
“Entre na minha cama agora, vaca gorda”, rugiu ele. Mas o que ele fez ali a fez se sentir como uma deusa. A tempestade gritava como uma fera ferida sobre os picos da Montanha White Peak, engolindo cada som exceto o vento. Através da neve cegante tropeçava uma mulher, Evangeline “Eva” Morrison, de 25 anos, seu cabelo ruivo duro de gelo, suas mãos tremendo enquanto tentava proteger seu rosto do vendaval.
Havia caminhado por horas, talvez dias. Já não conseguia dizer. Tudo o que sabia era que, se parasse, o frio a reclamaria. Seu vestido, encharcado e rasgado, grudava em seu corpo, pesado como correntes. Cada respiração ardia. Sussurrou para si mesma, a voz quebrando sozinha: “Um pouco mais longe”. Disseram que havia uma cabana no cume. Atrás dela, o mundo do qual havia fugido parecia desaparecer na tempestade.
O povoado de Milbrook, seu cruel padrasto Jeremiah Hartwell e o pesadelo que ele tentara forçar sobre ela… ainda podia ouvir sua risada bêbada. “Você vai se casar com ele, garota? 65 anos ou não, ele está pagando minhas dívidas.” Então ela correu para a noite, para a tempestade. Melhor morrer livre na neve do que viver como propriedade de alguém.
Mas agora suas pernas cederam. O vento a derrubou, enterrando-a no branco. Seus lábios ficaram azuis. Seu batimento cardíaco diminuiu. Sussurrou uma última oração, não para ser salva, mas para parar de sofrer. E então, luz, uma porta se abrindo, uma sombra movendo-se através da tempestade, uma voz profunda trovejou sobre o vento. “Deus todo-poderoso, aguente firme.”
Braços fortes como ferro a levantaram da neve. Tentou falar, mas seus lábios mal se moveram. Ele a levou para dentro, a porta batendo atrás deles. E então essa mesma voz rugiu outra vez, urgente e feroz: “Entre na minha cama agora, tonta gorda, ou você vai morrer.”
As palavras estalaram pela cabana como tiros ásperos, aterrorizantes, mas não estavam cheias de luxúria, estavam cheias de pânico. Porque o Dr. Damian Cross, o homem que chamavam de “O Diabo Branco” das montanhas, sabia que só tinha minutos para salvar a vida dela. A porta da cabana se fechou com força, cortando a nevasca como uma parede.
Lá dentro, apenas o crepitar do fogo e o raspar agudo da respiração preenchiam o quarto. Damian Cross colocou a mulher em uma pele de urso perto da lareira. Sua pele estava branca, gelada, seu pulso fraco. O vapor subia de seu vestido encharcado enquanto o calor a alcançava. Podia sentir os tremores de hipotermia profundos em seus ossos.
“Maldição”, murmurou tirando as luvas. “Você esteve nesta tempestade por muito tempo.” Derramou uma chaleira de água em uma tigela, jogou um punhado de ervas e colocou junto ao fogo. Então se voltou para ela e gritou, voz aguda e mandona: “Escute-me, você precisa tirar essa roupa agora.” Seus olhos tremulavam, mal consciente.
“Não, por favor, não me machuque.”
“Não seja tonta”, gritou ele. “Se você ficar assim, estará morta antes do amanhecer. Entre na cama agora.”
As palavras soaram cruéis, até mesmo para seus próprios ouvidos. Os hábitos do isolamento o haviam tornado brusco, acostumado demais a falar com as tempestades, não com as pessoas.
Mas não tinha tempo para gentileza. Eva tentou se mover, mas desabou outra vez. Sua respiração vinha em calafrios. Damian praguejou baixinho, levantou-a sem esforço e a carregou através do quarto. “Não se atreva a desmaiar agora”, disse em voz baixa, mas tremendo de urgência.
Colocou-a na cama grande perto do fogo, virou-se de costas e começou a falar rápido. Sua voz mais suave desta vez. “Escute com atenção. Tire sua roupa molhada. Tudo. Há um cobertor atrás de você. Enrole-o apertado ao redor do seu corpo. Manterei minhas costas viradas.” Esperou com os olhos fixos na parede, ouvindo o sussurro fraco de tecido. Por um momento, nada se moveu. Então, finalmente um sussurro.
