facilitar uma votação de alta sensibilidade política, utilizando métodos de força e censura, sugere que o objetivo era blindar o processo de escrutínio público, permitindo que o interesse político se sobrepusesse à transparência.
A crítica final ao Presidente Motta não é apenas sobre o episódio atual, mas sobre um padrão de impunidade. A repetição da violência e da desordem no plenário, argumenta-se, é um erro sistêmico que se deve a Motta “não ter punido o que ocorreu há alguns meses, quando parlamentares de direita invadiram a presidência, sentaram na sua cadeira”. A ausência de punição para atos anteriores de violência política pavimentou o caminho para a escalada atual, culminando na expulsão não só da imprensa, mas também de “funcionários da Câmara”, e no corte de sinal.
A única salvação para o registro histórico desse dia vergonhoso veio, ironicamente, dos próprios alvos da censura. As cenas chocantes, que não puderam ser transmitidas pela TV pública nem registradas pela imprensa profissional, foram documentadas pelos “próprios parlamentares”, que utilizaram seus celulares para furar o bloqueio informativo. Isso, por si só, é um “absurdo” e uma prova cabal da necessidade de a imprensa estar presente e desimpedida, pois a transparência não pode depender da boa vontade ou da capacidade de gravação dos próprios atores políticos.
Este episódio de censura e truculência na Câmara dos Deputados representa uma mancha indelével na gestão do Presidente Hugo Motta e um sério alerta para as instituições democráticas brasileiras. A liberdade de imprensa é o oxigênio da democracia; sufocá-la, ainda que por breves 20 minutos, é um ato de autossabotagem institucional. A Promessa de “nunca mais” deve ser acompanhada de uma investigação rigorosa e de punições exemplares para todos os envolvidos no comando do “apagão” e da violência. O plenário, que ainda estava fechado ao final do relato, precisa reabrir não apenas as suas portas físicas, mas também as suas portas para a luz da publicidade e da fiscalização jornalística. A sociedade exige respostas e, acima de tudo, respeito inegociável à sua maior garantia: a liberdade de saber.
Plenário tá fechado.