Tudo começou com um som que não combinava com aquela rua tranquila do subúrbio. O ronco grave dos motores Harley-Davidson cortava o ar da tarde como um trovão ecoando em um céu calmo. Motociclistas chegavam, seus coletes pretos ostentando o emblema flamejante dos Hell’s Angels, suas sombras se estendendo pelo asfalto quente.

Os vizinhos observavam por trás das cortinas. Mães puxavam seus filhos para dentro de casa, e até o vento parecia hesitar. Mas em meio ao estrondo e ao aço, uma voz mais baixa e suave se ergueu, trêmula, inocente e de um desespero comovente.
“Senhor, o senhor compraria minha bicicleta?”
Os homens diminuíram a velocidade, com os motores em marcha lenta. Uma menininha, de não mais de seis anos, estava parada na calçada.
Seus cabelos eram claros e despenteados, seu vestido limpo demais para seus sapatos gastos. Uma bicicleta rosa com uma cestinha branca estava ao lado dela, e em suas mãos ela segurava uma placa de papelão que dizia: “À Venda”. O motociclista menor, ou talvez o mais gentil, desligou o motor e desmontou. Os outros seguiram, suas botas pesadas trovejando no asfalto.
Ele se ajoelhou diante da criança, o cromo de sua motocicleta brilhando atrás dela como um espelho refletindo um mundo cruel. Seu nome era Mirror, e seus olhos carregavam algo que não deveria existir no olhar de uma criança: exaustão. Atrás dela, sob uma árvore ao longe, uma mulher mais velha estava sentada, encolhida contra o tronco, enrolada em um cobertor, pálida e magra.
A garganta do motoqueiro se fechou quando Meera falou novamente, apertando o escudo com mais força.
“Por favor, senhor, minha mãe não come há dois dias.”
O nome do motoqueiro era Ryder. Seus irmãos o chamavam de Lobo. Mas o apelido nunca combinou muito bem. Sob as tatuagens e a jaqueta de couro, havia um homem que havia perdido mais do que a maioria poderia imaginar. Um pai que o abandonara, um filho que nunca voltara para casa e uma fé no mundo que ele pensava ter desaparecido há muito tempo. Mas naquele dia, ajoelhado no asfalto quente, ele sentiu algo se agitar dentro de si.
Ele perguntou-lhe suavemente o que ela queria dizer e, entre recuperar o fôlego e algumas lágrimas, Meera contou-lhe tudo. Sua mãe, Clara, trabalhava para uma empresa de catering local que ele possuía, uma empresa respeitada em toda a cidade. O Sr. Hensley, o CEO, sorria nas capas de revistas e fazia doações para instituições de caridade para as câmeras. Quando a empresa teve que reduzir o quadro de funcionários, Clara estava entre os demitidos.
Ela implorou a ele, suplicando para manter o emprego por mais algumas semanas para poder alimentar a filha. Mas Hensley não se importou. Disse que ela era substituível. Desde então, Clara estava fraca demais para encontrar trabalho novamente. As contas se acumulavam, a geladeira estava vazia e o orgulho a impedia de pedir ajuda. Meera pegou seu único brinquedo, sua bicicleta rosa, e decidiu vendê-la para comprar comida.
Ryder sentiu algo dentro de si se romper, como o último fio que prendia anos de raiva reprimida. Seus irmãos, Tank, Viper e Mason, já tinham visto aquele olhar antes. Sem dizer uma palavra, assentiram. Não era pena que sentiam. Era raiva, aquela que surge quando se vê a inocência esmagada pela ganância. Ryder enfiou a mão no colete, tirou a carteira e colocou um maço de notas na mão trêmula da menina.
“Fique com a moto, pequena”, murmurou ele, a voz grave e rouca de emoção. “Mas este não é o fim. Não para ele. Ele não podia simplesmente ir embora, sabendo que homens poderosos tinham tirado tudo de uma mulher e de seu filho.”
Ele disse a Meera para ficar com a mãe, prometeu voltar logo, e então os motores roncaram novamente.
Os Hell’s Angels não eram santos, mas tinham seu próprio tipo de justiça. Naquele dia, não usaram armas nem violência. O que usaram foi a verdade. Estavam rondando o escritório de Hensley, um alto prédio de vidro que brilhava à luz do sol, um monumento à arrogância. Os quatro homens invadiram como um trovão após um relâmpago, suas botas ecoando no piso de mármore. A recepcionista congelou.
O olhar de Ryder encontrou o de Hensley através da parede de vidro de seu escritório. Eram o tipo de homens com relógios de ouro, sorrisos falsos e mãos que não trabalhavam um dia honestamente há anos.
“O que significa isso?”, zombou Hensley quando entraram.
Mas Ryder não gritou. Colocou a placa de “Vende-se” na mesa impecável do CEO, o mesmo pedaço de papelão que Mirror estava segurando.
“Este”, disse ele em voz baixa, “é o preço que sua ganância lhe cobrou.”
Pela primeira vez, o empresário refinado pareceu abalado. Ryder contou-lhe sobre a garotinha, a mãe que morreu de fome debaixo de uma árvore e a bicicleta que valia mais em amor do que todos os seus carros juntos.