O MISTÉRIO dos 20 Garimpeiros Que SUMIRAM na Serra Pelada, Pará, 1987

Na manhã de 12 de março de 1987, 20 garimpeiros deixaram o acampamento principal de Serra Pelada com destino a uma área inexplorada a cerca de 40 km de distância, próxima ao Rio Tocantins. Eram homens experientes, acostumados com a dureza da selva amazônica e com as promessas de ouro que traziam milhares de sonhadores para aquela região do Pará. Nenhum deles retornou. Suas famílias esperaram dias, depois semanas e, finalmente, meses sem notícias. A polícia iniciou buscas que pareciam não levar a lugar nenhum. O que aconteceu com esses 20 homens permaneceu um dos maiores mistérios da história do garimpo brasileiro, até que uma descoberta perturbadora revelou uma verdade que ninguém estava preparado para ouvir.

O ano de 1987 marca um período conturbado na história de Serra Pelada. Após o auge da febre do ouro entre 1980 e 1984, quando a região se tornou um dos maiores garimpos a céu aberto do mundo, a produção começava a diminuir drasticamente. A cratera gigantesca, que havia sido escavada por dezenas de milhares de homens, já tinha mais de 200 m de profundidade e as condições de trabalho eram cada vez mais perigosas. Muitos garimpeiros começaram a explorar áreas ao redor em busca de novos veios de ouro que pudessem trazer de volta a fortuna dos primeiros anos. O governo militar ainda controlava rigidamente o acesso à região, mas a fiscalização nas áreas periféricas era precária. Grupos se formavam constantemente para expedições exploratórias, algumas autorizadas, outras completamente clandestinas. O Pará, naquela época, era uma fronteira selvagem, onde a lei do mais forte prevalecia, onde histórias de riqueza súbita se misturavam com relatos de violência, desaparecimentos e morte.

Entre os 20 garimpeiros que partiram naquela manhã de março estava João Ferreira, um homem de 42 anos, natural de Imperatriz, no Maranhão. João tinha chegado a Serra Pelada em 1982, deixando para trás uma esposa e quatro filhos pequenos. Ele trabalhava como carregador na cratera principal, subindo e descendo as escadas improvisadas com sacos de terra nas costas, na esperança de que algum dia encontraria ouro suficiente para mudar de vida. Seus braços eram marcados por cicatrizes de anos de trabalho brutal sob o sol escaldante. João era conhecido por sua força física impressionante e por sua determinação inabalável. Ele enviava dinheiro para a família sempre que conseguia encontrar algumas gramas de ouro. Nos últimos meses antes do desaparecimento, João havia comentado com outros garimpeiros sobre rumores de uma área rica em ouro rio abaixo, onde poucos haviam se aventurado. Também estava no grupo Antônio Silva, um jovem de apenas 23 anos, que havia chegado ao garimpo seis meses antes, vindo de uma pequena cidade no interior da Bahia. Antônio era magro, de estatura média, e tinha nos olhos aquele brilho de quem ainda acreditava que a fortuna estava ao alcance das mãos. Ele trabalhava como auxiliar, aprendendo o ofício com garimpeiros mais experientes. Sua mãe, Dona Maria, recebia cartas esporádicas nas quais o filho descrevia as dificuldades do trabalho, mas também a esperança de um dia voltar para casa rico. Antônio era católico devoto e carregava sempre consigo uma pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida que a mãe havia lhe dado antes da partida.

O líder informal do grupo era um homem chamado Roberto Costa, conhecido por todos como Roberto Mineiro, devido à sua origem em Minas Gerais. Roberto tinha 50 anos e era veterano de garimpos em várias regiões do Brasil. Ele havia trabalhado em diamantes no interior da Bahia, em ouro no Mato Grosso e finalmente chegara a Serra Pelada em busca da grande oportunidade. Roberto era respeitado por sua experiência e por conhecer técnicas de mineração que poucos dominavam. Ele sabia ler mapas rudimentares, entendia de geologia básica e tinha um instinto apurado para identificar áreas promissoras. Foi Roberto quem organizou a expedição de março de 1987, convencendo os outros 19 homens de que havia encontrado informações confiáveis sobre um novo veio de ouro. Ele falava com confiança sobre coordenadas, sobre formações rochosas específicas, sobre sinais na vegetação que indicavam a presença de metais preciosos. Os outros garimpeiros acreditavam nele porque Roberto nunca havia falhado antes. Nas semanas anteriores à partida, ele havia conseguido uma espécie de mapa desenhado à mão, que, segundo ele, viera de um garimpeiro veterano, que havia explorado a região anos antes e encontrado o ouro, mas não tinha condições de voltar para extraí-lo.

