O Barão que Abusava Das 5 Filhas Cada Madrugada… Até Que Uma Mucama…

Ninguém na fazenda São José do Araruna imaginava que aquela mucama silenciosa de apenas 26 anos guardava um segredo tão devastador que em apenas 3s meses destruiria completamente a reputação de uma das famílias mais poderosas do Vale do Paraíba.

Mas antes de entender como isso aconteceu, precisamos voltar àela madrugada de junho de 1879, quando Josefina acordou com um som que jamais esqueceria. Era por volta das 3 da manhã quando ela ouviu o ranger das tábuas do corredor da Casagrande. Josefina dormia num pequeno quarto nos fundos próximo à cozinha e já conhecia cada som daquela construção imensa de paredes brancas e janelas azuis.

Mas aquele rangeir era diferente, cauteloso, furtivo, como se alguém não quisesse ser ouvido. Ela levantou-se em silêncio, descalça, e aproximou-se da porta entreaberta de seu quarto. A lua, cheia de junho, entrava pelas frestas das venezianas, criando listras de luz prateada no chão de tábuas largas. Foi quando viu a silhueta do Barão Augusto de Araruna caminhando pelo corredor em direção aos quartos das filhas.

Ele usava apenas a camisa de dormir branca e carregava nas mãos uma lamparina de querosene que balançava levemente, projetando sombras dançantes nas paredes. Josefina sentiu o coração acelerar. Não era a primeira vez que via o patrão acordado naquele horário, mas havia algo de profundamente errado naquela cena.

O barão parou diante da porta do quarto de Amélia, sua filha mais velha de 17 anos, e girou a maçaneta devagar, muito devagar. Então entrou e fechou a porta atrás de si. A mucama permaneceu imóvel poros minutos, sem conseguir se mover, sem conseguir entender o que seus olhos acabavam de testemunhar.

Quando o Barão finalmente saiu do quarto de Amélia, quase meia hora depois, seu rosto estava vermelho e suas mãos tremiam ao segurar a lamparina. Ele caminhou até o quarto seguinte, o de Carolina, 15 anos, e repetiu todo o processo. Josefina precisou segurar a boca com as duas mãos para não gritar. Naquela fazenda de café do interior paulista, a família Araruna era considerada uma das mais respeitáveis da região.

O Barão Augusto havia herdado as terras do pai em 1865 e ao longo de 14 anos transformou a propriedade numa das mais prósperas produtoras de café do Vale do Paraíba. A fazenda tinha mais de 500 escravos trabalhando nos cafezais, uma casa grande de dois andares com 18 cômodos. Capela própria, Túha, Senzalas, Moinho e até uma pequena escola, onde as filhas do Barão aprendiam francês, música e boas maneiras com uma governanta vinda da Europa.

Ele era casado com dona Mariana, uma mulher franzina de 43 anos, que passava os dias bordando na varanda e recebendo visitas das outras baronesas da região. Juntos tinham cinco filhas: Amélia, Carolina, Isabel, Beatriz e a caçula Constança, de apenas 12 anos. Para quem via de fora, aquela era uma família abençoada.

O Barão frequentava a missa todos os domingos na igreja matriz de Lorena. Fazia doações generosas para obras de caridade e era sempre convidado para os saraus e bailes da sociedade local. Suas filhas eram conhecidas pela beleza, educação refinada e bons modos. Vestiam-se com tecidos importados da Europa, tocavam piano, falavam francês e bordavam como verdadeiras damas.

Eram consideradas os melhores partidos da região e já havia pretendentes de famílias importantes de São Paulo e Rio de Janeiro interessados em casamentos vantajosos. Mas Josefina agora sabia a verdade e aquela verdade queimava dentro dela como brasa viva. Ela havia chegado à fazenda 3 anos antes, em 1876, aos 23 anos de idade. Nascida escrava numa propriedade vizinha, filha de uma mucama e de um feitor português que nunca a reconheceu, fora vendida ao Barão quando seu antigo senhor morreu e a família precisou liquidar os bens para pagar dívidas. Na fazenda São José do Araruna, Josefina trabalhava como mucama

da Casagrande, servindo as refeições, cuidando das roupas das moças, ajudando dona Mariana em suas tarefas diárias e supervisionando as outras escravas domésticas. Nos primeiros anos, ela achava estranho o comportamento das filhas do Barão. Amélia, a mais velha, tinha olhar sempre baixo e raramente sorria.

Quando algum pretendente vinha visitá-la, ela inventava desculpas para não sair da sala onde a mãe estava presente. Carolina vivia trancada no quarto, alegando dores de cabeça constantes e tinha crises de choro que duravam horas. Isabel, de 14 anos, tinha pesadelos terríveis e acordava gritando no meio da noite.

