A Filha do Milionário Chorava Diariamente – Até Que a Empregada Doméstica Descobriu Algo Terrível
Helger Neumann sentiu antes de ver. Um cheiro que não pertencia àquele lugar. Metálico, adocicado, pesado. O corredor estava escuro. Apenas uma fina faixa de luz do quarto das crianças cortava a noite. O relógio na sala de estar marcava 18:03. Sempre a mesma hora. Helger parou na soleira da porta, esperando um fôlego longo demais.
Não se ouvia nada além do zumbido suave do aquecimento de piso e do ruído distante da rua lá embaixo no vale. Então ela entrou. Lena estava sentada na cama, com os joelhos dobrados, o ursinho de pelúcia velho firmemente apertado contra o peito. A pelagem estava gasta em um ponto, como se alguém o tivesse segurado ali por anos.
A menina estava novamente com aquele suéter cinza. Muito grosso para o final do verão. Muito fechado. “Está tudo bem, Lena?”, perguntou Helga, baixinho. Ela não se sentou imediatamente. Ela sabia que, às vezes, a proximidade era mais barulhenta do que as palavras. Lena assentiu sem levantar os olhos. Helga notou a umidade primeiro. Não muito, apenas uma mancha escura no tecido, logo abaixo da omoplata.

Ela se aproximou, devagar, para que a criança não se encolhesse. O cheiro ficou mais forte. “Posso ajudar você?”, perguntou ela. Nenhuma resposta, apenas um aspirar de ar quase inaudível. Helga ajoelhou-se. Seus joelhos estalaram suavemente. Ela odiava aquele som porque a fazia parecer velha, e porque as pessoas velhas muitas vezes não eram levadas a sério.
Ela colocou dois dedos na barra do suéter. “Eu estou aqui”, disse ela. “Nada mais.” Lena fechou os olhos. Quando Helger levantou o tecido, seu estômago se contraiu. Uma descoloração escura se destacava sob a pele, como tinta se espalhando na água. A pele estava tensa, quente, e havia aquele amarelo, grosso, pegajoso, vivo.
Helga prendeu a respiração. Algo se moveu atrás dela. “O que está acontecendo aqui?” A voz veio do corredor, grave, cansada. Johannes Albrecht estava na porta, o paletó ainda vestido, a gravata folgada. Seu olhar percorreu da mão de Helga para as costas de Lena.
Ele ficou pálido, tão pálido que por um momento Helga pensou que ele iria cair. “Meu Deus”, ele sussurrou. Helga não disse nada. Ela sabia que aquele momento não lhe pertencia. Ainda não. Mais cedo naquele dia, tudo havia começado de forma inofensiva. A mansão ficava acima de Heidelberg, vidro e concreto, linhas limpas, sem cortinas. Tudo era aberto, tudo era visível. E, no entanto, era frio, mesmo no verão. Helger havia se levantado às 5:30 da manhã, como sempre.
O café coava na máquina. O cheiro enchia a cozinha. Johannes desceu pouco depois das seis, mal falou uma palavra, apenas acenou com a cabeça, pegou a xícara como se fizesse parte de uma rotina que não era mais questionada. Às 6:15, ele se foi. Helger arrumou, limpou as bancadas, ouviu o silêncio retornar. Às 9 horas, Victoria desceu as escadas. Seda sobre a pele.
Perfume que permanecia no ambiente por um longo tempo. Ela disse: “Bom dia.” Em um tom que significava tudo e nada, bebeu seu smoothie verde e desapareceu novamente. Compromissos: yoga, almoço com amigas. Lena viu Helger pela primeira vez naquele dia na cozinha. Ela estava parada no canto, comendo macarrão frio direto da panela.
Seus ombros estavam tensos, como se esperasse um golpe. “Está frio”, disse Helga, cautelosamente. “Está tudo bem”, a menina murmurou. Helger colocou a panela no fogão, ligou-o, adicionou um pouco de manteiga. O cheiro mudou. Lena observou cada movimento. “Eu sou Helger”, disse ela.