As semanas que antecederam a partida foram marcadas por uma atmosfera de expectativa crescente. Roberto Mineiro reunia-se frequentemente com os homens que concordaram em participar da expedição, sempre em conversas discretas, longe dos olhos e ouvidos de outros garimpeiros que poderiam roubar as informações e chegar primeiro ao local. Eles planejaram levar suprimentos para duas semanas, incluindo ferramentas básicas de mineração, mantimentos, mosquiteiros e armas para caça e proteção. A região para onde pretendiam ir era conhecida por ser habitada por onças, jacarés e cobras venenosas, além de existirem relatos esporádicos de encontros hostis com indígenas isolados, mas o grupo estava confiante. Eram homens endurecidos por anos de trabalho brutal, acostumados com privações e perigos. Ninguém poderia imaginar o que estava por vir.

Na noite de 11 de março, véspera da partida, alguns dos garimpeiros foram vistos em uma pequena venda improvisada no acampamento, comprando cachaça e conversando animadamente sobre o que fariam com o ouro que encontrariam. João Ferreira disse ao vendeiro que finalmente poderia trazer a família para perto dele, talvez comprar um pedaço de terra e começar uma vida nova. Antônio Silva escreveu uma última carta para a mãe, dizendo que estava prestes a embarcar em uma grande aventura e que em breve teria boas notícias. Na manhã de 12 de março, pouco antes das 6 horas, os 20 homens se reuniram na borda do acampamento. Cada um carregava uma mochila pesada com seus pertences, ferramentas e provisões. Roberto Mineiro verificou se todos estavam presentes e revisou mentalmente a rota que seguiriam. Eles desceriam por uma trilha conhecida até a margem do Rio Tocantins. Depois seguiriam rio abaixo por aproximadamente 15 km até um ponto de referência específico, uma formação rochosa que se destacava na paisagem. A partir dali, entrariam na mata fechada seguindo coordenadas que Roberto tinha anotadas em um caderno surrado. A previsão era chegar ao destino em dois dias de caminhada. O clima estava quente e úmido, típico da região naquela época do ano, com nuvens carregadas que ameaçavam chuva a qualquer momento. Alguns garimpeiros que ficaram no acampamento observaram o grupo partir, caminhando em fila indiana pela trilha estreita que desaparecia entre as árvores gigantescas. Foi a última vez que alguém os viu vivos.

O silêncio da Floresta Amazônica engoliu aqueles 20 homens como se nunca tivessem existido. Nos primeiros dias após a partida, ninguém no acampamento se preocupou com a ausência do grupo. Era comum que expedições levassem mais tempo do que o planejado, especialmente em terreno difícil e com clima instável. Mas quando a segunda semana chegou ao fim, sem nenhum sinal dos 20 garimpeiros, a inquietação começou a se espalhar. As famílias dos homens, a maioria vivendo em cidades distantes, ainda não tinham conhecimento do que estava acontecendo. A comunicação de Serra Pelada com o resto do Brasil era extremamente precária, dependendo de correio irregular e raras ligações telefônicas de uma central improvisada. Foi só no início de abril, quase três semanas após a partida, que o dono da venda, onde alguns dos garimpeiros haviam comprado suprimentos, começou a fazer perguntas. Ele conhecia João Ferreira pessoalmente e sabia que o homem era responsável, sempre pagando suas dívidas em dia. Quando perguntou sobre o paradeiro do grupo de Roberto Mineiro, descobriu que ninguém tinha informações concretas. Alguns diziam ter ouvido que o grupo havia encontrado o ouro e decidido ficar mais tempo. Outros falavam de problemas com a rota, que teriam se perdido na selva. Havia também rumores mais sombrios sobre encontros violentos com invasores de terra ou garimpeiros rivais.