“Terminei.” Ele se virou. Ela estava sentada agarrando o cobertor contra o peito, seu cabelo ruivo úmido e emaranhado sobre os ombros, seus lábios ainda tremendo, mas seus olhos verdes como a primavera, olhando-o com uma mistura estranha de medo e gratidão. Damian aproximou-se lento e deliberado, segurando uma caneca de líquido fumegante.
“Beba isso devagar.”
Eva hesitou. “O que é?”
“Casca de salgueiro e gengibre para febre. Sou médico, não monstro.” Essa última frase saiu calmamente, quase amargamente.
O olhar de Eva se suavizou. “Disseram que você era perigoso, que mataria qualquer um que subisse esta montanha.”
Damian deu um sorriso sombrio. “Dizem muitas coisas sobre o que não entendem.”
Ajoelhou-se ao lado dela, uma mão grande pairando logo acima de seu ombro, cuidadoso para não tocar. “Pode sentir seus dedos?” Ela levantou uma mão trêmula.
“Um pouco.”
“Bom. Isso significa que não cheguei tarde demais.” Por primeira vez desde que havia chegado, seus olhos se encontraram completamente, o medo dela colidindo com a exaustão dele.
Duas almas quebradas, ambas caçadas por mentiras. Lá fora a nevasca uivava arranhando as paredes da cabana. Dentro, o mundo se estreitou a um fogo, uma cama e dois estranhos lutando contra o frio e o peso do que outros os haviam feito acreditar sobre si mesmos. Damian levantou-se. Sua voz baixa. “Agora você viverá. Eu me certificarei disso.”
Os olhos de Eva tremularam. “Por que me ajudar?”
Ele parou junto à cama, a luz do fogo piscando sobre as cicatrizes em suas mãos. “Porque uma vez alguém me ajudou e eu também não merecia.” Ela quis perguntar mais, mas o calor finalmente a venceu. Seus olhos se fecharam e o sono, sono profundo e seguro, a reclamou pela primeira vez em anos.
Damian observou sua respiração estabilizar-se, depois se virou. Sua voz era apenas um sussurro contra o fogo crepitante. “Descanse tranquila, ruiva. A tempestade não pode te tocar aqui.” Quando Evangeline acordou, o mundo estava silencioso, tão silencioso que por um momento pensou que havia morrido. O fogo ainda ardia baixo na lareira, pintando as paredes de madeira em âmbar quente.
Estava enrolada em cobertores tão grossos que pareciam um casulo. O ar cheirava fracamente a fumaça e algo doce, ervas talvez ou resina de pinheiro. Seu primeiro pensamento foi: “Estou viva.” Seu segundo foi: “Onde estou?” Então o viu.
Damian Cross estava sentado em uma cadeira perto da janela, a luz da manhã caindo sobre seu rosto. Seu cabelo branco prateado na luz solar o fazia parecer quase de outro mundo. Estava lendo, um par de óculos equilibrado baixo em seu nariz, mas sua postura, quieta e alerta, traía um homem que nunca relaxava verdadeiramente. Quando notou que ela se agitava, deixou o livro de lado. “Você está acordada?”, disse simplesmente.
Eva tentou se sentar, agarrando o cobertor mais perto de seu peito. “Quanto tempo estive dormindo?”
“Dois dias.” Ele se levantou, seu casaco longo sussurrando contra o chão. “Teve febre. Quase te perdi na noite passada”, piscou as palavras apenas afundando. “Você ficou aqui o tempo todo.” Ele encolheu os ombros como se fosse óbvio.
“Não podia te deixar sozinha, podia? Não com a tempestade rugindo.” A brusquidão em seu tom não escondeu a fadiga silenciosa em seus olhos. Entregou-lhe uma tigela de sopa, seu vapor curvando-se entre eles. “Coma devagar.”
Os dedos de Eva tremeram enquanto ela pegava. “Obrigada.”
Damian apoiou-se contra a mesa, braços cruzados. “Você tem espírito, admito. Não muitos subiriam uma montanha em uma tempestade assim.”
