O anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro à Presidência da República, feito em meio a uma crescente pressão da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF), não se sustentou por 48 horas. Longe de ser uma demonstração de força, o movimento se revelou um ato de desespero e um tiro no pé político, expondo publicamente uma estratégia bizarra de barganha que tinha como preço único e inegociável a anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro e, por tabela, a salvação jurídica do próprio clã.
A reação foi imediata, brutal e veio de todos os lados: do mercado financeiro, de figuras proeminentes da direita e, previsivelmente, do sistema de Justiça, que, segundo analistas, não recuará. O plano, classificado como “amadorismo total” até por aliados históricos como o pastor Silas Malafaia, naufragou em menos de dois dias, transformando uma jogada de mestre que visava negociar a liberdade em um vexame de proporções épicas, que arrancou gargalhadas e até comemoração discreta nos bastidores do Palácio do Planalto.
O Escudo da Imunidade e o Teatro da Perseguição
A manobra do clã Bolsonaro foi lida pelo cenário político como um movimento desesperado para criar um escudo de imunidade e uma narrativa de perseguição política em torno de Flávio Bolsonaro. Nos bastidores, as investigações conduzidas sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, no âmbito das apurações contra facções criminosas e a atuação de milícias digitais, se aproximam perigosamente do senador. Despachos recentes do ministro citaram aliados de Flávio, incluindo um advogado preso por ligações com grupos criminosos e até um ex-árbitro de futebol indicado pelo senador para um cargo na Secretaria de Esportes do Rio de Janeiro. A batata de Flávio, como se diz na gíria política, estava “assando rapidamente”.

Diante da iminência de operações e do aprofundamento das investigações, o clã optou por ressuscitar uma tática já conhecida no jogo político da extrema-direita. A estratégia é simples: anunciar o alvo da investigação como candidato a um cargo majoritário. Assim, quando a polícia age, a narrativa de defesa é instantânea: “Alexandre de Moraes e a esquerda estão com medo e perseguindo nosso candidato”.
Essa mesma peça de teatro foi encenada em ocasiões anteriores. Em 2023, quando uma operação de busca e apreensão atingiu o número dois e três da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), indicados por Alexandre Ramagem (aliado do clã), a investigação parecia se aproximar de Ramagem e Carlos Bolsonaro. O que fez o ex-presidente? Peitou a cúpula do seu partido, passou por cima de negociações e cravou: “Nosso candidato [à prefeitura do Rio de Janeiro] é Ramagem”. Meses depois, quando Ramagem foi alvo de uma operação de busca e apreensão, a narrativa estava pronta: “Estão perseguindo o nosso candidato”.
Outro exemplo ocorreu em janeiro de 2024, quando Carlos Jordy, então líder da oposição na Câmara, foi alvo de busca e apreensão. Dois dias depois, ele foi alçado por Bolsonaro à condição de candidato à prefeitura de Niterói, no Rio de Janeiro. Em todos os casos, o objetivo era claro: blindagem temporária e criação de uma cortina de fumaça.
Com Flávio, o plano era mais ambicioso. A candidatura não visava apenas blindagem, mas sim ser a moeda de troca definitiva para aprovar o projeto de anistia. O objetivo do “sistema” – o mercado, setores de centro-direita e aqueles que desgostam do PT – seria manter Jair Bolsonaro inelegível, mas preso apenas por crimes relacionados ao Golpe de Estado, ignorando acusações de roubo de joias, mau uso do cartão corporativo ou genocídio na pandemia.
A ideia era manter o ex-presidente na cadeia, forçando-o a apoiar Tarcísio de Freitas como o nome que unificaria a direita, pavimentando o caminho para um eventual acordo ou indulto, se Tarcísio vencesse. O lançamento de Flávio, então, era o contraponto: “Se não houver anistia, Flávio segue candidato e racha a direita”. O passo seguinte seria negociar: “Votem a anistia, soltem o Bolsonaro, e ele retira Flávio e apoia quem vocês quiserem”.
A Reação Brutal do ‘Sistema’: Mercado e Aliados em Pânico
O plano, porém, desmoronou assim que o anúncio foi feito, na sexta-feira. A reação do chamado “sistema” não foi de medo ou recuo, mas de repulsa e um cálculo frio que expôs o amadorismo da jogada.
O mercado financeiro reagiu de forma violenta. A bolsa de valores, que vinha batendo recordes e estava em alta, despencou mais de 10.000 pontos em resposta ao anúncio. O dólar subiu 4%. A desvalorização não ocorreu porque o mercado temia uma presidência de Flávio – muito pelo contrário. Economistas e barões do mercado, em análises publicadas na grande imprensa, precificaram (como chamam a reação do mercado) a candidatura Flávio como a certeza de que Luiz Inácio Lula da Silva teria uma vitória extremamente fácil nas próximas eleições.
O cálculo é simples: o mercado apoia Tarcísio por considerá-lo um candidato que imporia políticas de austeridade e teria chances reais de derrotar Lula. Flávio, por outro lado, carece de apoio e popularidade para vencer o pleito. A candidatura, portanto, foi vista como uma “terceira via” que tiraria capital político de Tarcísio, garantindo o tetra de Lula com facilidade inédita. Em outras palavras, a bolsa caiu porque a vitória de Lula se tornou muito mais provável.
