O Banquete Fatal Que Eliminou 11 Fazendeiros: A Ceia Mortal do Sobrado de Pernambuco, 1873

Ninguém que entrou no sobrado dos Cavalcante na noite de 14 de dezembro de 1873 imaginou que aquele seria seu último jantar. 11 dos homens mais poderosos de Pernambuco, donos de fazendas que se estendiam por léguas, senhores de milhares de escravos, estavam reunidos para celebrar a melhor safra de cana de açúcar da década.


As mesas brilhavam com cristais importados da Europa. As velas de sebo iluminavam os rostos satisfeitos dos coronéis. E o aroma que vinha da cozinha prometia uma festa memorável. Mas Feliciana, a cozinheira escrava que preparava aquele banquete, tinha outros planos. Planos que vinham sendo tecidos há exatos 15 anos, desde o dia em que seu filho de 7 anos foi arrancado de seus braços.
e vendido para as minas de ouro de Minas Gerais. Naquela noite, enquanto temperava as carnes e preparava os molhos com maestria reconhecida em toda a província, ela também adicionava ingredientes que nenhum dos convidados esperava encontrar em seus pratos. Às 11 horas da noite, quando a festa ainda estava no auge, o primeiro coronel começou a sentir as dores.
Meia hora depois, todos estavam mortos. O ano de 1873 marcava um período de tensão crescente nas províncias açucareiras do Brasil. A lei do ventre livre, aprovada dois anos antes, havia declarado livres todos os filhos de escravas nascidos após aquela data. Mas para quem já estava no cativeiro, a liberdade permanecia como um sonho distante.
Em Pernambuco, famílias como os Cavalcante, os Vanderlei e os Albuquerque controlavam não apenas vastas extensões de terra, mas também a política local e a justiça. O sobrado dos Cavalcante ficava no coração da zona da mata pernambucana a aproximadamente 15 léguas de Recife. Era uma construção imponente de três andares, com uma cozinha enorme nos fundos, onde trabalhavam mais de 20 escravos domésticos.
Nenhum tinha a importância de Feliciana. Ela chegara à fazenda em 1858, comprada por um preço elevado numa feira de escravos em Recife. O coronel Joaquim Cavalcante procurava uma cozinheira excepcional e Feliciana, então com 23 anos, havia se destacado por suas habilidades culinárias. Nascida numa fazenda no interior da Bahia, aprendera com sua mãe não apenas as receitas tradicionais, mas também os segredos das plantas medicinais e venenosas que cresciam na região.
Durante os primeiros anos no Sobrado, Feliciana conquistou a confiança completa da família. Suas moquecas eram elogiadas em toda a província. Seus doces faziam sucesso nas festas da elite e seu tempero para as carnes de domingo se tornara lendário. O coronel Joaquim costumava dizer que ela valia mais que 10 escravos de roça.
Ela tinha um quarto próprio, recebia roupas melhores que os outros cativos e até podia guardar algumas moedas das gorgetas. Mas em março de 1858 tudo mudou. Feliciana havia dado à luz um menino fruto de um relacionamento com outro escravo da fazenda. O coronel permitiu que ela criasse a criança, desde que isso não atrapalhasse seu trabalho.
Durante 7 anos, Feliciana viveu o mais próximo da felicidade que uma mulher escravizada podia experimentar. tinha seu filho, tinha um ofício que dominava e tinha a relativa proteção de ser considerada valiosa. Mas em agosto de 1865, o coronel Joaquim enfrentou dificuldades financeiras.
Uma praga destruira parte dos canaviais e ele precisava urgentemente de dinheiro. A solução foi vender alguns escravos mais jovens que alcançariam bom preço no mercado. Entre os escolhidos estava Tomás, o filho de Feliciana. Na manhã de 23 de agosto de 1865, três comerciantes de escravos chegaram ao sobrado, vindos de Minas Gerais, em busca de crianças para trabalhar nas minas de ouro.
