O CORONEL QUE SE DEITAVA COM SEU ESCRAVO MAIS FORTE.DISSE”SEREI SUA MULHER”O SEGREDO QUE VALE OURO..

Na noite densa e pegajosa de agosto de 1842, em um sobrado suntuoso de Salvador, Bahia, um pacto de silêncio e perversão foi selado não com tinta, mas com suor e medo. Foi ali que o coronel Renato de Albuquerque, um homem de 65 anos, cuja fortuna era tão vasta quanto sua solidão, impôs a seu escravo mais forte, Leandro, um destino mais cruel que o chicote. Ele deveria se deitar com seu senhor, não como um servo, mas como o senhor de seu leito. Esta não é uma história sobre desejo, mas sobre a putrefação da alma pelo poder absoluto. A crônica de um homem que, possuindo tudo, buscou possuir a própria virilidade de outro e, no processo, destruiu a ambos.

A Salvador de 1840 era um caldeirão de contrastes. O cheiro de cravo da Índia e maresia se misturava ao odor fétido dos becos e do mercado de escravos, onde almas eram leiloadas como gado. As ruas de paralelepípedos ecoavam tanto o som das rodas das carruagens da elite quanto o arrastar de correntes dos cativos. No topo desta pirâmide social estava o coronel Renato de Albuquerque. Sua riqueza era quase mítica: centenas de hectares de cana-de-açúcar no Recôncavo Baiano, armazéns abarrotados de açúcar mascavo no porto e uma frota de pequenos navios que faziam o comércio costeiro. Em seu sobrado de três andares na freguesia da Sé, com varandas de ferro forjado e azulejos portugueses, viviam mais de 30 escravos domésticos, um exército silencioso que atendia a cada capricho seu.

Mas a opulência mascarava uma decadência profunda. O coronel era viúvo há mais de uma década. Sua esposa, dona Estter, uma mulher frágil e devota, morrera sem lhe dar o bem mais precioso para um homem de sua estirpe, um herdeiro. Aos 65 anos, Renato sentia o peso do tempo em seus ossos frágeis e na pele manchada. Seus cabelos, antes negros como a asa da graúna, eram agora uma neve rala. Cada noite ele se sentava em seu escritório, cercado por livros de contabilidade que registravam uma fortuna que morreria com ele. O silêncio da casa era seu inimigo, um lembrete constante de seu fracasso biológico. Ele era um rei sem príncipe, um patriarca cujo nome estava destinado a virar pó.

Essa impotência geracional gerou nele um veneno, uma necessidade doentia de afirmar seu poder de formas não convencionais, de dobrar o mundo à sua vontade de maneiras que o destino lhe negara. Do outro lado do abismo social, na senzala abafada nos fundos do terreno, vivia Leandro. Com 30 anos, ele era o oposto de seu senhor. Leandro era a personificação da força vital. Sua pele, de um tom profundo de ébano, brilhava sob o sol da Bahia. Seus músculos, esculpidos por anos de trabalho pesado no Cais, moviam-se com uma fluidez poderosa. Ele era o que os outros senhores chamavam de “reprodutor”, um espécime valioso, um garanhão. Mas para além de sua força física, havia uma dignidade silenciosa em seu olhar.

Ele tinha uma mulher, Luzia, uma mucama da casa, e um filho pequeno, um menino de 3 anos que era a única luz em sua existência sombria. O amor por sua família era a âncora que o impedia de ser consumido pelo desespero da escravidão. O coronel Renato observava Leandro há anos. A princípio era a admiração de um proprietário por seu bem mais valioso. Depois, tornou-se algo mais sombrio. Ele via em Leandro tudo o que ele havia perdido: juventude, força, virilidade. A inveja se transformou em desejo e o desejo em uma obsessão doentia. Em sua mente decrépita, uma lógica perversa começou a se formar. Se não podia mais ser o homem dominante, o patriarca viril, ele se apropriaria da virilidade de outro.

Ele não queria apenas usar o corpo de Leandro. Ele queria possuir sua essência, submeter a própria fonte de sua força a uma vontade que era puramente sua. Ele inverteria os papéis no único lugar onde ninguém poderia testemunhar: a escuridão de seu quarto. O plano macabro não foi um impulso, mas uma construção lenta e sádica. O coronel começou a preparar Leandro. Ele foi retirado do trabalho pesado no porto e designado para tarefas mais leves dentro do sobrado. Recebia porções extras de comida, roupas melhores que as dos outros escravos de campo. Era um envenenamento lento por privilégios. Os outros cativos olhavam com uma mistura de inveja e desconfiança. Leandro se sentia isolado, marcado, sem entender o porquê daquela súbita e inquietante atenção.

Ele sabia que nenhum favor de um senhor vinha sem um preço terrível. A noite da sentença chegou em meados de agosto. O coronel convocou Leandro ao seu escritório. A sala estava iluminada apenas por um candelabro, cujas chamas dançavam sobre os móveis de jacarandá e os livros com capas de couro. O ar era pesado com o cheiro de cera de abelha e tabaco. Renato estava sentado em sua poltrona de encosto alto, parecendo mais um espectro do que um homem. Ele não fez rodeios. Sua voz, geralmente um trovão, era um sussurro seco e cortante. “Leandro”, começou ele, sem olhar diretamente para o escravo, “você tem me servido bem. Sua força é um triunfo para esta casa.”

