(1840, Bahia) O Caso Horrorizante da Bela Escrava Maria Helena Gomes

No ano de 1840, na região do Recôncavo Baiano, especificamente no distrito de São Félix, uma descoberta perturbadora, abalaria para sempre a rotina aparentemente pacífica de uma das maiores fazendas de cana de açúcar da província. O engenho Santa Cruz, propriedade de Coronel Antônio Pereira da Silva, situava-se a aproximadamente 15 km da vila principal, numa extensão de terras que se estendia desde as margens do rio Paraguaçu até as primeiras elevações da serra da Jequitibá. A propriedade empregava cerca de 200

escravos distribuídos entre o trabalho nos canaviais, na Casa Grande e nas instalações de beneficiamento da cana. Entre esses trabalhadores destacava-se uma jovem de nome Maria Helena Gomes, de 22 anos, nascida na própria fazenda e filha de escravos domésticos.

Segundo registros encontrados no livro de controle da Cenzala, mantido pelo administrador da propriedade, Maria Helena possuía características físicas que chamavam atenção. Altura acima da média para as mulheres da época, pele clara devido à ascendência mista e uma postura que os relatos da época descrevem como altiva. O primeiro registro oficial que menciona Maria Helena, data de 15 de março de 1840, numa anotação lateral do livro de registros paroquiais da Igreja de Nossa Senhora da Purificação em São Félix, o padre Joaquim Santos de Oliveira, responsável pelos registros eclesiásticos da região, fez uma

observação em comum. anotou que a jovem havia procurado a igreja em horários não convencionais, sempre ao entardecer, pedindo para confessar-se, mas sem nunca completar o sacramento. A rotina de Maria Helena na fazenda era peculiar para uma escrava doméstica.

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Enquanto outras trabalhadoras da Casagrande se ocupavam dos afazeres tradicionais como limpeza, cozinha e cuidado das crianças, ela havia sido designada para uma função específica e isolada, cuidar da biblioteca particular do coronel, localizada numa torre anexa à casa principal. Esta biblioteca, construída no estilo português da época, situava-se numa estrutura de três andares, sendo o último completamente isolado do restante da construção.

vizinhos da propriedade, principalmente os moradores da fazenda São Bento, situada a 2 km de distância, começaram a relatar, a partir de abril de 1840, sons estranhos provenientes da direção do Engenho Santa Cruz durante as madrugadas. Estes relatos foram posteriormente registrados em cartas pessoais encontradas nos arquivos da família Macedo, proprietária da São Bento.

As cartas descrevem sons que lembravam cantos, mas com uma cadência que não correspondia aos cantos de trabalho tradicionais dos escravos, nem aos cânticos religiosos conhecidos na região. A primeira mudança significativa na dinâmica da fazenda foi observada pelos próprios escravos da propriedade.

Segundo depoimentos coletados anos depois pelo vigário da paróquia e registrados em suas anotações pessoais, Maria Helena passou a apresentar comportamentos que destoavam de sua personalidade anterior. que antes mantinha relações cordiais com os demais trabalhadores, tornou-se progressivamente isolada, evitando o convívio nas cenzalas e preferindo permanecer na torre da biblioteca, mesmo após o cumprimento de suas obrigações.

O administrador da fazenda, Senr. José Antônio Ferreira, homem de 50 anos e experiente no controle de propriedades escravistas, começou a anotar, em seu diário particular observações sobre o comportamento de Maria Helena. Estas anotações descobertas em 1952 durante reformas na antiga sede da fazenda, revelam uma preocupação crescente com o que ele descrevia como alterações no temperamento da escrava, sem especificar detalhes sobre a natureza dessas alterações.

Durante o mês de junho de 1840, a situação na fazenda começou a apresentar aspectos mais perturbadores. A esposa do coronel Pereira da Silva, dona Francisca Amélia da Conceição, passou a relatar ao marido episódios estranhos envolvendo Maria Helena. Segundo cartas privadas trocadas entre dona Francisca e sua irmã em Salvador, encontradas no arquivo histórico da Arquidiocese da Bahia, a escrava havia começado a aparecer em locais da Casagrande, onde não deveria estar, sempre durante a noite, e sempre com uma expressão que dona Francisca descrevia

como ausente, como se não estivesse presente em espírito. O primeiro evento verdadeiramente alarmante ocorreu na madrugada de 23 de junho. O filho mais novo do coronel Antônio Pereira da Silva Júnior, de 16 anos, acordou durante a noite com sede e dirigiu-se à cozinha da Casagre.

Ao passar pelo corredor que levava à torre da biblioteca, observou uma luz fraca, emanando da janela do terceiro andar, o que era incomum, já que o uso de velas naquele local estava restrito aos horários de urnos por questões de segurança. Movido pela curiosidade, o jovem Antônio subiu discretamente à escadas da torre. O relato deste episódio foi posteriormente registrado em sua confissão ao padre Joaquim Santos de Oliveira.

Confissão esta que foi arquivada nos registros paroquiais e só foi descoberta em 1967 durante a catalogação de documentos antigos da igreja. Segundo o relato de Antônio Júnior, ao chegar ao segundo andar da torre, ouviu um murmúrio constante proveniente do andar superior. A voz era feminina e parecia recitar algo, mas numa cadência que ele não conseguia identificar.

