Francisco: O Escravo Queimado Vivo em Praça Pública

Na manhã de 14 de agosto de 1876, a praça central de Paraíba do Sul, no interior do Rio de Janeiro, estava cheia de gente. Homens, mulheres e crianças se aglomeravam ao redor de uma pilha de lenha cuidadosamente arrumada no centro da praça. Não era dia de festa, não havia música ou comida sendo vendida. As pessoas estavam ali para assistir a algo que jamais esqueceriam.
No meio daquela lenha, amarrado a um poste de madeira grossa, estava um homem negro de 28 anos chamado Francisco. Em poucas horas, ele seria queimado vivo diante de centenas de testemunhas, em plena luz do dia, apenas 12 anos antes da lei Áurea abolir a escravidão no Brasil. Esta é a história de como um homem foi transformado em exemplo de terror e de como sua morte se tornou uma das armas mais poderosas do movimento abolicionista brasileiro.


Paraíba do Sul, em 1876, era uma das cidades mais prósperas do Vale do Paraíba. Suas fazendas de café produziam milhões de arrobas do grão que sustentava a economia imperial. A região era dominada por grandes proprietários rurais que ainda dependiam fortemente do trabalho escravo, mesmo com a lei do ventre livre, já em vigor desde 1871.
A cidade tinha aproximadamente 8.000 habitantes, dos quais quase 3.000 eram escravizados. As ruas de pedra testemunhavam diariamente o contraste brutal entre a riqueza dos barões do café e a miséria dos que produziam essa riqueza com suas próprias mãos. A fazenda Santa Cruz ficava a 7 km da cidade, às margens do rio Paraíba do Sul.
Era propriedade do Barão de Vassouras, título nobiliário concedido por Dom Pedro I a Joaquim Teixeira de Macedo, um fazendeiro de 56 anos que possuía mais de 300 escravos distribuídos em três fazendas. O Barão era conhecido na região por sua crueldade. Seus escravos trabalhavam das 5 da manhã até o pô do sol. Com apenas uma pausa para o almoço.
Os castigos físicos eram frequentes e severos. Qualquer desobediência, por menor que fosse, resultava em açoitamento no tronco que ficava instalado permanentemente ao lado da Casa Grande. Francisco nasceu na própria fazenda Santa Cruz em 1848, filho de Benedita e de um pai que ele nunca conheceu. Cresceu vendo sua mãe trabalhar nos cafezais até seus dedos sangrarem durante a colheita.
Aos 7 anos, começou a trabalhar como pagem na Casa Grande, servindo os filhos do Barão. Aos 12 foi transferido para os cafezais. Aos 15 já carregava sacos de 60 kg nas costas. Aos 20 era considerado um dos escravos mais fortes e produtivos da fazenda. Mas Francisco tinha algo que o barão não conseguia quebrar, uma inteligência aguçada e uma memória que guardava cada injustiça sofrida.
Em 1871, quando a lei do ventre livre foi promulgada, Francisco tinha 23 anos. A lei declarava livres todos os filhos de escravas nascidos a partir daquela data, mas não libertava os que já eram cativos. Para Francisco, aquilo foi uma revelação amarga. Seus futuros filhos nasceriam livres, mas ele provavelmente morreria escravo.
Foi nesse período que começou a participar de conversas secretas nas cenzalas. Outros escravos falavam sobre fugas, sobre quilombos nas montanhas, sobre a possibilidade de comprar alforrias. Francisco ouvia tudo, mas guardava suas próprias ideias para si mesmo. O que ninguém sabia é que Francisco havia aprendido a ler. Durante anos trabalhando na Casa Grande, quando ainda era pagem, ele observara as lições que o professor particular dava aos filhos do Barão.
Decorava as letras, os sons, as palavras. Nas noites, sozinho na cenzala, praticava escrevendo na terra com gravetos. Eventualmente conseguiu roubar alguns jornais velhos que eram jogados fora e passou a ler sobre o mundo além da fazenda. Foi assim que descobriu sobre o movimento abolicionista, sobre os debates no parlamento, sobre países que já haviam abolido a escravidão.