Ela deu uma risada fraca, mais um suspiro do que um som. “Não tive muita escolha.”
O olhar dele se afiou. “Alguém estava te perseguindo.”
Ela hesitou. Então as palavras saíram aos borbotões. “Meu padrastro queria me vender, me casar com um homem velho o suficiente para ser meu avô. Corri antes do amanhecer. Não me importava se congelasse.”
A mandíbula de Damian se tensou. Por um longo momento, o único som foi o estalo suave da madeira queimando. Quando finalmente falou, sua voz era baixa com bordas ásperas. “Você fez a coisa certa. Ninguém merece isso.” Encontrou os olhos dela e pela primeira vez viu não o monstro dos rumores, mas um homem carregando a dor como uma corrente ao redor de seu pescoço.
“Você não fala como o diabo que dizem que você é”, disse ela suavemente.
Ele quase sorriu. “O povo me chama do que quer. É mais fácil temer um fantasma do que enfrentar o que fizeram.”
“O que você fez?”
Sua expressão escureceu, depois se suavizou outra vez enquanto exalava. “Nada que valesse o ódio que ganhei. Perdi minha família. Isso foi suficiente para que me transformassem em um mito.”
Recolheu a tigela que ela havia esvaziado, colocou na mesa e ocupou-se com a chaleira, mas suas próximas palavras foram mais silenciosas. “Eu era médico. Minha esposa e filho morreram em um acidente de carruagem que não pude impedir. O povo disse que eu estava amaldiçoado, então vim para cá. É mais fácil viver entre a neve do que entre sussurros.”
O coração de Eva se contraiu. “Sinto muito.”
“Não sinta”, disse ele virando-se para ela. “Você não poderia saber.”
Por um tempo nenhum falou. Ela o observou mover-se pela cabana. Cada movimento eficiente, quase elegante, embora carregado de solidão. Adicionou madeira ao fogo, revisou as ervas secando junto à janela, depois parou para olhá-la outra vez.
“Pode ficar aqui até a neve derreter”, disse ele. “O caminho está enterrado por milhas.”
Seus lábios se curvaram fracamente. “Não tem medo de que eu traga problemas?”
Seus olhos sustentaram os dela. “Os problemas me encontram de qualquer maneira.”
Nessa noite, quando a tempestade começou outra vez, ela não conseguiu dormir. O vento gritava como fantasmas nas janelas. Em algum ponto, Damian se levantou de sua cadeira e adicionou mais troncos ao fogo. Eva sussurrou meio adormecida. “Você alguma vez se acostuma com o frio?”
Ele a olhou por um longo momento. Depois disse: “Não se luta contra ele, faz-se as pazes com ele.”
Quando ela fechou os olhos outra vez, a última coisa que sentiu foi o peso leve de outro cobertor sendo colocado sobre seus ombros e a realização de que o homem chamado “O Diabo Branco” tinha um toque tão gentil quanto a neve caindo. A tempestade durou outra semana, mas dentro da cabana o frio começou a perder seu aperto. O fogo nunca se apagou e pela primeira vez em anos Evangeline Morrison acordou para um calor que não vinha apenas de cobertores, vinha de presença.
Cada manhã encontraria Damian Cross já acordado, cuidando da lareira ou rabiscando notas em seu diário encadernado em couro. Seus movimentos eram precisos, mas silenciosos, como se tivesse passado anos vivendo pelo ritmo do silêncio. Nunca dizia muito, mas de alguma forma sua quietude preenchia o quarto. A primeira manhã que esteve forte o suficiente para ficar de pé, Eva tentou ajudar com o café da manhã.
Mancou até a pequena cozinha, suas pernas instáveis, mas determinadas. “Pelo menos posso mexer a sopa”, disse ela. Bochechas vermelhas de vergonha.
Damian levantou a vista de cortar lenha junto à porta. “Você vai descansar ou vai desabar outra vez.”
“Estive deitada na cama por dias”, disse ela fazendo beicinho levemente. “Preciso fazer algo.”
Ele hesitou. Depois lhe entregou uma colher de madeira. “Tudo bem, mas se desmaiar te carrego de volta eu mesmo.”
