A História Macabra dos Quatro Irmãos que a Ciência se Recusa a Estudar

Era um inverno particularmente severo em 1892. A geada cobria a paisagem com um véu branco e implacável quando o Dr. Augusto Pereira chegou à pequena comunidade de Vale das Sombras, um vilarejo encravado a aproximadamente 30 km ao norte de Curitiba, na província do Paraná. A região, conhecida por seus invernos rigorosos, onde o frio parecia penetrar os ossos, e pela densa mata de araucárias, que cercava as poucas habitações como sentinelas silenciosas e ameaçadoras, era considerada um dos lugares mais isolados e esquecidos do sul do Brasil. O silêncio ali não era pacífico; era pesado, antigo, carregado de segredos que o vento uivante parecia tentar desenterrar a cada sopro.

A estrada que levava ao vilarejo era precária, uma cicatriz de terra vermelha e lama que se tornava praticamente intransitável durante as chuvas intensas, isolando completamente seus habitantes do restante da civilização por semanas ou até meses, transformando o lugar em um mundo à parte, autossuficiente e profundamente desconfiado. Formado pela prestigiada Universidade de Coimbra e recém-retornado ao Brasil, após estudos de medicina e anatomia na Alemanha, o Dr. Pereira era um homem de ciência, orgulhoso de sua objetividade e ceticismo. O médico havia sido enviado pelo Departamento Imperial de Saúde Pública para investigar relatos preocupantes sobre quatro crianças da família Almeida, um nome que, ele logo descobriria, era pronunciado em sussurros no vale.

O caso chegara às autoridades por meio de uma carta anônima endereçada inicialmente à Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, descrevendo comportamentos de natureza alarmante e contrária, segundo o autor, às leis de Deus e da natureza humana. A carta, escrita em papel de qualidade superior e com uma caligrafia elegante e firme, sugerindo alguém de educação formal e posses, havia sido entregue por um mensageiro que não soube identificar o remetente, sumindo como fumaça no ar frio. O mistério em torno da denúncia apenas atiçava a curiosidade científica do jovem médico. Segundo o registro de entrada do Dr. Pereira, datado de 12 de julho daquele ano, sua visita seria breve, apenas para avaliar e medicar conforme necessário. Ele permaneceria na região por longos três anos, e seu destino seria selado nas sombras daquele vale esquecido, onde a ciência cedia lugar ao inexplicável.

O diário pessoal do Dr. Pereira, recuperado parcialmente anos depois, revela sua apreensão inicial, uma confissão de que nem mesmo o rigor científico podia afastar completamente o mal-estar que sentia. “Cheguei à Vale das Sombras após uma jornada exaustiva. A trilha que leva ao vilarejo é estreita e traiçoeira, ladeada por pinheiros tão altos que bloqueiam grande parte da luz solar, mergulhando o caminho em uma penumbra perpétua, mesmo ao meio-dia. Os poucos habitantes que encontrei pelo caminho evitaram meu olhar, apressaram o passo ao saber meu destino e, ao ouvir o nome Almeida, uma senhora idosa fez o sinal da cruz, com os olhos arregalados de medo. Tento manter a objetividade científica, mas confesso que o ambiente não inspira tranquilidade, e a sensação de estar sendo observado é constante.”

As anotações iniciais do Dr. Pereira, conservadas no Arquivo Histórico do Paraná até 1920, quando um incêndio destruiu parte significativa da documentação, descreviam sua chegada à propriedade dos Almeida. A casa principal era uma construção antiga de madeira, erguida pelos primeiros colonizadores da região, e estava situada numa clareira que parecia ter sido arrancada à força da densa mata de araucárias que a cercava. A edificação de dois andares apresentava um aspecto sombrio e opressor mesmo sob a luz fraca do dia. As tábuas de pinho, escurecidas e corroídas pelo tempo e pela umidade, rangiam ao menor sopro de vento, criando uma sinfonia inquietante e melancólica que parecia acompanhar cada movimento dentro da casa, como um lamento contínuo.

Grandes janelas de vidro, raras e dispendiosas para a época e região, permitiam que a luz penetrasse nos cômodos principais, criando um contraste fugaz de claridade e treva, mas os fundos da casa permaneciam em penumbra constante devido à proximidade opressiva das árvores, cujos galhos pareciam dedos esqueléticos a espiar pelas vidraças. Dizia-se que a família Almeida fora uma das fundadoras do vilarejo, descendentes de portugueses que chegaram durante o ciclo da erva-mate, trazendo consigo riquezas e mistérios. Documentos da paróquia local, posteriormente examinados pelo Dr. Pereira, confirmavam sua presença na região desde pelo menos 1840, uma linhagem longa, mas estranhamente isolada.

O pai, Jerônimo Almeida, viúvo há 6 anos, era proprietário de um pequeno engenho de erva-mate e madeireiro. Era um homem de poucas palavras, que recebia os forasteiros com uma desconfiança pétrea que, segundo relatos de comerciantes da região, tornava-se mais pronunciada a cada inverno. Alto e de compleição forte, com barba espessa e sempre bem aparada, Jerônimo impunha respeito apenas com sua presença física, uma muralha de silêncio e força. Seus olhos, de um azul intenso e incomum para a região, pareciam analisar cada movimento de seus interlocutores, como se buscasse intenções ocultas e traidoras em cada gesto ou palavra dita.

Na primeira avaliação, o Dr. Pereira conheceu os quatro irmãos Almeida: Pedro, o primogênito, de 12 anos; as gêmeas Mariana e Isabela, de 9; e Tomás, o caçula, de 7 anos. Em seu relatório inicial, o médico descreveu cada criança com uma precisão quase fotográfica, desprovida de qualquer afeto.

Pedro, o primogênito, era alto para sua idade, de constituição esguia, cabelos negros e olhos azuis como os do pai, mas com uma intensidade mais fria, quase inumana. O menino demonstrava uma postura excessivamente controlada, mantendo-se sempre ereto e com as mãos cruzadas à frente do corpo quando parado, como um pequeno soldado em vigília.

As gêmeas, idênticas a ponto de confundir qualquer observador experiente, tinham cabelos castanho-claros compridos, sempre presos em tranças idênticas e simétricas, e olhos de um tom verde-acinzentado, que, segundo o médico, parecem mudar de tonalidade conforme a luz, como água profunda em um dia nublado.

Tomás, o caçula, era o único que apresentava alguma vivacidade infantil, ainda que contida e reprimida. Pequeno para sua idade, com cabelos claros, quase loiros, e os mesmos olhos penetrantes dos irmãos, ocasionalmente esboçava um sorriso tímido, rápido e fugaz, quando acreditava não estar sendo observado pelos demais.

O que chamou imediatamente a atenção do médico foi o que ele descreveu como um “silêncio disciplinado, quase militar”, entre as crianças. Em suas anotações, destacou que durante as três horas iniciais de observação formal, as crianças não trocaram uma única palavra ou som entre si. “Comunica-se por olhares precisos, como se tivessem desenvolvido uma linguagem própria e impenetrável”, escreveu ele. “Quando o pai ou a governanta dá uma instrução, todas as quatro crianças reagem simultaneamente, como se um único comando interno as dirigisse, uma coordenação física e mental assustadora.” “Não observei em nenhum momento qualquer comportamento espontâneo típico da infância, nem risos, nem discussões triviais, nem a natural competição ou briga entre irmãos.”