O ano de 1876 começou com mudanças na fazenda Santa Cruz. O Barão de Vassouras, com a saúde debilitada por problemas cardíacos, passou à administração diária da propriedade para seu filho mais velho, Rodrigo Teixeira de Macedo, um homem de 32 anos conhecido por ser ainda mais violento que o pai. Rodrigo havia estudado direito em São Paulo, mas abandonou os estudos para voltar e administrar os negócios da família.
Ele acreditava que a única forma de manter a produtividade dos escravos era através do medo absoluto. Foi sob a administração de Rodrigo que os castigos se intensificaram. Em março de 1876, um escravo chamado João foi açoitado até a morte por ter quebrado uma ferramenta durante o trabalho. Em abril, uma jovem escrava chamada Rosa foi marcada com ferro quente no rosto por ter tentado fugir.
Em maio, três crianças escravas foram separadas de suas mães e vendidas para um fazendeiro de Minas Gerais. Francisco assistia a tudo em silêncio, mas por dentro algo estava mudando. No dia 3 de junho de 1876, aconteceu o evento que mudaria tudo. Durante a colheita, Francisco estava trabalhando próximo ao feitor, um mulato livre chamado Amaro, que havia sido escravo e agora servia aos senhores com brutalidade, ainda maior que a deles.
Maru tinha o costume de açoitar os escravos no próprio cafezal, sem nem levá-los ao tronco, apenas por achar que estavam trabalhando devagar. Naquele dia, ele começou a açoitar Benedita, a mãe de Francisco, que aos 52 anos já não tinha mais a mesma força de antes. Francisco viu sua mãe cair de joelhos, implorando para que parassem.
Viu o chicote rasgar suas costas uma, duas, três vezes. Algo dentro dele quebrou. Sem pensar nas consequências, largou o cesto de café que carregava e se jogou sobre Amaro. Os dois rolaram pelo chão em luta violenta. Francisco, mais jovem e mais forte, conseguiu desarmar o feitor e pegou o chicote. Por um breve momento, teve o poder nas mãos, mas não usou o chicote, simplesmente o jogou longe e ajudou sua mãe a se levantar.
Esse ato de rebeldia custaria caro. Rodrigo foi informado imediatamente e ordenou que Francisco fosse levado ao tronco. Recebeu 50 chibatadas, o máximo permitido por lei sem autorização judicial. Mas para Rodrigo aquilo não era suficiente. Um escravo que ousava atacar um feitor precisava ser punido de forma exemplar ou outros começariam a ter as mesmas ideias.
Durante os dias seguintes, enquanto Francisco se recuperava dos ferimentos na cenzala, Rodrigo planejava algo mais severo. Foi então que Benedita tomou uma decisão desesperada. Ela conhecia plantas. Durante toda a vida havia trabalhado não apenas nos cafezais, mas também na horta da Casa Grande, cultivando ervas medicinais e temperos.


Conhecia as que curavam e as que matavam. Em sua mente atormentada, havia apenas uma forma de proteger seu filho de mais sofrimento, eliminar a fonte do mal. Na noite de 18 de junho, ela colheu folhas de comigo ninguém pode e sementes de mamona. Preparou um chá forte e, aproveitando um momento em que servia o jantar, derramou o líquido na sopa do barão.
O que Benedita não sabia é que ela foi vista. Uma mucama chamada Joana, que tinha ciúmes de Benedita por ela ter mais privilégios na casa grande, observou tudo de longe. Esperou até o dia seguinte, quando o barão começou a passar mal com fortes dores abdominais, e então contou tudo a Rodrigo. O médico foi chamado às pressas e o barão, embora gravemente enfermo, sobreviveu.
Mas a acusação de tentativa de envenenamento já estava feita. Rodrigo ordenou que Benedita fosse presa imediatamente. Ela confessou sob tortura, mas quando perguntaram quem havia dado a ideia, ela mentiu. Disse que Francisco planejara tudo, que ele conhecia plantas venenosas, que ele havia preparado o veneno e ordenado que ela o colocasse na comida do barão.
Benedita fez isso para proteger o filho de forma trágica e equivocada. Pensou que sendo mulher e mais velha, receberia castigo menos severo. Não imaginava o que Rodrigo tinha em mente. Francisco foi preso na madrugada de 20 de junho. Negou tudo, gritou que não sabia de nada, que nunca tentaria envenenar ninguém, que sua mãe estava mentindo para protegê-lo de algo que ela mesma havia feito.