Feliciana estava na cozinha quando ouviu o grito de seu filho. Correu para fora e viu os homens amarrando Tomás junto com outras quatro crianças da fazenda. Coronel, pelo amor de Deus! Gritou ela, ajoelhando-se diante de Joaquim. Cavalcante, não venda meu menino. Faço qualquer coisa. Trabalho o dobro, mas não leva meu filho. O coronel nem olhou para ela.
Levanta daí, Feliciana. Negócio é negócio. O menino vai render um bom dinheiro e você ainda é jovem pode ter outros filhos. Feliciana tentou segurar o filho, mas foi empurrada por um capataz. Tomás gritava por ela enquanto era arrastado para a carroça. A última coisa que viu foi o rosto aterrorizado de seu filho de 7 anos desaparecendo na estrada empoeirada.
Naquela noite, algo quebrou dentro de Feliciana. Não foi sua capacidade de trabalhar. O coronel notou com satisfação que ela continuava cozinhando tão bem quanto antes. O que quebrou foi qualquer resquício de lealdade ou resignação. Pela primeira vez em sua vida, Feliciana permitiu que o ódio puro entrasse em seu coração. Mas ela era inteligente demais para agir por impulso.
Sabia que qualquer ato de rebelião aberta resultaria em sua morte. Então começou a planejar não uma fuga, mas uma vingança que atingiria não apenas o coronel Joaquim, mas todos os homens de sua classe. Durante os 8 anos seguintes, Feliciana manteve sua máscara de escrava obediente e habilidosa, mas nas horas vagas começou a estudar.
Sempre soubera sobre plantas medicinais. Era conhecimento transmitido por sua mãe. Agora direcionou esse conhecimento para um propósito específico. Começou a cultivar discretamente certas plantas nos fundos da cozinha, misturadas as ervas culinárias. Experimentou com diferentes partes de diferentes plantas, testando seus efeitos em pequenos animais.
descobriu que as sementes de mamona, quando processadas de determinada forma, produziam um veneno poderoso que causava hemorragias internas. Aprendeu que as folhas de comigo ninguém pode, secas e moídas até virarem pó fino, provocavam convulsões fatais. Estudou as propriedades letais do tingui, cujas raízes conham toxinas que paralisavam o coração.
Mas não bastava ter venenos eficazes. Ela precisava de uma oportunidade perfeita, um momento em que pudesse atingir o maior número possível dos homens responsáveis por manter o sistema escravocrata. Essa oportunidade surgiu em novembro de 1873, quando o coronel Joaquim anunciou que realizaria um grande banquete em dezembro.
A safra havia sido excepcional e ele queria celebrar junto com seus amigos mais próximos, todos grandes fazendeiros da região. Seriam 11 convidados além do próprio coronel. Era o cenário perfeito. Durante as semanas que antecederam o banquete, ela trabalhou com dedicação redobrada nos preparativos. Planejou um cardápio elaborado, ostras frescas, caldo de tartaruga, peixe assado com molho de camarão, carne de porco com farofa, frango ao molho pardo e sobremesas de doce de goiaba, cocada e bolo de goma.
O coronel Joaquim estava radiante. Feliciana, disse ele, este banquete precisa ser perfeito. Quero que todos comentem sobre minha hospitalidade por meses. Pode deixar, senhor, respondeu ela com um sorriso que não alcançava seus olhos. Vai ser um jantar que ninguém vai esquecer. Enquanto planejava o cardápio oficial, também preparava ingredientes secretos.
Em sua pequena área privada. processou cuidadosamente as plantas que cultivara durante anos. Criou três tipos diferentes de venenos, cada um adequado para um tipo específico de prato. O primeiro era um pó fino e inodouro, derivado de sementes de mamona misturadas com extrato de tinguei. Seria adicionado aos molhos escuros.