A governanta da casa, senhora Matilde, uma mulher de aproximadamente 50 anos que cuidava dos pequenos desde o falecimento da mãe, explicou ao médico que as crianças eram assim desde sempre e que não havia motivo para preocupação médica. De estatura mediana e constituição robusta, Matilde tinha o rosto marcado por rugas profundas que sugeriam uma vida de trabalho árduo e poucas alegrias. Seus olhos pequenos e escuros raramente encontravam os do médico durante as conversas, preferindo fixar-se em algum ponto indeterminado do ambiente, como se estivesse evitando uma verdade que pairava no ar.

Quando questionada sobre a carta anônima enviada às autoridades, negou qualquer conhecimento, atribuindo o relato a fofocas maldosas e infundadas dos invejosos do vilarejo. “Esta família sempre foi alvo de rumores”, disse ela, ajustando nervosamente o avental engomado que usava. “Pessoas simples temem o que não compreendem, doutor, e esta família não é como as outras, eles têm seus próprios costumes.” O tom era defensivo, mas os olhos não mentiam.

Os exames físicos preliminares, conduzidos com a metodologia rigorosa da escola alemã, não indicaram nenhuma anormalidade visível ou doença conhecida. As crianças estavam adequadamente nutridas, sem sinais de maus tratos físicos ou negligência. Contudo, o Dr. Pereira observou que todas apresentavam uma peculiaridade: uma notável palidez que ele inicialmente atribuiu à falta de exposição solar, comum em regiões frias do sul do Brasil. Em um trecho de seu relatório, ele menciona: “Os quatro apresentam uma coloração quase alabastrina, com veias visíveis através da pele, especialmente ao redor dos olhos e têmporas. A temperatura corporal de todas as crianças está ligeiramente abaixo do normal, aproximadamente um grau, mantendo uma frieza atípica. Quando toquei o pulso de Pedro para verificar seus batimentos, notei que sua pele era fria e seca como papel velho, sem a maciez e o calor esperados da infância.” O médico tentou obter informações sobre doenças hereditárias, mas o pai recusou-se veementemente a discutir a saúde da falecida esposa.

Durante a primeira semana de observação, o Dr. Pereira notou outro detalhe inquietante. As crianças raramente eram vistas comendo. Nas refeições formais, servidas pontualmente às 7 da manhã, meio-dia e 6 da tarde, elas moviam os alimentos nos pratos, cortando, empurrando, mas o médico raramente as via levar a comida à boca de forma substancial. Quando questionou a governanta sobre o apetite das crianças, Senhora Matilde respondeu evasivamente: “Elas se alimentam quando estão confortáveis, doutor. Sua presença as deixa acanhadas e sem apetite.” No entanto, mesmo quando observava discretamente de longe, escondido, o comportamento persistia. Em seu diário pessoal, o médico escreveu: “Como podem quatro crianças, em fase de crescimento e desenvolvimento acelerado, sobreviver com tão pouco alimento? E mais intrigante, como mantêm a energia e o vigor para suas atividades diárias, quase atléticas, como se fossem alimentadas por uma fonte de energia que não é a comida comum?”

Foi apenas no terceiro dia de sua estadia que o Dr. Pereira presenciou o primeiro comportamento que considerou digno de nota especial, algo que transcendia a excentricidade. Ao passar pelo corredor que levava aos quartos das crianças, ouviu um zumbido rítmico vindo do quarto das gêmeas. Ao se aproximar sorrateiramente, notou que a porta estava entreaberta. Através da fresta estreita, observou as duas meninas sentadas no chão de madeira, de frente uma para a outra, balançando suavemente, como um pêndulo hipnótico, enquanto entoavam algo que ele descreveu como uma cantiga sem palavras, apenas sons modulados em perfeita e absoluta sincronia. O que mais perturbou o médico foi a observação de que, enquanto cantavam, as gêmeas mantinham os olhos firmemente fechados, como se estivessem em um transe. Mas suas mãos se moviam no ar, desenhando padrões idênticos e simétricos. “Os movimentos eram tão precisamente espelhados que pareciam uma única pessoa diante de um espelho, como se fossem a mesma entidade refletida”, escreveu ele, maravilhado e aterrorizado. “Mais perturbador ainda foi notar que, embora seus olhos estivessem fechados, suas cabeças acompanhavam o meu movimento no corredor, como se pudessem me ver através da madeira da porta, como se tivessem olhos na nuca, ou uma consciência compartilhada.”

Naquela mesma noite, enquanto jantava com o pai das crianças, o Dr. Pereira tentou abordar o assunto do estranho comportamento. Jerônimo Almeida permaneceu em silêncio por quase um minuto inteiro, olhando para a chama da lamparina central, antes de responder com a voz baixa e controlada:

— Doutor, certas coisas são melhor não serem estudadas. Minha falecida esposa dizia que há sabedoria em deixar alguns mistérios em paz, onde eles pertencem.

A luz da lamparina central da sala de jantar projetava sombras alongadas e distorcidas no rosto do homem, acentuando as linhas severas de sua expressão. Quando pressionado, ele acrescentou apenas:

— As crianças nasceram assim, doutor. Nada pode ser feito.

Seu tom, embora calmo, continha uma nota final, um limite, que desencorajava qualquer questionamento adicional ou aprofundamento.

Após o jantar, recolhido em seu quarto designado no segundo andar da casa, o Dr. Pereira registrou suas impressões no diário. “Há algo profundamente perturbador na dinâmica desta família. O pai parece mais um guardião de segredos do que um genitor. As crianças, por sua vez, demonstram uma obediência que beira a subserviência forçada. No entanto, em certos momentos, percebo olhares trocados entre elas, que sugerem uma comunicação interna, uma cumplicidade de propósito, como se seguissem um plano próprio que transcende as ordens paternas ou da governanta. Mais intrigante ainda é a sensação constante de estar sendo observado, mesmo quando estou sozinho neste quarto com as portas fechadas. Os ruídos da casa, o ranger das tábuas, o vento nos corredores, parecem, por vezes, formar padrões, quase como sussurros coordenados, como se a própria casa estivesse viva e falasse.”

Foi na primeira semana de agosto que o Dr. Pereira, desesperado por alguma verdade tangível, decidiu examinar os registros da paróquia local. A pequena igreja de São Benedito, construída com pedra escura no centro do vilarejo, mantinha registros desde a fundação do povoado. O vigário, padre Antônio Cordeiro, um homem magro de aparência asética e olhos fundos que sugeriam noites de insônia e jejum, mostrou-se inicialmente relutante em colaborar, mas cedeu após o médico mencionar sua autorização oficial do Departamento Imperial de Saúde Pública. O sacerdote conduziu-o a uma pequena sala adjacente à sacristia, onde livros encadernados em couro continham os registros de batismos, casamentos e óbitos da comunidade.

O cheiro denso de mofo, cera de vela e incenso impregnava o ambiente, e a única luz vinha de uma janela estreita, criando uma atmosfera de intimidade forçada entre os dois homens, enquanto folheavam os registros amarelados pelo tempo. Nos registros de batismo, o Dr. Pereira descobriu algo intrigante. Apenas Pedro e Tomás tinham registros formais. O primogênito havia sido batizado com grande celebração e pompa, conforme anotações do pároco anterior, com a presença de diversos padrinhos de famílias importantes da região, um evento social. Tomás, por outro lado, recebera um batismo simples, quase secreto, com apenas o padre e dois padrões como testemunhas, um contraste notável com o tratamento dado ao primeiro filho. As gêmeas não constavam nos livros paroquiais.