Mas suas palavras não importavam. Rodrigo já havia decidido seu destino. Benedita seria vendida para uma fazenda no interior de São Paulo, separada do filho para sempre. Francisco seria usado como exemplo. O que aconteceu nos dias seguintes revelou a podridão do sistema escravista brasileiro. Rodrigo não levou o caso às autoridades judiciais de Paraíba do Sul.
sabia que mesmo em 1876 havia delegados e juízes que poderiam questionar suas ações, especialmente com o movimento abolicionista ganhando força. Em vez disso, convocou uma reunião privada com outros fazendeiros da região. Juntos, decidiram que Francisco seria executado publicamente como forma de aterrorizar todos os escravos da área e desencorajar qualquer pensamento de rebelião.
A execução seria por queima. Era um método ilegal, bárbaro, que não era usado oficialmente no Brasil há décadas. Mas Rodrigo argumentou que era necessário. Um enforcamento seria rápido demais. Um açoitamento até a morte, embora brutal, era comum demais. Mas queimar um homem vivo em praça pública na frente de toda a cidade, isso sim criaria o terror necessário para manter a ordem.
Durante três semanas, Francisco ficou preso em um pequeno cômodo nos fundos da casa grande. Recebia apenas água e um pouco de farinha por dia. Sua mãe foi vendida e levada embora sem que ele pudesse se despedir. Ele sabia que ia morrer. A única questão era como suportar o que estava por vir. Nas noites rezava.
Durante o dia, tentava manter a sanidade mental. Alguns escravos da fazenda conseguiam passar perto da janela do cômodo onde ele estava preso e sussurravam palavras de encorajamento: “Seja forte, Francisco. Não dê a eles o prazer de ver você implorar”. No dia 13 de agosto de 1876, Francisco foi levado para a cidade. Colocado em uma carroça acorrentado, fez o percurso de 7 km entre a fazenda e Paraíba do Sul.
As pessoas saíam de suas casas para ver o condenado passar. Algumas crianças jogavam pedras, homens gritavam insultos, mulheres se benziam. Francisco manteve os olhos fixos à frente, recusando-se a mostrar medo. Na praça central, uma estrutura havia sido montada. Um poste de madeira grossa, de aproximadamente 3 m de altura, estava fincado no centro de uma plataforma circular.
Ao redor do poste, lenha havia sido cuidadosamente empilhada, formando uma pirâmide de madeira seca que chegava até a metade da altura do poste. Correntes de ferro pendiam do topo do poste, prontas para prender a vítima. A cena parecia saída da Idade Média, não do Brasil de 1876. Rodrigo Teixeira de Macedo estava presente, supervisionando pessoalmente os preparativos.
Ao seu lado, uma dúzia de outros fazendeiros e seus capatazes. O delegado de Paraíba do Sul, um homem chamado Augusto Ferreira, também estava lá, mas não para impedir o crime. Ele havia sido discretamente subornado para não interferir. O padre da cidade, padre Miguel, foi convidado a comparecer para oferecer os últimos sacramentos, mas se recusou, dizendo que não podia abençoar um assassinato.
Por volta das 2 horas da tarde, Francisco foi retirado da carroça. Suas mãos estavam acorrentadas às costas. Seus pés também estavam presos. Dois homens o carregaram até o poste e o amarraram com cordas grossas. Então, as correntes de ferro foram passadas ao redor de seu peito e pescoço, garantindo que ele não pudesse se mover.
Francisco ficou em pé, apoiado na plataforma de madeira, completamente imobilizado. A praça estava lotada. Estimativas posteriores sugerem que entre 500 e 700 pessoas estavam presentes. Alguns haviam vindo de fazendas vizinhas, outros eram moradores da cidade curiosos ou horrorizados. Muitos escravos foram forçados a assistir por seus senhores que queriam que vissem o destino de quem desobedecia.
Havia também algumas pessoas que vieram especificamente para documentar o evento, incluindo um correspondente do jornal abolicionista, o abolicionista do Rio de Janeiro. Rodrigo subiu em um pequeno palanque e fez um discurso. Este homem! Gritou ele apontando para Francisco. Tentou envenenar meu pai, o barão de vassouras.


