O CORONEL TEMIDO POR TODOS-VISTO IMPLORANDO A UM ESCRAVO DE JOELHO-QUANDO O DESEJO FALA MAIS ALTO..

Agosto de 1834, em algum lugar profundo no Recôncavo Baiano, foi na calada de uma noite abafada, sob a luz pálida de uma lua doente, que o impensável se tornou carne. O coronel Nuno de Albuquerque, o homem cuja palavra era lei e cujo olhar era sentença, foi visto de joelhos na lama do pátio, implorando.

Aos seus pés, indiferente e imóvel, estava Dário, seu escravo. O homem que era a própria encarnação do poder, o senhor de terras e de vidas, suplicava a um homem que por lei não era nada. Ali, na escuridão úmida, a hierarquia brutal que sustentava o império desmoronou, revelando uma obsessão tão profunda que transformava o mestre em cativo e o cativo em mestre.

O Engenho Vistosa não era apenas uma fazenda, era um reino. Mais de 2.000 hectares de terra fértil, onde a cana-de-açúcar crescia alta e orgulhosa, alimentada pelo suor e pelo sangue de quase 300 cativos. A Casa Grande, imponente e branca, erguia-se no topo de uma colina, um bastião de poder observando os campos que se estendiam até o horizonte. O ar ali era permanentemente impregnado com o aroma denso e adocicado do melaço, um perfume de riqueza que não conseguia mascarar o fedor subjacente do sofrimento. O coronel Nuno, beirando os 50 anos, era o soberano indiscutível deste reino.

Um homem de poucas palavras e muitas ordens, cuja rigidez na postura refletia a inflexibilidade de sua alma. Seus olhos de um cinza frio como o aço de uma faca pareciam capazes de medir o valor de um homem ou o peso de uma saca de açúcar com o mesmo desprendimento calculista. Casado com sua prima distante, dona Isabel, uma mulher frágil e silenciosa, que se movia pela casa como uma sombra, Nuno cumpria todos os ritos sociais esperados de um homem de sua posição.

Mas a ausência de um herdeiro era uma ferida aberta em seu orgulho, uma falha em sua dinastia, que o consumia em silêncio. Este silêncio, no entanto, escondia um tormento muito mais profundo. Não era a falta de um filho que realmente o assombrava, mas um desejo que ele considerava uma doença, uma praga na sua alma.

E o portador dessa praga, o epicentro de sua febre, era Dário. Dário não era um escravo do campo, era um mucamo, um servo pessoal trazido para a Casa Grande por sua inteligência e feições finas. Tinha a pele da cor do bronze polido e olhos que, ao contrário dos outros, não se desviavam, não se curvavam. Havia neles uma centelha de desafio, uma altivez silenciosa que Nuno, em vez de esmagar, achou-se perigosamente atraído.

Ele via em Dário não a submissão que exigia de todos, mas um espelho distorcido de sua própria vontade de poder. A presença de Dário na Casa Grande tornou-se uma tortura diária. Cada gesto, cada palavra trocada era um exercício de autocontrole para o coronel. A obsessão crescia como uma videira venenosa, enroscando-se em seus pensamentos durante o dia e assombrando seus sonhos à noite.

O problema inicial de Nuno não era a falta de um herdeiro, mas o excesso de um desejo que ameaçava destruir a fachada de controle e honra que ele levara uma vida inteira para construir. A solução que a mente doentia do coronel Nuno concebeu não foi um plano de ação, mas uma capitulação disfarçada de controle. Se não podia erradicar o desejo, ele o aprisionaria. Se não podia dominar a própria alma, dominaria o corpo que a atormentava de uma forma absoluta e inédita. O seu plano macabro era simples em sua execução e demoníaco em sua intenção. Ele iria isolar Dário do mundo, transformando-o em uma propriedade exclusiva de sua atenção, um objeto de arte vivo confinado em uma gaiola dourada.

A preparação foi um processo frio e metódico. Começou com pequenas mudanças quase imperceptíveis. Dário foi dispensado de suas tarefas mais servis. Suas roupas de algodão grosseiro foram substituídas por linho fino, semelhante ao que o próprio coronel usava. Ele passou a receber suas refeições, não da cozinha da senzala, mas da mesa do Senhor, pratos que os outros escravos jamais sonhariam em provar. Cada um desses presentes era um elo a mais na corrente que o prendia a Nuno. O passo final e decisivo foi a comunicação silenciosa de seu status. Nuno ordenou que um pequeno quarto anexo ao seu escritório, antes usado para guardar livros e mapas, fosse limpo e mobiliado com uma cama de boa madeira e lençóis brancos. Sem uma única palavra de explicação, Dário foi transferido da senzala para este novo aposento.

