👑Quando Eu Crescer, Vou Ser Sua Esposa, E Ele Riu Da Minha Promessa. Mas Aos 19 Anos, Algo Aconteceu

Quando Eu Crescer, Vou Ser Sua Esposa, E Ele Riu Da Minha Promessa. Mas Aos 19 Anos, Algo Aconteceu

Existem promessas que nascem na inocência de uma criança e morrem com o tempo. E existem aquelas que atravessam os anos como brasas sob cinzas, esperando o momento certo para se transformar em chamas. A minha foi desse segundo tipo. Eu tinha apenas anos quando olhei nos olhos dele e declarei que seria sua esposa. Ele era um duque.

Eu era apenas uma menina nascida liberta, filha de uma mulher que conheceu as correntes antes de conquistar a liberdade. Todos riram. Disseram que era fantasia de criança, que a distância entre nós era grande demais para ser transposta. Mas eu guardei aquelas palavras no peito, como quem guarda um segredo sagrado.

Dez anos se passaram. Minha família partiu daquela vila colonial e a vida me levou por caminhos que jamais imaginei. Mas a promessa permaneceu viva, pulsando dentro de mim. Aos 19 anos, voltei. Ele não me reconheceu de imediato. O homem diante de mim já não era o mesmo, endurecido pela solidão e pelas marcas de um passado doloroso. Mas eu estava determinada a provar que algumas promessas de infância são fortes demais para serem esquecidas.

[O texto a seguir foi adaptado para a voz de um jornalista, conforme solicitado]

Jornalista: Agora, vamos juntos descobrir o que aconteceu quando a jovem Isabela voltou para cumprir sua promessa de infância.

Era o ano de 1843 e a vila de São Vicente do Sul respirava o aroma de café torrado e cana moída, enquanto o sol da primavera aquecia as pedras portuguesas da praça principal. Eu tinha anos. Os pés descalços acostumados com a terra quente, meu vestido simples de algodão cru, manchado de poeira vermelha.

Minha mãe, Helena, segurava minha mão com força enquanto atravessávamos a rua em direção ao armazém do Senhor Tavares. Mamãe tinha apenas 28 anos, mas parecia carregar o peso de duas vidas. Seus olhos escuros guardavam memórias que ela raramente compartilhava comigo, cicatrizes invisíveis de um tempo em que não era dona de si mesma.

Ela nascera escrava na fazenda dos Albuquerque. Mas o antigo Senhor, em seu leito de morte, concedera a alforria a ela e a três outras mulheres. Eu nasci seis meses depois, já livre, já com um futuro que minha mãe jamais ousara sonhar para si mesma. Naquele dia, a vila fervilhava. Era dia de feira e os tropeiros vinham de longe, trazendo mercadorias, novidades, histórias de outras terras.

Foi então que o vi pela primeira vez: Dom Rafael de Bragança e Melo, o duque de Santarém. Ele descia de uma carruagem negra ornamentada com brasões dourados, tão imponente que parecia sugar toda a luz ao redor. Tinha 30 anos, talvez 32. A pele clara queimada pelo sol dos trópicos, cabelos escuros ligeiramente ondulados, ombros largos sob o paletó de linho fino.

Mas não foi sua beleza que me prendeu, foi algo nos seus olhos. Uma tristeza profunda, antiga, como se carregasse um luto que nunca terminara de chorar. Soltei a mão da minha mãe e corri até ele. Não sei o que me possuiu. Não sei de onde veio aquela coragem absurda. Parei bem na frente dele, tão pequena que mal chegava à altura de sua cintura, o pescoço esticado até doer, e soltei sem hesitar:

— Quando eu crescer, vou ser sua esposa.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. As mulheres na feira pararam de examinar os tecidos. Os homens interromperam suas negociações, até os cavalos pareceram congelar no lugar. Então veio a risada, primeiro tímida, depois crescendo como uma onda. O Senhor Tavares gargalhou batendo na coxa. As lavadeiras cobriram a boca, tentando conter o riso.

