O vento quente da tarde carregava o aroma doce da cana de açúcar, que se estendia pelos campos do engenho bom sossego, mas também trazia consigo o peso de uma atmosfera carregada de tensão. As paredes grossas da casa grande pareciam guardar segredos que ecoavam pelos corredores sombrios, onde os passos apressados dos escravos se misturavam aos murmúrios preocupados dos senhores.

Zefa caminhava silenciosamente pelos corredores da Casagre, carregando uma bandeja com água fresca e frutas. Seus pés descalços conheciam cada tábua do açoalho que rangia, cada pedra irregular que poderia denunciá-la. havia aprendido desde criança a se mover como uma sombra invisível aos olhos dos senhores, mas sempre atenta a tudo que acontecia ao seu redor.
Naquele final de tarde, quando o sol começava a se inclinar no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados, Zefa percebeu que algo diferente pairava no ar. O senhor Plínio de Castro Pamplona, dono do engenho, havia recebido visitas durante todo o dia. Homens bem vestidos entravam e saíam da biblioteca com expressões graves, carregando papéis e falando em voz baixa.
Ao se aproximar da porta da biblioteca para servir as bebidas, Zefa ouviu fragmentos de uma conversa que fez seu coração acelerar. A voz áspera do senhor Plínio ecoava pelo ambiente, carregada de desespero e amargura. As dívidas estão me sufocando, coronel Bernardino. Os credores não aceitam mais promessas. Preciso de uma solução imediata ou perderei tudo que meu pai construiu.
A resposta veio em tom calculista, fria como o vento que soprava pelas frestas das janelas. Plínio, você tem algo de muito valor que pode resolver seus problemas. Sua filha Constança é uma jovem bela e de boa família. Conheço homens ricos em Salvador que pagariam muito bem por uma esposa jovem e educada. Zefa sentiu suas mãos tremerem, quase derrubando a bandeja.
Encostou-se à parede, tentando processar o que acabara de ouvir. Sim, a Constança, a filha do Senhor, estava sendo oferecida como mercadoria para salvar as finanças da família. Ela tem apenas 17 anos”, murmurou Plínio, mas sua voz não carregava a indignação que Zefa esperava ouvir.
Havia resignação, como se já estivesse considerando a proposta. Exatamente a idade perfeita. O Comador Silveira está procurando uma segunda esposa. Ele é viúvo, tem posses consideráveis e não se importa em pagar bem por uma jovem de boa linhagem. 50 contos de réplío, dinheiro suficiente para quitar suas dívidas e ainda sobrar para investir no engenho.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Zefa podia ouvir apenas o barulho distante dos trabalhadores nos canaviais e o creptar das velas que iluminavam a biblioteca. sabia que estava presenciando um momento que mudaria para sempre a vida de Siná Constança. Desde pequena, Zefa havia crescido na casa grande, cuidando de Constança como se fosse uma irmã mais nova.
havia ensinado a menina a trançar os cabelos, a bordar, a tocar piano. Havia consolado suas lágrimas quando a mãe morreu. Havia compartilhado segredos sussurrados no escuro do quarto. Agora, aos 25 anos, Zefa sentia que tinha uma responsabilidade com aquela jovem que considerava sua protegida. Quando seria esse arranjo? Perguntou Plínio.
E Zefa percebeu que a decisão já estava tomada. O comendador virá na próxima semana para conhecê-la. Se tudo correr bem, o casamento pode ser arranjado para o final do mês. Tempo suficiente para resolver toda a papelada e transferir o dote. Zefa recuou lentamente, seu coração batendo tão forte que temia que pudesse ser ouvido.
Precisava encontrar uma forma de avisar Constança, mas sabia que isso poderia custar sua vida. Escravos que se metiam nos negócios dos senhores raramente viviam para contar a história. Enquanto caminhava de volta às mente de Zefa fervilhava com planos e possibilidades. Conhecia cada canto do engenho, cada trilha que levava às cidades vizinhas, cada pessoa que poderia ajudar ou atrapalhar uma fuga, mas também conhecia os riscos, os capitães do mato, os cães de caça, as punições brutais reservadas aos fugitivos. Naquela noite, deitada em sua esteira na cenzala, Zefa olhava para as estrelas
através das frestas do teto e tomava uma decisão que mudaria o destino de ambas. Não permitiria que Constança fosse vendida como gado. Não importava o preço que tivesse que pagar. O vento noturno trazia consigo o aroma das flores de laranjeira do jardim da Casa Grande.