Ele planejou friamente tirar a vida de um homem honrado, que sempre o tratou com generosidade. Esta é a gratidão dos escravos quando são tratados com brandura. Por isso, será punido da forma que merece, para que todos vejam o que acontece com aqueles que levantam a mão contra seus senhores. Francisco ouviu o discurso em silêncio.
Então, pela primeira vez desde que foi amarrado, ele falou. Sua voz era forte, clara, carregada de uma dignidade que contrastava com sua situação desesperadora. Eu não envenenei ninguém”, gritou ele. “Minha mãe agiu sozinha, desesperada pelo sofrimento que vocês causam. Mas mesmo se eu tivesse feito, teria sido justiça contra anos de crueldade.
Vocês podem queimar meu corpo, mas não podem queimar a verdade. A escravidão vai acabar. Pode ser amanhã, pode ser daqui a 10 anos, mas vai acabar. E quando isso acontecer, vocês vão ter que responder por tudo que fizeram. As palavras de Francisco causaram murmúrio na multidão. Alguns escravos presentes sentiram lágrimas escorrerem pelos rostos.
Alguns brancos abolicionistas balançaram a cabeça, horrorizados com o que estava prestes a acontecer. Mas Rodrigo apenas sorriu com crueldade. “Acendam”, ordenou ele. Dois homens se aproximaram com tochas acesas. Hesitaram por um momento, olhando para Francisco, depois para Rodrigo. “Eu disse para acender”, repetiu Rodrigo, sua voz agora ameaçadora.
Os homens obedeceram, colocaram as tochas em contato com a lenha em diferentes pontos ao redor da pirâmide. A madeira seca começou a pegar fogo imediatamente. O que aconteceu nos minutos seguintes foi descrito em detalhes horríveis por várias testemunhas. O correspondente de O abolicionista escreveu: “A chamas começaram a subir lentamente, lambendo a madeira com línguas alaranjadas.
Francisco manteve os olhos abertos, olhando diretamente para seus algozes. Não gritou, não implorou, apenas respirava profundamente, como se estivesse se preparando para mergulhar em água fria. Quando as chamas alcançaram seus pés, vi seu corpo se contrair, mas ainda assim ele não emitiu som.
Foi apenas quando o fogo começou a consumir suas pernas, que o primeiro grito escapou de seus lábios. Algumas pessoas na multidão começaram a chorar. Outras viraram o rosto, incapazes de continuar assistindo, mas muitas permaneceram observando com uma mistura de horror e fascínio mórbido. As crianças foram levadas embora por suas mães. Alguns homens vomitaram.
O cheiro de carne queimada começou a se espalhar pela praça. Francisco gritou: “O corpo humano não foi feito para suportar dor daquela magnitude sem reagir. Seus gritos euaram pela praça, um som gultural e primitivo que fez até os fazendeiros mais cruéis desviarem o olhar. Ele se contorcia contra as correntes, tentando instintivamente escapar do fogo, mas não havia escape.
O fogo consumia suas pernas, depois sua cintura, subindo inexoravelmente. Levou aproximadamente 20 minutos para Francisco morrer. 20 minutos de agonia inimaginável. Seus gritos diminuíram gradualmente à medida que a fumaça encheu seus pulmões. Seu corpo parou de se contorcer. As chamas consumiram completamente a parte inferior de seu corpo e começaram a alcançar seu peito.
Por fim, sua cabeça caiu para a frente e Francisco parou de se mover. Mas o fogo continuou queimando por mais uma hora, reduzindo seu corpo a cinzas e ossos carbonizados. A multidão começou a se dispersar lentamente, em silêncio. Não havia mais nada para ver. Rodrigo e os outros fazendeiros permaneceram até o fim.
garantindo que o espetáculo de terror fosse completo. Quando tudo acabou, as cinzas de Francisco foram deixadas ali na praça como advertência. O que Rodrigo Teixeira de Macedo não previu foi a reação que aquele ato geraria. O correspondente de O abolicionista escreveu um artigo detalhado sobre a execução que foi publicado três dias depois no Rio de Janeiro.