O segundo era um líquido espesso, extraído de raízes de mandioca brava e folhas de comigo ninguém pode, iria para os pratos de carne. O terceiro era uma pasta preparada com cogumelos venenosos misturados com especiarias fortes. Esse seria reservado para as sobremesas. A genialidade do plano estava nos detalhes.
Ela sabia que os efeitos dos venenos não seriam imediatos. Os convidados teriam tempo de comer, beber, conversar e até mesmo ir embora antes que os sintomas começassem. Isso afastaria suspeitas da comida. Além disso, Feliciana planejou não envenenar todas as pessoas presentes. Deixaria intocados os filhos mais jovens do coronel e alguns escravos que serviam à mesa.
Haveria testemunhas que poderiam confirmar que a comida foi servida normalmente, que todos comeram dos mesmos pratos e que nada de suspeito aconteceu. A noite de 14 de dezembro chegou com o calor típico do verão pernambucano. Os convidados começaram a chegar por volta das 7 horas. Eram homens entre 40 e 60 anos, vestidos com suas melhores roupas.
Entre os presentes estavam o coronel Antônio Vanderlei, dono de três engenhos e mais de 200 escravos. O coronel Francisco Albuquerque, conhecido por sua crueldade extrema, o coronel Manuel Regubarros, que havia separado mais de 50 famílias escravas nos últimos 10 anos. Cada um daqueles homens tinha histórias similares, vidas construídas sobre o sofrimento de milhares de pessoas.
Na cozinha, Feliciana trabalhava com a calma de quem executava um ritual sagrado. Seus movimentos eram precisos e calculados. Enquanto seus ajudantes preparavam os pratos básicos, ela pessoalmente adicionava os toques finais, uma pitada de pó aqui, algumas gotas de líquido ali, sempre em quantidades cuidadosamente medidas.
Não muito para causar sintomas durante o jantar, mas suficiente para garantir que nenhum dos alvos sobrevivesse à noite. O banquete começou pontualmente às 8 horas. Os convidados foram conduzidos ao grande salão de jantar, onde uma mesa de mogno polido estava posta com a louça mais fina. Velas iluminavam o ambiente criando sombras dançantes nas paredes.
As ostras foram servidas primeiro, acompanhadas de limão e pimenta. Os coronéis as saborearam fazendo comentários sobre sua frescura. O caldo de tartaruga veio em seguida, fumegante e aromático. Os homens conversavam sobre política, sobre os preços do açúcar, sobre as irritantes pressões abolicionistas. Esses abolicionistas não entendem nada de economia”, resmungou o coronel Albuquerque.
“Se libertarmos os negros de uma vez, quem vai trabalhar nos canaviais?” Os outros concordaram, levantando suas taças. Nenhum deles percebeu a ironia do momento. O peixe assado foi servido com molho de camarão, onde Feliciana havia concentrado a maior parte do veneno derivado de mamona e tingue. O sabor forte dos camarões mascarava perfeitamente qualquer traço incomum.
Os coronéis elogiaram o prato efusivamente, alguns pedindo segundas porções. Feliciana realmente não tem igual, comentou o coronel Regarros. Joaquim, você tem sorte de ter uma cozinheira assim. Do outro lado da porta, Feliciana ouviu aquelas palavras. Seu rosto permaneceu impassível, mas seus olhos brilharam com satisfação sombria.
A carne de porco veio acompanhada de farofa especial. Feliciana havia adicionado ao tempero da carne o veneno líquido feito de mandioca brava. Os convidados, já desfrutando de várias taças de vinho, não de errado. Comeram com apetite, limpando os pratos. O frango ao molho pardo foi o último prato principal.
Seu molho escuro, feito com o sangue do próprio frango, disfarçaria perfeitamente qualquer adição. Ela havia misturado ali uma combinação dos três venenos, criando uma dose final garantida. Os coronéis estavam alegres e expansivos. Haviam bebido vinho do porto, depois cachaça e agora degustavam um conhaque francês. Suas conversas ficaram mais altas.