Não eram orações conhecidas, nem cantos de trabalho, nem lamentos. Era algo que ele descreveu como palavras que formavam frases, mas sem sentido, como se alguém falasse sozinho, sem esperança de ser compreendido. O jovem permaneceu no segundo andar por alguns minutos, tentando compreender o que ouvia.

Em determinado momento, o murmúrio cessou abruptamente, seguido de um silêncio absoluto que durou vários minutos. Foi então que escutou passos no andar superior. Não o caminhar normal de alguém se movimentando, mas um arrastar constante, como se a pessoa tivesse dificuldade para se mover ou carregasse um peso considerável.

Antônio Júnior decidiu não subir ao terceiro andar e retornou discretamente ao seu quarto. No dia seguinte, ele relatou o episódio ao pai, mas o coronel atribuiu o ocorrido à imaginação do filho e não deu maior importância ao relato. Contudo, determinou que, a partir daquele momento, o acesso à torre da biblioteca ficaria restrito ao período de urno e que Maria Helena deveria retornar às cenzalas.

Ao final de cada tarde, esta nova determinação gerou uma reação inesperada. Maria Helena, que até então havia cumprido todas as ordens sem questionamento, apresentou pela primeira vez uma resistência visível. Segundo anotações do administrador Ferreira, ela solicitou permissão para permanecer na torre durante as noites, alegando que precisava concluir a catalogação de livros recém-chegados da Europa.

Esta solicitação foi negada, mas Maria Helena insistiu durante vários dias consecutivos, sempre com a mesma justificativa. A insistência de Maria Helena chamou atenção porque ia contra a natureza submissa que se esperava de uma escrava na época. Mais ainda, ela passou a apresentar conhecimentos sobre os livros da biblioteca que surpreendiam até mesmo o coronel, homem culto e leitor voraz.

Ela começou a fazer referências a obras que teoricamente não havia lido e a demonstrar familiaridade com textos em latim, língua que supostamente desconhecia. O padre Joaquim, em suas anotações pessoais, registrou uma conversa que teve com o coronel Pereira da Silva durante este período.

O proprietário da fazenda havia procurado orientação religiosa sobre como lidar com o que ele descrevia como comportamento anômalo de uma de suas escravas. O padre sugeriu que Maria Helena fosse submetida a sessões de catequese intensiva na tentativa de realinhar seu espírito com os ensinamentos cristãos. As sessões de catequese começaram em julho de 1840 e foram conduzidas pelo próprio padre Joaquim na Igreja de São Félix.

Maria Helena era levada à vila duas vezes por semana, sempre acompanhada por um capataz da fazenda. Durante estas sessões, o padre observou aspectos que registrou em suas anotações como perturbadores e incompreensíveis. Maria Helena demonstrava conhecimento de textos bíblicos que não faziam parte do catecismo básico oferecido aos escravos.

Mais ainda ela fazia questionamentos teológicos complexos que deixavam o padre em situação desconfortável. Suas perguntas versavam sobre temas como o livre arbítrio, a natureza da alma e a possibilidade de redenção para aqueles que nascem em cativeiro. O que mais intrigava o padre Joaquim era a forma como Maria Helena se expressava durante estas sessões.

Ela utilizava um vocabulário e uma construção gramatical que não condiziam com sua educação formal limitada. Era como se, segundo as palavras do próprio padre, uma pessoa diferente falasse através dela, alguém com educação superior e conhecimento de mundo que uma escrava jamais poderia ter adquirido.

Durante uma das sessões de catequese, ocorreu um episódio que o padre registrou como manifestação de natureza inexplicável. Maria Helena estava respondendo perguntas sobre os 10 mandamentos, quando subitamente interrompeu sua fala e permaneceu em silêncio por vários minutos, com os olhos fixos num ponto indefinido do teto da igreja.

Quando o padre tentou chamar sua atenção, Maria Helena começou a falar, mas desta vez em latim fluente, citando trechos de textos que o padre reconheceu como sendo de Santo Agostinho, especificamente das confissões. O problema era que estes textos não estavam disponíveis na biblioteca da igreja local e seria praticamente impossível que uma escrava tivesse tido acesso a eles.

O episódio durou cerca de 15 minutos, durante os quais Maria Helena citou vários trechos em latim, sempre com perfeita pronúncia e entonação. Quando finalmente retornou ao estado normal, ela não se lembrava de nada do que havia acontecido e perguntou ao padre porque ele a olhava com expressão de espanto. Este episódio levou o padre Joaquim a procurar orientação do bispo de Salvador, Dom Romualdo Antônio de Seixas.

Em carta datada de 15 de agosto de 1840, encontrada nos arquivos da Arquidiocese, o padre relata detalhadamente os acontecimentos e solicita orientação sobre como proceder. A resposta do bispo datada de 25 de agosto demonstra a preocupação da igreja com o caso. Dom Romualdo determina que Maria Helena seja afastada imediatamente de suas funções na biblioteca e que seja mantida sob observação constante.

Além disso, solicita que qualquer objeto pessoal da escrava seja examinado na busca por elementos que possam explicar manifestações tão incomuns. A busca pelos pertences de Maria Helena foi realizada pelo administrador Ferreira, acompanhado pelo padre Joaquim. Na pequena caixa de madeira, onde ela guardava seus poucos objetos pessoais, foram encontrados itens que causaram surpresa.