Beatriz arrancava os próprios cabelos quando pensava que ninguém estava vendo, criando pequenas falhas na cabeça que tentava esconder com penteados elaborados. E a pequena Constança, que deveria ser uma criança alegre, passava horas sentada num canto da sala, abraçada a uma boneca de pano, balançando-se para a frente e para trás, cantarolando uma canção triste que ninguém sabia de onde tinha aprendido. Josefina sempre achou que aquilo tinha a ver com o temperamento severo do barão ou com alguma doença nervosa das moças.

Jamais imaginara a verdade horrível que se escondia por trás daquelas paredes brancas. Nas semanas seguintes àquela madrugada de junho, Josefina começou a prestar atenção em detalhes que antes passavam despercebidos. Notou que as meninas evitavam ficar a sós com o pai. Quando ele entrava numa sala, elas imediatamente procuravam a companhia da mãe ou da governanta.

Percebeu que dona Mariana tomava láudano todas as noites antes de dormir. Uma dose generosa que a governanta preparava religiosamente às 9 horas. Um hábito que a deixava profundamente sedada até o meio-dia seguinte. Observou que o barão sempre trancava a porta de seu escritório quando chamava alguma das filhas para uma conversa particular e que ele presenteava as meninas com joias e vestidos caros logo após aquelas conversas.

como se estivesse pagando por seu silêncio. Mais perturbador ainda era o fato de que as meninas nunca reclamavam desses presentes. Aceitavam-nos em silêncio, com os olhos vazios, e depois os guardavam sem nunca usá-los. Josefina encontrou várias joias caras escondidas no fundo de gavetas, ainda nas caixas originais, como se fossem objetos amaldiçoados que ninguém queria tocar.

Certa manhã de julho, enquanto trocava os lençóis do quarto de Carolina, Josefina encontrou manchas de sangue no colchão. Não era sangue menstrual. Ela conhecia bem a diferença. Aquilo era sangue fresco e havia também pequenas manchas no lençol, como se alguém tivesse chorado muito.

A menina estava sentada à janela, olhando para o cafezal ao longe. E quando percebeu que a Mucama havia visto, seus olhos se encheram de lágrimas que escorreram silenciosamente pelo rosto pálido. “Por favor, não conte para minha mãe”, sussurrou Carolina com a voz quebrada e rouca. “Ela não pode saber. Ela não suportaria.

 

Ele disse que se alguém souber, vai me mandar para um convento em Portugal, longe de tudo e de todos, e minhas irmãs ficarão sozinhas com ele. Sozinhas. Você entende? Foi naquele momento que Josefina entendeu a dimensão completa do horror. Aquelas meninas sabiam. Elas sabiam exatamente o que o pai fazia e viviam aprisionadas naquele pesadelo, protegendo umas à outras do único jeito que conheciam, mantendo silêncio absoluto, suportando o insuportável para que as irmãs não ficassem sozinhas com o monstro.

Josefina ajoelhou-se diante de Carolina e segurou suas mãos geladas. “Eu vou ajudar vocês”, disse com uma determinação que ela mesma não sabia de onde vinha. Eu prometo por tudo que é sagrado que vou acabar com isso. Vocês não precisam mais sofrer sozinhas. Carolina olhou para ela com uma mistura de esperança e descrença. Você é uma escrava, disse baixinho.

E ele é um barão. Ninguém vai acreditar em você. Ninguém nunca acredita em nós. Mas Josefina já havia tomado sua decisão. Ela não sabia ainda como, mas encontraria um jeito. Nos dias seguintes, ela observou tudo com atenção redobrada. Descobriu que o barão mantinha um padrão. Visitava as filhas sempre nas madrugadas de terça e sexta-feira, quando dona Mariana tomava doses extras de láudano porque sofria de insônia crônica. Notou que ele escolhia as meninas em ordem decrescente de idade, começando por Amélia e terminando

em Constança, que ficava mais tempo com as mais velhas, que depois voltava para seu quarto como se nada tivesse acontecido. Uma tarde, enquanto limpava o escritório do Barão, Josefina viu algo que fez seu sangue gelar. Sobre a escrivaninha, parcialmente coberto por papéis comerciais, estava um caderno de couro marrom.

Ela olhou rapidamente para o corredor, certificou-se de que estava sozinha e abriu o caderno. Era um diário, o diário pessoal do Barão Augusto de Araruna. Suas mãos tremeram tanto que quase derrubou o tinteiro enquanto foliava as páginas. As primeiras eram sobre negócios, sobre o preço do café, sobre escravos que haviam fugido e sido capturados. Mas conforme avançava, os registros mudavam de natureza.

