Maio de 1828, nas matas densas do recôncavo baiano, uma mulher negra de 32 anos caminhava à frente de 60 pessoas, carregava uma faca na cintura, um mosquete no ombro e uma determinação que faria tremer os coronéis mais poderosos da província. Seu nome era Zeferina dos Anjos e naquele momento tropas imperiais cercavam o quilombo que ela comandava havia do anos.

O que aconteceu naquela madrugada entraria para a história como uma das mais audaciosas resistências contra o sistema escravista brasileiro. Mas para entender como uma escrava se tornou a líder mais procurada da Bahia, precisamos voltar ao ano de 1826, quando tudo começou. A fazenda Santa Cruz ficava a três léguas de cachoeira no coração do recôncavo baiano.
Era a propriedade do coronel Francisco de Paula Cavalcante, um dos homens mais ricos da região, dono de 400 escravos distribuídos entre suas terras de cana de açúcar e tabaco. Zeferina nasceu ali em 1796, filha de Benedita, uma escrava da costa da mina, e de um pai que nunca conheceu. Cresceu nos canaviais aprendendo desde criança o que significava pertencer a outro ser humano.
Aos 12 anos, foi transferida para Casagre como mucama da Sha Margarida, esposa do coronel. Por 8 anos, serviu a família, observando de perto os hábitos dos senhores, seus segredos, suas fraquezas. Foi nesse período que aprendeu português com perfeição, ouvindo as conversas da Casagrande e memorizando cada palavra.
Aos 20 anos, depois que assim a Margarida morreu de febre amarela, foi mandada de volta para os canaviais. O trabalho nas plantações era brutal. Acordavam antes do sol nascer e trabalhavam até o anoitecer, sob supervisão de feitores que não hesitavam em usar o chicote. Zeferina viu pessoas morrerem de exaustão, de doenças, de castigos.
viu crianças serem vendidas, famílias serem separadas, corpos serem marcados a ferro quente. Cada cicatriz em suas costas era um lembrete do que significava ser propriedade. Foi em março de 1826 que tudo mudou. Joaquim, um jovem escravo de 25 anos que trabalhava como carpinteiro na fazenda, foi açoitado até quase a morte por ter quebrado acidentalmente uma ferramenta.
Zeferina o encontrou na cenzala, o corpo decerado, gemendo de dor. Naquela noite, enquanto cuidava de seus ferimentos com ervas que aprendera com a mãe, Joaquim disse algo que mudaria o rumo de suas vidas. Zeferina, não posso mais viver assim. Vou fugir. Tem um quilombo nas matas do rio Iguape.
Dizem que lá vivem mais de 100 negros livres. Ela olhou para ele em silêncio. A ideia de fugir sempre existira em sua mente, mas concretizá-la parecia impossível. As punições para fugitivos capturados eram terríveis. Conhecia histórias de escravos que foram marcados com ferro em brasa, tiveram tendões cortados ou foram mortos como exemplo.
Mas naquela noite, olhando para o corpo destruído de Joaquim, algo dentro dela se quebrou. “Então eu vou com você”, disse ela. “E vamos levar mais gente.” Durante os três meses seguintes, Zeferina e Joaquim planejaram meticulosamente a fuga. Não seria uma fuga individual e desesperada, seria uma fuga coletiva, organizada, que daria a dezenas de pessoas a chance de liberdade.
Zeferina usou sua experiência na Casagrande para mapear as rotinas da fazenda. sabia exatamente quando os feitores faziam as rondas, quando trocavam de turno, quais áreas ficavam menos vigiadas durante a noite. Joaquim, com suas habilidades de carpinteiro, começou discretamente a fabricar ferramentas que seriam úteis na mata. Facas improvisadas de pedaços de metal, machados escondidos em locais estratégicos, cordas trançadas com fibras de cana.
Aos poucos foram recrutando pessoas de confiança. Não contaram para muitos, apenas para aqueles que tinham certeza de que não delatariam o plano. A noite escolhida foi 15 de junho de 1826. Era véspera de São João, quando haveria festividades na fazenda e os feitores estariam distraídos com cachaça e fogueiras.
Zeferina reuniu 23 pessoas, homens, mulheres, até três crianças pequenas, cujas mães se recusaram a deixar para trás. Quando o relógio da casa grande marcou meia-noite e os sons da festa abafavam qualquer outro ruído, o grupo começou a se mover. atravessaram os canaviais em silêncio absoluto. As crianças foram orientadas a não fazer barulho.