Folhas de papel com anotações em caligrafia cuidadosa, contendo trechos de textos que pareciam ser traduções do latim para o português. Mais intrigante ainda foi a descoberta de um pequeno caderno encadernado em couro, contendo o que pareciam ser anotações pessoais de Maria Helena. O caderno estava escrito numa mescla de português e latim, com algumas passagens numa língua que ninguém conseguiu identificar.

As anotações faziam referência a datas, horários e observações sobre fenômenos que ela descrevia como manifestações da verdade oculta. O conteúdo do caderno foi posteriormente enviado para a análise de especialistas em Salvador, mas os resultados desta análise nunca foram oficialmente divulgados. O que se sabe através de correspondência privada encontrada nos arquivos da família Pereira da Silva é que os especialistas recomendaram o afastamento imediato de Maria Helena de qualquer atividade que envolvesse contato com textos escritos. A partir de setembro de 1840,

Maria Helena foi transferida para trabalhos nos Canaviais, sob supervisão constante. Esta mudança deveria representar o fim dos episódios estranhos, mas na verdade marcou o início de uma fase ainda mais perturbadora da história. Os outros escravos que trabalhavam nos canaviais começaram a relatar comportamentos anômalos de Maria Helena.

Ela passava longos períodos em silêncio absoluto, trabalhando com uma eficiência mecânica que chamava a atenção. Quando falava, suas palavras eram sempre diretas e objetivas, sem os comentários casuais ou lamentações que eram comuns entre os trabalhadores.

Mais preocupante era o fato de que durante as pausas para o descanso, Maria Helena se afastava dos demais e se dirigia sempre para o mesmo local, uma antiga edificação em ruínas situada no limite da propriedade, próxima às margens do rio Paraguaçu. Esta construção havia sido uma capela particular da fazenda, erguida pelos primeiros proprietários no século anterior, mas abandonada há décadas devido a problemas estruturais.

A capela em ruínas tornou-se objeto de interesse renovado devido à frequência com que Maria Helena a visitava. O administrador Ferreira decidiu investigar o local e descobriu que alguém havia realizado uma limpeza rudimentar no interior da construção. Os escombros haviam sido organizados, criando uma espécie de caminho que levava ao que restara do altar original.

No local onde ficava o altar, Ferreira encontrou evidências de que alguém havia estado ali regularmente, marcas no chão que sugeriam o uso frequente do espaço e pequenos objetos arranjados numa disposição que lembrava um altar improvisado. Entre estes objetos havia pedaços de velas consumidas, folhas secas arranjadas em padrões geométricos e pequenas pedras dispostas em círculos concêntricos.

A descoberta foi relatada ao coronel Pereira da Silva, que determinou que Maria Helena fosse proibida de se aproximar da capela em ruínas. Esta proibição foi comunicada a ela pelo próprio administrador na presença de outros escravos para que servisse de exemplo. A reação de Maria Helena a esta determinação foi registrada por Ferreira em seu diário.

Ela ouviu a ordem em silêncio, mas seu olhar, segundo suas palavras, transmitia uma intensidade que causava desconforto, como se ela enxergasse algo que os demais não podiam ver. Nas semanas seguintes à proibição, os trabalhadores dos canaviais começaram a relatar novos episódios envolvendo Maria Helena.

Ela passou a trabalhar em silêncio ainda mais absoluto e sua produtividade aumentou de forma significativa. Cortava cana com uma precisão e velocidade que surpreendiam até mesmo os capatazes mais experientes, mantendo um ritmo constante desde o amanhecer até o entardecer. Durante este período, outros escravos começaram a evitar trabalhar próximo a Maria Helena. Em depoimentos coletados posteriormente pelo padre Joaquim, eles relataram que se sentiam inquietos na presença dela, sem conseguir explicar o motivo.

Alguns mencionaram uma sensação de que ela sabia coisas que não deveria saber, referindo-se ao fato de que Maria Helena parecia antecipar ordens dos capatazes e mudanças na rotina de trabalho. O primeiro incidente verdadeiramente alarmante ocorreu em outubro de 1840. Durante uma manhã de trabalho nos Canaviais, um dos escravos, homem de nome Benedito Carvalho, de 35 anos, sofreu um acidente com a ferramenta de corte e feriu gravemente a perna esquerda.

O ferimento sangrava abundantemente e os demais trabalhadores se reuniram para tentar ajudá-lo. Maria Helena, que trabalhava a uma distância considerável do local do acidente, aproximou-se do grupo sem ser chamada. Sem pedir permissão ou dar explicações, ela se ajoelhou ao lado de Benedito e começou a tratar o ferimento com uma habilidade que ninguém sabia que ela possuía.

utilizou folhas e ervas que encontrou nas proximidades, aplicando-as de forma que demonstrava conhecimento de medicina popular. O mais intrigante foi que durante todo o procedimento, Maria Helena murmurava palavras que os presentes não conseguiam compreender. Não era português, nem latim, nem qualquer das línguas africanas conhecidas pelos escravos mais antigos.