“E eu sou Lena,” um nome, mal mais alto que um sussurro. Nos dias seguintes, Helger aprendeu os ritmos da casa e os pequenos desvios. Lena sempre usava roupas de mangas compridas. Ela andava devagar, sentava-se de lado nas cadeiras, apoiava-se no corrimão ao subir escadas.
Se algo caía no chão, ela se agachava em vez de se curvar. E todos os dias, pouco depois das seis, ficava na janela. Helga não perguntou imediatamente. Ela esperou. Ela assou um bolo de mármore, deixando o aroma se espalhar pela casa. Lena veio para a cozinha, cautelosa, como se estivesse entrando em território estrangeiro. “Para você”, disse Helger e cortou uma fatia grande. Lena comeu devagar, seus olhos suavizaram.
“Minha mãe também fazia um assim”, disse ela suavemente. “No meu aniversário.” “Quando é seu aniversário?” “Mês passado.” Helger sentiu uma pontada no peito. E Lena balançou a cabeça. Papai estava viajando. Victoria diz: “Aniversários são desnecessários.” A porta se abriu. Saltos altos no chão de pedra. As costas de Lena ficaram imediatamente rígidas. “O que ela está fazendo aqui?”, perguntou Victoria, bruscamente. “Ninguém a chamou.”
Lena se levantou muito rapidamente, contorceu o rosto de dor. A colher caiu no chão. O som ecoou. “Sempre tão desajeitada”, disse uma das mulheres que acompanhavam Victoria, rindo. Helga se abaixou para pegar a colher. Quando ela se levantou, o suéter de Lena escorregou um pouco.
Apenas um momento, mas o suficiente. Helger viu a mancha escura através do tecido. Mais tarde, ela ouviu Victoria dizer na sala de estar: “Se não fosse por essa criança, tudo seria perfeito.” Helger não entrou. Ela subiu para o quarto de Lena. A menina estava de bruços, o rosto no travesseiro, os ombros tremendo.
“Você não é o problema”, disse Helger e sentou-se ao lado dela. “Você é uma criança.” Lena chorava baixinho, como se tivesse aprendido que chorar alto era perigoso. Helger colocou a mão gentilmente em suas costas. Ela sentiu o calor, a umidade. “Helga!”, Lena sussurrou em pânico. “Não. Ela disse que eu sei”, disse Helga, e ela realmente sabia.
Mais tarde, quando a casa estava novamente em silêncio, Helga estava sozinha na cozinha. A luz sobre a pia ainda estava acesa. Ela pegou um pano de prato branco, limpou a mesa. Uma mancha amarelada permaneceu. Helga olhou para ela por um longo tempo. Então ela dobrou o pano cuidadosamente e o colocou de lado, como se fosse algo frágil.
Lá fora estava escurecendo e em algum lugar da casa uma criança se encolhia ainda mais em seu suéter. Helga mal dormiu naquela noite. Sempre que fechava os olhos, via novamente aquela cor escura sob a pele de Lena, como tinta se espalhando, lenta, imparável. Pouco depois da meia-noite, ela ouviu passos no corredor, leves, cautelosos. Helga se sentou.
A porta de seu pequeno quarto se abriu uma fresta. Lena estava lá, descalça, o suéter puxado sobre as mãos. Seus olhos brilhavam na penumbra. “Helger”, ela sussurrou. Helga acordou imediatamente. Ela se levantou, agachou-se para não olhar para a criança de cima. “Eu estou aqui.”
Lena hesitou, então se aproximou, tão devagar que cada passo era uma decisão. Ela cheirava a suor e algo adocicado que Helga não conhecia, mas temia. “Dói”, disse Lena. “Nada mais.” Helger a abraçou, cuidadosamente, sem tocar nas costas. Ela sentiu a menina tremer, não de frio. “Sente-se”, disse ela suavemente.
Lena sentou-se na cama. Helga pegou um copo de água, colocou-o ao lado dela. O tilintar do copo soou muito alto. “Eu preciso ver uma coisa”, disse Helga, por fim. Não como um pedido, mas como uma necessidade. O rosto de Lena mudou imediatamente. Seus ombros se encolheram. “Eu não posso.”