Quando finalmente chegou aos registros mais recentes, Josefina teve que sentar-se porque suas pernas não a sustentavam mais. As palavras escritas ali eram de uma crueldade e perversão que ultrapassavam sua pior imaginação. O barão registrava tudo. Data, horário, qual filha? Detalhes que faziam Josefina sentir náusea física.

Ele escrevia sobre seus atos como quem descreve uma refeição ou um passeio no campo com uma frieza assustadora. 10 de junho de 1879. Amélia completou 17 anos. está se tornando uma mulher formos como a mãe foi um dia. Visitei-a à meia-noite, chorou como sempre, mas depois aceitou o colar de pérolas que comprei em São Paulo. Carolina tem resistido mais ultimamente. Precisarei ser mais firme.

Josefina sentiu Billy subindo pela garganta, mas continuou lendo porque precisava entender a extensão daquilo. Nas páginas seguintes, encontrou registros que datavam de anos atrás. O barão começara a abusar de Amélia quando ela tinha apenas 13 anos. Depois Carolina, depois Isabel. O padrão era sempre o mesmo, esperar que completassem 13 anos e então começar as visitas noturnas.

E o mais chocante estava nas últimas páginas do diário. Ele já planejava o que faria com Constança, que completaria 13 anos em agosto daquele mesmo ano. “Constância será a mais bela de todas”, escreverá ele com aquela letra elegante e rebuscada. “Tem os olhos da avó e o cabelo dourado que as irmãs não herdaram. Agosto não pode chegar logo. Então ela estará pronta como as irmãs antes dela.

Continuarei a tradição que meu pai começou comigo quando eu tinha essa idade. É assim que se forma um homem, um verdadeiro senhor de terras. Aquela última frase fez Josefina entender algo ainda mais perturbador. O próprio Barão havia sido vítima do pai e agora perpetuava o ciclo de horror com as próprias filhas, achando que aquilo era normal, que era seu direito de patriarca.

Mas saber disso não diminuía a monstruosidade de seus atos. Tornava tudo ainda mais trágico e urgente. Josefina arrancou quatro páginas do diário, aquelas com as confissões mais explícitas e datadas, que escondeu-as dentro de sua camisa contra a pele. Sua mente trabalhava freneticamente. Ela sabia que não podia ir à polícia local. O delegado de Lorena era primo distante do Barão e frequentava saraus na fazenda.

O vigário também não adiantaria. A igreja dependia das doações do Barão para todas as suas obras, desde a manutenção do prédio até os orfanatos. As outras famílias importantes da região certamente fechariam fileiras em torno de um dos seus, como sempre faziam, quando algum escândalo ameaçava a aristocracia rural.

Mas então, Josefina se lembrou de uma conversa que ouvira seis meses antes, quando a fazenda recebera a visita de um comerciante de São Paulo. Ele falava animadamente sobre um jornal novo na capital chamado A Província de São Paulo, que estava causando furor entre os abolicionistas e republicanos.

O jornal publicava denúncias contra senhores de escravos que cometiam abusos contra a corrupção na corte, contra as injustiças do sistema imperial. Seu redator-chefe era conhecido por não temer enfrentar até mesmo os barões do café mais poderosos. Era a sua única chance. No dia seguinte, Josefina pediu permissão à dona Mariana para visitar uma tia doente em Queluz, cidade vizinha.

Era uma mentira, mas ela precisava de tempo e de liberdade de movimento. Dona Mariana, sempre distraída com suas dores de cabeça e seu láo, concedeu sem fazer muitas perguntas. Josefina saiu da fazenda antes do amanhecer, levando apenas um pequeno embrulho com as páginas do diário escondidas no fundo. Caminhou quatro léguas até a estação ferroviária de Lorena e usando as poucas moedas de cobre que economizara ao longo de 3 anos, fazendo pequenos trabalhos extras de costura para as outras mucamas, comprou passagem de terceira classe para São Paulo. A viagem de trem durou o dia

inteiro. Josefina nunca havia saído daquela região do Vale do Paraíba. Crescera numa fazenda, fora vendida para outra fazenda e seu mundo inteiro consistia num raio de 10 léguas. Quando chegou à capital, na tarde daquele dia de julho de 1879, ficou impressionada e assustada ao mesmo tempo. São Paulo era uma cidade em transformação acelerada.

As ruas de terra batida conviviam com as primeiras calçadas de pedra. Bondes puxados por burros circulavam fazendo barulho. Havia palacetes elegantes ao lado de casebres modestos. O cheiro de café torrado se misturava com o cheiro de lixo acumulado. Pessoas de todos os tipos circulavam.