Era algo completamente diferente, uma sequência de sons que formavam um ritmo constante e cadenciado. O tratamento improvisado de Maria Helena foi eficaz. O sangramento cessou rapidamente e Benedito conseguiu retomar o trabalho no dia seguinte com o ferimento aparentemente em processo acelerado de cicatrização. Este episódio gerou comentários entre todos os trabalhadores da fazenda.

mas também aumentou o desconforto em relação a Maria Helena. O administrador Ferreira, ao tomar conhecimento do ocorrido, procurou questionar Maria Helena sobre onde havia aprendido técnicas de tratamento de ferimentos. A resposta dela foi registrada no Diário do Administrador. Ela disse não se lembrar de ter aprendido, mas que as palavras e os gestos vieram naturalmente, como se sempre soubesse o que fazer.

Esta resposta causou preocupação suficiente para que Ferreira procurasse novamente o padre Joaquim. O religioso sugeriu que Maria Helena fosse mantida sob observação ainda mais rigorosa e que qualquer manifestação de conhecimento que não pudesse ser explicada pela sua educação formal fosse imediatamente relatada. A situação tomou um rumo mais sombrio em novembro de 1840, dona Francisca Amélia da Conceição, esposa do coronel, começou a relatar episódios de insônia e pesadelos perturbadores.

cartas enviadas à sua irmã em Salvador, ela descreveu sonhos recorrentes, nos quais via Maria Helena, em lugares da Casa Grande, onde ela não deveria estar, sempre durante a noite, e sempre com uma expressão que dona Francisca descrevia como conhecedora de segredos terríveis. Estes pesadelos se tornaram tão frequentes e vívidos que dona Francisca passou a evitar certas áreas da casa grande durante a noite.

Ela relatou ao marido a sensação de que estava sendo observada mesmo quando tinha certeza de estar sozinha. O coronel, inicialmente cético, começou a notar que sua esposa evitava ficar sozinha e demonstrava sinais de nervosismo sempre que o nome de Maria Helena era mencionado. A situação se agravou quando dona Francisca começou a relatar avistamentos de Maria Helena em horários e locais impossíveis.

Segundo suas anotações pessoais encontradas décadas depois, ela viu a escrava na biblioteca da torre durante uma noite em que tinha certeza de que Maria Helena estava nas cenzalas. Em outra ocasião, relatou tê-la visto caminhando pelos corredores da Casagre numa madrugada, mas quando procurou por ela no dia seguinte, foi informada de que Maria Helena havia passado toda a noite nos canaviais. trabalhando numa tarefa noturna especial.

Estes relatos de dona Francisca foram inicialmente tratados pelo coronel como produto do nervosismo e da imaginação. Contudo, quando os próprios filhos do casal começaram a relatar episódios semelhantes, a preocupação da família se intensificou.

Antônio Júnior, o filho que havia relatado o primeiro episódio na torre, mencionou ao pai que havia visto Maria Helena no jardim da Casagre durante uma madrugada, parada sob uma janela específica, a janela do quarto de seus pais. Este último relato levou o coronel Pereira da Silva a tomar uma decisão drástica. Em dezembro de 1840, ele determinou que Maria Helena fosse transferida para uma propriedade distante localizada no interior da Bahia, próxima à divisa com Minas Gerais.

A justificativa oficial foi a necessidade de mão de obra especializada nesta outra propriedade, mas as verdadeiras razões ficaram evidentes nas cartas privadas que o coronel trocou com o administrador da fazenda de destino. Nestas cartas descobertas em 1955 durante um inventário de documentos antigos, o coronel relata de forma resumida os episódios envolvendo Maria Helena e solicita que ela seja mantida em trabalhos que não permitam isolamento ou acesso a materiais de leitura.

Ele também pede que qualquer comportamento anômalo seja imediatamente relatado. A transferência de Maria Helena estava programada para ocorrer na primeira semana de janeiro de 1841. Contudo, na noite de 28 de dezembro de 1840, ela desapareceu da fazenda Santa Cruz sem deixar rastros. A descoberta do desaparecimento só ocorreu na manhã seguinte, quando sua ausência foi notada durante a chamada matinal dos escravos.

O administrador Ferreira organizou uma busca imediata pelos terrenos da fazenda e propriedades vizinhas. A busca se concentrou inicialmente na região da capela em ruínas, local que Maria Helena frequentava com regularidade. No entanto, não foram encontrados rastros de sua passagem pelo local durante a noite anterior.

busca se estendeu pelas margens do rio Paraguaçu e pelas trilhas que levavam às fazendas vizinhas. Grupos de capatazes e escravos de confiança percorreram toda a região durante três dias consecutivos, sem encontrar qualquer evidência do paradeiro de Maria Helena. Era como se ela tivesse simplesmente desaparecido da propriedade, sem utilizar nenhum dos caminhos conhecidos.

O que tornava o desaparecimento ainda mais intrigante era o fato de que Maria Helena havia deixado para trás todos os seus pertences pessoais, incluindo o pequeno caderno com as anotações misteriosas. Isto sugeria que sua partida havia sido súbita e não planejada, ou que ela havia deliberadamente abandonado tudo que pudesse servir como evidência de sua presença na fazenda.

Durante a busca, foram descobertos alguns elementos que causaram perplexidade na chel. em ruínas. Os objetos que haviam sido arranjados em forma de altar foram encontrados numa disposição diferente. As pedras, que estavam organizadas em círculos concêntricos, haviam sido reorganizadas numa linha reta que apontava diretamente para o leste, na direção das primeiras elevações da serra da Jequitibá.