Uma primeira busca organizada só aconteceu na primeira semana de abril, quando um grupo de 10 garimpeiros voluntários, liderados por um homem chamado Paulo Henrique, que conhecia bem a região, seguiu pela mesma trilha que os 20 haviam tomado. Eles chegaram à margem do Rio Tocantins, sem encontrar nenhum sinal do grupo desaparecido. A trilha estava parcialmente coberta pela vegetação que crescia rapidamente na estação chuvosa, mas ainda era possível segui-la. Continuaram rio abaixo, procurando pela formação rochosa, que servia de ponto de referência. Quando finalmente encontraram o local, não havia absolutamente nenhum rastro dos 20 garimpeiros, nenhuma marca de acampamento, nenhum resto de fogueira, nenhuma ferramenta abandonada. Era como se o grupo nunca tivesse passado por ali. Paulo Henrique e seus companheiros decidiram entrar na mata fechada, tentando seguir a direção geral que Roberto Mineiro teria tomado, baseado nos rumores sobre a localização do suposto veio de ouro. Eles caminharam por dois dias, abrindo picadas na vegetação densa, mas não encontraram nada além da floresta interminável. A selva amazônica naquela região era um labirinto verde impenetrável, onde era fácil se perder e impossível encontrar alguém que não quisesse ser encontrado. Árvores centenárias formavam um dossel espesso que a luz do sol mal chegava ao chão, coberto de folhas em decomposição e raízes emaranhadas. O barulho constante de insetos, pássaros e animais criava uma sinfonia perturbadora que tornava difícil ouvir qualquer outro som. Depois de três dias de buscas infrutíferas, o grupo de resgate retornou a Serra Pelada com a notícia desanimadora de que não havia encontrado nenhum vestígio dos 20 homens desaparecidos.

A notícia se espalhou rapidamente pelo acampamento e logo chegou às autoridades. A Polícia Federal finalmente foi acionada em meados de abril, mais de um mês após o desaparecimento. Dois agentes foram enviados de Belém para investigar o caso. Eles interrogaram dezenas de garimpeiros, tentando reconstruir os eventos que levaram ao desaparecimento. Todos confirmaram a mesma história: 20 homens partiram em uma expedição liderada por Roberto Mineiro em busca de um novo garimpo e simplesmente nunca voltaram. A polícia organizou uma busca mais ampla, mobilizando cerca de 30 homens que vasculharam a área por uma semana inteira. Durante essa busca mais extensa, encontraram alguns sinais perturbadores. Em uma clareira a cerca de 25 km do acampamento principal, descobriram restos de uma fogueira apagada há semanas e pedaços de tecido rasgado que pareciam ser de uma camisa. Próximo dali encontraram uma mochila velha abandonada, mas sem nenhuma identificação ou conteúdo que pudesse ligar o objeto aos garimpeiros desaparecidos. A descoberta mais intrigante foi uma ferramenta de mineração, uma espécie de picareta artesanal encontrada parcialmente enterrada na lama próxima a um pequeno riacho. Um dos garimpeiros que participava da busca reconheceu a ferramenta como sendo similar às que João Ferreira costumava usar por causa de uma marca específica no cabo, mas não era possível ter certeza absoluta.

Esses achados geraram mais perguntas do que respostas. Se o grupo havia chegado até aquela área, o que aconteceu depois? Por que abandonariam equipamentos? Para onde foram? A teoria inicial da polícia era que os garimpeiros haviam se perdido na selva e morrido de fome, sede ou ataques de animais selvagens. Era um destino tragicamente comum na Amazônia, onde dezenas de pessoas desapareciam todos os anos nas profundezas da floresta, mas alguns detalhes não faziam sentido. Roberto Mineiro era um homem experiente que conhecia técnicas de sobrevivência. O grupo levava provisões suficientes e armas para caça. Como todos os 20 poderiam ter perecido sem deixar mais rastros? As famílias dos desaparecidos começaram a chegar à Serra Pelada em maio de 1987, desesperadas por notícias. Dona Maria, mãe de Antônio Silva, fez a longa viagem de ônibus da Bahia até o Pará, rezando durante todo o trajeto para que seu filho estivesse vivo. Quando chegou ao acampamento e descobriu que as buscas haviam sido suspensas sem resultados, ela entrou em desespero. A esposa de João Ferreira, Dona Luía, vendeu alguns poucos bens que tinha para conseguir dinheiro para a viagem e deixou os quatro filhos com a mãe enquanto ia procurar o marido. Ela percorreu o acampamento, mostrando uma foto desbotada de João, perguntando a todos se alguém tinha visto seu esposo. A resposta era sempre a mesma: Ele partiu com o grupo de Roberto Mineiro e nunca mais voltou. As autoridades prometeram continuar investigando, mas na prática o caso foi arquivado como mais um desaparecimento na selva amazônica.