Fazendeiros ricos, escravos de ganho, imigrantes italianos e alemães, comerciantes portugueses, mulheres com sombrinha. Josefina parou um vendedor de jornal na esquina da rua direita e perguntou onde ficava a redação do A Província de São Paulo. O homem olhou-a com curiosidade, mas indicou o caminho. Três quarteirões dali num sobrado de dois andares perto do Largo São Bento. Quando chegou ao endereço, já era quase noite.

Seu coração batia descompassado. Por várias vezes, quase voltou atrás. Mas então pensava em Carolina, em Amélia, em Constança prestes a completar 13 anos, e subia os degraus que levavam à redação. O redator que a recebeu era um homem jovem de não mais que 30 anos, magro, de óculos redondos e cabelos desalinhados, usava colete e tinha manchas de tinta nos dedos. Chamava-se Dr.

Francisco Oliveira e era advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas havia abandonado a advocacia para se dedicar ao jornalismo abolicionista. No início, ele a olhou com desconfiança educada. Estava acostumado a receber todo tipo de queixas. Escravos que reclamavam de castigos, comerciantes que queriam denunciar concorrentes, mulheres traídas que buscavam vingança.

Muitas eram fundadas, outras exageradas, algumas completamente fantasiosas. Mas quando Josefina abriu o embrulho e colocou as quatro páginas do diário sobre a mesa dele, quando explicou com voz baixa e controlada quem era o Barão de Araruna, quantas filhas ele tinha, o que ele fazia com elas nas madrugadas, Dr.

Francisco Oliveira empalideceu visivelmente. Ele pegou as páginas com mãos que tremiam ligeiramente e começou a ler. Conforme seus olhos percorriam aquelas linhas escritas com caligrafia elegante, descrevendo atos de depravação inominável cometidos contra crianças, seu rosto passou de pálido a cinzento. “Meu Deus”, murmurou ele, tirando os óculos para esfregar os olhos.

“Meu Deus do céu, isso é, isso é monstruoso!” “Eu sei”, disse Josefina com a voz firme, apesar do medo que sentia. Por isso vim até o Senhor. Ninguém mais pode ajudá-las. Dr. Francisco ficou em silêncio por longos minutos, relendo as páginas, verificando as datas, analisando cada detalhe.

Finalmente olhou para Josefina com uma expressão de respeito misturado com preocupação. “Isso é gravíssimo”, disse ele, devolvendo as páginas para ela. “Se publicarmos isso, será um escândalo sem precedentes na história do império.” O Barão de Araruna não é um senhor qualquer. Ele tem influência política, dinheiro, amigos na corte, relações com deputados e senadores. Pode processar o jornal por difamação.

Pode nos fechar. E você, você entende o risco que corre? Ele pode mandá-la açoitar até a morte, pode vendê-la para uma mina de ouro em Minas, onde ninguém sobrevive mais de dois anos. Pode simplesmente fazê-la desaparecer. Eu sei de tudo isso, interrompeu Josefina, olhando-o diretamente nos olhos. Mas aquelas meninas não t ninguém.

A mãe delas está sedada todas as noites e não vê nada. A governanta é paga para não ver. Os vizinhos não querem se envolver. Se eu não fizer isso agora, Constância será a próxima daqui a um mês e depois dela, quando o Barão tiver netas, ele fará o mesmo com elas. Esse homem não vai parar nunca. O próprio diário mostra que o pai dele fez isso com ele quando era criança.

É um ciclo que precisa ser quebrado agora ou continuará por gerações. Dr. Francisco olhou para aquela mulher à sua frente, uma mucama que não sabia nem assinar o próprio nome direito, mas que arriscava a própria vida e liberdade para salvar as filhas de seu senhor de um destino que parecia inescapável e sentiu uma admiração profunda.

Muito bem”, disse finalmente batendo com a mão fechada na mesa. “Vamos publicar, mas precisamos agir muito rápido antes que ele descubra que o diário foi violado e destrua as evidências que ainda restam. Vou preparar a matéria esta noite mesmo. Sai na edição de amanhã.” Josefina dormiu naquela noite num quartinho nos fundos da redação que Dr. Francisco improvisou para ela. Não conseguiu pregar os olhos. Ficou deitada no escuro, ouvindo os sons estranhos da cidade grande, imaginando o que aconteceria quando o jornal saísse nas ruas. A edição do A Província de São Paulo, de 23 de julho de 1879, trazia na primeira página uma manchete em letras garrafais que ocupava quase metade da folha.