Seguindo esta direção, os buscadores encontraram, aproximadamente 2 km da capela, marcas no solo que poderiam ser pegadas humanas. As marcas eram pouco nítidas devido à natureza do terreno, mas pareciam seguir uma trilha abandonada que levava as montanhas. Esta trilha havia sido utilizada pelos primeiros colonizadores da região, mas estava há décadas sem manutenção e era considerada intransitável.

A decisão de seguir esta trilha foi tomada pelo próprio coronel Pereira da Silva, que acompanhou pessoalmente um grupo de busca formado pelo administrador Ferreira e seis escravos de confiança. A trilha subia gradualmente pelas encostas da serra, passando por uma vegetação cada vez mais densa e terreno cada vez mais acidentado.

Após aproximadamente 4 horas de caminhada, o grupo chegou a uma clareira que abrigava os restos de uma antiga construção de pedra. A edificação, segundo o conhecimento dos moradores mais antigos da região, havia sido uma pequena ermida construída por religiosos no século anterior, mas abandonada devido ao isolamento e as dificuldades de acesso.

Na Hermida abandonada, o grupo de busca fez uma descoberta que seria registrada nos relatórios oficiais como achado de natureza perturbadora. O interior da construção havia sido recentemente habitado por alguém. Havia evidências de fogueiras recentes, restos de alimentos e sinais de que alguém havia dormido no local por várias noites.

Mais intrigante ainda foi a descoberta de inscrições nas paredes de pedra da Hermida. As inscrições pareciam ter sido feitas com carvão ou material similar e consistiam em símbolos e palavras que ninguém do grupo conseguiu decifrar. Algumas palavras pareciam ser latim, outras lembravam idiomas africanos, mas havia também símbolos que não correspondiam a nenhum alfabeto conhecido pelos presentes.

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No centro da Hermida havia sido construído um pequeno altar feito de pedras empilhadas. Sobre este altar foram encontrados objetos que causaram inquietação no grupo. Pequenos ossos de animais arranjados em padrões geométricos, folhas secas amarradas com cordas feitas de fibras vegetais e pequenos recipientes de barro contendo substâncias que ninguém conseguiu identificar.

O coronel Pereira da Silva ordenou que todos os objetos encontrados na Hermida fossem destruídos e que as inscrições nas paredes fossem apagadas. Esta decisão foi registrada em seu diário pessoal, com a justificativa de que não convinha preservar evidências de práticas que poderiam influenciar negativamente outros escravos da propriedade.

A busca por Maria Helena continuou por mais dois dias, estendendo-se por outras trilhas e regiões mais altas da serra. Contudo, não foram encontradas outras evidências de sua passagem. O grupo retornou à fazenda Santa Cruz sem resultados e o desaparecimento de Maria Helena foi oficialmente registrado nos livros da propriedade como fuga para destino desconhecido.

O caso foi comunicado às autoridades locais de São Félix, que incluíram Maria Helena na lista de escravos fugitivos da região. Anúncios oferecendo recompensa por sua captura foram publicados nos jornais de Salvador e em outras cidades da província. Estes anúncios descreviam Maria Helena com detalhes físicos precisos e ofereciam uma quantia considerável por informações sobre seu paradeiro.

Durante os meses seguintes, chegaram à fazenda alguns relatos de possíveis avistamentos de Maria Helena em diferentes localidades da Bahia. Um comerciante de cachoeira relatou ter visto uma mulher com características semelhantes às dela no mercado da cidade. Um fazendeiro de Santo Amaro mencionou o aparecimento de uma mulher jovem que pedia trabalho e demonstrava conhecimentos incomuns sobre plantas medicinais.

Nenhum destes relatos poôde ser confirmado e gradualmente a busca por Maria Helena foi perdendo intensidade. O coronel Pereira da Silva, em correspondência com outros proprietários da região, expressou a opinião de que ela provavelmente havia conseguido chegar a uma cidade maior, onde poderia viver como liberta, ou que havia morrido durante a fuga pelas montanhas.

Vida na fazenda Santa Cruz retornou gradualmente à normalidade após o desaparecimento de Maria Helena. A torre da biblioteca foi completamente reformada e a função de cuidar dos livros foi transferida para dois escravos homens que trabalhavam sempre em dupla e apenas durante o dia. A capela em ruínas foi completamente demolida por ordem do coronel e o terreno foi incorporado aos canaviais.

Contudo, alguns episódios ocorridos nos meses seguintes sugeriram que a presença de Maria Helena havia deixado marcas duradouras na propriedade. Dona Francisca continuou a relatar episódios de insônia e pesadelos envolvendo a escrava desaparecida. Em suas cartas à irmã, ela mencionava uma sensação persistente de que estava sendo observada mesmo meses após o desaparecimento.

O filho mais novo do casal Antônio Júnior desenvolveu uma aversão inexplicável à torre da biblioteca mesmo após a reforma. Ele evitava passar próximo à construção durante a noite e relatou ao pai várias ocasiões em que teve a impressão de ver uma silhueta feminina na janela do terceiro andar, mesmo sabendo que o local estava vazio. Outros escravos da fazenda também demonstraram comportamentos que sugeriam o impacto duradouro da presença de Maria Helena.