Mas para Zefa ele carregava também o cheiro da liberdade que ainda estava por conquistar. O amanhecer chegou com o canto dos galos e o movimento habitual do engenho. Zefa havia dormido pouco, sua mente ocupada com os planos que precisava colocar em prática. Levantou-se antes dos outros escravos e dirigiu-se à Casa Grande para iniciar suas tarefas matinais, mas seu verdadeiro objetivo era encontrar uma oportunidade para falar com Constância.
A jovem senhora costumava acordar tarde e tomar o café da manhã no terraço que dava vista para os jardins. Era o momento perfeito, quando ficava sozinha, lendo ou bordando enquanto saboreava frutas frescas e café adoçado com rapadura. Zefa subiu as escadas de madeira que levavam ao andar superior carregando a bandeja do café.
Seus passos eram medidos, calculados para não despertar suspeitas. Ao chegar ao terraço, encontrou Constança exatamente onde esperava, sentada em uma cadeira de balanço, folheiando um livro de poesias. “Bom dia, Simá, Constança”, disse Zefa colocando a bandeja sobre a mesa pequena ao lado da cadeira. “Bom dia, Zefa. Você parece cansada hoje. Dormiu mal.
Constância sempre demonstrava uma preocupação genuína com as pessoas ao seu redor, uma característica que a diferenciava de muitos outros senhores da região. “Sim, ah, preciso lhe contar algo muito importante.” Zefa disse em voz baixa, olhando ao redor para se certificar de que estavam sozinhas. “Mas prometa que vai me ouvir até o final antes de dizer qualquer coisa”.
Constança fechou o livro e olhou para Zefa com curiosidade, misturada com preocupação. O que aconteceu? Você está me assustando? Zefa respirou fundo e contou tudo que havia ouvido na noite anterior. Cada palavra, cada detalhe da conversa entre seu pai e o coronel Bernardino. Viu o rosto de Constança empalidecer progressivamente, os olhos se enchendo de lágrimas que ela tentava conter.
Isso não pode ser verdade”, murmurou Constança, sua voz tremendo. “Meu pai jamais faria isso comigo. Ele me ama. Sempre disse que eu era a coisa mais preciosa que tinha.” Sim. Ah, eu também não queria acreditar, mas ouvi com meus próprios ouvidos. Seu pai está desesperado por causa das dívidas. O engenho está à beira da falência. Constança levantou-se bruscamente, derrubando o livro no chão.
Começou a andar de um lado para o outro no terraço, as mãos tremendo. O comendador Silveira, eu o conheço, é um homem horrível, muito mais velho que meu pai. Dizem que maltratava a primeira esposa. Por isso, precisamos agir rapidamente, disse Zefa, aproximando-se dela. Tenho um plano, mas vai exigir muita coragem de sua parte.
Antes que Constança pudesse responder, ouviram passos pesados subindo as escadas. Zefa rapidamente fingiu estar arrumando as flores do vaso enquanto Constança se recompôs limpando as lágrimas e pegando o livro do chão. Plío apareceu no terraço, vestindo suas roupas de montaria. Seu rosto carregava as marcas de uma noite mal dormida e seus olhos evitavam encontrar diretamente os da filha. Bom dia, minha querida. Espero que tenha dormido bem.
Bom dia, papai, respondeu Constança, sua voz soando forçadamente normal. Vai cavalgar hoje? Sim, preciso verificar os canaviais do lado norte. Ah, e Constança, teremos visitas importantes na próxima semana. Quero que você se prepare adequadamente, vista seus melhores trages, pratique piano. É importante causar uma boa impressão.
Zefa e Constança trocaram um olhar rápido, mas significativo. A confirmação do que Zefa havia ouvido estava ali nas palavras cuidadosamente escolhidas de Plínio. Que tipo de visitas, papai? Negócios, minha filha. Apenas negócios importantes para o futuro de nossa família.