Barão do Vale do Paraíba, acusado de abusar das próprias cinco filhas. Diário secreto revela anos de horror na Casa Grande. O jornal publicou trechos literais do diário, incluindo as datas específicas e descrições detalhadas. omitindo apenas os nomes completos das vítimas para protegê-las, referindo-se a elas apenas como a filha mais velha, a segunda filha e assim por diante.

Mas qualquer pessoa que conhecesse minimamente a família Araruna sabia exatamente de quem se tratava. O artigo também contextualizava o caso dentro de uma crítica mais ampla ao sistema escravista e ao poder absoluto dos barões sobre suas fazendas, onde podiam cometer qualquer atrocidade sem medo de consequências. A reação foi imediata, explosiva e dividida. O jornal esgotou em poucas horas.

Cópias circulavam de mão em mão nas ruas, nos cafés, nas faculdades. A notícia se espalhou pelas fazendas do Vale do Paraíba. Como fogo em capim seco no auge da seca. Mensageiros a cavalo levavam exemplares do jornal para Taubaté, Guaratinguetá, Pinda, Monhangaba Lorena. Em dois dias, toda a província de São Paulo comentava o escândalo. A aristocracia rural se dividiu.

Alguns defenderam o Barão veementemente, dizendo que aquilo era uma calúnia absurda, inventada por abolicionistas radicais que queriam destruir as famílias tradicionais. alegavam que o diário era forjado, que algum inimigo político havia fabricado aquelas páginas para manchar a honra de um homem respeitável. Outros, porém, começaram a se lembrar de sinais estranhos que sempre notaram nas meninas Araruna quando as viam nos bailes e saraus.

O silêncio anormal, os olhares vazios e assustados, a recusa sistemática em aceitar pretendentes, mesmo sendo moças bonitas e de boa família. o medo visível que demonstravam quando o pai se aproximava. A imprensa de oposição pegou o caso e amplificou. Outros jornais republicanos e abolicionistas republicaram a matéria. Começaram a surgir editoriais defendendo a criação de leis que protegessem mulheres e crianças dentro das próprias casas, questionando o poder absoluto dos patriarcas.

Três dias depois da publicação, uma comitiva da Polícia Provincial chegou à Fazenda São José do Araruna. Vinham com ordem de prisão assinada pelo chefe de polícia da província, que havia sido pressionado pela repercussão pública do caso e não podia simplesmente ignorar acusações tão graves publicadas em jornal.

O Barão Augusto tentou resistir, ameaçou os policiais, invocou seus amigos influentes, ofereceu dinheiro, disse que processaria todos por invasão de propriedade. Mas a pressão social era grande demais. O caso havia ganhado proporções que nem mesmo seu poder e influência podiam conter. Havia deputados na Assembleia Provincial cobrando investigação. Havia grupos de mulheres da sociedade paulistana exigindo justiça.

A própria imprensa conservadora, embora defendesse o Barão, pedia que ele se defendesse publicamente das acusações para limpar seu nome. Quando os policiais finalmente entraram na casa grande e pediram para interrogar as filhas separadamente, longe da presença do pai e da mãe, dona Mariana teve um ataque de nervos.

Gritou que aquilo era um absurdo, que sua família estava sendo humilhada, que o barão era um homem de bem. Mas os policiais foram firmes, levaram as meninas uma por uma para a biblioteca e fizeram perguntas diretas. Amélia foi a primeira. Entrou na biblioteca pálida como um lençol tremendo visivelmente.

O delegado que conduzia o interrogatório era um homem de meia idade chamado Joaquim Tavares, que tinha três filhas da mesma idade das meninas Araruna. Ele pediu que ela se sentasse e disse com voz gentil: “Senhorita Amélia, preciso que me diga a verdade. Seu pai já fez algo inadequado com a senhora ou com suas irmãs.” Houve um longo silêncio.

Amélia olhou para as próprias mãos, respirou fundo várias vezes. Depois, com uma voz baixa, mas firme, disse: “Sim, é verdade. Tudo o que está escrito naquele jornal é verdade. Meu pai nos violenta desde que nos tornamos moças.” Começou comigo quando eu tinha 13 anos. Depois foi Carolina, depois Isabel, depois Beatriz.

Ele disse que se contássemos para alguém, nos mandaria para conventos em Portugal e nunca mais veríamos nossas irmãs. Disse que ninguém acreditaria em nós de qualquer forma, porque ele é um barão e nós somos apenas meninas. E nossa mãe, ela nunca quis ver. Preferia tomar láudano e fingir que nada acontecia.