Alguns evitavam trabalhar sozinhos nos canaviais, especialmente na área próxima ao local onde ficava a antiga capela. Outros relataram sonhos recorrentes, envolvendo uma mulher que falava em línguas estranhas e demonstrava conhecimentos que não deveria possuir. O administrador Ferreira registrou em seu diário que a produtividade geral da fazenda havia diminuído após o desaparecimento de Maria Helena.

Não devido à perda de sua força de trabalho, mas devido ao clima de inquietação que se instalou entre os demais escravos. Ele mencionou a necessidade de aumentar a supervisão e de implementar medidas disciplinares mais rigorosas para manter a ordem. Em março de 1841, três meses após o desaparecimento, ocorreu um episódio que reaccendeu as preocupações na fazenda Santa Cruz.

Durante uma noite de tempestade, vários moradores da Casa Grande relataram ter ouvido sons provenientes da torre da biblioteca. Os sons foram descritos como murmúrios ou cânticos similares aos que haviam sido relatados durante a época em que Maria Helena trabalhava no local. O coronel Pereira da Silva, acompanhado pelo administrador Ferreira, investigou pessoalmente a torre durante a tempestade.

Eles não encontraram evidências de presença humana no local, mas descobriram que uma das janelas do terceiro andar estava aberta, apesar de ter sido trancada após a reforma. A fechadura mostrava sinais de ter sido forçada a partir do interior da sala. Este episódio levou o coronel a instalar fechaduras mais robustas em todas as janelas da torre e a determinar que guardas fossem posicionados nas proximidades durante as noites.

Estas medidas de segurança permaneceram em vigor por vários meses, até que não houve mais relatos de atividades suspeitas no local. O padre Joaquim Santos de Oliveira continuou acompanhando a situação na fazenda Santa Cruz através de visitas regulares e correspondência com a família Pereira da Silva.

Em suas anotações pessoais, ele registrou a opinião de que o desaparecimento de Maria Helena representava o fim de um episódio que desafiava a compreensão humana e que era melhor deixado no esquecimento. Contudo, o padre também registrou sua preocupação com os efeitos duradouros que a presença de Maria Helena havia causado na família proprietária da fazenda.

Ele observou que dona Francisca apresentava sinais de nervos abalados e que o coronel demonstrava uma vigilância excessiva em relação a qualquer comportamento anômalo entre os escravos da propriedade. Durante o ano de 1841, não houve novos desenvolvimentos significativos relacionados ao caso de Maria Helena.

A fazenda Santa Cruz manteve sua rotina normal e gradualmente os episódios estranhos se tornaram menos frequentes. O coronel Pereira da Silva implementou mudanças na administração da propriedade, incluindo uma política mais rigorosa de supervisão dos escravos e controle de acesso a materiais de leitura. Em 1842, chegou à fazenda uma informação que reacendeu o interesse no caso de Maria Helena, um comerciante viajante que transitava regularmente entre a Bahia e Minas Gerais, procurou o coronel com informações sobre uma mulher que

correspondia à descrição da escrava desaparecida. Segundo o relato do comerciante, registrado numa carta que o coronel enviou ao administrador de sua propriedade em Minas Gerais, uma mulher jovem havia aparecido numa vila próxima à fronteira entre as duas províncias, demonstrando conhecimentos incomuns sobre plantas medicinais e técnicas de cura.

A mulher não revelava sua origem, mas falava português com sotaque baiano e demonstrava familiaridade com a região do Recôncavo. O que tornava este relato particularmente intrigante era a descrição que os moradores da vila faziam dos métodos de cura utilizados pela mulher.

Eles mencionavam o uso de plantas locais combinadas com cânticos numa língua que ninguém reconhecia e uma eficácia nos tratamentos que surpreendia até mesmo os curandeiros mais experientes da região. O coronel Pereira da Silva enviou um representante à vila mencionada pelo comerciante com a missão de investigar se a mulher era realmente Maria Helena e, em caso positivo, providenciar seu retorno à fazenda.

Contudo, quando o representante chegou ao local, descobriu que a mulher havia desaparecido da vila duas semanas antes, sem deixar rastros ou explicações. Os moradores da vila relataram que a mulher havia partido numa manhã, levando apenas uma pequena bolsa com ervas e deixando para trás alguns objetos pessoais.

Entre estes objetos foi encontrado um pequeno caderno com anotações que lembravam as descobertas na fazenda Santa Cruz. Uma mistura de português, latim e símbolos não identificados. Este caderno foi enviado para a fazenda Santa Cruz e comparado com as anotações originais de Maria Helena, que haviam sido preservadas pelo administrador Ferreira.

A comparação revelou semelhanças na caligrafia e no tipo de conteúdo, mas não poôde ser considerada conclusiva devido às diferenças nas condições de escrita e no estado de conservação dos materiais. O representante do coronel estendeu suas investigações às vilas vizinhas na esperança de encontrar outros rastros da misteriosa curandeira.

Em algumas localidades, ele obteve relatos de uma mulher jovem que aparecia periodicamente, oferecia tratamentos para doenças diversas e desaparecia após alguns dias ou semanas. Estes relatos apresentavam um padrão consistente. A mulher nunca permanecia muito tempo no mesmo local.