Ele fez uma pausa, deixando o silêncio esticar-se como uma corda de forca. “Mas a partir de hoje seu serviço será diferente. Você não trabalhará mais no cais. Seu trabalho será aqui dentro, comigo.” Leandro permaneceu imóvel, o coração martelando contra as costelas. Ele sentiu um frio gélido subir por sua espinha. O coronel finalmente ergueu os olhos. Eram poços de escuridão, vazios de qualquer emoção humana. “Três noites por semana, você virá aos meus aposentos. Você se banhará. Vestirá as roupas de linho que deixarei separadas. E em meu quarto você não será meu escravo, você será o homem da casa. E eu,” ele hesitou, um brilho febril passando por seus olhos, “eu serei a sua mulher. Você me tratará como tal, com toda a sua força, com toda a sua virilidade. Você me dará o que Deus e o destino me negaram.”

O horror paralisou Leandro. O mundo pareceu inclinar-se, o chão sumir sob seus pés. Aquilo era mais do que uma ordem, era uma profanação, uma violação de sua alma, de sua masculinidade, de sua própria identidade. Ele abriu a boca para protestar, para gritar, mas nenhum som saiu. Como se lesse seus pensamentos, o coronel acrescentou com uma crueldade calculada: “Pense em Luzia, pense em seu filho. Eles estão bem alimentados, protegidos sob meu teto. O silêncio e a obediência de um homem garantem a sobrevivência de sua família. Uma palavra, um gesto de desafio, e o mercado de escravos tem um apetite voraz por famílias separadas. A escolha é sua, embora já esteja feita.”

A cronologia do horror começou na noite seguinte. Em setembro de 1842, a rotina diabólica se estabeleceu. Às 9 da noite, um eunuco idoso, o fiel e mudo mordomo do coronel, vinha buscar Leandro na senzala. O olhar dos outros escravos o queimava como ferro em brasa. Ninguém dizia uma palavra, mas o julgamento e o medo estavam em toda parte. Luzia o observava partir, o rosto uma máscara de dor e confusão. Ela não entendia, mas sentia que estava perdendo o marido para um abismo escuro. No sobrado, Leandro era levado a um pequeno quarto de banho. Ali encontrava uma tina de cobre com água morna e roupas de linho branco, finas e macias, uma zombaria cruel.

O ritual de limpeza era uma tentativa de purificá-lo para o sacrilégio que viria. Depois, ele era conduzido ao quarto do coronel. O aposento era vasto e sombrio, dominado por uma cama imensa com dossel. O coronel já o esperava deitado, vestindo apenas uma camisola de seda. O que acontecia ali dentro era um teatro de perversão e poder. Não havia a violência explícita de um estupro comum. Havia algo psicologicamente mais devastador. O coronel sussurrava ordens, dirigindo Leandro como um marionetista. Exigia que Leandro o tocasse, que o dominasse, que representasse o papel de um marido apaixonado e vigoroso. Para Leandro, era uma dissociação completa. Seu corpo se movia, obedecia, mas sua mente viajava para longe.

Ele se concentrava em uma mancha de umidade no teto, no som de um grilo do lado de fora, no rosto de seu filho. Ele se transformou em um autômato de carne e osso, um fantasma habitando o próprio corpo. O silêncio no quarto era quebrado apenas pela respiração ofegante do coronel e pelo ranger da cama, sons que se tornariam a trilha sonora de seus pesadelos. Os meses se arrastaram como uma ferida aberta. Em outubro, as mudanças em Leandro se tornaram evidentes para todos. Ele emagreceu, apesar da comida extra. Seus olhos, antes vivos, tornaram-se fundos e vazios. Durante o dia, ele se movia pela propriedade como uma sombra, evitando o contato visual, falando apenas o estritamente necessário.

A força que definia sua identidade estava sendo drenada noite após noite, não de seus músculos, mas de sua alma. Luzia tentou falar com ele várias vezes, mas ele a afastava com uma gentileza que era mais dolorosa que a raiva. Como ele poderia explicar o inexplicável? Como poderia confessar a profanação que o estava matando por dentro? O coronel, por sua vez, mergulhava cada vez mais fundo em sua loucura. A obsessão o consumia.

Ele negligenciava os negócios, passava os dias trancado em seu escritório esperando pela noite. Começou a dar presentes a Leandro: uma pequena faca com cabo de prata, sapatos de couro, até mesmo tentou ensiná-lo a ler algumas palavras, um ato perigoso e ilegal. Em sua mente doentia, ele estava elevando Leandro, transformando-o de um objeto em um parceiro de sua fantasia. Ele não percebia que, ao tentar possuir a força de Leandro, estava apenas expondo sua própria fraqueza terminal. A dependência era mútua. Leandro dependia do coronel para a sobrevivência de sua família. O coronel dependia de Leandro para a sobrevivência de sua sanidade fraturada. O colapso era inevitável.