Uma tragédia sem solução para os garimpeiros de Serra Pelada. A história dos 20 desaparecidos tornou-se uma lenda sombria, um aviso sobre os perigos de se aventurar nas áreas mais remotas em busca de riqueza. Alguns falavam de uma maldição de espíritos da floresta que puniam a ganância humana. Outros especulavam sobre conflitos com grupos indígenas isolados, conhecidos por serem hostis a invasores em seus territórios. Havia também a teoria de que o grupo teria sido atacado por garimpeiros rivais que queriam roubar o ouro que haviam encontrado, embora não houvesse nenhuma evidência de que tivessem de fato encontrado algo valioso. Os meses se transformaram em anos. 1987 deu lugar a 1988, depois 1989. As famílias gradualmente aceitaram que seus entes queridos provavelmente estavam mortos, embora a ausência de corpos tornasse o luto impossível de concluir. Dona Maria voltou para a Bahia derrotada, guardando as cartas do filho como relíquias preciosas. Dona Luía tentou reconstruir a vida sozinha com os quatro filhos, mas nunca superou completamente a perda do marido. Serra Pelada continuou sua decadência, transformando-se de um dos maiores garimpos do mundo em uma cratera gigantesca parcialmente abandonada. Os garimpeiros que permaneceram enfrentavam condições cada vez mais precárias, com a produção de ouro diminuindo drasticamente e a violência aumentando. O governo federal eventualmente fechou o garimpo oficial, embora atividades clandestinas continuassem por anos. A história dos 20 garimpeiros desaparecidos foi lentamente sendo esquecida, virando apenas mais uma das inúmeras tragédias que marcaram aquele período conturbado da história brasileira.

Mas foi então que a verdade começou a surgir de uma maneira que ninguém poderia ter imaginado. Em 1993, 6 anos após o desaparecimento, um garimpeiro chamado Marcos Oliveira estava explorando uma área remota próxima ao Rio Tocantins, cerca de 50 km distante de onde as buscas originais haviam se concentrado. Marcos estava sozinho, trabalhando em um pequeno garimpo clandestino, quando decidiu explorar um vale estreito que parecia promissor. Ao descer por uma encosta íngreme, coberta de vegetação, Marcos escorregou e caiu cerca de 3 m, aterrissando em uma área que parecia ter sido parcialmente escavada no passado. Quando se levantou, dolorido, mas sem ferimentos graves, percebeu que estava em uma espécie de acampamento abandonado há anos. Havia restos de barracas improvisadas feitas com lona apodrecida, ferramentas de mineração enferrujadas espalhadas pelo chão e o que parecia ser os restos de uma operação de garimpo malsucedida. Mas o que mais chamou sua atenção foram os ossos. Havia ossos humanos espalhados pela área, parcialmente cobertos pela vegetação e pelo solo. Marcos sentiu o sangue gelar nas veias. Ele não era um homem facilmente assustado, mas aquela cena era perturbadora. Rapidamente ele saiu dali e voltou para o acampamento mais próximo, onde relatou sua descoberta.