Quando os policiais confrontaram o barão com o depoimento da filha, ele negou tudo furiosamente. Disse que Amélia estava confusa, manipulada, talvez doente da cabeça. Mas quando Carolina confirmou a mesma história e depois Isabel e depois Beatriz, mesmo os policiais mais céticos começaram a acreditar.

O ponto final veio quando trouxeram o diário original do escritório do Barão e compararam a caligrafia com outros documentos dele. Eram idênticas. Um perito em grafologia chamado especialmente de São Paulo, confirmou. Aquilo era escrito pelo próprio Barão Augusto de Araruna. Ele foi preso na tarde de 26 de julho de 1879 e levado para a capital algemado. A notícia de sua prisão causou nova onda de comoção.

Apoiadores acamparam em frente à cadeia, exigindo sua libertação, mas grupos de mulheres e abolicionistas também se manifestaram exigindo punição exemplar. Dona Mariana, confrontada com a verdade que sempre preferiu ignorar, não suportou. trancou-se no quarto com várias garrafas de láudano e só foi encontrada dois dias depois, desacordada. Sobreviveu, mas nunca mais foi a mesma.

Passou os meses seguintes num estado de confusão mental, alternando entre negar que tudo aquilo havia acontecido e chorar copiosamente. O processo foi longo e doloroso. Os advogados do Barão, pagos com o dinheiro que ainda restava da família, tentaram todas as estratégias possíveis. alegaram que o diário era falso.

 

Quando a perícia provou que era autêntico, disseram que eram apenas fantasias escritas, não atos reais. Quando as filhas confirmaram os abusos em detalhes, argumentaram que elas estavam sendo manipuladas por abolicionistas com agenda política. Tentaram desqualificar o testemunho de Josefina por ela ser escrava. Mas Dr. Francisco Oliveira, que acompanhou todo o processo e mobilizou advogados abolicionistas para defender as meninas, não deixou que a defesa prevalecesse.

O julgamento aconteceu em março de 1880 e foi acompanhado por centenas de pessoas. O júri composto por homens da sociedade paulista deliberou por três dias. Quando finalmente chegaram ao veredito, o silêncio no tribunal era absoluto. Culpado, disse o presidente do júri, por todos os crimes de que foi acusado, o Barão Augusto de Araruna foi condenado a 20 anos de prisão em regime fechado.

Foi a primeira vez na história do Império do Brasil que um membro da aristocracia rural foi efetivamente condenado e preso por crimes cometidos contra a própria família. A sentença causou comoção nacional e abriu precedente para outros casos semelhantes que começaram a surgir encorajados pelo exemplo. A Fazenda São José do Araruna foi confiscada pelo Estado para pagar as dívidas que se acumularam durante o processo, já que ninguém mais queria fazer negócios com a família.

Foi lei loada e dividida entre três compradores diferentes. A Casagrande foi demolida anos depois. Dona Mariana, que muitos diziam ter morrido de desgosto e outros de vergonha, faleceu em setembro de 1880. Alguns sussurravam que havia sido suicídio, uma overdose intencional de láudano, mas nada foi provado. As cinco filhas foram acolhidas por uma tia materna em Ouro Preto, Minas Gerais, longe dos olhares julgadores e dos comentários da sociedade paulista.

Lá, protegidas pela distância e pelo anonimato, tentaram reconstruir suas vidas. Amélia nunca se casou, dedicou-se a obras de caridade e morreu solteira aos 63 anos. Carolina casou-se tarde aos 35 com um viúvo bondoso que conhecia sua história e não se importou. Isabel tornou-se professora. Beatriz entrou para um convento, mas por escolha própria desta vez. E Constança, que havia sido poupada por apenas um mês do destino das irmãs, cresceu para ser uma das primeiras mulheres a defender publicamente a criação de leis de proteção à infância no Brasil. E Josefina, a mucama corajosa, que

arriscou tudo para salvar aquelas meninas, recebeu sua carta de alforria como reconhecimento pelo ato de coragem. O próprio juiz que presidiu o julgamento assinou o documento de liberdade, declarando que ela havia prestado um serviço inestimável à justiça e à sociedade. Dr. Francisco Oliveira, o jornalista que publicara a denúncia, ofereceu-lhe trabalho na redação do A Província de São Paulo como assistente.

Josefina, agora livre, mudou-se para a capital e começou uma nova vida. Aprendeu a ler e escrever melhor com a ajuda de abolicionistas que frequentavam a redação do jornal. descobriu que tinha talento para escrever e aos poucos começou a colaborar com artigos sobre a condição das mulheres escravizadas nas fazendas, sobre os abusos que presenciara ao longo da vida, sobre a necessidade urgente da abolição.