Sua risada era suave, genuína, a primeira que ele tinha ouvido dela. Enquanto ela mexia, o cheiro de ervas preencheu a cabana. Tomilho, cebola silvestre, guisado de veado fervendo sobre o fogo. Damian parou, observando-a com curiosidade silenciosa.
Seu cabelo ruivo brilhava como brasas na luz do fogo, suas bochechas rosadas do calor, sua figura cheia e viva, tão diferente da sombra sem vida que havia carregado através da neve dias atrás. “Você cozinha como alguém que fez isso a vida toda”, disse ele finalmente.
Eva sorriu timidamente. “Quando se cresce pobre aprende-se a fazer milagres com sobras. A comida era a única maneira que eu podia fazer minha mãe sorrir.”
O olhar de Damian se suavizou. Um lampejo de memória em seus olhos. “Minha esposa era igual. Dizia que uma boa sopa podia consertar qualquer coisa.”
As palavras pairaram entre eles como uma trégua frágil entre passado e presente. Os dias se transformaram em um ritmo. Consertaram goteiras no telhado juntos. Ela reparou cortinas rasgadas enquanto ele substituiu vidros de janela rachados. Alimentou as galinhas lá fora, rindo quando uma tentou roubar seu cachecol. Ele cortou lenha e ela o provocou sobre como parecia mais um guerreiro do que um médico. À noite comiam junto ao fogo, guisado, pão, às vezes até truta assada do riacho abaixo do cume. Eva insistia em lavar a louça.
Damian insistia em verificar seu pulso depois. “Ainda tem frio”, disse ele uma noite, pressionando seus dedos levemente em seu pulso.
Ela sorriu. “E você ainda age como se cada batida importasse.”
Encontrou os olhos dele, o mais fraco indício de sorriso no canto de sua boca. “Importam.”
Uma noite, o vento lá fora gemia pela chaminé e Eva estremeceu. Damian levantou a vista de seu livro. “Aproxime-se mais do fogo.”
“Estou bem”, disse ela, embora seus dentes batessem.
“Eva”, seu tom carregava autoridade silenciosa, o tipo que vinha de salvar vidas.
Ela suspirou, levantou-se e sentou-se no tapete perto dele. Ele alcançou atrás e jogou outro cobertor sobre os ombros dela. “Você nunca escuta.”
“Você é mandão”, brincou ela.
“Estou vivo, por isso”, respondeu ele.
O silêncio que se seguiu não foi desconfortável, estava cheio. O tipo que só existia entre duas pessoas que haviam começado a confiar na presença do outro. Depois de um momento, ela perguntou suavemente: “Você alguma vez se sente sozinho aqui em cima?”
Ele não respondeu de imediato. A luz do fogo piscava em seus olhos azul-gelo. “Solitário e pacífico parecem a mesma coisa quando se foi machucado o suficiente”, disse ele finalmente. “Mas sim, estava sozinho.”
Os dedos de Eva se apertaram ao redor do cobertor. “Já não mais, espero.”
Isso lhe tirou um sorriso real. “Já não mais.”
Nos dias que se seguiram, Damian lhe ensinou pequenas coisas. Como acender um fogo sem fumaça, como armar armadilhas, como ler o clima pela cor do céu. Por sua vez, ela lhe ensinou a rir outra vez. Surpreendeu-a uma vez cantarolando enquanto cozinhava. A melodia gentil e antiga.
“O que é essa música?”
“A canção de ninar da minha mãe”, disse ela. “Costumava cantá-la quando as tempestades me assustavam.”
Damian assentiu. A lembrança de seu próprio filho piscando atrás de seus olhos. “É linda, continue cantando.”
Então ela o fez. E cada noite, enquanto a neve lá fora se aprofundava, o som de sua voz suavizava as paredes da cabana, até que se sentiu menos como um refúgio e mais como um lar. Uma manhã, quando a neve finalmente parou, saíram juntos. O mundo se estendia diante deles.
Branco e infinito, a luz tão brilhante que doía olhar. A respiração de Eva embaçava no ar. “É lindo”, sussurrou.