Segredos dessa magnitude têm um peso próprio e, eventualmente, racham os que os contêm. O catalisador não foi um ato de rebelião, mas um de desespero. Em uma noite chuvosa de janeiro de 1843, Luzia não suportou mais. Movida por uma angústia que superava o medo, ela seguiu Leandro, escondeu-se nas sombras do pátio e o viu ser levado para dentro do sobrado. Esperou, o coração aos saltos, até que uma janela no andar de cima se iluminou, a janela do quarto do coronel. Ela se esgueirou até a lateral da casa, subindo em caixotes para alcançar a altura da janela que estava entreaberta para aliviar o calor. O que ela viu não foi uma cena de violência, mas algo que seu cérebro se recusou a processar.

Ela viu seu marido, seu Leandro, de pé ao lado da cama e viu o coronel estender a mão para ele com um gesto que era uma mistura de ordem e súplica. Ela não precisou ver mais. O som abafado das vozes, a intimidade grotesca da cena foi o suficiente. Um grito rasgou sua garganta, um som de pura agonia animal. Ela desabou no chão lamacento, soluçando incontrolavelmente. O grito alertou os guardas e outros escravos. A cena foi caótica. Luzia histérica sendo arrastada para a senzala, o coronel furioso aparecendo na janela. Leandro congelado no quarto como uma estátua de desespero. O segredo estava exposto, não em palavras, mas em um grito que continha toda a verdade. A mucama que encontrou Luzia, uma mulher amarga que já havia sido preterida pelo coronel, não guardou o que ouviu dos delírios da mulher em prantos.

Ela sussurrou para o cozinheiro, que sussurrou para o entregador, e a história distorcida e amplificada começou a vazar para além dos muros do sobrado. A alta sociedade de Salvador era um ninho de víboras. A notícia não se espalhou como fofoca, mas como uma arma. A elite baiana podia tolerar e até mesmo praticar a mais brutal violência contra seus escravos. Mas o que se contava sobre o coronel Renato era diferente. Não era um ato de domínio, mas de inversão, de fraqueza, um pecado que atentava contra a ordem natural de Deus e dos homens. Era a história de um patriarca que se rebaixava, que se entregava a uma paixão infame por um negro. Isso era imperdoável. Seus rivais comerciais usaram o escândalo para destruir sua reputação.

Parceiros de negócios cancelaram contratos. O padre da freguesia da Sé, que antes jantava em sua mesa, passou a se benzer ao ouvir seu nome. O isolamento foi rápido e total. O ouro que construiu seu império não podia comprar de volta o que ele havia perdido: a máscara do respeito. A queda financeira foi vertiginosa. Sem crédito e com a reputação em frangalhos, seu império de açúcar e navios começou a ruir. Ele foi forçado a vender propriedades, depois os navios e, finalmente, os escravos. Um a um, os rostos que ele via todos os dias foram levados para o mercado, incluindo a família de Leandro. O destino final dos envolvidos foi um epílogo trágico para uma história nascida da podridão. O coronel Renato de Albuquerque, abandonado e arruinado, trancou-se em seu sobrado agora silencioso e vazio.

A loucura que antes se manifestava em sua obsessão por Leandro o consumiu por completo. Em uma manhã de março de 1843, o eunuco mudo o encontrou em seu escritório. Ele não usou uma arma ou veneno. Estava sentado em sua poltrona, vestido com suas melhores roupas, morto. O médico legista diagnosticou como uma síncope nervosa, mas todos sabiam que ele havia morrido de vergonha e solidão, o coração finalmente cedendo ao peso de seu próprio segredo.

Para Leandro, não houve a libertação da morte. Com a falência do coronel, ele, Luzia e seu filho foram colocados no bloco de leilões. Foram o último lote a ser vendido. E na crueldade final do sistema, foram separados. Luzia e o menino foram vendidos para uma família em Salvador, destinados a uma vida de servidão doméstica. Leandro, agora marcado pelo escândalo, o escravo que desonrou seu senhor, foi comprado por um traficante que o enviou para as Minas de Minas Gerais. Uma sentença de morte lenta e brutal. Ele foi levado em correntes, sem poder se despedir de sua família. Seu último vislumbre deles foi o rosto de sua esposa banhado em lágrimas enquanto ela era puxada em outra direção.

Ele, a vítima, carregou a culpa e pagou o preço final. A história do coronel Renato e de Leandro não é apenas um conto de perversão individual, é um retrato visceral de como o sistema escravocrata era uma doença que corrompia tudo o que tocava. A posse de outro ser humano não destruía apenas a humanidade do escravizado, ela também apodrecia a alma do Senhor, alimentando as mais sombrias patologias e transformando o poder em um instrumento de autoaniquilação.

O silêncio que o coronel tentou impor a Leandro era o mesmo silêncio que a sociedade brasileira tentava impor sobre a brutalidade de sua fundação. Mas como sempre, a verdade, mesmo que sussurrada em um grito de dor no meio da noite, encontra uma maneira de vir à tona, deixando para trás as marcas indeléveis de sua passagem.

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