Os homens mais fortes iam à frente, abrindo caminho com facões. Zeferina ia no meio do grupo, coordenando cada movimento com gestos silenciosos. Joaquim fechava a retaguarda, garantindo que ninguém ficasse para trás. Levaram quase duas horas para alcançar a mata fechada além dos limites da fazenda. Quando finalmente entraram na floresta densa, Zeferina permitiu que o grupo fizesse uma pausa.
Olhou para trás, vendo a fazenda Santa Cruz iluminada pelas fogueiras de São João. Era a última vez que veria aquele lugar. Dentro de poucas horas, sua ausência seria descoberta. O coronel Francisco de Paula Cavalcante mandaria capitães do mato atrás deles. A caçada começaria. Temos que andar rápido”, disse ela ao grupo.
“Antes do amanhecer, precisamos estar longe o suficiente para que os cães não peguem nosso rastro”. Caminharam durante toda a noite, atravessaram riachos para confundir os cães de caça, escalaram morros cobertos de vegetação fechada, evitaram trilhas conhecidas. As crianças foram carregadas nas costas quando não conseguiam mais andar.
Alguns tinham os pés sangrando, mas ninguém reclamou. A liberdade valia qualquer sofrimento. Ao amanhecer, haviam percorrido quase cinco léguas. Encontraram uma gruta natural entre rochas cobertas de musgos e cipós. Ali fizeram o primeiro acampamento. Comeram farinha de mandioca e carne seca que Joaquim havia conseguido esconder nas semanas anteriores.
Zeferina organizou turnos de vigia. não podiam baixar a guarda. Durante os dias seguintes, continuaram avançando pelas matas. O objetivo era alcançar o quilombo do rio Iguape, mas Joaquim não tinha certeza da localização exata. Seguiam apenas rumores e indicações vagas que havia ouvido de outros escravos. Na terceira noite de fuga, quando acampavam perto de um riacho, ouviram o som inconfundível de cães latindo ao longe.
“São os capitães do mato”, sussurrou Joaquim. Zeferina não hesitou. “Vamos nos separar. Dividam-se em três grupos. Vocês seguem rio abaixo. Vocês sobem o morro à esquerda. Nós vamos pela direita. Nos encontramos onde o rio faz a curva duas léguas daqui. Se alguém for pego, não delata os outros. O grupo se dispersou rapidamente.
Zeferina liderou um grupo de sete pessoas, incluindo uma mulher grávida chamada Teresa. Subiram por um caminho íngreme, usando as raízes das árvores como apoio. Os latidos ficaram mais próximos. Podiam ouvir vozes de homens gritando ordens. De repente, disparos de mosquete ecoaram pela mata. “Continuem subindo”, ordenou Zeferina. “Não parem.
Alcançaram um platô coberto de bambos. Ali Zeferina teve uma ideia. Cortou vários bambus grossos e os posicionou inclinados na direção por onde vieram. Quando os capitães do mato subissem, os bambus cortados rolaram morro abaixo, criando confusão e atrasando os perseguidores. Ganharam um tempo precioso. Três dias depois, exaustos e famintos, encontraram o ponto de encontro combinado.
Dos 23 fugitivos originais, 19 haviam conseguido escapar. Quatro foram capturados, incluindo um jovem de 16 anos, que Zeferina conhecia desde criança. A dor da perda era real, mas não havia tempo para luto. Precisavam continuar. Foi na segunda semana de fuga que finalmente encontraram o quilombo do rio Iguape. Mas não era o que esperavam.
O local havia sido atacado por uma expedição punitiva dois meses antes. Estavam apenas ruínas de casas queimadas e plantações destruídas. Não havia ninguém. Os quilombolas haviam fugido ou sido capturados. O grupo ficou devastado. Joaquim sentou-se numa pedra, a cabeça entre as mãos. Viemos até aqui para nada.
O que vamos fazer agora? Zeferina olhou ao redor, viu as ruínas, mas também viu algo mais. Viu terra fértil perto do rio, viu mata densa que oferecia proteção, viu a possibilidade de recomeçar. “Vamos construir nosso próprio quilombo”, disse ela com uma determinação que surpreendeu até a si mesma. “Você enlouqueceu”, disse Teresa de a mulher grávida.