Questionado sobre a discrepância, o padre respondeu evasivamente que algumas famílias preferem batismos domésticos e rapidamente mudou de assunto, foliando nervosamente os livros, como se buscasse distrair o médico de sua linha de investigação. Antes de se despedirem na porta da igreja, o padre Antônio segurou o braço do médico com força surpreendente para seu físico frágil e sussurrou, a voz trêmula:

— Tenha cuidado com o que procura, doutor. Há segredos em Vale das Sombras que a igreja prefere não confrontar. A família Almeida está aqui há gerações, mas nunca realmente pertenceu a este lugar.

Quando o médico pediu esclarecimentos, o padre apenas fez o sinal da cruz, com um terror visível, e voltou para o interior escuro da igreja, fechando a pesada porta de madeira atrás de si, como quem sela um túmulo.

O inverno daquele ano estendeu-se além do normal, uma persistência atípica e sinistra. Em meados de setembro, quando as temperaturas deveriam estar começando a subir, uma nevasca violenta isolou o vilarejo por quase duas semanas. A neve, incomum mesmo para os padrões da região, acumulou-se rapidamente, bloqueando estradas e isolando as casas mais afastadas. O céu permanecia constantemente cinzento, criando uma penumbra perpétua que só era quebrada brevemente durante algumas horas ao meio-dia. Os moradores, acostumados aos invernos rigorosos, comentavam em voz baixa que não viam uma nevasca daquela magnitude desde o ano em que a Senhora Almeida faleceu, uma coincidência que pairava no ar como uma maldição.

Durante este período, o Dr. Pereira, hospedado numa pequena pensão próxima à igreja, aproveitou para entrevistar discretamente alguns moradores sobre a família Almeida, encorajado pelo isolamento. A pensão, administrada por uma viúva idosa chamada Dona Conceição, era o único estabelecimento do tipo no vilarejo e servia como ponto de encontro informal para os poucos viajantes que se aventuravam na região. Nas noites geladas, enquanto o vento uivava do lado de fora, os habitantes locais se reuniam ao redor da lareira da sala comum, compartilhando histórias e, com algum incentivo de uma boa cachaça produzida localmente, revelando segredos que normalmente permaneceriam enterrados na escuridão.

As respostas que o médico obteve seguiam um padrão curioso: respeito distante pelo pai, evitação quase supersticiosa das crianças e um silêncio constrangido sobre a mãe falecida. Frases como: “Boa família e pessoas reservadas” eram repetidas quase mecanicamente, como se fossem ensaiadas ou obrigatórias. No entanto, quando o assunto tocava especificamente nas crianças, os olhares desviavam-se e as vozes baixavam, carregadas de temor. Uma senhora idosa, que se identificou apenas como prima distante dos Almeida, sussurrou ao médico, após vários copos de licor de jabuticaba:

— A Helena nunca teve quatro partos, doutor. Isso é o que todos sabem, mas ninguém diz em voz alta.

Quando pressionada a explicar, a mulher pareceu recobrar a sobriedade subitamente, como se um feitiço fosse quebrado, levantou-se com dificuldade e retirou-se para seu quarto, recusando-se a falar mais sobre o assunto nos dias seguintes.

O dono da única mercearia do vilarejo, Sr. Joaquim, um homem corpulento de meia-idade, com uma cicatriz proeminente que cruzava seu rosto do olho direito até o queixo, foi um pouco mais comunicativo, talvez por interesse financeiro.

— Faço entregas na casa dos Almeida há mais de 15 anos — comentou, enquanto organizava latas de conserva nas prateleiras desgastadas de seu estabelecimento. — Sempre deixo as mercadorias na porta dos fundos. Jerônimo deixa o pagamento exato num envelope. Nunca me atraso, nunca erro nas quantidades. Nesta região, doutor, é melhor assim, manter a distância.

Quando questionado sobre o porquê de tal arranjo, o comerciante apenas deu de ombros, com resignação.

— Dizem que a Senhora Almeida adoeceu depois que as gêmeas nasceram. Nunca mais foi a mesma. E depois que o pequeno Tomás chegou, bem, algumas mulheres não se recuperam do parto. Mas o estranho foi que mesmo antes dela partir, as crianças já pareciam diferentes, mais frias, mais velhas do que a idade indicava.

Quando as estradas finalmente foram liberadas, o Dr. Pereira recebeu um convite inesperado de Jerônimo Almeida para passar alguns dias na casa da família, sob o pretexto de completar seus estudos sobre as crianças. O convite, uma armadilha sutil, chegou por meio de Tomás, que apareceu sozinho na porta da pensão numa manhã particularmente fria. O menino, vestido inadequadamente para o clima, apenas com uma camisa fina e calças curtas, não demonstrava qualquer sinal de desconforto, apesar da temperatura próxima de zero, uma anomalia que intrigava o médico. Entregou o bilhete sem dizer uma palavra e permaneceu imóvel, aparentemente esperando uma resposta, uma estátua de carne. O médico aceitou prontamente, vendo ali uma oportunidade única de observar mais de perto o comportamento íntimo dos irmãos. Ao comunicar sua decisão, notou que os lábios do menino se curvaram levemente para cima, no que poderia ser interpretado como um sorriso fugaz, mas seus olhos permaneceram vazios de emoção, como vidro.

Na primeira noite na casa, um som acordou o Dr. Pereira por volta das 3 da manhã. Era um ruído rítmico, como pequenos passos descalços no assoalho de madeira, uma procissão silenciosa. O som tinha uma qualidade peculiar, não era apenas o ranger natural da madeira sob peso, mas algo mais cadenciado, quase como uma batida deliberada, um ritmo interno. Ao abrir levemente a porta de seu quarto, viu os quatro irmãos descendo a escada em fila indiana, todos vestidos com camisolas brancas idênticas, fantasmagóricas. A luz prateada e fria da lua cheia, filtrando-se através das janelas altas do corredor, criava um efeito fantasmagórico sobre as figuras pálidas das crianças. Pedro, o mais velho, liderava a procissão, segurando o que parecia ser um livro encadernado em couro escuro e antigo.

As crianças dirigiram-se à cozinha e o médico seguiu-os silenciosamente, mantendo distância segura, movido por uma curiosidade que superava o medo. O corredor que levava à cozinha era longo e estreito, com o piso de madeira que rangia a cada passo, independentemente do cuidado tomado. O médico questionou-se em seu diário como as crianças conseguiam mover-se sem produzir qualquer som, enquanto seus próprios passos, por mais cuidadosos que fossem, ecoavam pelas paredes com amplificação sobrenatural. A temperatura parecia cair drasticamente à medida que se aproximava da cozinha, a ponto de sua respiração formar pequenas nuvens de condensação no ar, um frio anômalo.

Na cozinha, as crianças sentaram-se ao redor da mesa de madeira maciça. O ambiente, normalmente acolhedor durante o dia, com seu grande fogão à lenha e prateleiras de mantimentos cuidadosamente organizados, adquiria uma qualidade opressiva sob a luz tênue do luar que penetrava pela única janela. As sombras pareciam alongar-se nas paredes, criando formas distorcidas que se moviam sutilmente, mesmo na ausência de qualquer brisa. Pedro abriu o livro e começou a virar as páginas lentamente. O Dr. Pereira, escondido atrás da porta da despensa, não conseguia ver o conteúdo, mas notou que cada vez que uma página era virada, os quatro inclinavam a cabeça exatamente no mesmo ângulo, como se estivessem contemplando uma imagem particularmente absorvente, uma única mente a processar uma única informação.