O artigo causou escândalo nacional. Outros jornais reproduziram a história. Abolicionistas como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e André Rebolsas usaram o caso de Francisco como exemplo da barbárie e do sistema escravista. “Como podemos nos considerar uma nação civilizada?”, escreveu Joaquim Nabuco. Quando permitimos que um homem seja queimado vivo em praça pública em pleno ano de 1876, a escravidão não é apenas imoral, é uma instituição que transforma seres humanos em monstros capazes de atos como este.
O imperador Dom Pedro I, que já tinha tendências abolicionistas, ficou furioso quando soube do caso. Ordenou uma investigação oficial. O delegado Augusto Ferreira foi demitido e processado por omissão. Rodrigo Teixeira de Macedo foi indiciado por homicídio, mas nunca foi preso.
Usando sua influência política e riqueza, conseguiu arrastar o processo por anos até que prescrevesse. Mas o dano à causa escravista já estava feito. O caso de Francisco se tornou um dos argumentos mais poderosos do movimento abolicionista. Imagens artísticas recriando a cena foram publicadas em jornais europeus, causando constrangimento internacional ao Brasil.
Diplomatas brasileiros em Paris e Londres foram questionados sobre como seu país permitia tais atrocidades. Na própria Paraíba do Sul, o clima mudou. Muitos fazendeiros que haviam apoiado a execução começaram a perceber que tinham cometido um erro político grave. O movimento abolicionista local ganhou força. Sociedades libertadoras foram fundadas.
Escravos começaram a fugir em números crescentes, sabendo que agora tinham mais apoio da população livre. A mãe de Francisco, Benedita, nunca soube o que aconteceu com seu filho. Foi vendida para uma fazenda no interior de São Paulo, onde morreu dois anos depois, ainda acreditando que sua mentira o havia salvado de um destino pior.
Outros escravos da fazenda Santa Cruz contaram a história de Francisco nas cenzalas por anos. Seu nome se tornou sinônimo de resistência e dignidade. Rodrigo Teixeira de Macedo viveu até 1889, um ano após a abolição. Sua fortuna já estava em declínio, destruída pela perda da mão de obra escrava e pela má administração. Morreu amargo e solitário, abandonado até por seus próprios filhos.
A fazenda Santa Cruz foi vendida para pagar dívidas e subdividida em pequenas propriedades. Em Paraíba do Sul, a praça onde Francisco foi executado passou por várias mudanças ao longo dos anos. A área foi reformada, novos monumentos foram construídos, mas os moradores mais velhos nunca esqueceram o que aconteceu ali.
Por décadas, alguns evitavam passar pelo local à noite, dizendo que ainda podiam ouvir gritos. Não foi até 1988, exatamente 100 anos após a abolição, que a prefeitura de Paraíba do Sul instalou uma pequena placa no local, reconhecendo que ali havia acontecido uma das últimas e mais brutais execuções públicas de um homem escravizado no Brasil.
A placa diz simplesmente em memória de Francisco, executado neste local em 1876. Que sua morte não seja esquecida para que tais atos jamais se repitam. A história de Francisco nos força a confrontar a realidade brutal da escravidão brasileira. Não foi apenas uma instituição econômica, foi um sistema de terror que desumanizava não apenas os escravizados, mas também os escravizadores.
Foi um crime contra a humanidade que deixou cicatrizes profundas em nossa sociedade. Cicatrizes que ainda não curaram completamente. Francisco morreu aos 28 anos, queimado vivo por homens que se consideravam civilizados, cristãos, honrados. Sua morte aconteceu apenas 12 anos antes da lei Áurea, provando que até os últimos momentos da escravidão, a brutalidade do sistema permaneceu inalterada.
Mas sua morte também contribuiu de forma trágica, para acelerar o fim daquele sistema. Cada pessoa que ouviu sobre o que aconteceu em Paraíba do Sul naquele agosto de 1876 teve que decidir de que lado da história queria estar. Hoje, mais de 140 anos depois, o nome de Francisco permanece como testemunho.
Testemunho da crueldade humana, mas também da dignidade que pode ser mantida mesmo nas circunstâncias mais horríveis. Francisco não implorou, não se rebaixou, enfrentou a morte, mantendo sua humanidade, algo que seus algozes haviam perdido há muito tempo. E nisso, de forma terrível e trágica, ele venceu. [Música]

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