“Não sabemos fazer isso. Não temos ferramentas, não temos sementes, não temos armas”. Então vamos conseguir”, respondeu Zeferina. Joaquim sabe construir casas. Benedito conhece plantas. Antônio sabe caçar. Cada um de nós tem algo para contribuir. Não viemos até aqui para desistir agora. Naquele momento, algo mudou no grupo.
Pela primeira vez, não estavam apenas fugindo de algo, estavam construindo algo novo. Zeferina, sem perceber completamente, havia se tornado a líder daquelas pessoas. E o que viria a seguir? transformaria aquele grupo de fugitivos numa das comunidades quilombolas mais organizadas e resistentes do recôncavo baiano. Os primeiros meses no quilombo foram de trabalho intenso.
Zeferina organizou o grupo com a eficiência que aprendera, observando a administração da fazenda Santa Cruz. Designou responsabilidades específicas para cada pessoa. Joaquim liderava a construção das casas. Usando madeira e palha da mata. Benedito, que conhecia plantas medicinais e identificava ervas úteis e plantava mandioca, milho e feijão em pequenas roças escondidas entre as árvores.
Antônio e outros homens mais jovens foram designados como caçadores e vigias. Armados com lanças improvisadas e algumas poucas ferramentas percorriam a região em busca de animais. E mais importante, ficavam atentos a qualquer aproximação de estranhos. As mulheres cuidavam das plantações, preparavam alimentos e fabricavam roupas com fibras vegetais.
Zeferina estabeleceu regras rígidas de segurança. Ninguém podia se afastar sozinho. Fogueiras só podiam ser acesas durante o dia, quando a fumaça se dispersava entre as árvores sem ser notada à distância. Construíram as casas de forma que ficassem praticamente invisíveis de fora do quilombo, camufladas pela vegetação densa.
Mas Zeferina sabia que não podiam viver isolados para sempre. Precisavam de recursos que a mata não oferecia, sal, ferramentas de metal, tecidos, pólvora. Em setembro de 1826, três meses após a fuga, ela tomou uma decisão ousada. Lideraria expedições para liberar recursos de fazendas próximas.
“Não somos ladrões”, explicou ao grupo numa reunião noturna. “Estamos apenas pegando de volta o que sempre foi nosso. Nosso trabalho construiu essas fazendas. Nosso suor encheu os bolsos desses coronéis. Agora vamos pegar o que precisamos para sobreviver. A primeira expedição foi contra um pequeno armazém numa estrada entre Cachoeira e Maragojipe.
Zeferina liderou um grupo de seis pessoas. Esperaram até a madrugada, quando o vigia dormia. Entraram silenciosamente. Levaram sacas de farinha, sal, ferramentas e algumas armas brancas. deixaram antes do amanhecer sem serem vistos. As expedições se tornaram mais frequentes e audaciosas. Em outubro, atacaram um pequeno engenho libertando 12 escravos que se juntaram ao quilombo.
Em novembro, interceptaram uma comitiva que transportava mercadorias, levando tecidos, panelas de ferro e duas armas de fogo. Em dezembro, numa ação que causou espanto em toda a região, invadiram a fazenda Santa Cruz, exatamente o lugar de onde haviam fugido. Conhecendo perfeitamente a disposição da propriedade, o grupo liderado por Zeferina entrou durante a noite, libertou 28 escravos e incendiou o depósito de açúcar.

O prejuízo para o coronel Francisco de Paula Cavalcante foi imenso, mais importante, a mensagem estava dada. Zeferina não era apenas uma fugitiva, era uma líder revolucionária. As autoridades baianas entraram em pânico. O presidente da província Visconde de Camamu, emitiu uma ordem oficial, oferecendo recompensa pela captura de Zeferina, viva ou morta.
R$ 100.000 réis, uma fortuna na época. Capitães do mato de toda a região foram mobilizados. Tropas do exército imperial foram destacadas para caçar o que passou a ser chamado de quilombo do urubu, nome dado por causa de um rio próximo. Mas encontrar Zeferina era mais difícil do que as autoridades imaginavam.
O quilombo mudava de localização regularmente. Quando sentiam que estavam sendo rastreados, desmontavam as casas e se mudavam para outro ponto da mata, sempre perto de rios, sempre em terreno difícil de acessar. Além disso, Zeferina havia estabelecido uma rede de informantes, escravos de fazendas vizinhas tocados pela coragem da líder quilombola, passavam informações secretas.