A notícia chegou às autoridades em Belém e desta vez foi montada uma operação mais séria de investigação. Uma equipe forense foi enviada ao local que Marcos havia descoberto. O que encontraram confirmou os piores temores. Eram os restos mortais de múltiplas pessoas, pelo menos 15 ou 20 indivíduos. Foi impossível determinar o número exato devido ao estado avançado de decomposição e à ação de animais selvagens ao longo dos anos. Entre os pertences encontrados no local estava um caderno parcialmente destruído pela umidade, mas com algumas páginas ainda legíveis. Era o caderno de Roberto Mineiro. As anotações no caderno revelaram uma história trágica. O grupo havia de fato chegado àquela área isolada, seguindo as coordenadas que Roberto tinha. Nos primeiros dias encontraram sinais promissores de ouro e começaram a trabalhar com entusiasmo. As anotações de Roberto eram otimistas nas primeiras entradas, descrevendo a quantidade de ouro que estavam extraindo e fazendo planos sobre como transportar o material de volta a Serra Pelada.

Mas algo deu terrivelmente errado. Uma das últimas entradas legíveis do caderno, datada de aproximadamente duas semanas após a chegada ao local, mencionava que vários homens estavam doentes com febre alta, vômitos e diarreia severa. Roberto especulava que poderia ser malária ou alguma outra doença tropical. Outra entrada, alguns dias depois, era desesperada: “Já perdemos seis homens. Os outros estão fracos demais para caminhar. Não temos remédios. Deus nos ajude.” A última entrada era quase ilegível, escrita com uma caligrafia trêmula: “Estou morrendo. Não conseguimos sair. O ouro não valeu a pena. Que Deus perdoe nossa ganância.”

A investigação forense revelou que o grupo havia sido vítima de uma combinação fatal de fatores. A área onde se estabeleceram era um foco de doenças tropicais, incluindo uma forma particularmente virulenta de malária, que era endêmica naquela região remota. A água do riacho próximo, que usavam para beber e cozinhar, estava provavelmente contaminada. Sem medicamentos adequados e já enfraquecidos pelo trabalho extenuante, os homens começaram a morrer um a um. Os que ainda tinham forças tentaram cuidar dos doentes, mas a situação era desesperadora. Isolados na selva, sem forma de comunicação com o mundo exterior, e longe demais para conseguir caminhar de volta a Serra Pelada em seu estado debilitado, os 20 garimpeiros ficaram presos naquele vale maldito. A análise dos ossos confirmou que todos haviam morrido de causas naturais relacionadas a doenças e desnutrição. Não havia sinais de violência ou conflito. Eles simplesmente adoeceram e morreram um após o outro, enquanto a selva amazônica os engolia.

Entre os pertences encontrados estava uma pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida, confirmando que aquele era de fato o grupo que incluía Antônio Silva. Também encontraram uma corrente de ouro com as iniciais JF, provavelmente pertencente a João Ferreira, e ironicamente descobriram aproximadamente 2 kg de ouro bruto que os garimpeiros haviam extraído antes de adoecerem, guardado em uma bolsa de couro. O ouro pelo qual tinham sacrificado tanto estava ali, sem valor algum para os homens mortos.

A notícia da descoberta foi devastadora para as famílias que ainda mantinham alguma esperança. Por mais tênue que fosse, Dona Maria recebeu a confirmação de que seu filho Antônio estava morto, mas disse que ao menos agora poderia finalmente fazer seu luto adequadamente. Dona Luía, que havia reconstruído sua vida, mas nunca havia esquecido João, viajou mais uma vez ao Pará para receber os pertences identificáveis do marido e dar-lhe um enterro cristão, mesmo que simbólico. O caso dos 20 garimpeiros desaparecidos de Serra Pelada tornou-se um símbolo das tragédias humanas causadas pela febre do ouro na Amazônia. Aqueles homens, movidos pela esperança de uma vida melhor para suas famílias, pela promessa de riqueza que transformaria suas existências miseráveis, acabaram pagando o preço final por sua ambição e desespero.