Até minha mãe ficou mortificada, o rosto corado de vergonha, mas o duque não riu. Ele se abaixou devagar, equilibrando-se sobre os calcanhares, até que seus olhos ficaram na mesma altura dos meus. De perto, eu via as marcas finas ao redor de sua boca, o cansaço que ele tentava esconder, a solidão que emanava dele como um perfume amargo.

— Pequena senhora — disse ele com voz grave e gentil. — Essas são palavras pesadas para uma criança tão jovem. Você sabe o que está prometendo?

— Eu sei — respondi firme, o coração batendo tão forte que pensei que todos pudessem ouvir. — O senhor está triste. Eu vejo. Quando eu crescer, vou fazer o Senhor sorrir de verdade.

Algo mudou em seu rosto. A dureza se suavizou por um instante, como gelo começando a derreter sob o sol. Ele estendeu a mão e tocou levemente meu rosto, um gesto paternal, quase melancólico.

— Guarde bem essa promessa, então — disse ele baixinho — porque promessas feitas com o coração puro têm um poder que você ainda não compreende.

Então ele se levantou, ajeitou o paletó e entrou no armazém.

Minha mãe me puxou pelo braço, o rosto uma mistura de raiva e medo.

— Isabela, o que deu em você? Aquele homem é um duque. Somos gente simples. Você não pode falar assim.

Mas eu não me arrependi. Naquela noite, deitada na esteira ao lado de minha mãe, em nosso quartinho nos fundos da casa da Senhora Mariana, onde ela trabalhava como costureira, sussurrei no escuro:

— Mamãe, por que o duque é tão triste?

Ela suspirou longa e profundamente.

— Dizem que ele perdeu a esposa há cinco anos. Ela morreu no parto e o bebê também. Desde então, Dom Rafael se fechou para o mundo. Veio para o Brasil tentar esquecer, administrar as terras que herdou aqui, mas a tristeza o acompanha como uma sombra.

— Vou fazê-lo feliz de novo — afirmei com a certeza absoluta que só uma criança pode ter — quando eu crescer.

Minha mãe acariciou meu cabelo crespo, a voz suave, mas preocupada.

— Filha, o mundo não funciona assim. Entre você e ele existe um abismo que nem todo o amor do mundo pode atravessar. Ele é nobre. Você é…

— Somos. Somos livres — interrompi. — A senhora sempre diz que ser livre é o maior tesouro.

Ela não respondeu, mas naquela noite, antes de dormir, a ouvi chorar baixinho, um choro silencioso que não queria que eu escutasse.

Três semanas depois, a vida mudou completamente. Minha mãe recebeu uma proposta de trabalho em Salvador, na casa de uma família abastada, que precisava de uma costureira habilidosa. O pagamento seria três vezes maior que o que ela ganhava ali. Era uma oportunidade que não podíamos recusar.

No dia da partida, procurei o duque por toda a vila. Finalmente o encontrei saindo da igreja, o rosto sombrio, como sempre. Corri até ele ofegante.

— Estamos indo embora! — Gritei. — Mas eu volto. Eu prometo que volto.

Ele me olhou com aqueles olhos tristes e assentiu devagar.

— Então espero por você, pequena Isabela.

E pela primeira vez, vi um fantasma de sorriso em seus lábios. A carroça partiu levantando poeira vermelha. Olhei para trás até que a vila desaparecesse completamente no horizonte. A promessa queimava em meu peito como brasa viva. Eu não sabia que levaria dez longos anos para voltar, nem imaginava as reviravoltas que o destino preparava para nós dois.

Salvador me engoliu como um turbilhão. A cidade era enorme, barulhenta, cheia de gente de todas as cores e línguas. Minha mãe trabalhou dia e noite na casa dos senhores Almeida, costurando vestidos elaborados para as filhas da família, enquanto eu frequentava as aulas que a Senhora Almeida, mulher de coração generoso, insistiu que eu tivesse. Aprendi a ler, escrever, fazer contas, bordar, tocar piano. A senhora dizia que uma menina livre precisava de educação para conquistar seu lugar no mundo.