Quando tropas eram mobilizadas, alguém avisava. Quando capitães do mato planejavam uma expedição, Zeferina sabia antes. Essa rede de solidariedade transformou toda a região numa zona de resistência silenciosa. Em março de 1827, um ano após a fuga inicial, o quilombo do urubu tinha mais de 60 pessoas. Não era apenas um esconderijo, era uma comunidade organizada.
com plantações, casas sólidas, sistema de defesa e uma líder respeitada e temida. Zeferina tinha agora 31 anos e havia se tornado uma lenda viva. Os escravos das fazendas contavam histórias sobre ela em sussurros na cenzala. Diziam que tinha força sobreumana, que conhecia os segredos da mata, que conversava com os espíritos dos ancestrais.
Algumas histórias eram exageradas, mas a verdade era impressionante o suficiente. Zeferina havia transformado um grupo de fugitivos assustados numa força que desafiava o poder do império, mas o cerco estava se fechando. Em abril de 1827, o governo imperial enviou o capitão Raimundo José de Matos, oficial experiente que havia participado da repressão à Confederação do Equador.
Ele trouxe consigo 50 soldados bem armados e um contingente de capitães do mato locais. A ordem era clara: destruir o quilombo do urubu e capturar Zeferina a qualquer custo. Matos era diferente dos outros caçadores. Estudou os padrões de movimento do quilombo, interrogou escravos capturados, mapeou a região sistematicamente.
Descobriu que Zeferina tinha o hábito de atacar na lua nova. Quando a escuridão favorecia as operações noturnas, preparou uma emboscada. Em junho de 1827, quando o quilombo planejava uma expedição para libertar escravos de uma fazenda próxima, caíram na armadilha. Tropas imperiais estavam escondidas esperando.
Quando o grupo de Zeferina se aproximou, foram recebidos com uma salva de tiros. Três quilombolas morreram instantaneamente. O resto conseguiu fugir. Mas pela primeira vez desde a formação do quilombo, haviam sido surpreendidos. Eles sabiam que vínhamos, disse Joaquim quando voltaram ao acampamento. Alguém nos traiu.
Zeferina sabia que ele estava certo. Sua rede de informantes havia sido infiltrada. A partir daquele momento, não podiam confiar em ninguém de fora. O cerco estava se fechando e ela precisava tomar decisões difíceis. Nos meses seguintes, a vida no quilombo ficou mais difícil. As expedições se tornaram raras e perigosas. As plantações não produziam o suficiente.
A comida começou a escassear. Algumas pessoas adoeceram. Dois bebês nasceram, incluindo o filho de Teresa, mas não havia recursos adequados para cuidar das crianças. Em outubro de 1827, um grupo de 15 pessoas decidiu se render. Estavam cansados, famintos, desesperançosos. Zeferina não os impediu, mas alertou sobre as consequências.
Se voltarem, serão castigados. Vocês sabem disso. Prefiro morrer rápido no tronco do que devagar de fome aqui”, respondeu um dos homens. Quando o grupo se entregou às autoridades, foram todos açoitados publicamente em cachoeira como exemplo. Três morreram dos ferimentos. A notícia chegou ao quilombo e causou desespero entre os que ficaram, mas também reforçou a determinação de Zeferina.
Não havia volta. Ou conquistavam a liberdade ou morreriam tentando. Em dezembro de 1827, Zeferina tomou uma decisão radical. Se não podiam mais viver escondidos, lutariam abertamente. Organizou o quilombo como uma força militar. Todos aprenderam a lutar. As mulheres também fabricaram lanças, arcos, flechas. As duas armas de fogo que possuíam foram mantidas para emergências.
Construíram armadilhas pela mata. Prepararam rotas de fuga. Se as tropas viessem, encontrariam resistência. O ano de 1828 começou com tensão crescente. As autoridades intensificaram as operações. O capitão Matos agora tinha 100 homens sobria a mata sistematicamente, destruindo plantações escondidas, interrogando qualquer pessoa suspeita apertando o cerco.
Em março, houve um confronto direto. Tropas imperiais encontraram um grupo de quilombolas caçando. Trocaram tiros. Dois soldados foram feridos, mas três quilombolas morreram. Era um sinal de que o fim estava próximo. Joaquim, que havia sido o companheiro constante de Zeferina desde o início, morreu em abril durante uma emboscada.
Levou um tiro no peito quando tentava proteger uma criança durante uma fuga. Zeferina segurou seu corpo enquanto ele morria, as lágrimas correndo silenciosamente por seu rosto. “Continue lutando!”, foram suas últimas palavras. Não deixe que tudo isso tenha sido em vão. A morte de Joaquim quebrou algo dentro de Zeferina, mas também a endureceu.