Contavam histórias sobre suas façanhas, sobre escravos que haviam punido, sobre negócios lucrativos. Finalmente, chegou a hora das sobremesas. Feliciana havia preparado três opções: doce de goiaba em calda, cocada branca e bolo de goma. havia adicionado a pasta de cogumelos venenosos a todas as três, variando apenas a quantidade.
O doce de goiaba, favorito do coronel Joaquim, recebeu a dose mais concentrada. As sobremesas foram trazidas em uma bandeja de prata. Os coronéis, mesmo já satisfeitos, não resistiram. Não posso recusar os doces de Feliciana”, disse o coronel Vanderlei. O coronel Joaquim serviu-se de três pedaços de doce de goiaba.
“É um segredo de família”, explicou aos convidados. Café foi servido em seguida, forte e aromático. Por volta das 10:30 da noite, os convidados começaram a se despedir. Estavam satisfeitos, levemente embriagados. Joaquim, este foi sem dúvida o melhor jantar que já participei”, disse o coronel Regarros. Os coronéis foram saindo gradualmente, alguns a cavalo, outros em carruagens.
Suas fazendas ficavam a distâncias variadas. A mais próxima a apenas uma légua, a mais distante a quase 10 léguas. Feliciano observou discretamente enquanto os últimos convidados partiam por volta das 11 horas. Depois, calmamente começou a limpar a cozinha. Lavou cada panela, cada prato, cada utensílio. Jogou no fogo todos os restos de comida, limpou meticulosamente todas as superfícies.
Não deixou nenhuma evidência física. Meia-noite chegou e passou. Feliciana foi para seu pequeno quarto, mas não conseguiu dormir. Ficou olhando para o teto, imaginando o que estava acontecendo naquele momento nas fazendas espalhadas pela zona da mata. Ela havia calculado cuidadosamente o tempo. Os venenos tinham um período de latência de aproximadamente 2 a 3 horas.
Os primeiros sintomas começariam entre meia-noite e 1 hora da manhã, quando todos já estariam em suas casas. Os sintomas seriam terríveis, mas relativamente rápidos. Dores abdominais intensas, vômitos violentos, convulsões e, finalmente, a morte, geralmente dentro de 30 minutos após o início. O coronel Antônio Vanderley foi o primeiro a sentir os efeitos, chegar em casa por volta das 11:30, ainda rindo das piadas.


Mas pouco depois da meia-noite acordou com uma dor lancinante no estômago. Gritou por socorro. Sua esposa mandou chamar o médico, mas antes que chegasse, o coronel começou a vomitar sangue. Convulsões violentas sacudiram seu corpo. Morreu às 12:50 da madrugada. O coronel Francisco Albuquerque teve uma agonia similar.
Morreu em sua fazenda às 1:15. Um por um em suas respectivas casas. Os outros coronéis começaram a sentir os efeitos. O coronel Manuel Rego Barros morreu às 1:30. O coronel Luís Carneiro faleceu às 2 horas. Até às 3 da manhã, nove dos 11 convidados estavam mortos. No sobrado dos Cavalcante, o coronel Joaquim Cavalcante acordou com dores terríveis por volta da uma hora.
Sua esposa, dona Mariana, acordou com seus gemidos. Joaquim, o que foi? Ele mal conseguia falar. As dores eram tão intensas que o faziam dobrar-se. Começou a vomitar violentamente e dona Mariana gritou por socorro. Chama o médico ordenou. Feliciana saiu correndo supostamente para buscar o médico que morava a duas légoas. Mas seus passos eram lentos.
Ela sabia que não havia nada que médico algum pudesse fazer. Quando voltou com o médico, quase uma hora depois, o coronel Joaquim estava morto. Havia falecido às 2:30, depois de 1 hora e meia de agonia. O Dr. Teodoro Silva examinou o corpo, mas não conseguiu determinar a causa. “Parece algum tipo de envenenamento”, murmurou, “mas não consigo identificar a fonte. Dona Mariana estava inconsolável.