“Quem disse isso?” Lena ficou em silêncio. Seus dedos se cravaram no tecido do suéter. Helger esperou. Ela havia aprendido que a pressão não funcionava. Ela simplesmente se sentou ao lado dela, ouviu o aquecedor antigo estalar, ouviu sua própria respiração. “Ela disse”, começou Lena. Sua voz era quase inaudível. “Se alguém vir isso, então… então eu vou embora.”
Helger virou a cabeça lentamente. “Para onde?” “Internato”, sussurrou Lena. “Bem longe. E o Papai acredita nela?” “Sempre.” Não era apenas medo, era controle. Helga engoliu em seco. “Lena”, ela disse calmamente, “me escute, eu não vou te mandar embora, mas eu preciso saber o que aconteceu.” Lena olhou para ela por um longo tempo.
Havia algo em seus olhos que não pertencia a uma criança de nove anos. Uma exaustão, uma decisão. Então ela assentiu. Com as mãos trêmulas, ela puxou o suéter para cima. Helga viu tudo. A ferida era maior do que ela pensava, irregular, preta no centro, vermelha e brilhante ao redor. Líquido amarelado escorria, deixando rastros escuros no lençol.
Helga teve que se forçar a manter a calma, a não se encolher, a não praguejar. Ela colocou o dorso da mão cuidadosamente na testa de Lena, quente. “Há quanto tempo está assim?”, perguntou ela. “Oito meses”, disse Lena, como se estivesse falando sobre o tempo. Helger fechou os olhos por um momento. “Como aconteceu?” Lena respirou fundo. “Eu mostrei meu caderno a ela. Ela ficou com raiva.
Ela me empurrou. Eu caí contra a mesa. Sangrou. Ela disse para eu parar de gritar.” Helger ouviu cada palavra como se alguém estivesse batendo pregos na madeira. “E depois?” “Ela colocou bandagens, três. Então ela disse que era só um arranhão. E que eu não podia dizer nada, nunca.” Helga assentiu lentamente.
“Você está com dor?” Lena riu brevemente. Um som estranho e vazio. “Sempre.” Helga se levantou, foi até o armário, pegou uma toalha limpa. Ela a colocou gentilmente sobre a ferida, sem pressionar. “Nós temos que ir ao médico”, disse ela. Lena imediatamente entrou em pânico. “Não, ela não pode saber, então… então algo ruim vai acontecer.” Helger ajoelhou-se novamente, olhando diretamente para Lena.
“Me escute, o que está acontecendo aí já é ruim. E vai piorar se ninguém ajudar.” Lena começou a chorar. Silenciosamente. As lágrimas simplesmente escorreram. Naquele momento, o celular de Helga vibrou. Uma ligação. Mara. Helga congelou. Ela se afastou alguns passos, atendeu. “Mãe”, veio a voz agitada. “Estou sangrando.
O médico disse para eu ir imediatamente para o hospital.” Helger sentiu o chão sumir sob seus pés. “Eu estou indo”, disse ela automaticamente. Ela olhou para Lena. A menina estava sentada ali, com o olhar baixo, os ombros estreitos, as costas abertas como uma ferida. “Mãe”, perguntou Mara ao telefone. “Por favor!” Helger fechou os olhos. “Escute”, disse ela, finalmente.
“Ligue para sua tia. Ela te leva.” “Eu… eu não posso sair agora.” Silêncio, depois um suspiro agudo. “Você está escolhendo o trabalho em vez de mim?” “Não”, disse Helga suavemente. “Eu estou escolhendo uma criança que mais ninguém vê.” Mara desligou. Helga baixou o telefone. Sua mão tremia. Lena olhou para ela. “Foi por minha causa?” Helga sentou-se ao lado dela novamente.
