O coronel ofereceu ao escravo uma de suas filhas… Ele escolheu uma senhora gorda e chocou a todos.

Naquele ano de 1865, o sol escaldante da Bahia castigava a Fazenda Carapinga, um vasto domínio onde a cana-de-açúcar crescia alta e doce sob a crueldade implacável. O Coronel Juverscino Mascarenhas, 58 anos, conhecido por sua riqueza e por sua dureza, reinava sozinho. Viúvo há dez anos, criara as suas três filhas — ou, melhor dizendo, deixara que as escravas da Casa Grande as criassem — enquanto ele cuidava dos negócios e afogava a solidão na cachaça.

As três filhas eram um estudo de contrastes. Francisca, a mais velha, 22 anos, era a epítome da beleza da época: cabelos louros, olhos azuis, corpo esguio. Vaidosa e cruel com os escravizados, ela usava a sua beleza como arma e esperava um casamento que a elevasse ainda mais. Rita, a do meio, 20 anos, era morena e de beleza discreta. Vivia enclausurada na biblioteca, recusando pretendentes em busca de um amor romântico, idealizado pelos livros que lia.

E, por fim, vinha Antônia. A caçula, 18 anos, era gorda. Numa sociedade que valorizava a magreza e a delicadeza, Antônia era alvo de escárnio constante. O seu próprio pai fazia piadas cruéis sobre o seu corpo. Francisca a chamava de “baleia”. Antônia passava os dias a rir das piadas antes que outros pudessem rir, fingindo não se importar com a sua inevitável solidão. Ela aceitara que ficaria na fazenda, uma tia solteirona, um fardo para as irmãs.

O que salvava Antônia, contudo, era o seu coração. Ao contrário das irmãs, ela via os escravizados como pessoas. Quando criança, fora Joana, uma escrava gentil, quem a acalentara e lhe ensinara que ela era linda como era. Antônia retribuía, dando comida extra às escondidas, tratando feridas quando o feitor se afastava. O seu coração era grande, e a sua impotência diante da crueldade do pai era a sua dor mais profunda.

Entre os mais de duzentos escravizados da Carapinga, havia um homem chamado Tomás. Aos 25 anos, Tomás era extraordinário. Forte, alto, musculoso, era o trabalhador mais produtivo dos canaviais. Mas o que o distinguia era a sua mente. Tinha aprendido a ler e escrever secretamente, absorvendo tudo o que podia, mantendo a esperança de que um dia seria livre. Mais rara era a sua dignidade inalterável: não importava o açoite ou a humilhação, Tomás nunca permitiu que o seu espírito fosse quebrado.

O Coronel Juverscino notara Tomás, tratando-o, na sua lógica distorcida, como uma “exceção”.

Em dezembro de 1865, o Coronel estava particularmente frustrado. As filhas recusavam todos os pretendentes, e Antônia não tinha sequer um. Juverscino, embriagado e furioso, viu uma oportunidade de resolver os seus problemas e, ao mesmo tempo, provar o seu poder absoluto.

Na manhã seguinte, ele chamou Tomás.

“Tomás,” começou Juverscino, fumando um charuto caro. “Você trabalha bem, melhor que qualquer outro negro que eu tenho. Estou impressionado… tão impressionado que decidi fazer algo sem precedentes. Vou lhe dar uma escolha.”

“Vou permitir que você case com uma de minhas filhas. Se casar, será libertado. Viverá nesta casa como genro, não como escravo.”

Tomás ficou paralisado. Casar com uma das filhas do Coronel era insano.

“Por que, o senhor pergunta?” Juverscino riu. “Vou ser honesto. Estou cansado das minhas filhas. Estão mimadas, inúteis, especialmente Antônia, aquela gorda inútil, que nunca vai casar de qualquer forma. Pensei: ‘Por que não fazer um experimento interessante?’ Provar que até um escravo pode ser transformado em algo melhor se lhe for dada a oportunidade. E, de quebra, livro-me de pelo menos uma filha.”

“Se eu preciso escolher?” perguntou Tomás, a mente a girar.

“Escolha como qualquer homem escolheria: pela beleza, pela personalidade. Vou apresentá-lo a elas hoje à noite no jantar. Amanhã de manhã, me diz qual escolhe. Elas farão o que eu mando. Eu sou o dono desta fazenda. Sou o dono de você, e decidi que uma delas vai casar com você. Simples assim.”

Naquela noite, Tomás foi limpo, recebeu roupas decentes e foi levado à Casa Grande pela porta da frente. A sala de jantar era opulenta, mas o ar estava carregado de ressentimento.

Francisca olhou para Tomás com puro desprezo e virou o rosto.

“Pai, isso é uma piada! Esse escravo está na nossa sala de jantar!”

Rita, pálida, olhava curiosa, mas desconfortável.

“Pai, por favor, diga que é brincadeira.”

Antônia foi a única a falar com dignidade.

“Pai, mesmo o senhor não pode ser tão cruel. Isso é humilhante para todos os envolvidos.”

Juverscino olhou para a filha caçula com um sorriso cruel.

“Ah, Antônia, você devia estar agradecida. É provavelmente a única chance que terá de casar. Devia estar me suplicando para que ele te escolha.”

Tomás assistiu a tudo em silêncio. Era uma farsa sádica, mas era a sua única chance de liberdade. E se ele tinha de fazer uma escolha, faria uma que valesse a pena.

Durante o jantar tenso, Tomás observou as três. Francisca nem sequer o olhou. Rita olhava com o medo de quem observa um animal perigoso. Antônia, por vezes, olhava diretamente, e quando os seus olhos encontravam os de Tomás, ela não desviava com nojo ou medo. Havia apenas tristeza e vergonha pela situação.