O que mais perturbou o médico foi notar que, enquanto observavam o livro, as crianças pareciam murmurar em uníssono numa língua que ele não reconhecia. Não era português, nem qualquer outro idioma europeu com o qual estivesse familiarizado. O som tinha uma qualidade gutural, quase animalesca, intercalada com sibilos prolongados, que parecia vir de uma garganta que não era humana. Em determinado momento, todos os quatro colocaram as mãos sobre o livro simultaneamente, e o médico poderia jurar que viu uma luz tênue, esverdeada, emanar das páginas, iluminando seus rostos de baixo para cima, conferindo-lhes um aspecto demoníaco.

Depois de aproximadamente 20 minutos, Pedro fechou o livro com um baque suave. As crianças permaneceram imóveis por alguns segundos, em uma quietude sepulcral. Então, levantaram-se simultaneamente e retornaram aos seus quartos na mesma formação silenciosa, como se seguissem um roteiro invisível. O Dr. Pereira esperou até ter certeza de que as crianças haviam retornado aos seus quartos antes de voltar ao seu próprio aposento. Ao passar pelo corredor, notou algo que não havia percebido antes. Pequenas marcas escuras no chão de madeira, formando um padrão circular próximo à escada, o ponto de origem de sua procissão. Abaixando-se para examinar melhor, percebeu que eram manchas antigas, quase completamente absorvidas pela madeira, mas com uma coloração que sugeria sangue seco.

Na manhã seguinte, durante o café, o Dr. Pereira tentou mencionar casualmente o incidente, perguntando a Pedro que livro ele estava lendo na noite anterior. A mesa do café da manhã estava posta com a mesma precisão meticulosa de sempre: louça branca impecável, talheres de prata polidos, pão fresco e uma variedade de compotas caseiras arranjadas simetricamente. As quatro crianças trocaram olhares idênticos, uma comunicação silenciosa que durou apenas um segundo, e foi o pequeno Tomás quem respondeu:

— Não temos permissão para ler à noite, doutor. Nosso pai não permite velas nos quartos, para evitar acidentes.

Sua voz era suave e melodiosa, mas completamente desprovida de entonação infantil, plana como uma tábua. Jerônimo Almeida, presente à mesa, assentiu em confirmação, observando o médico com um olhar que mesclava desconfiança e algo que o doutor interpretou como aviso velado:

— As crianças precisam de rotinas rígidas, doutor. O sono é sagrado para o desenvolvimento adequado — acrescentou o pai, cortando metodicamente uma fatia de queijo em pedaços perfeitamente iguais que distribuiu nos pratos das crianças, nenhuma das quais tocou na comida enquanto o médico esteve presente.

Naquela tarde, enquanto as crianças estavam com a governanta para suas aulas, o Dr. Pereira aproveitou para examinar a biblioteca da casa, movido por uma obsessão crescente. Localizada no térreo, próxima ao escritório de Jerônimo, a sala era menor do que seria de se esperar em uma casa daquele porte. As paredes eram revestidas por estantes de madeira escura, algumas chegando até o teto alto. A única fonte de luz natural era uma janela estreita voltada para o norte, que permitia a entrada de uma claridade difusa, mesmo nos dias mais ensolarados. Era uma coleção modesta, composta principalmente por livros técnicos sobre agricultura e contabilidade. Não havia romances ou livros infantis, exceto por uma antiga Bíblia ilustrada, cujas páginas mostravam sinais de uso frequente. O que chamou sua atenção, porém, foi uma estante trancada com uma pequena chave. Ao questionar Jerônimo sobre ela, o homem respondeu secamente:

— Documentos da família, nada de interesse médico.

Enquanto o doutor examinava as estantes, notou algo estranho. Uma corrente de ar fria vinha de trás da estante principal. A temperatura, naquele ponto específico, era notavelmente mais baixa, criando uma sensação quase palpável de passagem entre ambientes. Movendo discretamente alguns volumes, percebeu que a parede atrás não era sólida. Havia um espaço oco, uma câmara. A argamassa entre os tijolos estava escurecida naquela área, como se afetada por umidade constante, e, em alguns pontos, parecia ter sido deliberadamente removida e recolocada.

Antes que pudesse investigar mais, foi interrompido pelo retorno inesperado de Jerônimo, que entrou na biblioteca sem fazer ruído, como se seus passos não produzissem som algum sobre o assoalho normalmente ruidoso.

— Encontrou algo de seu interesse, doutor? — perguntou Jerônimo, sua voz ecoando no ambiente silencioso.

O médico tentou disfarçar sua investigação, mencionando seu interesse por tratados agrícolas. O olhar de Jerônimo fixou-se por um momento na estante que o médico estivera examinando, mas não fez nenhum comentário direto. Em vez disso, ofereceu mostrar ao doutor o terreno ao redor da casa, uma proposta que soava mais como ordem do que convite.

Durante o passeio pelos arredores da propriedade, o Dr. Pereira notou um pequeno cemitério familiar nos fundos da casa, cercado por uma grade de ferro forjado com detalhes elaborados. Seis lápides simples estavam dispostas em duas fileiras perfeitamente alinhadas. Quando perguntou sobre elas, Jerônimo respondeu brevemente:

— Meus pais, avós e minha esposa.

O médico contou mentalmente. Eram seis túmulos para cinco pessoas mencionadas. Quando estava prestes a questionar a discrepância, um som agudo e prolongado, como o choro de uma criança muito pequena, veio da direção da casa. Jerônimo virou-se abruptamente, o pânico cruzando seus olhos por um instante.

— As gêmeas devem estar brincando. Vamos voltar. Está ficando frio.

Na noite seguinte, o Dr. Pereira foi acordado novamente pelo som de passos no corredor. Desta vez, porém, não eram as crianças, mas sim Jerônimo Almeida, que descia as escadas carregando uma lamparina. A luz oscilante projetava sombras distorcidas nas paredes, dando a impressão de que o homem era seguido por formas indistintas que se moviam independentemente. Curioso, o médico seguiu-o até a biblioteca. O assoalho, que normalmente rangia sob qualquer peso, permanecia estranhamente silencioso sob os passos de Jerônimo, enquanto cada movimento do médico parecia amplificado no silêncio opressor da casa.

Lá viu o homem destravar a estante misteriosa e retirar um livro grosso com capa de couro idêntico ao que Pedro segurava na noite anterior. O tomo tinha um aspecto antigo, com cantos desgastados pelo manuseio frequente e o que pareciam ser manchas escuras, quase negras, na capa. Jerônimo abriu-o e ficou folheando por alguns minutos, fazendo anotações ocasionais num pequeno caderno. A luz da lamparina colocada estrategicamente sobre a mesa iluminava apenas o livro e as mãos do homem, deixando seu rosto nas sombras. Por vezes, ele parava em determinada página e passava os dedos sobre o conteúdo, como se sentisse a textura do papel, murmurando palavras inaudíveis e arcaicas. Depois devolveu o livro à estante, trancou-a e retornou ao seu quarto. O médico esperou alguns minutos antes de tentar se aproximar da estante, mas descobriu que a porta da biblioteca agora estava trancada, algo que não notara anteriormente durante o dia, uma nova precaução.

Ao retornar ao seu quarto, percebeu uma mudança sutil e perturbadora. Os objetos sobre sua mesa de cabeceira haviam sido rearranjados e seu diário, que sempre mantinha fechado, estava aberto exatamente na página onde havia registrado suas observações sobre o comportamento noturno das crianças. A mensagem era clara: ele estava sendo vigiado, e não apenas pelas crianças.

Na manhã seguinte, o Dr. Pereira encontrou uma oportunidade de examinar as crianças individualmente. Convenceu Jerônimo da necessidade de uma avaliação mais detalhada, argumentando que precisava observar cada criança sem a influência telepática das outras. Relutantemente, o pai concordou, designando o escritório como local para as consultas.