Depois que Plíio se retirou, Constança desabou na cadeira, o peso da realidade caindo sobre ela como uma pedra. Então é verdade, ele realmente pretende me vender. Não se desespere, Senhá, como eu disse, tenho um plano, mas precisamos agir esta noite. Esta noite? Mas como? Zefa olhou ao redor mais uma vez, certificando-se de que não havia ninguém por perto. Conheço pessoas que podem nos ajudar.
Há uma rede de pessoas que ajudam escravos fugitivos a chegar às cidades do norte, onde podem se misturar a população livre. Eles também ajudam pessoas livres que precisam desaparecer. Você está falando de fuga, Zefa? Isso é loucura. Se formos capturadas, se ficarmos, você será forçada a se casar com um homem que não ama, e eu continuarei sendo propriedade de seu pai. Pelo menos fugindo, temos uma chance de liberdade.
Constância ficou em silêncio por um longo momento, processando tudo que havia ouvido. O vento balançava suavemente as folhas das árvores do jardim e, ao longe podiam ouvir o barulho da moenda processando a cana de açúcar. Se decidirmos fazer isso, disse finalmente, o que acontecerá conosco? Para onde iremos? Há um quilombo a três dias de caminhada daqui, escondido na serra.
Lá poderemos ficar seguras enquanto planejamos nosso próximo passo. Depois podemos seguir para Salvador ou Recife, onde será mais fácil nos misturarmos à população. E como chegaremos até lá? Tenho contatos. Joaquim, o ferreiro, conhece os caminhos. Ele pode nos guiar até um ponto seguro, onde outras pessoas assumirão nossa proteção.
Constância respirou fundo, olhando para o horizonte onde o sol já estava alto no céu. Sabia que sua vida estava prestes a mudar para sempre, independentemente da decisão que tomasse. A diferença era que agora ela tinha a chance de escolher seu próprio destino. O que preciso fazer? A noite caiu como um manto negro sobre o engenho bom sossego, trazendo consigo a oportunidade que Zefa e Constança aguardavam ansiosamente.
Durante todo o dia, elas haviam se preparado discretamente para a fuga, cada uma cumprindo suas tarefas habituais enquanto planejavam cada detalhe da operação. Zefa havia conseguido reunir alguns mantimentos essenciais: farinha, rapadura, carne seca e uma cabaça com água.
escondeu tudo em um saco de estopa que guardou atrás da lenha no depósito próximo às cinzalas. Também conseguiu duas facas pequenas e algumas moedas que havia economizado ao longo dos anos, vendendo pequenos trabalhos de costura para outras fazendas. Durante a tarde, enquanto servia o almoço na Casagrande, Zefa atentamente os movimentos de todos os moradores. O Senr.
Plío havia passado o dia trancado na biblioteca, revisando papéis e recebendo mais visitas de homens bem vestidos. A tensão no ar era palpável e até mesmo os outros escravos pareciam sentir que algo importante estava acontecendo. Constança, por sua vez, havia selecionado apenas o essencial, algumas peças de roupa simples, uma pequena quantia em dinheiro que guardava em seu quarto e uma corrente de ouro que havia sido de sua mãe.

Sabia que poderia precisar vendê-la durante a jornada. Durante o dia, fingiu estar indisposta, permanecendo em seus aposentos. para evitar encontrar o pai e despertar suspeitas. A jovem passou horas olhando pela janela de seu quarto, memorizando cada detalhe da paisagem que sempre havia sido seu lar. Os jardins cuidadosamente cultivados, a capela onde havia feito sua primeira comunhão, os campos de cana que se estendiam até onde a vista alcançava.
Sabia que talvez nunca mais veria aqueles lugares, mas a alternativa de ser vendida como mercadoria era ainda mais assustadora. O plano era simples, mas arriscado. Esperariam até que todos na casa grande estivessem dormindo por volta da meia-noite. Zefa sairia primeiro das cenzalas e se dirigiria ao local combinado perto do riacho que cortava a propriedade.
Constança a encontraria lá e juntas seguiriam para a oficina do ferreiro Joaquim, que as aguardaria com instruções sobre o caminho a seguir. Nas semzalas, Zefa fingiu dormir enquanto ouvia atentamente os sons ao seu redor. Os roncos dos outros escravos, o barulho distante dos animais nos currais, o vento balançando as folhas das árvores, conhecia bem o ritmo noturno do engenho e sabia exatamente quando seria seguro se mover.