A mensagem era clara para todos no Engenho Vistosa. Para os outros escravos, era um sinal de um favoritismo perigoso e inexplicável que gerava medo e ressentimento. Para os capatazes, era uma afronta à ordem natural das coisas. Para dona Isabel, era mais um prego no caixão de seu casamento fantasma. E para Dário era o fechamento do alçapão. Ele não era mais um escravo entre muitos. Era agora o prisioneiro singular do coronel Nuno. Sua vida, antes ditada pelo sino do Engenho, passaria a ser regida exclusivamente pelos caprichos e pela presença sufocante de seu mestre. O plano não foi comunicado com palavras, mas com ações que gritavam a verdade obscena para quem quisesse ouvir.

Em setembro de 1834, a nova rotina se instalou e com ela um tipo de horror psicológico que envenenava o ar do Engenho Vistosa. A vida de Dário tornou-se uma sucessão de longas horas passadas no escritório do coronel. Nuno, que mal falava com a própria esposa, agora discorria por horas com Dário. Falava sobre a colheita, sobre os preços do açúcar em Salvador, sobre as intrigas políticas da capital. Não buscava conselho, mas presença. Exigia que Dário permanecesse sentado em silêncio, apenas ouvindo. Era uma performance de poder, uma forma de desnudar sua mente para o homem que ele desejava possuir por completo. Às vezes, ele o fazia ler em voz alta trechos de poetas portugueses, a voz de Dário, preenchendo o silêncio pesado do escritório, enquanto os olhos do coronel o devoravam.

A tensão era constante, palpável. Dário aprendeu a navegar neste campo minado com uma habilidade nascida do puro instinto de sobrevivência. Ele respondia quando questionado, com frases curtas e neutras. Seu rosto tornou-se uma máscara de impassibilidade. Seus olhos, antes desafiadores, agora eram poços de uma observação cautelosa. Ele entendia que seu poder, se é que havia algum, residia na obsessão do outro; um movimento em falso, uma palavra errada, e o frágil equilíbrio poderia se quebrar, e a adoração do coronel poderia se transformar em fúria assassina. Nos meses que se seguiram, o comportamento de Nuno tornou-se cada vez mais errático.

Sua crueldade nos campos se intensificou, como se ele precisasse compensar a vulnerabilidade que sentia a portas fechadas. As chicotadas se tornaram mais frequentes, os castigos mais severos. Ele estava em guerra consigo mesmo e todo o engenho pagava o preço. Qualquer capataz que ousasse olhar para Dário com desprezo ou dar-lhe uma ordem, por mais trivial que fosse, era recebido com uma ira desproporcional do coronel. Um deles, um homem chamado Amâncio, foi publicamente humilhado e açoitado por ter mandado Dário buscar água. A mensagem era inequívoca. Tocar em Dário era tocar no próprio coronel. Esta proteção, no entanto, era outra forma de prisão. Ela isolava Dário completamente, tornando-o um pária entre os seus. Ele era o negro do coronel, uma figura temida e odiada, um símbolo da loucura que se apossara do mestre.

A solidão de Dário era absoluta. Ele vivia entre o mundo da Casa Grande e o da senzala, sem pertencer a nenhum dos dois, um fantasma assombrando os corredores de seu próprio cativeiro. Pelo Natal, a fachada de normalidade já estava em frangalhos. Nuno mal saía de seu escritório, negligenciando os negócios e a administração da fazenda. Passava dias trancado com Dário em um silêncio que era mais perturbador do que qualquer grito. A prosperidade do Engenho Vistosa, construída sobre uma ordem rígida, começava a ruir sob o peso da desordem de seu senhor. O colapso, quando veio, não foi uma explosão, mas uma implosão lenta e corrosiva que começou com um sussurro e terminou em ruína.

O estopim foi um ato de desafio, não de Dário, mas de um mundo exterior que se recusava a ignorar a anomalia que se instalara no Engenho Vistosa. Um padre da paróquia vizinha, ouvindo os rumores cada vez mais escandalosos, decidiu fazer uma visita pastoral. O padre Matias era um homem temente a Deus, mas também um guardião da moral e da ordem social. Sua chegada foi anunciada e Nuno, pela primeira vez em meses, foi forçado a desempenhar seu papel de anfitrião e senhor católico. Durante o jantar, a tensão na mesa era insuportável. Dona Isabel mal tocava na comida e o coronel respondia ao padre com monossílabos. Foi quando o padre, com uma sutileza calculada, perguntou sobre o bem-estar espiritual de seus servos.