Tomás, o mais novo, foi o primeiro. O menino entrou na sala com passos medidos, sentando-se na cadeira indicada com as costas perfeitamente eretas. Seus olhos azuis-claros fixaram-se no médico com uma intensidade desconcertante para uma criança de sua idade. Durante a consulta, o médico perguntou-lhe sobre sua mãe. O menino olhou para a porta fechada antes de responder em voz baixa, quase inaudível.

— Ela nos deixou no escuro por muito tempo, antes de ir embora.

Sua voz tinha uma qualidade estranha, como se falasse através de água fria. Quando questionado sobre o que isso significava, Tomás simplesmente respondeu:

— Pedro diz que não devemos falar sobre isso.

O médico tentou outras abordagens, perguntando sobre seus sonhos, suas brincadeiras preferidas, seus estudos. Para cada pergunta, Tomás oferecia respostas mínimas, frequentemente repetindo o que Pedro diz como prefácio para qualquer informação. No final da consulta, quando o médico guardava suas anotações, o menino disse repentinamente, sem qualquer provocação:

— O senhor não deveria olhar atrás das estantes. Há coisas que não querem ser encontradas.

As gêmeas foram examinadas juntas a pedido de Jerônimo, que se recusou a separá-las. Durante toda a consulta, as meninas responderam às perguntas em uníssono perfeito, como se tivessem ensaiado centenas de vezes. Suas vozes se sobrepunham com precisão absoluta, criando um efeito acústico que o médico descreveu em suas anotações como desconcertante e hipnótico. Fisicamente idênticas até nos menores detalhes, mesmos sinais de nascença, mesma distribuição de sardas quase imperceptíveis sobre o nariz, as gêmeas mantinham-se sempre à mesma distância uma da outra, como se conectadas por um cordão invisível de carne e consciência.

Quando o médico tentou separá-las brevemente, enviando Mariana para buscar um copo d’água, Isabela entrou num estado de angústia visível e assustadora, respirando com dificuldade e segurando o peito. Seus lábios adquiriram uma coloração azulada alarmante e pequenas gotas de suor frio formaram-se em sua testa. Mariana, ainda no corredor, começou a apresentar os mesmos sintomas simultaneamente, caindo de joelhos a exatos sete passos da porta, a mesma angústia refletida.

Quando reunidas novamente, ambas se acalmaram imediatamente, a cor retornando aos seus rostos em sincronia perfeita, como se a proximidade física fosse o único antídoto para sua agonia.

— Isso sempre acontece quando são separadas? — perguntou o médico à governanta, que havia corrido ao ouvir o tumulto.

— Elas não devem ser separadas, doutor — respondeu a mulher, seu rosto uma máscara de preocupação grave. — Foi a primeira lição que aprendi quando vim trabalhar para esta família. As gêmeas nasceram juntas, e assim devem permanecer. A Senhora Almeida foi muito clara sobre isso antes de partir.

Quando questionadas diretamente sobre sua mãe, as gêmeas trocaram um olhar breve e frio antes de responderem, ainda em uníssono perfeito.

— Nossa mãe nos visita quando dormimos. Ela nunca realmente nos deixou.

O médico notou que, ao dizerem isso, ambas inconscientemente tocaram seus pescoços no mesmo ponto exato, logo abaixo da orelha esquerda, um gesto reflexo. Quando pediu para examinar a área, não encontrou nada além de uma pequena marca avermelhada que poderia facilmente ser confundida com uma irritação comum da pele.

Pedro, o mais velho, mostrou-se o mais articulado e controlado dos quatro. Respondeu às perguntas com uma precisão incomum para sua idade, usando ocasionalmente termos médicos e latinos que surpreenderam o Dr. Pereira. Quando questionado sobre isso, o menino explicou que lia os livros do pai quando este não estava, um leitor voraz. Sua postura era perfeitamente ereta, quase militar, e seus movimentos eram medidos e econômicos, nenhum gesto supérfluo, nenhuma expressão facial além do necessário para a comunicação básica. O médico notou que, diferente das outras crianças, Pedro apresentava uma cicatriz fina e pálida, que contornava todo o seu pulso direito, como se tivesse sido amarrado com força no passado. Quando questionado sobre ela, o menino respondeu sem hesitação ou emoção:

— Foi um acidente durante meu treinamento. Certas lições exigem sacrifícios.

Antes que o médico pudesse indagar mais sobre o assunto, Pedro mudou sutilmente o rumo da conversa, perguntando sobre os estudos do doutor na Europa e demonstrando conhecimento surpreendente sobre anatomia e fisiologia. No final da consulta, já à porta, Pedro virou-se e disse ao médico, com a voz baixa e adulta:

— O senhor não deveria estar aqui. Algumas pesquisas são perigosas para quem as conduz.

Seus olhos, normalmente de um azul profundo como os do pai, pareceram momentaneamente mais escuros, quase negros, vazios de luz. Um efeito que o médico, tentando manter a sanidade científica, atribuiu à mudança de iluminação quando uma nuvem cobriu o sol, lançando a sala em penumbra repentina e dramática.

Naquela noite, um temporal violento atingiu a região. Os ventos uivavam através das araucárias que cercavam a propriedade, criando sons que, por vezes, lembravam gritos distantes de almas. A chuva fustigava as janelas com força e os relâmpagos iluminavam intermitentemente os corredores da casa, criando sombras alongadas e fugazes nas paredes. O Dr. Pereira, incapaz de dormir, decidiu aproveitar a oportunidade para investigar a biblioteca novamente, impulsionado por uma obsessão que o consumia. Com uma pequena vela protegida por sua mão, ele desceu as escadas silenciosamente, detendo-se a cada ranger do assoalho, para certificar-se de que não havia despertado ninguém. A casa estava às escuras, exceto pelos clarões ocasionais dos relâmpagos que penetravam pelas janelas altas, iluminando brevemente os corredores vazios. Para sua surpresa, a porta da biblioteca estava destrancada.

Ao entrar, notou que a temperatura no aposento era significativamente mais baixa que no resto da casa, a ponto de sua respiração formar pequenas nuvens de condensação. Uma sensação de ser observado o acompanhava, mas atribuiu-a à tensão natural da situação. Na biblioteca, o médico examinou cuidadosamente a estante trancada. Usando um pequeno instrumento de seu estojo médico, conseguiu forçar a fechadura. O mecanismo cedeu com um clique audível que pareceu ecoar excessivamente no silêncio da casa.

Dentro, encontrou uma coleção de cadernos manuscritos, todos com a mesma caligrafia delicada e precisa. A tinta, inicialmente preta nos volumes mais antigos, gradualmente adquiria um tom avermelhado nos mais recentes, uma mudança que o médico inicialmente atribuiu à oxidação natural ou a uma alteração na fórmula da tinta utilizada. Eram diários datados desde 1879 até 1886, cobrindo os anos do nascimento e da primeira infância das crianças. Os diários pertenciam a Helena Almeida, a mãe falecida.

Além dos diários, a estante continha outros itens de natureza mais perturbadora: pequenos frascos de vidro escuro, contendo o que pareciam ser amostras de cabelo e unhas, rotulados meticulosamente com datas, como relíquias sinistras. Um escapulário de couro contendo um retrato em miniatura de uma mulher jovem e bela, com os mesmos olhos penetrantes e frios das crianças. E, mais intrigante, um pequeno estojo de madeira entalhada que, ao ser aberto, revelou cinco miniaturas de crianças esculpidas em osso branco, de fatura delicada e assustadoramente realista.