Quando o sino da capela bateu meia-noite, Zefa levantou-se silenciosamente de sua esteira. Os outros escravos dormiam profundamente, exaustos após mais um dia de trabalho pesado nos canaviais. Ela pegou o saco com os mantimentos e saiu da cenzala, movendo-se como uma sombra entre as árvores.
A lua estava apenas parcialmente visível, coberta por nuvens esparças que criavam um jogo de luz e sombra perfeito para seus propósitos. Zefa conhecia cada pedra, cada buraco, cada galho que poderia atrapalhar seu caminho. Havia crescido naquelas terras e sabia se mover por elas mesmo na escuridão total. Ao passar próximo aos estábulos, ouviu um dos cavalos relinchar suavemente.
Parou imediatamente, o coração acelerado, temendo ter sido descoberta, mas era apenas um dos animais se mexendo durante o sono. Respirou fundo e continuou sua jornada. sempre mantendo-se nas sombras e evitando as áreas mais abertas onde poderia ser vista pelos vigias. Chegou ao riacho e esperou, o coração batendo forte no peito.
O som da água corrente ajudava a mascarar qualquer ruído que pudesse fazer, mas também dificultava sua capacidade de ouvir se alguém se aproximava. Minutos que pareciam horas se passaram até que ouviu passos suaves se aproximando. Constância apareceu entre as árvores, carregando uma pequena trouxa e com o rosto pálido de nervosismo. “Conseguiu sair sem ser vista”, sussurrou Zefa.
“Sim, mas quase esbarrei em uma mesa no corredor. Pensei que meu coração fosse parar. E você?” Alguém despertou nas cenzalas. Não, todos dormem profundamente. Agora vamos para a oficina do Joaquim. Ele nos está esperando. As duas mulheres seguiram pela trilha que margeava o riacho, mantendo-se sempre na sombra das árvores.
O caminho até a oficina do ferreiro levava cerca de 20 minutos, mas elas precisavam ser extremamente cuidadosas para não serem descobertas pelos vigias noturnos que patrulhavam a propriedade. Durante o percurso, Constança tropeçou em uma raiz e quase caiu. Zefa segurou rapidamente, mas o barulho das folhas secas sob seus pés pareceu ecoar como um trovão na quietude da noite.
Ficaram imóveis por alguns segundos, ouvindo atentamente, mas nenhum som indicava que haviam sido descobertas. “Preciso ser mais cuidadosa”, murmurou Constança, claramente abalada. “Está indo bem? Já passamos do ponto mais perigoso”, mentiu Zefa, tentando tranquilizar a jovem. Na verdade, sabia que o perigo apenas começava. Joaquim era um homem de confiança, um escravo liberto que havia comprado sua alforria anos antes e agora prestava serviços para várias fazendas da região.
Sua oficina ficava em um terreno neutro entre o engenho bom sossego e a fazenda vizinha, o que a tornava um ponto de encontro ideal para atividades que precisavam passar despercebidas. Quando chegaram à oficina, encontraram Joaquim esperando na porta, uma figura imponente mesmo na escuridão. Ele as recebeu com um aceno silencioso e as conduziu para dentro do pequeno edifício, onde uma vela solitária iluminava fracamente o ambiente repleto de ferramentas e peças de metal.
“Vocês têm certeza disso?”, perguntou Joaquim em voz baixa, seus olhos sérios refletindo a luz da vela. “Um vez que saírem daqui, não haverá volta. Se forem capturadas, as consequências serão terríveis para ambas. Sabemos dos riscos, respondeu Zefa firmemente. Mas não podemos ficar. Se ficarmos, sim a Constância será forçada a se casar com um homem que não escolheu, e eu continuarei sendo propriedade de alguém.
Joaquim assentiu gravemente e se dirigiu a um canto da oficina, onde removeu algumas tábuas do açoalho, revelando um esconderijo cuidadosamente construído. De lá, tirou um mapa rudimentar desenhado em couro, algumas ferramentas pequenas e uma bolsa com objetos que entregou a Zefa. Este mapa mostra o caminho até o primeiro ponto seguro.