A pressão se intensificou no sábado e domingo, vinda de dentro da própria base de apoio. Pesquisas que vazaram rapidamente mostraram Flávio com uma desvantagem de 16 pontos percentuais em um cenário de segundo turno contra Lula – o que o coloca entre os candidatos com pior desempenho (atrás apenas do irmão, Eduardo, com 20 pontos de desvantagem). O melhor desempenho ainda é o de Tarcísio, que perde por “apenas” cinco pontos.
Nesse cenário de terra arrasada, até mesmo aliados fiéis reagiram com fúria. Silas Malafaia, um dos maiores apoiadores do ex-presidente, rompeu o silêncio para detonar a estratégia. Em uma nota para a imprensa, ele criticou: “O amadorismo da direita faz a esquerda dar gargalhadas”. A crítica do pastor, um profundo conhecedor do humor político da base bolsonarista, atestava o óbvio: a esquerda, de fato, estava em festa. Rumores também indicavam que a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, estava “uma fera” nos bastidores, alegando não ter sido avisada sobre a decisão.
O Preço Revelado: A Carta Mais Fraca na Mesa de Negócios
O golpe mais duro no plano veio no domingo. A pressão foi tão insuportável que Flávio Bolsonaro, desesperado, recuou publicamente antes mesmo que a estratégia pudesse ser colocada em prática. No meio da tarde de domingo, ele apareceu para repórteres e, praticamente desistindo da candidatura, revelou a sua carta na manga, que se provou ser uma das piores cartas do baralho.
Ao ser questionado sobre se levaria a candidatura até o fim, Flávio hesitou e disse: “Olha, eu tenho uma possibilidade de não ir até o fim. Eu tenho preço para isso. Eu vou negociar. Eu tenho preço para não ir até o fim.” Pouco depois, ele mesmo revelou o preço, antecipando o que seria uma negociação sigilosa nos corredores do Congresso: a anistia.
O timing para essa negociação seria crucial, pois o Congresso entra em recesso no dia 19 de dezembro e só retorna em 1º de fevereiro. O plano era manter o suspense até, pelo menos, terça-feira, para aumentar a pressão e usar a mídia como palco para a barganha. Mas o pânico fez o senador adiantar o preço publicamente.
Esse recuo prematuro foi um erro estratégico fatal. Na analogia com um jogo de cartas, o clã virou a carta que tinha na manga antes da hora e, para piorar, a carta era fraca. A reação em Brasília foi de escárnio. A jogada, que deveria ser um blefe poderoso, revelou-se um pedido de socorro.
Ainda no domingo, Eduardo Bolsonaro tentou desesperadamente fazer um spin nas redes sociais, publicando uma nota que exaltava a “candidatura de Flávio Bolsonaro [que] alcança 117 milhões nas redes”, tentando alegar que a esquerda estava “pirando” com a força do movimento. A resposta dos internautas, até mesmo de parte da base, foi de deboche. O comentário mais curtido sob a postagem de Eduardo resumia a ironia: “A candidatura do Flávio Bolsonaro tem todo o meu apoio. Espero que vocês levem até o fim essa candidatura”. A mensagem implícita: a permanência de Flávio garantia a vitória de Lula no primeiro turno.
O desespero do clã foi flagrante. Se o objetivo era obter a anistia, a resposta do “sistema” foi de dobrar a aposta. A expectativa, agora, é que a reação de Alexandre de Moraes seja de intensificar as investigações contra Flávio Bolsonaro, apertando o cerco para mostrar que peitar o Judiciário não será tolerado. O plano não apenas falhou, como acelerou a pressão policial sobre o principal alvo.
O Calcanhar de Aquiles: O Foro Privilegiado e a Cadeia
A razão pela qual Flávio Bolsonaro não pode levar a cabo essa candidatura é o seu “calcanhar de Aquiles”: a perda do foro privilegiado.
O mandato de senador de Flávio se encerra em 2026. Se ele for candidato à Presidência e perder, ele automaticamente fica sem mandato parlamentar a partir de janeiro de 2027. Ao perder o mandato, ele cai imediatamente nas mãos da primeira instância da Justiça. O risco é real e imediato. Juízes de primeira instância no Rio de Janeiro já ordenaram a prisão de aliados próximos no passado, como Fabrício Queiroz.
Ninguém em Brasília, nem mesmo os aliados mais próximos, acredita que Flávio Bolsonaro arriscaria ficar um único dia sem foro privilegiado. A candidatura à Presidência, portanto, nunca foi séria. Era uma manobra de negociação desesperada. A aposta de que o Congresso votaria a anistia para evitar a candidatura foi a única forma de dar sentido ao risco.
O fracasso em manter o blefe e a rápida revelação do “preço” (anistia) fizeram com que o plano mirabolante desmoronasse por completo, expondo a fragilidade e o isolamento político do clã, que segue sem apoio popular e sem base para protestos – o ex-presidente, aliás, segue isolado na sede da Polícia Federal, sem qualquer manifestação de apoio de seguidores nas ruas.
A jogada que era para ser o xeque-mate se tornou o maior vexame político recente, confirmando a previsão de que o clã não sabe jogar o jogo da alta política e que o amadorismo, somado à arrogância, pode ser a sentença final.