Mesmo enquanto meus dedos dançavam sobre as teclas de marfim, mesmo enquanto bordava rosas em linho branco, meu coração permanecia em São Vicente do Sul. Todas as noites, antes de dormir, sussurrava a mesma promessa.

— Quando eu crescer, vou ser sua esposa.

As palavras se tornaram minha oração, minha bússola, minha razão de continuar.

Os anos passaram como folhas levadas pelo vento. Aos 13, meu corpo começou a mudar, ganhando curvas que antes não existiam. Aos 15, os rapazes da vizinhança começaram a me olhar diferente, mas eu desviava os olhos de todos. Meu coração já tinha dono, mesmo que ele não soubesse.

Aos 17, minha mãe adoeceu. Foi uma febre súbita que a consumiu em apenas três semanas. Segurei sua mão até o último suspiro, as lágrimas molhando o lençol branco. Antes de partir, ela sussurrou fraca:

— Isabela, minha filha, você é livre. Não se prenda a sonhos impossíveis. Viva sua vida.

Mas eu apenas apertei sua mão e chorei, porque sabia que não conseguiria seguir esse conselho. A Senhora Almeida me acolheu como filha depois da morte de mamãe. Ofereceu que eu continuasse na casa trabalhando como dama de companhia de suas filhas. O pagamento era justo, a vida confortável. Mas aos 19 anos, quando recebi a pequena herança que minha mãe havia guardado durante todos aqueles anos de trabalho árduo, soube que era hora. Era hora de voltar. Era hora de cumprir a promessa.

A viagem de volta levou duas semanas. Cada milha me aproximava dele e meu coração batia mais forte. Será que ele ainda estava lá? Será que se lembraria de mim? Será que ainda havia espaço em seu coração para algo além da tristeza? As perguntas me atormentavam durante as noites na estalagem, mas nunca pensei em desistir.

Quando finalmente avistei São Vicente do Sul, no horizonte, quase não a reconheci. A vila havia crescido, novas casas, novas ruas, novos rostos, mas a praça principal permanecia a mesma, com suas pedras portuguesas e seu armazém. Desci da carruagem com minha mala simples, o vestido azul-escuro que a Senhora Almeida me dera como presente de despedida, o cabelo preso em um coque elegante. Eu não era mais uma menina descalça, de pés sujos, era uma mulher.

— Onde fica a propriedade do duque de Santarém? — Perguntei ao condutor da carruagem.

Ele me olhou surpreso.

— Siga aquela estrada por três milhas. Vai ver o casarão no alto da colina. Mas, senhorita — hesitou —, o duque não recebe visitas. Vive isolado há anos. Dizem que enlouqueceu de solidão.

Meu coração apertou, mas agradeci e comecei a caminhar.

A estrada de terra subia gradualmente, ladeada por árvores frondosas. O sol da tarde pintava tudo de dourado. Foi quando ouvi o galope. Um cavalo negro surgia no caminho e, sobre ele, uma figura que reconheci instantaneamente, mesmo depois de dez anos. Dom Rafael de Bragança e Melo puxou as rédeas bruscamente ao me ver. O cavalo relinchou, as patas dianteiras erguendo-se no ar.

Ele estava diferente, mais velho, obviamente. A barba agora cobrindo parte do rosto, os cabelos mais longos, ligeiramente grisalhos nas têmporas, mas eram os olhos que mais haviam mudado. A tristeza de antes havia se transformado em algo mais sombrio. Desespero, solidão absoluta.

— Quem é você? — Sua voz saiu rouca, desconfiada. — O que faz em minhas terras?

Respirei fundo, juntando toda a coragem que possuía.

— Sou Isabela, Dom Rafael. Isabela Santos. Voltei para cumprir minha promessa.

Ele franziu o cenho confuso.

— Que promessa? Não a conheço, senhorita.

Minhas pernas tremeram, mas não recuei.

— Há dez anos, eu era uma menina de nove anos que parou o senhor na praça e disse que seria sua esposa quando crescesse. O Senhor me pediu para guardar a promessa, e eu guardei.