Sigam sempre pela trilha que margeia o rio, mas mantenham distância da água para não deixar pegadas na lama. Quando chegarem à pedra grande em forma de cruz, virem à esquerda e subam à serra. Lá encontrarão uma cabana abandonada, onde podem descansar durante o dia. E se nos perdermos? Perguntou Constança, estudando o mapa com preocupação.
Não se percam. Sigam exatamente as instruções. Qualquer desvio pode ser fatal. Joaquim entregou a Zefa uma pequena bolsa de couro. Aqui estão algumas moedas e ervas medicinais. Podem precisar durante a jornada. E lembrem-se, se ouvirem cães latindo ou cavalos galopando, escondam-se imediatamente. Os capitães do mato são implacáveis.
Como podemos agradecer? Perguntou Constança, emocionada pela generosidade e coragem do homem. Chegando vivas ao destino, respondeu Joaquim simplesmente, agora vão. Vocês têm algumas horas antes do amanhecer, mas quanto mais longe estiverem quando descobrirem a fuga, melhor. As duas mulheres saíram da oficina e se dirigiram para a trilha indicada no mapa.
O primeiro trecho da jornada era o mais perigoso, pois ainda estavam próximas ao engenho e poderiam ser facilmente rastreadas se sua fuga fosse descoberta muito cedo. Caminharam em silêncio por mais de uma hora, seguindo o curso do rio como Joaquim havia instruído.
A vegetação se tornava mais densa à medida que se afastavam das terras cultivadas, oferecendo melhor cobertura, mas também tornando o caminho mais difícil. Galhos baixos arranhavam seus braços e o terreno irregular testava seus limites físicos. Quando finalmente avistaram a pedra em forma de cruz, Zefa sentiu um misto de alívio e apreensão. Haviam conseguido chegar ao primeiro marco da jornada, mas sabiam que o mais difícil ainda estava por vir.
A subida da serra seria íngreme e cansativa e precisariam chegar à cabana antes que o sol nascesse. Está pronta para a subida? perguntou Zfa a Constança, que respirava com dificuldade devido ao esforço da caminhada. “Estou”, respondeu Constança determinada, limpando o suor do rosto com a manga. “Não vamos desistir agora.
Chegamos longe demais para voltar atrás. Juntas, elas iniciaram a subida pela trilha estreita que serpenteava pela encosta da serra, deixando para trás a vida que conheciam e caminhando em direção a um futuro incerto, mas que seria construído por suas próprias escolhas.
A subida pela serra se revelou mais desafiadora do que Zefa e Constança haviam imaginado. terreno íngreme e pedregoso testava seus limites físicos, enquanto a escuridão tornava cada passo uma aposta arriscada. Galhos baixos arranhavam seus braços e pedras soltas ameaçavam fazê-las escorregar a qualquer momento. Constança, que nunca havia caminhado tanto em sua vida, começou a sentir as pernas tremerem de cansaço.
Suas mãos delicadas, acostumadas apenas a bordar e tocar piano, estavam arranhadas pelos galhos e pedras, mas a determinação em seus olhos não diminuía. A cada passo difícil, lembrava-se do destino que a aguardava se voltasse. Um casamento forçado com um homem que não amava.
“Precisa descansar?”, perguntou Zefa, notando a dificuldade da jovem. “Não”, respondeu Constança, respirando pesadamente. “Se pararmos agora, talvez não consigamos chegar antes do amanhecer”. Zefa admirou a coragem da jovem senhora que havia crescido em meio ao luxo e agora enfrentava as adversidades com uma força que ela mesma não sabia possuir.
Durante anos, Zefa havia visto Constança como uma menina mimada, protegida das realidades do mundo. Agora percebia que havia subestimado o caráter da jovem. Quando finalmente avistaram a silhueta da cabana recortada contra o céu, que começava a clarear, ambas estavam exaustas, mas aliviadas. A construção simples de madeira e barro parecia abandonada à primeira vista, mas uma fina coluna de fumaça saindo da chaminé revelava que alguém as esperava. Maria das Dores apareceu na porta antes mesmo que elas se aproximassem.
Era uma mulher de meia idade, com cabelos grisalhos presos em um lenço colorido e olhos que demonstravam uma sabedoria adquirida através de muitas experiências difíceis. Suas mãos calejadas contavam a história de uma vida de trabalho árduo, mas seu sorriso acolhedor transmitia uma bondade genuína.