“Não”, disse ela, e era verdade e mentira ao mesmo tempo. A noite se arrastou. Lena adormeceu em algum momento, exausta, a respiração superficial. Helga sentou-se ao lado dela, contando os segundos entre as respirações. Perto das 4 da manhã, a mensagem chegou. Eu perdi o bebê. Você não estava aqui. Eu nunca vou te perdoar.
Helger olhou para a tela, as palavras embaçadas. Ela apertou a mão sobre a boca para não fazer barulho. Ela não chorou, ainda não. De manhã, Victoria entrou na cozinha, impecável, calma, como se nada tivesse acontecido. “Ela está atrasada”, disse ela, e mordeu uma maçã. “Ela está com febre”, disse Helga. Sua voz estava firme. “Ela fica em casa hoje.”
Victoria olhou para ela, sorriu. “Desde quando você decide isso?” Havia algo frio e sabichão naquele sorriso. “Tome cuidado”, disse Victoria suavemente, enquanto passava por Helga. “É fácil perder mais do que apenas um emprego aqui.” Helga ficou imóvel. Ela cheirou a maçã. Fresca, doce. Ela sabia de algo agora que não sabia ontem. Não apenas Lena estava em perigo, mas ela mesma também.
Mais tarde, quando Lena estava deitada no sofá vomitando de dor, Helga segurou uma tigela sob seu queixo. A menina estava fervendo de febre. Helga pegou o termômetro. 40,1. Ela olhou para o relógio, depois para o celular. Nenhuma resposta de Mara. Helger pegou o telefone, abriu o navegador, digitou lentamente: “Conselho tutelar abuso infantil denunciar anonimamente.” Seus dedos hesitaram sobre a tela, então ela ouviu a respiração de Lena. Superficial, rápida.
Helger desligou o celular, ainda não. Ela precisava de mais. Provas, algo que não pudesse ser apagado como palavras. Ela se levantou, foi ao banheiro, lavou as mãos. A água estava quente, muito quente. Quando fechou a torneira, viu seu reflexo. Uma mulher cansada, mechas grisalhas, linhas profundas ao redor da boca, mas seus olhos estavam alertas.
Helga voltou para a sala de estar. Lena dormia novamente, o rosto pálido, o ursinho apertado contra o peito. Helger sentou-se no chão ao lado do sofá. Ela tirou um pano de prato limpo da gaveta, dobrou-o cuidadosamente e o colocou ao alcance. Não como um gesto de carinho, mas como uma preparação.
Pois algo havia saído do controle naquela casa e o silêncio não era mais uma proteção. Era um acelerador de fogo. De manhã, a casa cheirava a café fresco e pedra fria. Helger estava no balcão da cozinha e ouviu o motor do carro de Johannes ligar lá fora. Eram pouco depois das 6 horas, sempre pouco depois das 6 horas. Ela queria segui-lo, queria dizer, por favor, olhe. Mas antes que pudesse chegar à porta, ouviu passos na escada. Mais rápidos, mais decididos.
Victoria. “Johannes, espere”, ela disse lá em cima. Sua voz clara, controlada. “Eu não gosto nada dessa nova.” Helger parou. Ela ouviu cada palavra, embora não devesse ouvir nenhuma. “Ela está ultrapassando limites”, continuou Victoria. “Entra no quarto de Lena o tempo todo, faz perguntas. Isso não é normal.” Um breve silêncio, então a voz de Johannes, cansada, incerta.
“Você acha?” “Claro, essas pessoas, elas projetam seus problemas. Eu só quero que Lena tenha paz.” Helga fechou os olhos. Ela sabia como aquilo soava. Razoável, preocupado. Confiável. Poucos minutos depois, Johannes entrou na cozinha. Ele mal olhou para Helga. “Por favor, mantenha distância da minha filha”, disse ele, factualmente. “Esta é uma decisão de Victoria e minha.”
Helga sentiu algo ceder dentro dela. Não como um golpe, mais como uma rendição lenta. “Ela está com febre”, disse ela, apesar de tudo. Johannes assentiu distraidamente. “Victoria cuida disso.” A porta bateu. O carro partiu. Helger estava sozinha na cozinha. O tique-taque do relógio estava subitamente alto.