Como pode ser? Ele jantou aqui em casa com todos nós. Enquanto o caos tomava conta do sobrado, mensageiros começaram a chegar trazendo notícias terríveis. O coronel Vanderlei havia morrido, o coronel Albuquerque também e o coronel Reg Barros. As notícias continuaram chegando. 11 homens que haviam participado do jantar estavam mortos.
Apenas o coronel José Tavares, que morava mais longe e havia deixado o jantar mais cedo, sobreviveu, mas ficou gravemente doente por semanas. A província de Pernambuco acordou no dia 15 de dezembro em estado de choque total. As autoridades foram chamadas imediatamente. O delegado de Recife chegou ao Sobrado na tarde do dia 15.
Interrogaram todos os presentes, examinaram a cozinha, vasculharam cada canto em busca de pistas. Feliciana foi interrogada junto com os outros escravos. Ela respondeu a todas as perguntas com calma. Sim, havia preparado toda a comida. Não, nada de incomum havia acontecido. Sim, ela mesma havia provado todos os pratos antes de servir.
Não, não havia notado nada de estranho. Sua história era corroborada pelos outros escravos. Todos confirmaram que o jantar transcorrera normalmente, que nada de suspeito acontecera. O médico legista confirmou que todos haviam morrido de causas similares, provavelmente envenenamento, mas não conseguiu identificar o veneno específico.
Em 1873, a toxicologia era primitiva no Brasil e não havia laboratórios capazes de detectar venenos naturais de plantas. A investigação durou semanas. Dezenas de pessoas foram interrogadas. Todas as comidas e bebidas foram analisadas, mas como Feliciana havia descartado todos os restos, não havia nada para examinar.
Os investigadores ficaram perplexos. Como era possível que 11 homens tivessem sido envenenados sem que houvesse evidência física do veneno? Algumas teorias foram propostas. Talvez houvesse conspiração entre vários escravos. Talvez alguém tivesse envenenado as bebidas, talvez fosse sabotagem política, mas nenhuma teoria pode ser comprovada.
Não havia evidências, não havia testemunhas, não havia confissões. Sob tortura, vários escravos foram interrogados brutalmente, mas ninguém sabia de nada, porque realmente não havia conspiração coletiva. Feliciana havia trabalhado completamente sozinha. Depois de dois meses de investigações frustrantes, o caso foi arquivado como morte por causas desconhecidas.
As famílias dos coronéis falecidos ficaram arruinadas emocionalmente. A perda súbita de tantos patriarcas criou um vácuo de poder que levou anos para ser preenchido. Muitas fazendas entraram em declínio. O equilíbrio de poder na zona da mata mudou completamente, mas talvez o efeito mais significativo tenha sido o psicológico.
A elite escravocrata de Pernambuco foi abalada até os ossos. Se 11 dos homens mais poderosos podiam ser mortos em uma única noite sem que os responsáveis fossem identificados, então ninguém estava seguro. Muitos fazendeiros começaram a tratar seus escravos com mais cautela, especialmente aqueles que trabalhavam na casa. Alguns chegaram ao extremo de mandar buscar cozinheiros de outras províncias.
Outros passaram a exigir que escravos provassem toda a comida antes de ser servida. A festa de dezembro de 1873 tornou-se conhecida como a ceia mortal e foi comentada por décadas. Histórias se multiplicaram sobre possíveis culpados e métodos usados. Nunca suspeitaram da verdade que uma única mulher movida pela dor da perda de seu filho, havia orquestrado tudo sozinha.
Feliciana continuou trabalhando no Sobrado por mais 3 anos. Em 1876, quando dona Mariana decidiu vender a fazenda e mudar-se para Recife, concedeu à Feliciana sua carta de liberdade. No dia 12 de maio de 1876, ela recebeu sua alforria. Tinha 41 anos e pela primeira vez era legalmente uma mulher livre. Não houve celebração.