“É silencioso”, disse Damian. “A montanha sempre dá silêncio antes da paz.”
Ela se virou para ele sorrindo fracamente. “Então, talvez seja hora de ambos começarmos a ouvir.”
Por um momento ficaram ali naquele mundo silencioso, um homem uma vez chamado de diabo e a mulher que havia vagado pelo inferno para encontrá-lo. O degelo chegou lentamente, como se a própria montanha não quisesse soltá-los. Gotas de neve derretendo escorriam dos beirais e o caminho que estivera enterrado por semanas começou a mostrar uma fita escura de lama sob o gelo. Para Evangeline Morrison, a mudança deveria ter significado esperança.
Em vez disso, trouxe pavor. Ficou junto à janela uma manhã, vendo a névoa curvar-se do cume. “Quando a trilha abrir, acho que terei que decidir para onde ir”, murmurou.
Damian Cross não levantou a vista das ferramentas que estava limpando. “Não tem que decidir ainda, mas sabe que não posso ficar aqui para sempre.”
Ele hesitou, deixando seu bisturi. “Eu sei.”
Era a primeira vez que qualquer um dos dois havia falado em voz alta sobre sua partida e o ar entre eles tornou-se pesado com o que nenhum se atrevia a dizer: que o pensamento de se separar já doía como uma ferida. Nessa tarde o som de cascos quebrou a quietude. Um cavaleiro estava subindo a trilha em direção à cabana. Todo o corpo de Damian ficou imóvel.
“Ninguém cavalga por aqui a menos que tenha razão”, murmurou vestindo seu casaco.
Eva sentiu seu estômago se contrair. “Quem viria até aqui em cima?”
Ele não respondeu. Apenas saiu para o frio. Momentos depois, um homem alto apareceu na entrada, seu chapéu empoeirado de aguanieve. Seu distintivo capturou a luz do fogo.
“Xerife Tanner”, anunciou-se sombriamente. “Dr. Cross, não esperava vê-lo outra vez.”
A mandíbula de Damian se tensou. “Você me viu. Agora declare seu negócio.”
O xerife olhou além dele e viu Eva parada junto à lareira. Suas sobrancelhas se ergueram. “Bem, bem, então os rumores eram verdadeiros. O Diabo Branco acolheu uma fugitiva.”
O coração de Eva desabou. “Como você sabe?”
“Todo o povoado tem falado”, disse Tanner. “Seu padrastro tem causado um inferno por semanas. Disse que sua filha foi sequestrada por um assassino.”
Damian deu um passo lento para a frente. “Não matei ninguém.”
O lábio de Tanner se curvou. “Talvez não, mas as pessoas lá embaixo ainda pensam que você deixou sua família morrer e agora pensam que você adicionou outra pobre alma à sua coleção.”
Eva encontrou sua voz. “Isso é uma mentira. Ele me salvou.”
O xerife a estudou, seu tom suavizando ligeiramente. “Senhorita Morrison, ninguém está dizendo que você não esteja grata, mas tem gente preocupada. Você desaparece em uma nevasca, termina vivendo com um homem que o povo teme, não parece bom.”
As mãos de Damian se apertaram ao seu lado. “Diga a Hartwell que sua reivindicação não vale nada. A mulher é livre para fazer suas próprias escolhas.”
Os olhos do xerife se dirigiram entre eles, afiados e conhecedores. “Tenha cuidado, Doc. Sabe como Milbrook trata as coisas que não entende?”
Então ele se virou e foi embora. Os cascos de seu cavalo desaparecendo na névoa. Nessa noite Eva encontrou Damian sentado lá fora.
Uma garrafa de uísque intocada ao lado dele. “Você ouviu?”, disse ele calmamente. “Eles virão, talvez não hoje, mas em breve. Homens como Hartwell não perdoam perder o controle.”
Ela se ajoelhou ao lado dele, colocando sua mão sobre a dele. “Então os enfrentaremos juntos.”
Ele negou com a cabeça. “Não sabe o que isso significa. Vi turbas queimarem homens vivos por menos.”