Na mesma manhã, o telefone fixo tocou. Helger atendeu. “Neumann”, disse a voz da secretária. “O Sr. Albrecht viajará para Xangai em duas semanas por um mês. Por favor, certifique-se de que tudo na casa esteja preparado.” Helga segurou o receptor com força. Duas semanas, 14 dias. Ao desligar, ela contou mentalmente.
14 dias sem Johannes, 14 dias com Victoria sozinha. 14 dias para uma ferida que estava consumindo há 8 meses. Lena estava deitada no sofá. Ela dormia inquieta, murmurando em seu sonho. Sua respiração estava rápida, muito rápida. Helga sentou-se ao lado dela, colocou dois dedos em seu pescoço. O pulso estava acelerado. 14 dias, pensou Helger. Ela não vai aguentar.
Nos dias seguintes, Helga começou a coletar coisas. Não apressadamente, não de forma visível. Ela fotografou as costas de Lena sempre do mesmo ângulo, com data, com luz. Ela salvou tudo em duplicidade, enviando para seu próprio e-mail, para um armazenamento em nuvem cuja senha ela não anotou em lugar nenhum.
Ela anotou o que Victoria dizia, palavra por palavra, hora, local, tom de voz. E ela ouviu. Em uma tarde, Victoria estava no corredor lá em cima, falando ao telefone. Ela riu. “Finalmente paz”, ela disse. “Johannes se foi, 30 dias. Eu já estou de olho em um internato. Suíça. Discreto. Depois disso, o problema está resolvido.” Helger estava lá embaixo, na escada.
Seu celular vibrou no bolso do avental. Ela o tirou lentamente, apertou para gravar. Seu coração batia tão forte que ela temeu que Victoria pudesse ouvir. “E essa empregada doméstica”, continuou Victoria, “ela se resolverá sozinha. Mais um pequeno erro, e ela será demitida.” Helga deixou o celular cair quando a conversa terminou.
Suas mãos estavam frias. Ela enviou o arquivo para a Dra. Katharina Seidel, um número de outro tempo. De uma vida que Helga pensava ter ficado para trás. A resposta veio logo depois. Isso é importante. Mas precisamos de mais. No quinto dia, Helga encontrou o caderno. Estava debaixo do colchão de Lena quando ela trocou a roupa de cama. Um pequeno caderno com um unicórnio na capa.
As bordas gastas. Helga queria devolvê-lo, honestamente, mas ele caiu. Abriu. 10 de abril. Ela me empurrou. Dói. Eu não posso contar ao Papai. Página após página. Datas, dor, medo. A letra ficou menor, mais trêmula. Helger sentou-se no chão. As páginas ficaram embaçadas, não de lágrimas, mas de raiva.
Atrás dela, o chão rangeu. “O que você está fazendo?” Victoria estava na porta. Seu olhar caiu sobre o caderno, seu rosto mudou. Primeiro branco, depois duro. Ela arrancou o caderno da mão de Helger, folheou rapidamente. “Isso é fantasia”, ela disse friamente. “Crianças inventam essas coisas.” “Esta é a voz dela”, disse Helga. “E você a machucou.” Victoria riu brevemente. “Prove isso.”
Ela tirou um isqueiro do bolso. Helger só entendeu o que estava acontecendo quando a chama tocou o canto do papel. O unicórnio se contorceu, ficou preto. “Não!”, gritou Helger e agarrou-o. O caderno caiu no chão, fogo, fumaça. Helger pisou nele, bateu com as mãos, sentiu o calor, o papel se desintegrava. Quando ela o pegou, metade estava preta, as primeiras páginas se foram.
Victoria deu um passo para trás. “Você está demitida sem aviso prévio”, disse ela calmamente. “Uma hora.” “Então eu chamo a polícia.” Helga segurou o caderno carbonizado. Seus dedos tremiam. “Você acabou de destruir provas”, disse ela. Victoria deu de ombros. “Quem vai acreditar em você?” Helga ligou para a Dra. Seidel.