“Joaquim me avisou que vocês viriam”, disse ela, fazendo-as entrar rapidamente. Chegaram na hora certa. Em poucos minutos o sol nascerá e não é seguro viajar durante o dia. Os capitães do mato costumam fazer suas rondas logo após o amanhecer. O interior da cabana era simples, mas acolhedor.
Um fogo creptava na lareira e o aroma de café e mandioca cozida pairava no ar. Maria das Dores serviu-lhes comida quente e água fresca enquanto explicava os próximos passos da jornada. Havia também um canto com esteiras limpas, onde poderiam descansar durante o dia. “O quilombo fica a um dia e meio de caminhada daqui”, explicou ela, servindo café em canecas de barro.
“Mas o caminho é seguro, desde que sigam as instruções exatamente: “Meu filho Benedito conhece cada trilha, cada esconderijo. Ele as levará até lá.” E depois perguntou Constança, saboreando o café forte que ajudava a aquecer seu corpo cansado. O que acontecerá conosco no quilombo? Lá vocês estarão seguras enquanto decidem o que fazer.
Muitas pessoas passam por lá em busca de liberdade. Algumas ficam e constróem uma nova vida na comunidade. Outras seguem viagem para as cidades grandes onde podem se misturar a população livre. O importante é que terão tempo para planejar seu futuro sem pressão ou medo. Maria das Dores contou-lhe sobre sua própria história.
Havia fugido de uma fazenda de café anos antes, grávida de Benedito. Encontrou refúgio no quilombo, onde seu filho cresceu livre. Agora dedicava sua vida a ajudar outros fugitivos, mantendo aquela cabana como ponto de apoio na rota de fuga. Durante o dia, enquanto descansavam na cabana, Zefa e Constança tiveram tempo para refletir sobre tudo o que havia acontecido.
A realidade de sua situação começava a se tornar mais clara. Não eram mais a escrava e assinhado engenho bom sossego. Agora eram duas mulheres fugitivas, unidas pela necessidade de sobreviver e pelo desejo de liberdade. “Você se arrepende?”, perguntou Constança a Zefa durante a tarde, enquanto observavam a paisagem através da pequena janela da cabana.
De ter fugido? Nunca, respondeu Zefa sem hesitar. Pela primeira vez na vida, sinto que minha vida me pertence e você também não. Pela primeira vez na vida, sinto que estou tomando minhas próprias decisões. É assustador, mas também libertador. Sempre fui tratada como uma boneca preciosa, protegida de tudo, mas também controlada em tudo.
Durante a tarde, Maria das Dores ensinou-lhes algumas técnicas de sobrevivência. Como identificar plantas comestíveis, como tratar ferimentos com ervas, como se orientar pelas estrelas, conhecimentos que poderiam ser vitais em sua jornada. A liberdade tem um preço, disse a mulher sábia, mas vale cada sacrifício.
Quando vocês chegarem ao quilombo, verão pessoas que construíram uma vida digna com suas próprias mãos, sem depender da bondade ou crueldade de senhores. Quando a noite chegou, Benedito apareceu na cabana. Era um jovem forte, com cerca de 25 anos, conhecimento profundo da região e uma determinação inabalável em ajudar quem precisava.
carregava uma espingarda velha, mas bem cuidada, e uma bolsa com mantimentos para a jornada. Seus olhos brilhavam com a inteligência de quem havia aprendido a sobreviver em um mundo hostil. “Vamos partir agora”, disse ele, verificando suas armas e equipamentos. “A lua está favorável e não há patrulhas programadas para esta região hoje à noite, mas ainda assim precisamos ser cautelosos.
A segunda parte da jornada foi menos árdua fisicamente, mas mais tensa emocionalmente. Estavam se aproximando do quilombo, mas também se afastando definitivamente de tudo que conheciam. Cada passo as levava para mais longe de sua vida anterior e mais perto de um futuro completamente incerto.
Durante a caminhada, Benedito contou-lhe sobre o quilombo, uma comunidade de cerca de 100 pessoas que haviam construído uma vida livre na serra. Tinham suas próprias plantações de milho, feijão e mandioca, oficinas de ferraria e carpintaria, até mesmo uma escola para as crianças onde se ensinava a ler e escrever.