Seus textos eram publicados sobônimo no início, porque ainda havia resistência em aceitar que uma ex-escrava pudesse ter voz pública. Mas com o tempo, conforme a causa abolicionista ganhava força na década de 1880, Josefina passou a assinar com o próprio nome. Tornou-se conhecida nos círculos abolicionistas de São Paulo como a mulher que desafiou um barão e venceu.

Em 1885, 6 anos após o escândalo, Josefina recebeu uma carta. O envelope era de papel fino, perfumado e trazia um selo de ouro preto. Quando abriu, reconheceu a caligrafia delicada. Era de Amélia. A carta dizia: “Querida Josefina, já se passaram anos desde aqueles dias terríveis, mas não passa um único dia sem que eu pense em você e no que fez por nós.” Você nos salvou quando nem mesmo nós mesmas acreditávamos que a salvação era possível.

Você provou que uma única pessoa, por mais invisível que seja aos olhos da sociedade, pode mudar o destino de muitas vidas. Minha mãe morreu sem nunca nos pedir perdão por não ter nos protegido. Meu pai continua vivo na prisão, mas está doente e os médicos dizem que não viverá muito mais. Não sinto pena dele. Sinto apenas um vazio onde deveria haver amor filial.

Mas sinto gratidão por você. Uma gratidão que não cabe em palavras. Você foi mais mãe para nós naquele momento do que a mulher que nos gerou. Minhas irmãs pedem que eu transmita o mesmo sentimento. Carolina tem um filho agora, um menino lindo de 2 anos. Isabel abriu uma escola para meninas pobres em Ouro Preto.

Beatriz encontrou paz no convento e Constança está estudando direito, querendo ser advogada para defender mulheres que passaram pelo que passamos. Todas nós seguimos em frente, carregando cicatrizes que nunca desaparecerão completamente, mas livres. Livres por sua causa, nunca esqueceremos. Com todo o amor e admiração, Amélia.

Josefina guardou aquela carta pelo resto da vida. Carregava-a sempre consigo, dobrada cuidadosamente dentro de um pequeno livro de poesias que comprara com seu primeiro salário como jornalista. Nos momentos de dúvida, quando o peso da luta abolicionista parecia grande demais, quando as derrotas políticas desanimavam até os mais dedicados ativistas, ela relia aquelas palavras e encontrava forças para continuar.

O Barão Augusto de Araruna morreu na prisão em janeiro de 1887, 2 anos antes da abolição da escravatura. Segundo os registros médicos da penitenciária, faleceu de tuberculose, mas os guardas contavam outra história. Diziam que ele havia sido espancado pelos outros presos quando descobriram a natureza de seus crimes. Mesmo entre criminosos, havia limites que não se ultrapassavam.

Abusar das próprias filhas era considerado tão repugnante que nem os assassinos e ladrões o toleravam. Seu corpo foi enterrado numa vala comum, sem lápide, sem nome. Nenhum dos parentes compareceu ao enterro. As filhas, quando informadas de sua morte, não derramaram uma lágrima. O nome Araruna, ante sinônimo de prosperidade e respeito no Vale do Paraíba, tornou-se sinônimo de vergonha e depravação.

Outras famílias que tinham algum parentesco distante com os Araruna mudaram de sobrenome para evitar a associação. A história de seus crimes serviu de alerta e exemplo para toda uma geração. Mas mais importante do que a punição de um monstro, foi o precedente que o caso criou. Pela primeira vez, a Sociedade Brasileira do Império foi forçada a olhar para dentro das casas grandes e questionar o poder absoluto dos patriarcas.

Começaram a surgir discussões sobre a necessidade de leis que protegessem mulheres e crianças dentro de suas próprias casas. Algumas baronesas e senhoras da alta sociedade, encorajadas pelo caso, começaram a denunciar maridos abusivos. Escravas começaram a buscar proteção legal contra senhores violentos. Foi um processo lento, doloroso e incompleto. Muitas denúncias ainda eram ignoradas.

Muitos poderosos ainda escapavam impunes, mas uma semente havia sido plantada e ela cresceria com o tempo. Josefina dedicou o resto de sua vida a regar essa semente. Trabalhou incansavelmente pela abolição que finalmente veio em 1888 com a lei Áurea. Continuou escrevendo sobre direitos das mulheres, sobre proteção à infância, sobre justiça social.

ajudou a fundar um abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica em São Paulo, um dos primeiros do Brasil. casou-se aos 38 anos com um tipógrafo abolicionista chamado Benedito, homem gentil que a amava profundamente e respeitava seu trabalho. Tiveram dois filhos, um menino e uma menina, que criaram com amor e liberdade, ensinando-lhes que todas as pessoas, independentemente de cor ou origem, mereciam dignidade e respeito.