Mas seria justo chamar isso de ganância? Eram homens pobres, vindos de regiões empobrecidas do Brasil, que viam no garimpo sua única chance de escapar da pobreza. João Ferreira queria apenas dar uma vida melhor para seus quatro filhos. Antônio Silva sonhava em voltar para casa e ajudar sua mãe. Roberto Mineiro, com seus 50 anos, buscava a grande descoberta que finalmente lhe traria o reconhecimento e a segurança financeira que uma vida inteira de trabalho brutal não havia proporcionado. Eles não eram diferentes de milhares de outros brasileiros que migraram para a Amazônia naquela época, fugindo da seca no Nordeste, da falta de terras no Sul, da miséria urbana no Sudeste. A história desses 20 homens é também a história do Brasil naquele período, um país de desigualdades extremas, onde os pobres eram forçados a arriscar suas vidas em condições perigosas por uma chance mínima de ascensão social.

Serra Pelada foi o símbolo máximo dessa realidade. Um lugar onde o sonho e o pesadelo conviviam lado a lado, onde fortunas eram feitas e perdidas da noite para o dia, onde a vida humana tinha pouco valor diante da promessa reluzente do ouro. As autoridades brasileiras tentaram implementar algumas medidas após a descoberta dos corpos, incluindo campanhas de conscientização sobre os perigos de expedições não autorizadas em áreas remotas da Amazônia e a necessidade de levar medicamentos adequados para doenças tropicais. Mas essas medidas eram tardias e insuficientes. A realidade era que o garimpo clandestino continuaria enquanto houvesse pessoas desesperadas o suficiente para arriscar tudo por uma chance de encontrar ouro. A Floresta Amazônica guardava inúmeros outros segredos similares: corpos de garimpeiros que desapareceram e nunca foram encontrados, histórias que nunca seriam contadas.

O local onde os 20 garimpeiros morreram foi abandonado novamente após a remoção dos corpos e pertences. A selva rapidamente reclamou o espaço, cobrindo as evidências da tragédia com nova vegetação. Hoje, décadas depois, não seria possível encontrar o local exato sem coordenadas GPS precisas. A natureza apagou os rastros daquela história, mas a memória permanece nas famílias que perderam seus entes queridos e nos registros históricos que documentam uma das eras mais turbulentas da Amazônia brasileira. Serra Pelada ainda existe, transformada em um imenso lago devido ao enchimento da cratera com água subterrânea e chuvas. O garimpo que um dia abrigou mais de 100.000 pessoas é agora um local quase deserto, com apenas algumas poucas operações mineradoras tentando extrair os restos de ouro que ainda possam existir nas profundezas.

Os filhos de João Ferreira cresceram sem o pai, mas Dona Luía fez questão de contar-lhes a história completa de como seu pai morreu, transformando a tragédia em uma lição sobre coragem, sacrifício e as duras realidades da vida. A mãe de Antônio Silva guardou as cartas do filho até sua morte, décadas depois, e pediu para ser enterrada com elas. Os parentes dos outros 18 garimpeiros tiveram seus próprios processos de luto e aceitação, cada um lidando à sua maneira com a perda.

O que aprendemos com a história dos 20 garimpeiros de Serra Pelada? Talvez que a busca por riqueza, quando impulsionada pelo desespero e desacompanhada de prudência, pode levar a tragédias evitáveis. Ou talvez que a selva amazônica, por mais bela e fascinante que seja, é também um ambiente extremamente hostil que não perdoa erros ou falta de preparação. Ou ainda que o sistema econômico, que força pessoas a correrem riscos extremos por uma chance mínima de ascensão social, é fundamentalmente injusto e precisa ser repensado. A história também nos lembra da importância de valorizar a vida humana acima de qualquer riqueza material. Aqueles 2 kg de ouro que foram encontrados com os corpos não significavam nada. Não podiam comprar de volta as vidas perdidas, não podiam desfazer o sofrimento das famílias, não valiam o preço que foi pago por eles. No fim, eram apenas metal, brilhante, mas inútil diante da magnitude da tragédia humana.

A história dos 20 garimpeiros permanece como um lembrete sombrio de um capítulo da história brasileira que não deve ser esquecido. Suas mortes não foram em vão se conseguirmos aprender com seus erros e trabalhar para criar uma sociedade onde pessoas não precisem arriscar suas vidas dessa maneira. Que suas memórias sejam honradas e que suas histórias continuem sendo contadas para que tragédias similares possam ser evitadas no futuro. A Amazônia guarda muitos segredos, mas alguns deles precisam ser revelados para que possamos entender melhor nossa própria humanidade.

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