Juverscino ordenou: “Tomás, você tem esta noite para decidir. Amanhã de manhã, me diz qual escolhe.”

Tomás não dormiu naquela noite. Podia escolher Francisca, a mais bonita, mas a vida com ela seria um inferno de desprezo. Podia escolher Rita, a romântica, mas ela vivia num mundo de fantasias, incapaz de ver a realidade ou a ele como uma pessoa. Ou podia escolher Antônia, a ridicularizada, a que ninguém queria.

E então, Tomás lembrou-se de algo. Anos atrás, ele estivera doente, com febre alta. Lembrava-se vagamente de alguém que vinha durante a noite, trazendo água fresca e colocando um pano molhado na sua testa.

“Foi a Sinhá Antônia,” dissera-lhe um companheiro. “Ela vem às vezes quando o feitor não está olhando. Cuida dos doentes.”

Tomás tinha esquecido esse episódio, mas agora lembrava. Antônia tinha arriscado a raiva do pai para cuidar de um escravo que não significava nada para ela. Por quê? Porque ela o via como uma pessoa, como um ser humano que merecia cuidado. Aquilo valia mais do que qualquer beleza.

Pela manhã, Tomás foi chamado ao escritório.

“Decidi,” disse Tomás. “Escolho Antônia.”

Juverscino ficou paralisado.

“Antônia, a gorda? Por que diabos escolheria ela, quando tem Francisca, que é linda?”

Tomás olhou diretamente nos olhos do Coronel.

“Com todo o respeito, senhor, beleza não é tudo. Antônia tem algo que suas irmãs não têm: um coração gentil. Vi como ela trata as pessoas, até gente como eu. Não vê apenas escravos, vê pessoas. Isso vale mais que rosto bonito.”

Juverscino balançou a cabeça, descrente. A notícia explodiu na fazenda. O escravo escolhera a filha gorda, não a bonita. Antônia sentia medo, mas também algo novo: pela primeira vez na sua vida, alguém a tinha escolhido deliberadamente.

Nas duas semanas antes do casamento, Antônia e Tomás encontraram-se sob supervisão.

“Lamento por esta situação,” disse Antônia, na primeira conversa.

“Eu escolhi você deliberadamente,” respondeu Tomás.

“Por quê?”

“Porque eu sei quem você é. Lembra-se de mim há cinco anos, quando estava doente com febre? Você cuidou de mim. Isso me mostrou que tem um coração que suas irmãs não têm. Não vou fingir que a escolhi por amor. Mas escolhi porque vi a possibilidade de construir algo real. Com você, talvez possamos encontrar respeito, amizade e, quem sabe, algo mais.”

Antônia chorou. Ninguém nunca havia visto a bondade nela antes; apenas viam um corpo gordo. Ela revelou que também amava ler. Tomás confessou que lera secretamente.

“Talvez possamos ler juntos. Tenho acesso à biblioteca que Rita nunca usa.”

Assim começou a conexão entre eles. Não era amor à primeira vista, mas era o começo de algo mais forte: respeito mútuo.

O casamento aconteceu em janeiro de 1866. Foi uma cerimónia tensa, mas Antônia, vestida no seu vestido de noiva, manteve a cabeça erguida. Pela primeira vez, era uma noiva. Alguém a tinha escolhido. Tomás, agora um homem livre, olhava para ela com admiração.

Os primeiros meses foram um ajuste difícil. Tomás mudou-se para a Casa Grande, estranhando a cama macia, a mesa farta e o facto de ser servido por pessoas que, dias antes, eram seus companheiros de senzala. Antônia ensinava-lhe as etiquetas. Tomás, por sua vez, compartilhava com ela as realidades da senzala, abrindo-lhe os olhos.

Lentamente, o respeito transformou-se em afeto. Antônia apreciava a inteligência de Tomás e a sua dignidade. Tomás apreciava a bondade e a mente aberta de Antônia.

Seis meses após o casamento, Antônia confessou:

“Sempre me senti invisível. Meu pai e minhas irmãs olhavam através de mim. Você é a primeira pessoa que realmente me vê.”

Tomás pegou na sua mão.

“Eu vejo você, e gosto do que vejo.”

Um ano depois, Antônia estava grávida. O Coronel Juverscino estava perturbado com a ideia de um neto mestiço, mas satisfeito por o “experimento” estar a dar frutos. O filho nasceu: um menino saudável, a quem chamaram Joaquim.

Em 1871, o Coronel Juverscino morreu de ataque cardíaco. A fazenda foi dividida, e Antônia e Tomás ficaram na Carapinga. Com a propriedade agora pertencente a Antônia, Tomás tinha influência real. Começou a fazer mudanças: melhorou as condições para os escravizados, pagou salários justos aos trabalhadores livres, estabeleceu uma escola para as crianças da fazenda.

Quando a abolição chegou em 1888, a Fazenda Carapinga foi uma das poucas que transitou suavemente porque já havia iniciado as reformas.

Anos depois, Antônia e Tomás sentavam-se na varanda.

“Você se arrepende de ter-me escolhido?”, perguntou Antônia.

“Nunca,” respondeu Tomás. “A melhor escolha que já fiz. Você me deu a vida que eu nunca pensei ter.”

“Você me ensinou que eu tenho valor,” disse Antônia, com lágrimas nos olhos.

“Não,” corrigiu Tomás. “Você sempre teve valor. Apenas a ajudei a ver o que sempre esteve lá.”

A sua história não foi um romance perfeito, mas um testemunho de que as escolhas mais inesperadas são as mais sábias, e que o amor real é construído sobre a base do respeito e da compreensão mútua. Tomás escolheu o caráter sobre a aparência, e ao fazê-lo, encontrou não apenas a liberdade, mas um amor mais forte que a paixão superficial.

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