Durante meses, tudo o que separava os homens do abismo era o som do mar e o gosto do sal. A bordo das caravelas de Pedro Álvares Cabral, não havia luxo nem conforto. Havia fé, fome e esperança. E o que esses navegantes comiam em alto mar pode revelar muito sobre o que significava sobreviver em 1500. As viagens eram longas, às vezes mais de três meses sem tocar terra.

O espaço era apertado, o ar pesado e o alimento escasso. O mar, belo à distância, era o inimigo constante que engolia navios, homens e sonhos. No início da viagem, os porões estavam cheios de mantimentos: barricas de água, sacos de farinha, carne salgada, biscoitos duros, feijão-frade, vinho e azeite. Mas, à medida que os dias passavam, o calor e a umidade faziam apodrecer o que ainda restava.
O pão, duro como pedra, era chamado de biscoito do mar, feito de farinha e água, assado várias vezes até perder toda a umidade. Ele podia durar meses, mas logo se cobria de fungos e vermes. Os navegadores quebravam o pão sobre o joelho e o mergulhavam no vinho para amolecer. Era isso ou mastigar o desespero? A carne vinha salgada, quase petrificada pelo sal grosso.
Antes de comer, precisavam deixá-la de molho por horas em água quente. Mesmo assim, o sabor era insuportável e o cheiro pior ainda. Alguns vomitavam só de sentir o odor que subia dos barris. A água doce apodrecia rápido. Nos primeiros dias era limpa, mas depois de semanas sob o sol virava uma sopa de limo e insetos.
Quem bebia demais adoecia, quem não bebia morria de sede. O vinho, paradoxalmente, era mais seguro que a água e, por isso, até os meninos de bordo bebiam. Alguns navios também levavam animais vivos — porcos, galinhas e até cabras — que serviam de alimento fresco durante a viagem. Mas mantê-los era uma tarefa quase impossível.
O calor apodrecia a comida, o convés de fezes e os animais adoeciam com facilidade. O cheiro era insuportável. Às vezes, durante tempestades, os bichos se soltavam, caíam no mar ou morriam esmagados. Mesmo assim, cada animal sobrevivente era visto como um tesouro, carne viva em meio à escassez. Havia também o peixe, quando o mar permitia.
Os marinheiros jogavam anzóis improvisados e, se tivessem sorte, comiam fresco. Mas o peixe era mais um milagre do que uma rotina. Os ventos decidiam quando haveria alimento. Para adoçar a boca, às vezes levavam mel ou frutas secas, mas eram raras. O açúcar era precioso, reservado aos oficiais. Os marinheiros comuns comiam o que sobrava e, às vezes, nada sobrava.
As doenças eram inevitáveis. O escorbuto, causado pela falta de frutas e vegetais, fazia os dentes caírem e a carne apodrecer. As gengivas sangravam, os ossos doíam e o corpo se tornava um mapa de feridas. Muitos morriam antes de chegar ao destino. Outros enlouqueciam, atormentados pelo balanço do mar e pela fome que nunca passava.
E, no entanto, havia algo quase místico em resistir. A comida era pouca, mas a fé era imensa. Antes de cada refeição, os homens rezavam, agradecendo por ainda estarem vivos. Um pedaço de pão duro e um gole de vinho bastavam para lembrar-lhes que Deus ainda os olhava. Os registros de cronistas mostram o contraste entre o banquete do rei e o banquete do mar.

Enquanto em Lisboa se comia carne fresca, frutas e pão macio, no oceano reinava a escassez. O mar era o verdadeiro juiz da vontade humana. Ele testava o corpo, mas também a alma. Havia também superstições. Alguns acreditavam que o mar ouvia os pensamentos dos famintos. Então, para não atrair tempestades, ninguém reclamava em voz alta.
Outros guardavam migalhas de pão como amuleto, sinal de que ainda havia esperança. Quando finalmente avistaram o litoral do Brasil, muitos choraram, não apenas pela descoberta, mas pelo fim da agonia. Ver terra era voltar a sentir o cheiro da vida. Os homens correram para beber água doce, comer frutas e carne fresca. Alguns morreram de tanto comer.
O corpo debilitado não suportou a fartura repentina. E é quase poético pensar que o descobrimento do Brasil começou com fome, com homens exaustos, sujos e doentes, que desceram de seus navios tremendo e, ao pisarem na areia, provaram um fruto tropical. Talvez o primeiro sabor de paraíso depois de meses de inferno.
O que Cabral e seus navegantes comiam em alto mar não era apenas alimento, era resistência. Cada mordida era um lembrete de que o corpo humano é frágil, mas o desejo de sobreviver é imortal. Por trás da glória das caravelas e das cruzes fincadas na praia, havia dentes podres, bocas secas e estômagos vazios. O Brasil nasceu assim, entre o sal do mar e o gosto amargo da sobrevivência.
E se você gostou deste vídeo, te aconselhamos a assistir o vídeo que está aparecendo na tela. Nele contamos uma história apagada dos livros de história. Largados para tentar sobreviver em terras desconhecidas, os degredados de Cabral foram, na verdade, os primeiros homens europeus a pisarem no Brasil.
Um experimento cruel da coroa portuguesa para sondar e explorar as novas terras recém-descobertas. M.