O Dr. Pereira abriu o primeiro volume e começou a ler à luz trêmula da vela. As primeiras entradas descreviam a vida de uma jovem recém-casada, cheia de esperanças para o futuro. Helena escrevia sobre seu amor por Jerônimo e seus planos de formar uma família grande. Em 1880, ela registrou sua primeira gravidez com alegria extasiada.

Sinto a vida crescendo dentro de mim. Jerônimo está tão feliz quanto eu. Passamos as noites planejando o futuro de nosso filho, pois tenho certeza de que será um menino. Já posso senti-lo respondendo aos meus pensamentos, como se partilhássemos mais do que apenas sangue, uma conexão mais profunda.

O nascimento de Pedro em janeiro de 1881 foi descrito como o dia mais feliz de minha existência. As entradas subsequentes, porém, adquiriram gradualmente um tom mais sombrio, de desconfiança e crescente medo. Apenas três meses após o nascimento de Pedro, Helena começou a relatar comportamentos incomuns e anormais no bebê.

Ele raramente chora, mesmo quando está obviamente desconfortável. Seus olhos seguem-me pela casa de um modo que a parteira diz não ser natural em uma criança tão jovem. Às vezes acordo na noite e o encontro simplesmente olhando para mim, completamente imóvel, em seu berço, com uma sabedoria que me aterroriza. Em sua boca não há som, mas seus olhos falam. Em entradas posteriores, ela mencionava discussões com Jerônimo sobre o comportamento do filho. J diz que estou imaginando coisas, que Pedro é apenas uma criança tranquila e observadora. Mas hoje, quando o peguei no colo, ele olhou para mim e disse claramente: “Mãe”, embora tenha apenas oito meses. Quando contei a J, ele apenas sorriu e disse: “Os Almeidas sempre foram precoces.”

Helena escrevia sobre sonhos perturbadores durante sua segunda gravidez em 1883. Mencionava que acordava frequentemente, sentindo que algo a observava das sombras. Ela descrevia uma sensação constante de não estar sozinha, mesmo nos cômodos vazios da casa. É como se os próprios cantos escuros tivessem olhos. Sinto-me observada o tempo todo, especialmente quando estou sozinha com Pedro. Ele desenvolveu o hábito de falar sozinho em seu quarto, mas quando me aproximo, percebo que não está falando sozinho, está conversando com alguém que não posso ver, uma quinta voz.

O nascimento das gêmeas em outubro daquele ano foi descrito em termos ambíguos, quase míticos. Elas vieram ao mundo em silêncio absoluto. Nenhum choro, nenhum suspiro, apenas olhos abertos, fitando-me como se já me conhecessem da eternidade. Helena mencionava a reação de Pedro ao nascimento das irmãs. Ele tem apenas dois anos, mas seu comportamento com as gêmeas é desconcertante. Senta-se por horas ao lado do berço, apenas observando-as. Ontem encontrei-o cantando para elas uma melodia que nunca ouvi antes. Não é uma canção de ninar que eu ou a governanta possamos ter ensinado. Quando perguntei onde aprendeu, ele respondeu: “A outra mãe ensinou.”

Foi no diário de 1884 que o Dr. Pereira encontrou a primeira menção explícita a algo anormal e sinistro. As meninas não são como outras crianças. Às vezes observo-as no berço e tenho certeza de que se comunicam, embora nenhum som seja emitido, apenas uma troca de olhares. Pedro também mudou desde que elas nasceram. Ele as observa por horas, como se recebesse instruções, como um discípulo. Ontem encontrei os três no quarto das meninas. Pedro tinha feito um pequeno corte em seu dedo e pressionava-o contra os lábios das gêmeas, uma após a outra. Quando perguntei o que estava fazendo, ele respondeu com naturalidade perturbadora: “Elas estão com fome, mamãe.”

As entradas tornavam-se gradualmente mais fragmentadas e ansiosas, refletindo a deterioração psicológica de Helena. J diz que estou sofrendo de melancolia pós-parto, mas eu sei o que vejo. As crianças não são normais. Há algo nos olhos delas, uma sabedoria antiga e cruel que nenhuma criança deveria possuir. E os sons que vêm do quarto delas à noite não são choros de bebê, são outra coisa, um zumbido ritualístico.

Em uma entrada particularmente perturbadora, Helena descrevia um incidente com as gêmeas. Encontrei-as hoje sentadas em um círculo de cinzas que haviam desenhado no chão do quarto. No centro do círculo estava um pássaro morto. Não consigo imaginar como o trouxeram para dentro de casa. Quando entrei, ambas olharam para mim simultaneamente com os dedos manchados de cinza e sangue seco. “Estamos aprendendo sobre dentro e fora!” disseram em uníssono perfeito. Elas têm apenas 10 meses de idade.

Várias páginas haviam sido arrancadas entre esta entrada e a próxima, que datava de três meses depois, e tinha uma caligrafia mais trêmula e desesperada. Estou grávida novamente. J está exultante, mas não consigo compartilhar sua alegria. Algo está errado nesta casa, nesta família. As crianças sabiam antes de mim. Encontrei-as sussurrando para minha barriga ainda plana na semana passada. “Bem-vindo de volta“, diziam elas. “Desta vez será diferente.”

O último diário, datado de 1886, continha entradas cada vez mais desconexas. Helena escrevia sobre a voz no porão e sobre o que realmente aconteceu naquela noite. Mencionava repetidamente um acordo que Jerônimo havia feito antes de seu casamento, embora nunca especificasse os termos ou com quem tal acordo fora estabelecido, sugerindo um pacto profano. Agora entendo porque a família Almeida permaneceu neste vale isolado por gerações. Entendo porque sempre foram temidos e respeitados. Entendo o que significa realmente carregar o sangue dos Almeida.

A última entrada, datada de três dias antes de seu falecimento oficial por febre puerperal, após o nascimento de Tomás, dizia apenas: Eles não são quatro, nunca foram. O que nasce em Vale das Sombras nunca morre realmente. Não sei o que virá à luz junto com este bebê, mas sei que não estarei aqui para ver. Deixo estas palavras como testemunho e aviso para qualquer alma corajosa ou tola o suficiente para procurar a verdade. Que Deus tenha misericórdia de todos nós.

Um relâmpago particularmente forte iluminou a biblioteca e o Dr. Pereira percebeu, com um terror gelado, que não estava sozinho. As quatro crianças estavam paradas à porta observando-o em silêncio. Pedro segurava uma lamparina cujo brilho iluminava os rostos pálidos dos irmãos por baixo, criando sombras inquietantes sobre suas faces.

— O senhor não deveria ler as palavras da nossa mãe — disse o menino, sua voz estranhamente adulta e desprovida de infância. — Algumas verdades não foram feitas para serem conhecidas pela ciência.

As gêmeas, postadas logo atrás de Pedro, mantinham-se de mãos dadas, seus olhos fixos no médico com uma intensidade perturbadora. Tomás, o menor, estava parcialmente escondido atrás das irmãs, mas o médico podia ver seus pequenos dedos, segurando firmemente as saias das gêmeas. Por um instante fugaz, quando outro relâmpago iluminou o aposento, o Dr. Pereira teve a impressão de ver uma quinta figura entre as crianças, menor, mais pálida e translúcida, como uma fotografia desbotada, atribuiu a visão à fadiga e ao efeito da luz intermitente, lutando contra o que viu.