Não haveria mais recuos, não haveria mais negociações silenciosas com a realidade. Lutaria até o último suspiro. Em maio de 1828, o capitão Matos finalmente descobriu a localização exata do quilombo. Um escravo capturado, sob tortura, revelou as coordenadas. Matos organizou uma operação militar completa. 120 homens, incluindo soldados regulares e milicianos locais, canhões pequenos para destruir fortificações, cães treinados.
Era uma força de guerra contra um grupo de 60 pessoas armadas com lanças e duas espingardas. Ataque aconteceu ao amanhecer de 22 de maio de 1828. As tropas cercaram o quilombo silenciosamente durante a noite. Quando o sol nasceu, abriram fogo. As casas foram destruídas por disparos de canhão. As pessoas correram em todas as direções. O caos era total.

Zeferina gritava ordens, tentando organizar a resistência. Para a mata. Usem as rotas que treinamos. Não deixem que peguem as crianças. Mas era inútil. A força das tropas imperiais era esmagadora. Um por um, os quilombolas foram sendo capturados ou mortos. Zeferina lutou como uma leoa aquada. Matou dois soldados com sua faca antes de ser desarmada.
Levou uma coronhada na cabeça e caiu inconsciente. Quando acordou, estava amarrada, cercada por soldados. O capitão Matos estava à sua frente, observando-a com uma mistura de respeito e ódio. “Então você é a famosa Zeferina”, disse ele. Causou mais problemas que uma companhia inteira de soldados inimigos. Ela cuspiu aos seus pés.
“Podem me matar, mas outros virão, outros sempre virão. Dos 60 quilombolas, 30 foram mortos no ataque. 26 capturados, incluindo Zeferina. Apenas quatro conseguiram fugir para a mata. O quilombo do urubu havia sido destruído após quase do anos de existência. Zeferina foi levada para Salvador acorrentada numa carroça que atravessou as mesmas estradas por onde havia fugido dois anos antes.
Durante o trajeto, escravos que trabalhavam nas fazendas paravam o que estavam fazendo para vê-la passar. Alguns baixavam a cabeça em respeito, outros choravam silenciosamente. Em Salvador foi julgada rapidamente. Não teve direito à defesa. O júri, composto por senhores de escravos e autoridades locais, a condenou à morte por insurreição, roubo e assassinato.
A sentença seria executada publicamente como exemplo. [Música] No dia 3 de junho de 1828, Zeferina foi levada ao Pelourinho para execução. Centenas de pessoas se reuniram para assistir. Escravos foram obrigados a comparecer para que vissem o que acontecia com quem desafiava o sistema.
Mas o que as autoridades viram nos rostos daqueles escravos não foi medo, foi algo que os assustou muito mais, era admiração. Zeferina subiu ao cadafalso com a cabeça erguida. Não tremeu, não chorou, não pediu clemência. Quando perguntaram se tinha últimas palavras, ela virou-se para a multidão de escravos e disse em voz alta: “Morri livre.
Vivi livre por dois anos. é mais do que muitos de vocês terão, mas um dia todos serão livres. Eu não verei esse dia, mas ele virá. A execução foi rápida, mas as palavras de Zeferina ecoariam por décadas. Nos anos seguintes, outros quilombos surgiram na região inspirados por sua história. As rebeliões escravas na Bahia aumentaram.
O medo dos senhores de escravos cresceu e 60 anos depois, em 1888, a abolição finalmente chegou. Zeferina dos anjos não viveu para ver a liberdade completa de seu povo, mas sua coragem inspirou gerações. Numa época em que ser escravo significava não ter voz, ela gritou. Numa época em que fugir parecia impossível, ela liderou.
Numa época em que desafiar o império era suicídio, ela lutou até o fim. Sua história não está nos livros de história oficiais, não há monumentos com seu nome, mas nas comunidades quilombolas, que ainda existem no recôncavo baiano, o nome de Zeferina é lembrado não como vítima, mas como guerreira, não como escrava, mas como líder, não como propriedade, mas como símbolo eterno de que a liberdade vale qualquer preço.
O quilombo do urubu foi destruído, mas a semente que Zeferina plantou continuou germinando. Em cada ato de resistência, em cada fugitivo que alcançou a liberdade, em cada corrente que foi quebrada, o espírito daquela mulher que desafiou um império continuou vivo e continua até hoje.