“E eu vi o que a crueldade faz às pessoas que continuam fugindo dela”, disse ela ferozmente. “Você me disse uma vez que a montanha dá silêncio antes da paz. Acredito que também dá coragem antes do amor.”
Pela primeira vez, a máscara de Damian rachou. “Eva, estive fugindo de fantasmas toda a minha vida. Não quero vê-los tocar em você.”
Ela se inclinou mais perto, sua voz tremendo, mas firme. “Já tocaram. Na noite em que você me carregou da neve, eles me soltaram.”
A respiração dele parou. Então ele a puxou para seus braços, segurando-a como se pudesse protegê-la de cada sombra abaixo do cume. Lá fora, o vento começou a se levantar outra vez, sussurrando através dos pinheiros.
Nenhum deles viu o brilho laranja fraco longe lá embaixo no vale, as tochas de cavaleiros começando a subir. A manhã seguinte amanheceu em silêncio incômodo. O ar estava pesado, o céu manchado com nuvens de neve. Outra vez o tipo que prometia mais que uma tempestade.
Damian Cross já estava lá fora cortando lenha quando o primeiro som o alcançou. O golpe baixo e rítmico de cascos. Mais de um cavalo. Deixou cair o machado. Seus olhos se estreitaram para a encosta abaixo da cabana. Evangeline Morrison saiu para a varanda enrolando seu xale ao redor dos ombros.
“O que é?”
Ele não respondeu de imediato. Então ela também ouviu. O eco de vozes carregado no vento frio. “Cavaleiros”, disse Damian calmamente. “Pelo menos seis deles.”
O estômago de Eva virou gelo. “Hartwell.”
Ele assentiu uma vez. “E o xerife, se não me engano.”
Quando os homens chegaram à clareira, o ar estava afiado de tensão. A neve caía em flocos preguiçosos, capturando a luz das tochas enquanto os cavalos bufavam vapor. Xerife Tanner sentou-se à frente, seu rosto sombrio. Junto a ele, Jeremiah Hartwell, de cara vermelha, fedendo a uísque mesmo à distância, apontou para a cabana.
“Aí está”, gritou. “A vaca me roubou e fugiu com esse demônio da montanha. Eu a quero de volta.”
Damian adiantou-se desarmado, mas imponente. “Manterá sua distância, Hartwell.”
O velho zombou. “Essa é minha filha.”
A voz de Eva cortou o ar. “Perdeu o direito de me chamar disso no dia em que tentou me vender como gado.”
O xerife moveu-se desconfortavelmente em sua sela. “Calma, agora ninguém quer sangue.”
Hartwell cuspiu na neve. “Vou tomá-la à força se tiver que fazer isso.”
O tom de Damian baixou para um rosnado baixo e perigoso. “Pode tentar.”
Os cavaleiros se moveram, suas mãos pairando perto de seus coldres. O vento da montanha gemia entre as árvores. Tanner levantou uma mão. “Doc, não faça isso. Se resistir, eles farão você passar por assassino outra vez.”
Os olhos de Damian nunca deixaram Hartwell. “E se eu deixar que a leve, o que isso fará de mim?”
Eva pôs-se ao lado dele, tremendo, mas resoluta. “Não me levará de volta, Jeremiah. Não pertenço a ninguém além de mim mesma.”
Hartwell ladrou uma risada. “Pensa que alguém acreditará em você? Olhe para você, gorda, arruinada.”
Ele não terminou a frase porque Damian se moveu. Não rápido, não selvagem, mas com uma fúria controlada que congelou a todos em seu lugar. Em duas passadas estava na frente do cavalo de Hartwell, agarrando as rédeas e puxando-as para baixo. O animal empinou e Hartwell caiu na neve.
“Suficiente”, disse Damian, voz firme como ferro. “Deixará esta montanha e nunca voltará.”
Hartwell arrastou-se de joelhos alcançando a pistola em seu cinto, mas antes que pudesse sacar, um tiro estalou pelo ar. A bala enterrou-se na neve entre suas mãos. O xerife ainda segurava seu revólver fumegante.
“É suficiente”, ladrou Tanner. “Acabou aqui, Hartwell.”
Hartwell olhou-o com incredulidade. “Você está do lado dele?”