Vi o momento exato em que a memória o atingiu. Seus olhos se arregalaram. A mandíbula caiu ligeiramente. Ele desceu do cavalo de um salto, os passos largos comendo a distância entre nós. Parou a poucos centímetros de mim, estudando meu rosto como quem procura vestígios de uma vida passada.

— A menina descalça — sussurrou incrédulo. — Você voltou.

— Eu disse que voltaria.

Algo passou por seu rosto, uma emoção que não consegui decifrar. Então ele deu um passo atrás, a expressão endurecendo novamente.

— Você não deveria ter voltado. Aquela era a promessa tola de uma criança. Eu não sou o homem que você idealizou, sou um casco vazio, Senhorita Isabela. Volte para de onde veio antes que se arrependa.

Virei-me para partir, mas suas palavras me alcançaram.

— Não foi só seu corpo que cresceu, mas sua determinação.

Girei nos calcanhares e o enfrentei.

— Não sou mais uma criança, Dom Rafael. Sei exatamente o que estou fazendo. Vi a tristeza em seus olhos naquele dia e a vejo ainda agora, só que mais profunda. Voltei porque algumas promessas não morrem com o tempo. Elas apenas esperam o momento certo para florescer.

Ele me observou em silêncio, a respiração pesada.

— Você não sabe nada sobre mim, sobre o que me tornei.

— Então me mostre — desafiei. — Deixe-me conhecer o homem que está diante de mim agora, não a memória de dez anos atrás.

Por um longo momento, pensei que ele me mandaria embora. Mas então, com um suspiro derrotado, pegou as rédeas do cavalo.

— Venha, mas não diga que não a avisei. O que você vai encontrar naquela casa não é um conto de fadas.

Seguimos em silêncio pela estrada. Quando o casarão surgiu no alto da colina, gelei. Era uma construção imponente de estilo colonial, com varandas amplas e jardins que um dia devem ter sido magníficos. Mas agora tudo estava abandonado. As trepadeiras cobriam as paredes, os jardins estavam selvagens, as venezianas fechadas. Parecia uma casa assombrada por fantasmas.

— Bem-vinda ao meu inferno particular — disse ele amargo, empurrando o portão enferrujado.

Eu não sabia ainda, mas aquele era apenas o começo. O que descobriria dentro daquelas paredes mudaria tudo.

O interior do casarão era ainda mais desolador que o exterior. Móveis cobertos por lençóis brancos pareciam fantasmas congelados no tempo. Retratos nas paredes mostravam rostos sorridentes de uma época mais feliz. Parei diante de uma pintura grande na sala principal. Uma mulher loira, de olhos azuis, vestido branco, sorriso radiante. Ao seu lado, um Rafael mais jovem, os olhos ainda brilhando com esperança.

— Catarina — disse ele atrás de mim, a voz carregada de dor. — Minha esposa morreu há 14 anos, trazendo ao mundo nosso filho. Ele também não sobreviveu.

— Sinto muito — sussurrei sincera, tocando levemente a moldura dourada.

— Não sinta — respondeu ele amargo, servindo-se de uma dose generosa de conhaque. — A dor é minha companheira fiel. Não preciso de piedade, senhorita Isabela. Preciso que entenda que não há espaço nesta casa, neste coração, para mais nada além de lembranças mortas.

— Então, por que me deixou entrar? — perguntei virando para encará-lo.

Ele bebeu o conhaque de um só gole, os olhos evitando os meus.

— Porque parte de mim, uma parte tola e ingênua, que pensei ter morrido há muito tempo, quer acreditar que ainda existe salvação. Mas isso é mentira. Eu a decepcionarei, Isabela. É o que faço melhor.

Foi quando ouvimos o barulho de cascos e vozes do lado de fora. Rafael franziu o cenho e caminhou até a varanda. Eu o segui. Uma carruagem elegante havia parado em frente ao casarão e dela descia uma mulher deslumbrante, cabelos ruivos presos em um penteado elaborado, vestido verde-esmeralda que custava mais do que eu ganharia em um ano, postura aristocrática.

— Maldição! — Rafael murmurou entre dentes.