Ela apenas pegou o documento e guardou-o junto ao corpo. Seus pensamentos voaram para Tomás e ela se perguntou onde ele estaria. Com a liberdade, veio também uma pequena quantia em dinheiro. Ela deixou a zona da mata e mudou-se para Recife, onde abriu um pequeno negócio vendendo comida nas ruas. Suas habilidades culinárias garantiram que rapidamente ganhasse clientela fiel.
Economizou cada vintém, guardando dinheiro com um propósito específico. Começou a fazer viagens regulares ao interior de Minas Gerais, seguindo qualquer pista que pudesse levá-la ao filho. Durante 5 anos, procurou incansavelmente. Gastou quase todo o dinheiro nessas viagens, mas nunca desistiu. Em 1881, 8 anos após a ceia mortal, encontrou uma pista concreta.


Um velho liberto em Sabará lembrava-se de um jovem que correspondia à descrição de Tomás. Ele havia trabalhado numa mina próxima, mas tinha morrido num desabamento em 1874. O homem mostrou a Feliciana o local onde o rapaz estava enterrado, uma sepultura sem nome, entre dezenas de outras. Feliciana ajoelhou-se diante daquela terra.
chorou pela primeira vez desde aquele dia em 1865, quando Tomás fora arrancado de seus braços. “Meu filho”, sussurrou ela. “Vinguei você, vinguei todos nós.” 11 homens pagaram pelo que fizeram. Não sei se isso faz diferença agora, mas eu precisava que você soubesse que sua mãe não aceitou calada. voltou para Recife transformada. A certeza de que ele estava morto pesava como pedra, mas havia também uma sensação estranha de conclusão.
Continuou vendendo comida, mas agora com propósito diferente. Começou a usar parte de seus ganhos para ajudar outros ex-escravos. Oferecia refeições gratuitas para crianças abandonadas. Ensinava outras mulheres a cozinhar. Nunca contou a ninguém sobre a ceia mortal. Nunca confessou seu papel. Levou seu segredo como peso silencioso.
Em 1888, quando a lei Áurea foi assinada, Feliciana tinha 53 anos. participou das celebrações nas ruas de Recife. Enquanto dançava com a multidão, seus pensamentos voltaram para aquela noite de dezembro de 1873. pensou nos 11 homens que havia matado e se perguntou se suas ações haviam contribuído para chegar aquele momento.
Feliciana viveu até 1903, morrendo aos 68 anos em sua pequena casa em Recife. Até o fim, manteve seu segredo. Na hora da morte, suas últimas palavras foram enigmáticas. Eu fiz o que precisava fazer. Não me arrependo. Que Deus e meus ancestrais me julguem. foi enterrada no cemitério de Santo Amaro.
Dezenas de pessoas compareceram ao funeral, todas ex-escravas ou descendentes que ela havia ajudado. Contaram histórias sobre sua generosidade, sua sabedoria, mas a história mais importante permaneceu não contada, enterrada com ela. A verdade sobre a ceia mortal só começou a emergir décadas depois, através de fragmentos de conversas e pesquisas históricas.
que conectaram os pontos. Mesmo hoje não há provas definitivas, mas as evidências circunstanciais são poderosas demais para serem ignoradas. A história de Feliciana nos força a confrontar verdades desconfortáveis sobre nosso passado. Ela não era uma santa, matou 11 pessoas de forma calculada.
Não podemos romantizar suas ações. Cada morte deixou famílias destroçadas. Mas também não podemos ignorar o contexto. Num mundo onde todos os caminhos de justiça lhe eram negados, onde não havia leis que protegessem seu direito de ser mãe, ela criou sua própria justiça, usou as únicas armas que possuía.
O legado de Feliciana está no que essas mortes representaram. Ela provou que mesmo no sistema mais opressivo, ainda há formas de resistência. Que a história de Feliciana de Pernambuco continue ecoando, lembrando-nos que a justiça, mesmo quando negada pelos poderosos, encontra seus próprios caminhos. [Música]

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