O médico tentou explicar-se, mas as crianças simplesmente viraram-se e saíram em fila. O som de seus passos, que havia sido completamente ausente quando chegaram, agora ecoava pelo corredor em uma cadência rítmica que lembrava mais uma marcha militar do que o caminhar de crianças. Perturbado, ele guardou os diários e retornou ao seu quarto.

Na manhã seguinte, Jerônimo informou-o que sua presença não era mais necessária e que deveria partir após o café, com um sorriso de superioridade sutil. Enquanto arrumava suas malas, o Dr. Pereira notou um pequeno desenho dobrado sob seu travesseiro. Era um esboço feito a carvão, claramente desenhado por uma criança, mostrando cinco figuras de mãos dadas, não quatro. As quatro figuras maiores eram facilmente reconhecíveis como representações estilizadas de Pedro, Mariana, Isabela e Tomás. A quinta figura, menor e localizada no centro do grupo, era apenas uma silhueta sem feições, mas com o que pareciam ser olhos completamente negros, vazios. No verso, escrito com letra infantil, havia uma mensagem curta e enigmática: Somos mais do que seus olhos podem ver.

Ao deixar a propriedade dos Almeida naquela manhã, o Dr. Pereira olhou para trás uma última vez. As quatro crianças estavam alinhadas na varanda, imóveis como estátuas de cera, observando sua partida. Por um instante fugaz, quando um raio de sol atravessou as nuvens e iluminou a varanda, o médico teve a impressão de ver não quatro, mas cinco silhuetas. Atribuiu a ilusão ao efeito da luz matinal e à fadiga acumulada das noites mal dormidas.

Ao retornar a Curitiba, o Dr. Pereira compilou suas observações em um relatório detalhado que enviou ao Departamento Imperial de Saúde Pública. Descreveu meticulosamente o comportamento das crianças, suas observações sobre a dinâmica familiar e os elementos perturbadores que encontrara, embora tivesse omitido suas incursões noturnas à biblioteca e o conteúdo exato dos diários de Helena, por temer que tais revelações comprometessem a credibilidade científica de seu relato. Não recebeu resposta. Três semanas depois, foi informado de que o caso havia sido arquivado por falta de evidências de anormalidade médica. O breve comunicado oficial sugeria que o médico concentrasse seus esforços em casos de real emergência médica, como as epidemias sazonais de febre amarela que assolam os centros urbanos.

Insatisfeito com o descaso das autoridades, o Dr. Pereira enviou cópias de suas anotações para colegas na Europa, incluindo um especialista em desenvolvimento infantil na Universidade de Heidelberg, professor Wilhelm Kaffman, com quem mantinha correspondência desde seus estudos na Alemanha. O professor era conhecido por seus estudos pioneiros sobre o que então se chamava anomalias comportamentais em infantes.

Em novembro de 1892, recebeu uma carta de seu colega alemão que dizia apenas: Queime suas anotações. Esqueça o que viu. Há casos que a ciência atual não está preparada para estudar. O tom alarmista, vindo de um homem conhecido por seu ceticismo e rigor científico, perturbou profundamente o médico. Mais intrigante ainda foi a nota pessoal acrescentada ao final da carta. Caro amigo, preciso perguntar. Você mencionou quatro crianças em seu relato. Tem absoluta certeza de que eram apenas quatro?

O Dr. Pereira não seguiu o conselho. Nos dois anos seguintes, retornou à Vale das Sombras várias vezes, sempre como visitante casual, nunca como médico oficial. Em cada visita, observava a família Almeida à distância. As crianças pareciam crescer normalmente, mas raramente eram vistas na vila. Quando apareciam, normalmente na missa dominical, mantinham-se isoladas das outras crianças, sempre juntas e sempre em silêncio disciplinado. O médico notou que, apesar da passagem dos anos, as diferenças de idade entre elas pareciam menos pronunciadas. Pedro, embora ainda fosse o mais alto, não aparentava ser significativamente mais velho que as gêmeas. E Tomás parecia estar alcançando rapidamente a estatura dos irmãos, como se o tempo os estivesse unificando.

Jerônimo tornou-se ainda mais recluso, eventualmente abandonando o negócio de erva-mate para se dedicar exclusivamente à madeira, que não exigia contato frequente com outros comerciantes. Os moradores comentavam em voz baixa que a madeira cortada na propriedade dos Almeida tinha qualidades especiais. Nunca apodrece, nunca empena, nunca é atacada por cupins. Mas ninguém questionava abertamente os métodos do madeireiro.

Em março de 1895, o Dr. Pereira conseguiu conversar brevemente com a Senhora Matilde, a governanta, que havia deixado o emprego na casa dos Almeida, após sofrer o que descreveu como um acidente doméstico. A mulher estava visivelmente envelhecida, embora apenas 3 anos tivessem se passado desde seu primeiro encontro. Seu cabelo, antes apenas levemente grisalho, estava completamente branco e uma cicatriz fina cortava seu rosto do olho direito até o queixo. Curiosamente, similar à marca que o médico observara no comerciante local, o Sr. Joaquim. Recusou-se a falar sobre as crianças diretamente, mudando de assunto sempre que o médico mencionava os Almeida. Quando pressionada, disse apenas:

— Doutor, o senhor já deve ter notado que ninguém no vilarejo fala sobre aquelas crianças. Há um motivo para isso.

Seus olhos constantemente verificavam as janelas e portas enquanto conversavam, como se temesse ser observada por olhos invisíveis. Antes de se despedir, acrescentou em voz baixa e trêmula:

— Se quiser respostas, procure no cemitério, não nas sepulturas, mas nos registros.

Seguindo a sugestão, o médico visitou o pequeno cemitério local na tarde seguinte. O lugar era simples, mas bem cuidado, com túmulos alinhados em fileiras ordenadas, a maioria marcada com cruzes de madeira e algumas com lápides mais elaboradas, pertencentes às famílias mais abastadas. O coveiro, um homem idoso chamado Sebastião, com mãos calejadas pelo trabalho constante com a terra e olhos que pareciam ter visto mais do que sua parcela de sofrimento, inicialmente mostrou-se relutante em cooperar, mas após receber algumas moedas, permitiu que o Dr. Pereira examinasse os registros de sepultamentos.

O livro de registros era um tomo antigo de couro, com páginas amareladas pelo tempo e manchadas pelo manuseio constante. Ali, o médico encontrou algo perturbador. De acordo com o livro, Helena Almeida não havia sido enterrada sozinha. O registro indicava mãe e filha, com a observação: nascida-morta, sem batismo. Quando questionado sobre isso, o coveiro olhou nervosamente ao redor antes de responder.

— A parteira disse que a criança nasceu morta, mas eu a vi quando preparava o corpo. Não parecia morta para mim, parecia vazia. — O velho fez o sinal da cruz antes de continuar. — Os olhos estavam abertos, doutor. Nenhum bebê nasce com os olhos abertos daquele jeito. E eram olhos que já tinham visto coisas, entende? Olhos velhos num rosto novo.

O Dr. Pereira perguntou se poderia ver o túmulo e o coveiro conduziu-o a uma área mais afastada do cemitério, onde uma lápide simples de mármore cinzento marcava o local de descanso de Helena Almeida. Não havia menção à criança no monumento, apenas as datas de nascimento e falecimento da mãe e uma inscrição em latim gravada na pedra fria: Mater Quinque Filiorum (Mãe de cinco filhos).

— Cinco? — Perguntou o médico, confuso, a contagem final pairando em sua mente. — Pensei que a Senhora Almeida tivesse quatro filhos: Pedro, as gêmeas e Tomás.

O coveiro encolheu os ombros, resignado.