A mulher subiu os degraus com graça felina, os olhos verdes fixos em Rafael, com uma intensidade que me fez gelar.

— Rafael querido. — Sua voz era melodiosa, calculada. — Faz semanas que não aparece para o chá na fazenda. Papai está preocupado. Vim verificar se está bem.

Foi só então que ela me notou. Seus olhos me varreram da cabeça aos pés, uma avaliação fria e cruel.

— E quem é esta criatura?

— Senhora Valéria Monteiro — Rafael disse tenso. — Esta é a senhorita Isabela Santos. Isabela, a Senhora Monteiro é filha do Barão de Ipiranga, nosso vizinho.

Valéria sorriu, mas não havia calor naquele sorriso.

— Santos, que nome interessante. E de onde vem, querida? Sua pele, seu cabelo, certamente não é de família tradicional.

Senti o sangue ferver, mas mantive a compostura.

— Sou filha de uma mulher livre e forte, Senhora Monteiro, e isso é tudo que precisa saber sobre mim.

Os olhos de Valéria brilharam perigosos.

— Rafael — ela disse, ignorando-me completamente. — Precisamos conversar. Em particular.

Rafael hesitou, o olhar indo de mim para ela.

— Isabela, pode nos dar licença?

Saí da sala, mas não fui longe. Fiquei no corredor, onde as vozes chegavam abafadas, mas compreensíveis.

— Você realmente vai deixar essa… essa mulher ficar em sua casa? — A voz de Valéria estava carregada de veneno. — Sabe o que as pessoas vão dizer? Um duque morando sob o mesmo teto que uma mulher de origem duvidosa. Isso é escândalo.

— Isabela é minha convidada — a voz de Rafael saiu firme. — E não devo satisfações à sociedade, nem a você, Valéria.

Ouvi o som de passos rápidos.

— Oh, Rafael. — A voz de Valéria ficou melosa, sedutora. — Você sabe que sempre estive aqui para você. Desde que Catarina partiu, esperei pacientemente que percebesse que podemos ser felizes juntos. Sou da sua classe, entendo o seu mundo. Aquela menina, ela nunca vai pertencer ao seu universo.

Houve um silêncio longo. Meu coração batia forte, as mãos suadas. Então a voz de Rafael baixa e cansada.

— Valéria, você é uma mulher bonita e inteligente, mas não a amo. Nunca amei. E forçar um casamento por conveniência social seria uma prisão para nós dois.

— Um casamento comigo seria uma prisão? — Ela gritou, a compostura finalmente rachando. — Mas essa… essa intrusa que apareceu do nada é aceitável? Você enlouqueceu, Rafael.

— Talvez tenha — ele respondeu. — Mas é minha loucura, não sua.

Escutei o som de uma bofetada. Depois, passos furiosos. Valéria passou por mim como um furacão, os olhos verdes queimando de ódio.

— Isso não vai ficar assim — disse ela baixo. Só para mim. — Você não sabe com quem está mexendo, sua insolente.

A porta bateu com força. Rafael apareceu no corredor, a marca vermelha da mão na face. Nossos olhos se encontraram.

— Desculpe que tenha ouvido isso — disse ele cansado.

— Ela o ama? — Perguntei, a voz mais trêmula do que gostaria.

Ele deu um riso sem humor.

— Valéria ama títulos e poder. Eu sou apenas um meio para conseguir o que quer.

Aproximou-se de mim e, pela primeira vez desde que nos reencontramos, tocou meu rosto com suavidade.

— Você, Isabela, você me olha como se eu ainda fosse digno de ser visto, como se ainda houvesse algo aqui dentro que valesse a pena salvar.

— Eu vejo — sussurrei, cobrindo sua mão com a minha. — Eu vejo.

Aquela noite jantamos juntos pela primeira vez. Rafael mandou preparar a sala de jantar, tirando os lençóis dos móveis, acendendo velas. Foi uma refeição simples, mas cada prato tinha significado. Ele tentava, percebi, tentava emergir da escuridão. Enquanto comíamos, perguntei sobre sua vida nos últimos anos. Ele contou sobre as plantações, os cavalos, as terras, mas sempre voltava para a solidão, para o vazio.