Sua voz estava rouca. “Ela queimou o diário”, ela disse. “As páginas mais importantes.” Silêncio, depois um suspiro. Isso torna difícil, disse a Dra. Seidel, honestamente. Muito difícil. Helger olhou para o caderno em suas mãos, para as bordas queimadas. As lacunas. “Então eu perdi”, disse Helga suavemente.
Talvez, respondeu a advogada. Eu gostaria de poder dizer mais. Helga desligou. Ela atravessou a casa até seu quarto, fez as malas lentamente. Cada objeto parecia estranho. No sofá estava Lena. Seu rosto estava cinza. Gotas de suor estavam em sua testa.
Ela abriu os olhos quando Helger se aproximou. “Você está indo”, ela disse. Helger sentou-se ao lado dela. “Sim”, ela disse, “mas não antes de eu fazer algo.” “Ela vai ficar brava,” sussurrou Lena. Helga olhou para ela. “É mesmo? Eu sei.” Ela pegou sua bolsa, o celular, o diário pela metade, as fotos. “Seu pai chega tarde hoje”, disse Helger. “Às 11 horas.” Lena assentiu fracamente.
“Então você desce”, continuou Helga. “Não importa o que Victoria diga.” Lena hesitou. “E se ele não acreditar em mim?” Helger pensou em Mara, na mensagem, no bebê que ela nunca seguraria. “Então, pelo menos eu tentei”, ela disse. “E você não estava sozinha.” Lena olhou para ela por um longo tempo, depois assentiu. Helga se levantou. Ela foi para a cozinha, colocou o caderno carbonizado sobre a mesa, e em cima dele, seu celular. Lá fora, a noite caía.
As luzes no vale acenderam. O relógio marcava 22:14. Eram 14 dias. Agora eram apenas mais cinco horas. E, pela primeira vez desde o início daquele pesadelo, Helga soube que não havia mais volta. Às 22:50, Helga estava na sala de estar. A luz estava fraca, não por intenção.
Apenas parecia certo, como antes de uma tempestade. Três coisas estavam na mesa de centro: seu celular, o caderno meio queimado e um pano de prato branco limpo, dobrado ordenadamente. Helger nem sabia por que o havia colocado ali. Talvez porque às vezes você precisava de algo puro para suportar o indizível.
Lá em cima, a casa estava silenciosa, muito silenciosa. Então ela ouviu o som que estava esperando. Pneus no cascalho, uma porta de carro, passos na garagem. A porta da frente se abriu. Johannes entrou, o casaco ainda vestido, o celular no ouvido. Ele falava baixo, a negócios. Números, compromissos, amanhã de manhã.
Ele só notou Helga quando acendeu a luz. “O que você ainda está fazendo aqui?”, perguntou ele, irritado. “Victoria disse que você…” “Cinco minutos”, Helger o interrompeu. Sua voz estava calma, muito calma. “Por favor.” Johannes franziu a testa. Ele ia dizer algo, mas então viu seu rosto, seus olhos, sua postura. Ele assentiu lentamente. “Cinco.”
Nesse momento, ouviram-se passos na escada. Lentos. Cautelosos. Lena apareceu no corredor. Ela estava de pijama fino. Seus pés estavam descalços. Seu cabelo grudado na testa, suor. O rosto de Johannes mudou imediatamente. “Lena, por que você ainda está acordada?” Ela não respondeu. Ela continuou, passo a passo, como se cada um lhe custasse algo.
Helga não se moveu. Ela estava ali como um corrimão. “Papai”, disse Lena, finalmente, sua voz quase inaudível. “Eu tenho que te mostrar uma coisa.” Johannes ajoelhou-se na frente dela. “Você está tremendo”, ele disse. “Você está muito quente.” Lena engoliu em seco. “Por favor”, ela disse, “apenas olhe.” Ela se virou. Lentamente, ela puxou a parte de cima do pijama.