“Estou do lado do que é certo”, disse Tanner. “Você mentiu para metade do povoado. Disse que este homem a sequestrou. Parece-me que ela está parada ao lado dele voluntariamente.”
Eva encontrou seu olhar. “Mais voluntariamente do que jamais fiquei ao lado de alguém.”
Por um momento longo e congelado, ninguém se moveu. Então o xerife guardou sua arma. “Vamos embora.”
Os cavaleiros hesitaram. Depois viraram seus cavalos um por um. As maldições de Hartwell se perderam no vento enquanto desciam a montanha. Quando o silêncio finalmente retornou, Eva percebeu que estava tremendo. Damian virou-se para ela, sua mão roçando sua bochecha.
“Não tinha que enfrentá-lo”, murmurou.
“Sim, tinha”, disse ela suavemente. “Você lutou por mim. Era hora de eu lutar por mim mesma.”
Ele a olhou por um longo momento, depois a puxou para seus braços. A luz do fogo de dentro da cabana derramou-se sobre a neve, envolvendo-os a ambos em calor. O perigo havia passado, mas a escolha havia sido feita. Não pelo xerife, não por Hartwell, mas pelas duas almas que se recusaram a ser quebradas outra vez. Nessa noite a montanha estava silenciosa outra vez. As tochas haviam desaparecido na escuridão abaixo e apenas o chiado suave do fogo restava.
A tempestade havia passado lá fora e lá dentro. Evangeline Morrison sentou-se junto à lareira, seu xale posto solto ao redor dos ombros. O brilho laranja roçou seu rosto suavizando cada cicatriz que o passado havia deixado. Do outro lado do quarto, Dr. Damian Cross cuidava das brasas, empurrando um tronco fresco nas chamas. Por muito tempo, nenhum falou.
A cabana parecia diferente agora. Não um refúgio de exílio, mas um lar nascido do desafio e cuidado. Finalmente, Eva quebrou o silêncio. “Falarão de nós lá embaixo, não é?”
Damian levantou a vista. “Sempre falam. É o que povoados pequenos fazem quando não entendem algo puro.”
Ela sorriu fracamente. “Então, o que somos?”
Ele cruzou o quarto e sentou-se ao lado dela por um momento, simplesmente a olhou, a mulher que havia caminhado em sua tempestade e de alguma forma a havia silenciado. “Você mudou tudo, Eva”, disse ele suavemente. “Por anos esta casa não era nada mais que madeira e dor. Agora respira outra vez.”
Ela alcançou a mão dele entrelaçando seus dedos com os dele. “E você me devolveu minha vida. Me fez acreditar que valia a pena ser salva.”
O vento lá fora suspirou através dos pinheiros como uma canção de ninar. A luz do fogo dançou sobre seus rostos. Damian afastou um cacho solto de cabelo ruivo da bochecha dela. “Você está segura aqui?”, sussurrou. “Se aceitar, este pode ser seu lar.”
Os olhos de Eva brilharam enquanto ela se inclinava ao toque dele. “Já é.”
Ele beijou sua testa, gentil como a neve caindo, e o mundo fora da cabana pareceu prender a respiração. Pela primeira vez em anos, a Montanha White Peak conheceu a Paz. O médico, que uma vez havia fugido do mundo, e a mulher que havia fugido de sua crueldade haviam encontrado a mesma coisa em que ambos haviam deixado de acreditar: um começo.
E enquanto o fogo crepitava e o amanhecer rastejava sobre o cume, Evangeline sorriu através de suas lágrimas, sussurrando: “Talvez cada tempestade leve alguém para casa.”
Cada vez que compartilho uma história como esta, me lembro que o amor nem sempre parece perfeito. Às vezes começa na tempestade, no medo, nos momentos em que o mundo já desistiu de nós. Mas em algum lugar lá fora, alguém verá através da neve e nos alcançará. Não para mudar quem somos, mas para nos lembrar que sempre fomos suficientes. Se você está ouvindo agora, diga-me de onde no mundo você está ouvindo esta história esta noite. E se você ainda acredita que a bondade pode curar o que a crueldade quebrou, fique por perto, porque a próxima história já está esperando por você.