Foi quando revelou algo que me gelou.

— Três anos atrás, pensei em terminar tudo. Tinha uma arma carregada, uma carta escrita, mas não tive coragem. Ou talvez tenha tido covardia demais.

Lágrimas queimaram meus olhos.

— E o que o impediu?

Ele olhou para mim, os olhos brilhando na luz das velas.

— Uma lembrança. Uma menina pequena com coragem de gigante prometendo que voltaria. Pareceu-me injusto partir antes de saber se ela cumpriria a palavra.

— Eu cumpri — disse firme. — E não vou deixar você desistir agora.

Ele segurou minha mão sobre a mesa.

— Isabela, você ainda tem tempo de fugir, de encontrar um homem inteiro. Não, esses pedaços quebrados.

— Não quero outro homem — respondi. — Quero você. Quebrado, inteiro, como for.

Naquela noite dormi no quarto de hóspedes, mas mal fechei os olhos. Do lado de fora, ouvi o som de cavalos. Corri para a janela e vi sombras se movendo no jardim, tochas acesas. Meu sangue gelou. Valéria não tinha aceitado a derrota e o que estava por vir seria muito pior do que imaginávamos.

Acordei Rafael, sacudindo seu ombro. Ele saltou da cama, ainda meio adormecido, pegando a arma que mantinha na mesinha de cabeceira. Descemos juntos às escadas, o coração disparado. Quando abrimos a porta, encontramos não invasores, mas uma comitiva oficial. À frente, o Barão de Ipiranga, pai de Valéria, ladeado por dois soldados e um homem de batina preta que reconheci como o juiz da comarca.

— Dom Rafael — a voz do Barão ecoou autoritária. — Vim em nome da lei e da decência. Esta mulher — apontou para mim com desprezo — está residindo em sua casa sem os devidos trâmites legais. Isso constitui escândalo público e ofensa aos bons costumes. Exijo que a expulse imediatamente ou enfrentará consequências legais.

Rafael deu um passo à frente, colocando-se entre mim e os homens.

— Com todo respeito, Barão, esta é minha propriedade. Tenho direito de receber quem eu quiser.

O juiz pigarreou, tirando um documento do bolso.

— Na verdade, Duque, a situação é mais complicada. Recebemos uma petição formal alegando que o senhor não está em plenas faculdades mentais. Há relatos de comportamento errático, isolamento extremo, negligência com as propriedades. Se comprovado, um curador poderá ser nomeado para administrar seus bens.

Senti Rafael esmorecer ao meu lado. Era uma armadilha perfeita. Valéria e seu pai haviam arquitetado tudo. Se Rafael fosse declarado incapaz, perderiam tudo e o Barão certamente seria nomeado curador.

Foi quando uma carruagem surgiu na estrada. Dela desceu um homem idoso de barba branca, elegantemente vestido, seguido por um jovem carregando uma maleta de couro. O homem idoso subiu os degraus com autoridade, os olhos percorrendo a cena com interesse.

— Interrompendo alguma coisa importante? — Sua voz tinha um sotaque português carregado.

— Quem é o senhor? — O Barão exigiu irritado.

O homem sorriu.

— Meu nome é Augusto Mendes da Silva, advogado vindo direto de Lisboa. E vim a pedido de meu cliente, o Visconde de Santarém, tio de Dom Rafael.

Rafael piscou surpreso.

— Meu tio, mas ele nunca…

— Seu tio esteve acompanhando sua situação de longe, jovem — o advogado interrompeu — e tomou conhecimento de certas irregularidades nas terras que fazem divisa com as propriedades do Barão de Ipiranga. Virei-me para o jovem assistente. Os documentos, por favor.

O assistente abriu a maleta e entregou papéis ao advogado, que os mostrou ao juiz.

— Verá, Vossa Excelência, que há registros comprovando que três alqueires de terra, atualmente ocupados pela fazenda do Barão, pertencem, na verdade, ao Ducado de Santarém. Houve uma apropriação indevida há cerca de cinco anos.