Era um lugar onde ex-escravos, fugitivos e pessoas livres viviam em harmonia, protegendo-se mutuamente. “Vocês vão gostar de lá”, disse ele, guiando-as por uma trilha estreita entre as árvores. É um lugar onde cada pessoa vale pelo que é, não pela cor da pele ou pela origem, onde o trabalho é recompensado justamente e ninguém é propriedade de ninguém.
Benedito também as alertou sobre os desafios. A vida no quilombo não é fácil. Todos precisam trabalhar. Todos precisam contribuir para a defesa da comunidade. Mas é uma vida livre, construída com dignidade. Quando finalmente chegaram ao quilombo, no final da segunda noite de viagem, Zefa e Constança foram recebidas com hospitalidade calorosa.
A comunidade estava acostumada a receber fugitivos e tinha um sistema bem organizado para integrá-los à vida local. foram apresentadas ao líder da comunidade, um homem idoso chamado Pai João, que havia sido um dos fundadores do quilombo décadas antes.
“Sejam bem-vindas à nossa família”, disse ele com um sorriso que irradiava sabedoria e bondade. “Aqui vocês encontrarão paz, mas também responsabilidade. Somos livres porque lutamos por nossa liberdade todos os dias. Nos meses que se seguiram, ambas encontraram seu lugar na comunidade. Zefa usou suas habilidades de costura para estabelecer uma pequena oficina, ensinando outras mulheres e produzindo roupas para toda a comunidade.
Constança aplicou sua educação formal para ajudar na escola das crianças, ensinando-as a ler, escrever e contar. Gradualmente, a relação entre elas evoluiu de senhora e escrava para uma amizade genuína. Baseada no respeito mútuo e nas experiências compartilhadas. A vida no quilombo trouxe desafios que nenhuma das duas havia imaginado.
Constança teve que aprender a cozinhar, lavar roupas, trabalhar na horta. Suas mãos delicadas se tornaram calejadas, mas também mais hábeis. Zeffa, por sua vez, descobriu talentos que nunca havia tido oportunidade de desenvolver, tornando-se uma das costureiras mais respeitadas da comunidade.
Um ano depois da fuga, receberam notícias do Engenho Bom Sossego através de um comerciante que visitava o quilombo. Plío havia perdido a propriedade para os credores e desaparecera da região. Alguns diziam que havia se mudado para o Rio de Janeiro. O comendador Silveira havia encontrado outra jovem para desposar, filha de um fazendeiro endividado de Pernambuco. A vida havia seguido seu curso, mas sem elas.
Às vezes me pergunto como teria sido se tivéssemos ficado”, disse Constança uma tarde, enquanto observava as crianças brincando no terreiro do quilombo. “Você estaria casada com um homem que não ama, vivendo uma vida que não escolheu, e eu ainda seria a propriedade de alguém, sem direito sequer aos meus próprios sonhos”, respondeu Zefa, observando o pôr do sol pintar o céu de tons dourados.
Aqui somos donas de nosso próprio destino. Constância sorriu observando a comunidade próspera ao seu redor. Havia encontrado algo que nunca soubera que procurava. A verdadeira liberdade de escolher sua própria vida, de amar quem quisesse, de trabalhar pelo que acreditava. Anos mais tarde, quando contavam sua história para os recém-chegados ao quilombo, Zefa e Constança sempre enfatizavam a mesma lição.
A coragem de tomar decisões difíceis pode levar a uma vida mais autêntica e plena. Suas vidas haviam sido transformadas por uma conversa ouvida por acaso e pela decisão corajosa de agir sobre o que haviam descoberto. O engenho Bom Sossego tornou-se apenas uma memória distante, mas a amizade forjada na adversidade e a liberdade conquistada com coragem permaneceram como os tesouros mais preciosos de suas vidas.
Elas haviam aprendido que a verdadeira riqueza não estava nas posses materiais. mas na capacidade de viver de acordo com os próprios valores e escolhas. E assim chegamos ao final de mais uma história emocionante aqui no nosso canal. Se você acompanhou até aqui a jornada de Zefa e Constança, deixe seu like para mostrar que gostou da narrativa.
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