— A lápide foi encomendada pelo próprio Jerônimo. Quem sou eu para questionar o que um homem manda gravar na pedra de sua esposa? — Após uma pausa, acrescentou: — Mas se quiser minha opinião, doutor, esta família sempre foi estranha. Meu pai era coveiro antes de mim e o pai dele antes disso. Há histórias sobre os Almeida que remontam à fundação do vilarejo. Histórias que não são contadas em voz alta.

O Dr. Pereira tentou obter mais informações sobre a parteira que assistira ao nascimento de Tomás, a única pessoa que poderia confirmar a história da criança nascida-morta, mas descobriu que a mulher havia se mudado para o Rio Grande do Sul logo após o evento. Ninguém sabia seu paradeiro exato, apenas que partira às pressas no meio da noite, levando consigo apenas o essencial e deixando para trás a casa onde vivera por mais de 30 anos.

Em seu último relatório não publicado, datado de dezembro de 1895, o Dr. Pereira escreveu: “Após 3 anos de observação intermitente, concluo que há algo fundamentalmente inexplicável no caso dos irmãos Almeida. A ciência médica atual não possui instrumentos ou vocabulário adequados para classificar o que observei. Não se trata de uma simples anomalia fisiológica ou psicológica, mas de algo que desafia as categorias conhecidas do conhecimento médico e natural. Recomendo que este caso seja preservado para futuros pesquisadores, quando o nosso entendimento da mente humana e dos limites da biologia estiver mais avançado e preparado.”

O final do relatório acrescentava uma nota pessoal e angustiada: “Embora meu treinamento científico me impeça de especular além dos fatos observáveis, não posso deixar de notar certas coincidências perturbadoras. O número constante de cinco mencionado em contextos onde apenas quatro crianças são visíveis, a aparente comunicação telepática entre os irmãos, o desenvolvimento físico anormal, com as diferenças de idade tornando-se menos evidentes com o passar do tempo, e, mais inquietante, a impressão persistente de uma presença adicional, invisível, mas palpável, sempre ao redor das crianças. Se tal presença é real ou produto de sugestão psicológica coletiva, não posso afirmar com certeza. Meu dever é apenas registrar o que vi, por mais que isso desafie a razão.” O relatório incluía desenhos detalhados dos rostos das crianças, diagramas da casa e sua localização e transcrições de trechos dos diários de Helena que o médico havia memorizado. Nos desenhos, os quatro rostos eram perturbadoramente idênticos, e todos tinham uma característica intrigante: os olhos eram representados como completamente negros, sem distinção entre íris e pupila.

O relatório nunca chegou a seus destinatários oficiais. Em janeiro de 1896, a pensão onde o Dr. Pereira se hospedava em Vale das Sombras pegou fogo durante a noite. O incêndio começou, segundo testemunhas, exatamente à meia-noite, espalhando-se com uma velocidade incomum pelo edifício de madeira seca. O corpo do médico foi encontrado em seu quarto, carbonizado além do reconhecimento. A causa oficial do incêndio foi registrada como lamparina derrubada durante o sono. Curiosamente, nenhum outro hóspede ou funcionário da pensão sofreu ferimentos graves. Todos relataram ter sido acordados por vozes infantis, chamando seus nomes, o que lhes deu tempo para escapar antes que as chamas bloqueassem as saídas. Apenas o Dr. Pereira não conseguiu sair a tempo.

Todos os documentos relacionados ao caso foram perdidos no incêndio, com exceção de algumas páginas parcialmente queimadas que foram encontradas próximas à janela do quarto, como se alguém tivesse tentado jogá-las para fora antes que o fogo as consumisse. Estas páginas, conservadas por um funcionário da prefeitura local que tinha interesse em história regional, continham esboços dos rostos das crianças Almeida, todos com os olhos completamente negros.

Em 1907, quando Pedro Almeida tinha 27 anos, ele e seus irmãos venderam a propriedade familiar e mudaram-se para São Paulo. Registros municipais indicam que compraram uma grande casa nos arredores da cidade, onde viviam reclusos. A propriedade, uma mansão neoclássica com extensos jardins murados, localizava-se em uma área que posteriormente seria incorporada ao bairro do Ipiranga. Nenhum dos quatro jamais se casou ou teve filhos registrados, embora relatos de vizinhos mencionassem ocasionalmente a presença de uma criança pequena brincando nos jardins, sempre sozinha e sempre à distância, uma silhueta fugaz. O último registro oficial dos Irmãos Almeida, data de 1917, quando Pedro, então com 37 anos, requereu permissão para construir uma estrutura subterrânea em sua propriedade, descrita como espaço para armazenamento de documentos históricos da família. A permissão foi concedida após considerável pagamento à prefeitura e a construção foi concluída em três meses, um tempo notavelmente curto para uma estrutura daquele porte, especialmente considerando que nenhum trabalhador externo foi visto entrando ou saindo da propriedade durante o período.

Em 1919, um jovem médico da Faculdade de Medicina de São Paulo, Dr. Carlos Mendes, interessou-se pelo caso após encontrar as páginas preservadas do relatório do Dr. Pereira em um arquivo da universidade. As páginas haviam sido doadas anonimamente à instituição 5 anos antes, acompanhadas por uma nota que dizia apenas: para quando a ciência estiver pronta. Intrigado pelas anotações fragmentadas e pelos desenhos perturbadores, o Dr. Mendes decidiu investigar o caso. Após meses de pesquisa em arquivos municipais e correspondência com autoridades do Paraná, ele conseguiu identificar a família Almeida e sua nova residência em São Paulo. Em outubro de 1919, apresentou-se na mansão como representante de uma sociedade histórica interessada em famílias pioneiras do sul do Brasil.

Em uma carta a um colega, datada de 12 de novembro de 1919, o Dr. Mendes escreveu: “Finalmente conheci os famosos irmãos Almeida. O mais surpreendente é que, apesar da diferença de idade entre eles — o mais velho tem quase 40 anos e o mais novo 35 — todos parecem ter exatamente a mesma idade. A semelhança física entre eles é desconcertante, mesmo entre os irmãos e as irmãs.” Quando perguntado sobre isso, Pedro Almeida respondeu com uma frase curiosa e enigmática: Quando se nasce do mesmo útero no mesmo momento, o tempo flui diferentemente.

A carta prosseguia descrevendo a mansão: “O interior é um estudo em contrastes; mobiliário moderno e elegante nas áreas sociais, mas aspectos antiquados e quase medievais nos aposentos privados. A biblioteca é particularmente notável, com uma coleção impressionante de obras sobre história natural, anatomia e ocultismo. Pedro mostrou-me um exemplar raríssimo do De Humani Corporis Fabrica de Vesalius, com anotações marginais que ele atribui ao próprio autor, uma erudição assustadora. O mais curioso, porém, é uma sala fechada no subsolo que ele descreve como nosso pequeno museu familiar. Amanhã serei o primeiro visitante externo a ter acesso a este espaço.”

Esta foi a última comunicação conhecida do Dr. Mendes. Ele desapareceu duas semanas depois, deixando para trás apenas seu diário de pesquisa encontrado em seu escritório na universidade. O diário terminava abruptamente com a anotação: Amanhã Pedro me mostrará o que ele chama de o quinto irmão. Confesso estar apreensivo, mas a curiosidade científica fala mais alto. Se minhas suspeitas estiverem corretas, estou prestes a documentar um caso único na literatura médica, algo que pode redefinir nossa compreensão da embriologia humana e, possivelmente, da própria natureza da consciência. Que Deus nos ajude.

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