Evitava fornecer informações sobre sua origem ou destino e demonstrava conhecimentos que causavam admiração e, ao mesmo tempo, desconforto entre os moradores locais. Alguns a descreviam como benzedeira, outros como curandeira, mas todos mencionavam a eficácia de seus tratamentos. Mais intrigante ainda era o fato de que em várias localidades a passagem da mulher havia deixado marcas duradouras.

Moradores relatavam que após sua partida, plantas medicinais, que antes eram escassas na região, começaram a crescer abundantemente em locais específicos. Outros mencionavam que doenças crônicas que afetavam a comunidade haviam sido curadas e não retornaram mesmo após a partida da curandeira.

Estas informações foram compiladas pelo representante do coronel num relatório detalhado que foi enviado à fazenda Santa Cruz em junho de 1842. O relatório concluía que, embora não houvesse prova definitiva de que a curandeira fosse Maria Helena, as semelhanças eram suficientes para sugerir uma conexão provável. O coronel Pereira da Silva, após ler o relatório, tomou a decisão de não prosseguir com as investigações.

Em correspondência privada com sua esposa, que estava temporariamente em Salvador cuidando de questões familiares. Ele expressou a opinião de que alguns mistérios são melhor deixados sem solução, especialmente quando sua solução pode trazer mais perturbação do que esclarecimento. Esta decisão de interromper as buscas foi influenciada também por considerações práticas. A fazenda Santa Cruz havia retornado à normalidade operacional e o coronel não desejava reascender antigas preocupações entre sua família e escravos.

Além disso, o custo das investigações estava se tornando significativo, sem garantia de resultados conclusivos. Em 1843, o caso de Maria Helena foi oficialmente encerrado nos registros da fazenda Santa Cruz. Ela foi registrada como escrava fugitiva, paradeiro desconhecido, presumivelmente morta, e seus dados foram arquivados junto com outros casos similares da época.

Contudo, relatos esporádicos sobre a misteriosa curandeira continuaram chegando à região do recôncavo baiano nos anos seguintes. Comerciantes viajantes, tropeiros e outros transeútes ocasionalmente mencionavam encontros com uma mulher jovem que demonstrava conhecimentos médicos incomuns e falava em línguas não identificadas.

Estes relatos se tornaram gradualmente parte do folclore local, misturando-se com outras histórias de pessoas misteriosas que apareciam e desapareciam pela região. Com o passar do tempo, as características específicas que poderiam identificar Maria Helena foram se perdendo, e ela se tornou mais uma figura lendária do que uma pessoa real procurada pelas autoridades.

O padre Joaquim Santos de Oliveira registrou em suas anotações finais sobre o caso que algumas presenças deixam marcas que transcendem sua passagem física por este mundo. Ele observou que mesmo anos após o desaparecimento, o nome de Maria Helena ainda causava desconforto quando mencionado na região e que muitos preferiam evitar discussões sobre o assunto.

Torre da biblioteca na fazenda Santa Cruz nunca mais foi utilizada da mesma forma após a partida de Maria Helena. Embora tenha continuado abrigando os livros do coronel, o acesso ao terceiro andar foi permanentemente restrito e a função de catalogação foi transferida para uma sala no térrio da Casagre. Em 1845, 5 anos após o desaparecimento, dona Francisca Amélia da Conceição faleceu subitamente aos 42 anos de idade.

As causas da morte não foram claramente estabelecidas, mas correspondências familiares sugerem que ela nunca se recuperou completamente do estado de nervosismo desenvolvido durante os episódios envolvendo Maria Helena. O coronel Pereira da Silva vendeu a fazenda Santa Cruz em 1847 e se mudou para Salvador com os filhos.

Em carta dirigida ao padre Joaquim, ele mencionou que certas propriedades carregam memórias que não podem ser apagadas e que às vezes a mudança representa a única forma de encontrar paz. Os novos proprietários da fazenda Santa Cruz, família de comerciantes de Salvador, sem conhecimento detalhado da história anterior da propriedade, implementaram mudanças significativas na estrutura física.

A torre da biblioteca foi completamente demolida e uma nova construção foi erguida em seu lugar. O terreno onde ficava a antiga capela também foi remodelado para uso agrícola. Contudo, mesmo após estas mudanças, ocasionalmente chegavam aos novos proprietários relatos de episódios estranhos na propriedade. Escravos recém-chegados, sem conhecimento da história anterior, às vezes mencionavam sons inexplicáveis durante as noites ou a sensação de presença invisível em certas áreas da fazenda.

Estes relatos eram geralmente atribuídos à adaptação dos novos trabalhadores ao ambiente ou à superstições comuns entre as populações escravizadas. Os novos proprietários não deram importância significativa a estas ocorrências e gradualmente elas se tornaram menos frequentes. Em 1850, um pesquisador interessado na história da região procurou o padre Joaquim Santos de Oliveira para obter informações sobre casos incomuns ocorridos na área durante as décadas anteriores.

O padre, já idoso e próximo da aposentadoria, forneceu um relato resumido do caso de Maria Helena, omitindo os detalhes mais perturbadores. Este relato foi incluído numa pequena publicação sobre Curiosidades e Mistérios do Recôncavo Baiano, editada em Salvador em 1851. A publicação apresentava o caso como uma história interessante sobre uma escrava com conhecimentos incomuns, sem mencionar os aspectos mais inquietantes dos acontecimentos.