O rosto do Barão empalideceu.

— Isso é absurdo. Essas terras são minhas por direito de posse.

— O direito de posse não se sobrepõe ao título de propriedade registrado — o advogado retrucou calmamente. — E há mais.

Ele virou-se para mim, os olhos gentis.

— A senhorita é Isabela Santos, filha de Helena Santos?

Assenti confusa.

— Sim, senhor.

Ele sorriu.

— Sua mãe foi uma mulher extraordinária. Antes de falecer, ela me procurou em Salvador e me contratou para uma tarefa muito específica: investigar sua linhagem.

Ele tirou outro documento da maleta.

— Helena Santos era filha ilegítima do Comendador Antônio Rodrigues da Costa. Ele nunca a reconheceu publicamente, mas em seu testamento deixou uma quantia considerável para ela. Com juros acumulados ao longo dos anos, a herança totaliza uma soma que a torna uma mulher de posses consideráveis, Senhorita Isabela.

Minha boca se abriu em choque.

— Eu… eu tenho uma herança substancial.

O advogado confirmou.

— Sua mãe queria que você soubesse quando chegasse à maioridade e também me pediu que velasse por você caso decidisse voltar a São Vicente do Sul. Foi assim que soube que estava aqui.

Valéria, que havia descido da carruagem e assistia a tudo com fúria crescente, não se conteve.

— Isso não muda nada. Ela ainda é uma…

— Cuidado com a próxima palavra, Senhora Monteiro — o advogado cortou-a gélido. — Calúnia é crime punível por lei. E se continuar difamando minha cliente, garanto que seu pai não terá apenas problemas de terra para resolver.

O Barão puxou a filha pelo braço.

— Vamos embora, Valéria. Isto não acabou, Dom Rafael. Voltaremos quando a justiça estiver do nosso lado.

Eles partiram em disparada, a poeira subindo atrás da carruagem. O juiz, visivelmente desconfortável, pediu desculpas formais e retirou-se também.

Ficamos ali, Rafael e eu, ainda processando tudo que havia acontecido. O advogado se aproximou de Rafael.

— Seu tio também me pediu que entregasse isto.

Estendeu uma carta selada. Rafael a abriu com mãos trêmulas e leu em silêncio. Quando terminou, havia lágrimas em seus olhos.

— O que diz? — perguntei suave.

Ele limpou os olhos, a voz embargada.

— Meu tio diz que ouviu falar da menina que prometeu ser minha esposa. Diz que qualquer criança com a coragem de fazer tal promessa e qualquer mulher com a coragem de cumpri-la merece ser tratada como a bênção que é. Ele nos dá sua bênção e nos convida para visitá-lo em Portugal quando quisermos.

Três meses depois, a pequena capela de São Vicente do Sul estava repleta. Eu, vestida com um vestido branco simples, mas elegante, pago com minha própria herança, caminhava em direção ao altar. Rafael me esperava ali, o rosto finalmente livre daquela tristeza antiga. Não era mais um homem assombrado por fantasmas, era um homem que havia encontrado razão para voltar a viver.

Quando o padre nos declarou marido e mulher, Rafael me beijou com ternura e os aplausos explodiram na capela. Lá fora, a vila inteira celebrava. Até mesmo aqueles que duvidaram agora sorriam. A promessa impossível de uma menina de nove anos havia se tornado realidade.

Naquela noite, na varanda do casarão, agora renovado, com flores nos jardins e vida em cada cômodo, Rafael me abraçou por trás enquanto olhávamos as estrelas.

— Você salvou minha vida, Isabela — Ele sussurrou em meu ouvido.

— Não foi só um homem que salvei — respondi. — Foi um coração. E o meu também foi salvo no processo.

E ali, sob o céu estrelado do Brasil colonial, entendi que algumas promessas não são feitas para serem quebradas, elas são feitas para transformar destinos.

Se você gostou desta história, deixe seu comentário abaixo. Eu adoro saber sua opinião sobre essas histórias de amor que atravessam o tempo.

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