Nos últimos anos de sua vida já idosa, Josefina foi procurada por jovens jornalistas e historiadores que queriam registrar sua história. Ela sempre contava tudo com detalhes, não para se glorificar, mas para que as novas gerações entendessem como era a vida antes da abolição, como o poder sem limites corrompia os homens e como às vezes uma única pessoa comum podia fazer diferença.

Eu não era ninguém”, dizia ela sentada na cadeira de balanço de sua pequena casa em São Paulo. Era apenas uma mucama sem nome, sem voz, sem direitos. Podiam me vender, me açoitar, me matar sem consequências. Mas quando vi aquelas meninas sofrendo, entendi que algumas coisas são mais importantes do que nossa própria segurança.

A coragem não é a ausência de medo, é fazer o que precisa ser feito, apesar do medo. Quando perguntavam se ela tinha medo naquela noite em que roubou as páginas do diário, Josefina sorria e respondia: “Medo?” Eu estava aterrorizada. Minhas mãos tremiam tanto que quase não conseguia segurar a vela. Meu coração batia tão forte que achei que todos na casa podiam ouvi-lo.

Mas quando pensei em Constança, uma criança de 12 anos que em poucas semanas sofreria o mesmo que as irmãs, o medo ficou pequeno, perto da urgência de agir. Josefina morreu em 1903, aos 50 anos, de pneumonia. Seu funeral foi acompanhado por centenas de pessoas, incluindo as quatro irmãs Araruna que ainda viviam. Amélia, já com 41 anos, foi quem fez o discurso principal no cemitério.

Esta mulher, disse ela com a voz embargada, apontando para o caixão simples de madeira, salvou cinco vidas quando ninguém mais podia ou queria salvá-las. Em uma sociedade que dizia que ela não valia nada, ela provou que valia mais do que todos os barões e toda a nobreza junta. Ela nos ensinou que, não importa quão baixo o mundo tente nos colocar, sempre podemos escolher fazer o que é certo. Sempre podemos escolher ser corajosos.

Descanse em paz, querida amiga. Sua luta não foi em vão. O túmulo de Josefina no cemitério da Consolação em São Paulo levava uma inscrição simples, escolhida por suas filhas. Aqui já Josina da Silva, 1853-193, nasceu escrava, morreu livre, salvou cinco vidas e mudou muitas outras. A coragem não conhece correntes. Hoje, mais de 140 anos depois daqueles eventos, a história de Josefina é estudada como exemplo de resistência e coragem feminina no Brasil imperial.

Há uma rua com seu nome em São Paulo, perto da antiga redação do jornal onde trabalhou. Há uma escola pública batizada em sua homenagem e há um pequeno museu em Lorena, no Vale do Paraíba, que conta a história do caso do Barão de Araruna e da Mucama que o denunciou. A história das cinco irmãs Araruna também é lembrada, não pelos crimes que sofreram, mas pela força com que reconstruíram suas vidas.

Carolina, que se tornou mãe e avó, sempre dizia aos descendentes: “Nossa história poderia ter terminado em tragédia absoluta, mas uma mulher corajosa decidiu que merecíamos um final diferente e nos deu essa chance. O caso mudou a forma como a sociedade brasileira via a violência doméstica e os abusos cometidos por pais contra filhos. não resolveu o problema completamente claro.

Ainda hoje, mais de um século depois, a criança sofrendo abusos dentro de suas próprias casas. Mas a história de Josefina e das meninas Araruna serviu como um dos primeiros gritos públicos de que aquilo não era aceitável, que não era normal, que precisava ser combatido. E talvez a lição mais importante que aquela história ensina é esta: Não importa quão pequenos ou invisíveis nos sintamos na sociedade, cada um de nós tem o poder de mudar vidas.

Uma mucama sem direitos, sem educação formal, sem poder político ou social, conseguiu derrubar um dos homens mais poderosos de sua região, simplesmente porque decidiu que a injustiça não podia continuar. Ela não esperou que alguém mais poderoso agisse. Não aceitou a ideia de que nada podia ser feito. Não se convenceu de que aquelas meninas não eram problema dela. Viu sofrimento, sentiu empatia, encontrou coragem e agiu.

Naquela madrugada de junho de 1879, quando Josefina viu pela primeira vez o barão caminhando furtivamente em direção ao quarto das filhas, ela poderia ter simplesmente voltado para a cama. puxado o cobertor sobre a cabeça e fingido que não viu nada.

Afinal, que diferença uma mucama poderia fazer contra um barão? Mas ela decidiu que faria diferença e fez. [Música]

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