Johannes congelou. A ferida havia mudado. Estava maior, mais profunda. A pele ao redor, tensa, brilhante. Linhas escuras se estendiam pelas costas de Lena como rachaduras finas no vidro. O tecido do pijama estava encharcado. Um cheiro subiu. Inconfundível. A boca de Johannes se abriu, mas nenhum som saiu.
Suas mãos tremiam. “Há… há quanto tempo”, ele finalmente conseguiu dizer. “Meses”, sussurrou Lena. “Desculpe, eu estava com medo.” Suas pernas cederam. Johannes a pegou, apertou-a contra si. “Não”, ele disse, rouco. “Não, a culpa é minha.” Nesse momento, uma voz soou lá de cima. “O que está acontecendo aqui?” Victoria estava na escada.
Seu rosto estava tenso, mas seus olhos estavam alertas. Alerta e calculista. Ela viu Lena nos braços de Johannes, viu Helga, viu a mesa. “Johannes, o que é isso?”, ela perguntou suavemente. “São quase 11.” Johannes se virou lentamente. “Você sabia disso?”, perguntou ele. Victoria piscou. “Disso o quê?” Ele apontou para as costas de Lena. “Disso.” Victoria se aproximou. Ela levou uma mão à boca. “Oh, meu Deus, Lena, por que você não me disse isso?” Helga não disse nada.
“Eu sabia”, sussurrou Lena. “Você disse que eu não podia dizer nada.” Victoria riu nervosamente. “Isso é um absurdo. Ela está inventando. Ela sempre foi sensível.” “Não”, disse Helga calmamente. Ela empurrou o celular sobre a mesa. “Escute.” Johannes pegou o celular, apertou o play. A própria voz de Victoria encheu a sala. Crianças, internato. Finalmente paz. Johannes ouviu tudo. Ele não disse nada.
Seu rosto ficou vazio. “Isso é ilegal”, sibilou Victoria. “Você me gravou.” Johannes levantou a mão. “Quietude.” Ele desligou o celular, olhou para Helga. “Você tem fotos?” Helger assentiu, empurrou o celular de volta, abriu a galeria. Johannes olhou e olhou e olhou. Então Victoria agarrou o braço de Lena. “Você, sua pequena mentirosa”, ela sibilou. “Você sempre quis atenção.”
Foi apenas uma frase, mas foi o suficiente. “Saia”, disse Johannes. Sua voz era grave, perigosamente calma. Victoria olhou para ele. “Você está acreditando nela?” “Saia”, ele repetiu. “Ou eu chamo a polícia.” Victoria recuou. Por um momento, algo foi visível em seu olhar. Pânico, depois ódio. Ela se virou e subiu as escadas. A porta do quarto bateu.
Johannes olhou para Helga. “Vamos para o hospital. Agora.” Ele carregou Lena para fora. Helger o seguiu. Lá fora, a noite estava fria. O motor ligou. O carro desapareceu. Helga ficou para trás, sozinha. Lá em cima, ela ouviu algo quebrar. Vidro, vozes, depois silêncio. Helger foi para a cozinha. Ela se sentou.
Pela primeira vez em dias, ela não sentiu nada. Seu celular vibrou. Uma mensagem da Dra. Seidel. Se ele viu, nós assumimos. Helga guardou o celular. De manhã cedo, a ligação chegou. Lena foi operada. Necrose, antibióticos. Tinha sido por pouco. Johannes ligou novamente mais tarde. Sua voz estava embargada. “Obrigado”, ele disse.
“Se você não tivesse…” Ele parou. Victoria foi levada no mesmo dia. Os vizinhos assistiram. Ninguém disse nada. Semanas depois, Helger estava novamente sentada na cozinha da mansão, mas era um silêncio diferente, não tenso, mas respirando. Lena estava sentada à mesa, pintando. Johannes ao lado dela, sem celular. Helga colocou três pratos. O bolo estava quente.
Johannes pegou um pano de prato branco, limpou as mãos e o colocou ordenadamente ao lado do prato. Então ele olhou para Helga. “Fique”, ele disse, não como funcionária, mas como “parte de nós”. Helger assentiu lentamente. O ar fresco entrava pela porta aberta do terraço.