E então ele olhou diretamente para Dário, que servia o vinho em silêncio. “E este rapaz,” disse o padre, “parece gozar de boa saúde e do favor de seu senhor. É importante que ele também não se esqueça de suas obrigações para com Deus.” A reação de Nuno foi vulcânica. Ele se levantou de um salto, a cadeira caindo com um estrondo no chão de madeira. Seu rosto estava transfigurado pela fúria. Ele viu nas palavras do padre não uma preocupação pastoral, mas uma acusação, uma invasão em seu domínio privado. “O que acontece sob o meu teto diz respeito a mim e a Deus, não a Vossa Senhoria,” trovejou ele. O insulto a um homem da igreja era um pecado social quase tão grande quanto a heresia. A cena selou o seu destino.

O padre Matias partiu no dia seguinte e a história da explosão do coronel se espalhou como fogo em palha seca. As fofocas, antes restritas aos engenhos vizinhos, chegaram a Salvador. O nome Albuquerque, antes sinônimo de poder e respeitabilidade, tornou-se motivo de escárnio e cochichos. “O coronel enlouqueceu,” diziam, “está enfeitiçado pelo próprio escravo.” O ostracismo social foi imediato e brutal. Convites para festas e batizados cessaram. Parceiros comerciais tornaram-se subitamente cautelosos, exigindo pagamentos adiantados e renegociando dívidas. A autoridade de Nuno, que dependia inteiramente de sua reputação de homem de pulso firme e inabalável, evaporou.

Sem o medo e o respeito de seus pares, ele era apenas um homem enlouquecido em uma fazenda decadente. A queda moral precedeu a financeira, mas esta não tardou a chegar. Com a gestão negligenciada, a produção de açúcar caiu vertiginosamente. Dívidas se acumularam. O Engenho Vistosa, o reino próspero, começou a ser engolido pela própria cana, que crescia selvagem e sem cuidado, um símbolo da paixão que consumia tudo.

O fim não foi rápido, mas uma agonia prolongada. O outrora imponente coronel Nuno tornou-se um recluso em sua própria casa. O mundo exterior encolheu até se resumir às paredes de seu escritório, e sua única companhia era Dário, a causa e o objeto de sua ruína. A obsessão, despida de qualquer disfarce de poder ou controle, revelou-se em sua forma mais pura e patética, uma dependência desesperada. Ele não conseguia mais ficar sem a presença de Dário. Se o escravo adoecia, Nuno entrava em pânico. Se ele parecia melancólico, Nuno se desesperava, oferecendo-lhe presentes inúteis, promessas vazias. Foi nesse estado de desespero que a cena que iniciou nossa história se tornou uma ocorrência comum: o coronel de joelhos implorando não por perdão ou por amor, mas simplesmente pela presença, pela garantia de que Dário não o abandonaria, como se um escravo tivesse a opção de partir.

Dona Isabel, incapaz de suportar a atmosfera de loucura e decadência, encontrou refúgio na única saída disponível para uma mulher de sua condição, um convento em Salvador, onde terminou seus dias em oração e esquecimento. O Engenho Vistosa foi finalmente tomado pelos credores. A Casa Grande foi esvaziada, os móveis leiloados e os escravos vendidos a outros senhores, espalhando a história da queda do coronel Albuquerque por todo o Recôncavo. Todos, exceto um.

O destino final de Nuno e Dário está envolto no silêncio que se seguiu à ruína. A versão mais aceita, contada em sussurros décadas depois, é que na noite em que os oficiais de justiça vieram tomar posse da fazenda, encontraram o escritório trancado por dentro. Quando a porta foi arrombada, a cena era macabra. O coronel Nuno estava caído sobre sua mesa, uma pistola antiga em sua mão e um buraco no peito. No chão, a poucos passos de distância, jazia Dário, morto com um tiro nas costas, como se tentasse fugir no último momento. Em seu ato final, Nuno garantiu que o objeto de sua obsessão não lhe pertenceria, mas também não pertenceria a mais ninguém. Um ato de posse final e absoluto. A história do coronel Nuno e de Dário é mais do que um conto de paixão proibida. É um retrato visceral de como o sistema da escravidão era uma força corruptora que destruía tudo o que tocava. Ele não apenas desumanizava o escravizado, mas também apodrecia a alma do Senhor.

A posse absoluta sobre outro ser humano criava monstros, homens que, ao serem privados de quaisquer limites morais ou éticos, eram consumidos por seus próprios demônios internos. A vulnerabilidade de Nuno não nascia do amor, mas do poder. Foi a certeza de que podia possuir Dário completamente que permitiu que sua obsessão florescesse sem controle, transformando-se em uma doença que aniquilou sua fortuna, sua sanidade e, por fim, sua vida e a de sua vítima. A tragédia de Dário é a de milhões. Sua humanidade, seus desejos, seus medos e sua própria vida foram apagados, tornando-se apenas um detalhe, uma nota de rodapé na história da loucura de seu mestre. São essas marcas, esses silêncios na história que nos lembram da verdadeira herança daquele tempo. Um legado de poder que corrompe e de desejo que quando desprovido de humanidade se torna apenas mais uma forma de destruição.

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