Versão publicada focava principalmente no aspecto da educação excepcional de uma escrava, utilizando o caso como exemplo das capacidades intelectuais que podiam ser desenvolvidas mesmo em condições de cativeiro. Esta abordagem transformou a história de Maria Helena numa anedota edificante sobre superação pessoal, muito diferente da realidade perturbadora dos eventos originais.

Durante as décadas seguintes, a história foi ocasionalmente mencionada em outras publicações sobre a história da Bahia, sempre numa versão simplificada e sem referência aos elementos mais misteriosos. Maria Helena se tornou uma figura semilendária, representando a possibilidade de educação e conhecimento transcenderem as barreiras sociais da época.

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Em 1862, 22 anos após o desaparecimento, um último relato chegou ao conhecimento dos antigos moradores da região. Um comerciante que viajava pela fronteira entre Bahia e Goiás relatou ter encontrado uma mulher idosa numa aldeia indígena remota que falava português com sotaque baiano e demonstrava conhecimentos de medicina que impressionavam até mesmo os pajés locais.

A mulher, segundo o relato, havia chegado à aldeia décadas antes, carregando apenas uma pequena bolsa com ervas e um caderno com anotações em várias línguas. Ela havia se integrado à comunidade indígena, contribuindo com seus conhecimentos médicos e aprendendo as tradições locais. O comerciante descreveu a mulher como tendo aproximadamente 50 anos, cabelos grisalhos, mas mantendo a postura altiva que havia caracterizado Maria Helena em sua juventude.

Mais significativo ainda, ela utilizava métodos de cura que combinavam plantas locais com técnicas que o comerciante reconheceu como similares às praticadas no recôncavo baiano. Este último relato nunca poôde ser verificado, pois quando outros interessados tentaram localizar a aldeia mencionada pelo comerciante, descobriram que ela havia sido abandonada devido a conflitos territoriais.

Os membros da comunidade indígena haviam se dispersado, levando consigo qualquer evidência da presença da misteriosa curandeira. O padre Joaquim Santos de Oliveira faleceu em 1863, levando consigo os conhecimentos mais detalhados sobre o caso de Maria Helena. Suas anotações pessoais foram preservadas nos arquivos paroquiais, mas só foram redescoberta em 1967, durante uma catalogação de documentos históricos.

A redescoberta destas anotações revelou aspectos do caso que haviam sido omitidos nas versões publicadas anteriormente. Os registros do padre mostravam a verdadeira complexidade e o caráter perturbador dos acontecimentos, incluindo detalhes sobre os conhecimentos inexplicáveis demonstrados por Maria Helena e os efeitos duradouros de sua presença na fazenda Santa Cruz.

Um pesquisador da Universidade Federal da Bahia, professor Dr. Raimundo Alves da Costa, iniciou em 1968 um estudo acadêmico sobre o caso de Maria Helena, baseado nas anotações do padre Joaquim e outros documentos descobertos nos arquivos de famílias da região. Este estudo pretendia analisar o caso do ponto de vista antropológico e histórico. Contudo, o estudo do professor Costa nunca foi concluído.

Em dezembro de 1968, ele desapareceu durante uma viagem de pesquisa à região onde ficava a antiga fazenda Santa Cruz. Seu corpo nunca foi encontrado e seus anotações de pesquisa desapareceram junto com ele. As circunstâncias do desaparecimento do professor Costa geraram especulação na comunidade acadêmica, mas não foi possível estabelecer qualquer conexão definitiva com sua pesquisa sobre Maria Helena.

O caso foi oficialmente classificado como acidente durante a atividade de pesquisa de campo e a investigação foi arquivada. Em 1969, os últimos documentos relacionados ao caso de Maria Helena foram transferidos para os arquivos históricos do estado da Bahia, onde permanecem até hoje como parte da coleção de registros sobre a escravidão na região do Recôncavo.

Os documentos são raramente consultados e o caso permanece como uma nota de rodapé obscura na história da região. A região onde ficava a fazenda Santa Cruz foi gradualmente urbanizada durante o século XX e hoje faz parte da área metropolitana de Salvador. Não existem mais vestígios físicos da propriedade original e poucos moradores locais têm conhecimento da história que ali se desenrolou no século XIX.

Ocasionalmente, moradores mais antigos da região mencionam histórias vagas sobre eventos estranhos que teriam ocorrido na área durante o período escravista. Mas estas histórias se misturaram com outros elementos do folclore local e perderam qualquer conexão específica com o caso de Maria Helena.

O nome de Maria Helena Gomes desapareceu quase completamente dos registros históricos acessíveis ao público. Ela existe apenas nas páginas amareladas de documentos arquivados, como um eco distante de uma presença que desafiou a compreensão de sua época e continua desafiando a nossa. Até hoje ninguém conseguiu explicar satisfatoriamente os conhecimentos demonstrados por Maria Helena, nem as circunstâncias de seu desaparecimento.

Ela permanece como um mistério envolvido pelas brumas do tempo. Uma figura que atravessou brevemente a história documentada e desapareceu, deixando apenas perguntas sem resposta e uma sensação persistente de que algumas verdades são grandes demais para serem completamente compreendidas ou reveladas. M.

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