A última semana marcou um terremoto inesperado no cenário midiático brasileiro, provocado por uma declaração polêmica que mistura o brilho da música sertaneja, o poder político e a gestão de um dos maiores impérios de comunicação do país: o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). No centro da controvérsia, está o cantor Zezé Di Camargo, que, em um ato de protesto, exigiu o cancelamento de seu próprio especial de fim de ano na emissora, levando consigo uma onda de reações que expôs as complexas teias que ligam o entretenimento, os negócios e os gabinetes de Brasília. O motivo? A participação de figuras proeminentes do poder Executivo e Judiciário no evento de lançamento do SBT News.
A decisão do cantor sertanejo, conhecido por seu sucesso com Luciano, veio à tona após o lançamento da nova proposta jornalística do SBT, um evento que contou com a presença de autoridades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Para Zezé Di Camargo, este alinhamento representa um rompimento com a suposta postura ideológica do passado, ou, como ele próprio sugeriu de forma indireta, uma desonra à memória e ao pensamento do fundador do SBT, Silvio Santos, que recentemente nos deixou e teve seu legado assumido pelas filhas.
“Eu tenho um especial no SBT agora dia 17, gravado já com participações,” declarou o cantor. “Mas eu vi o que aconteceu no SBT nos últimos dias, inauguração do SBT News, e juro por Deus que isso não faz parte do meu pensamento.” Em um apelo direto, ele pediu que, se pudessem, não colocassem o seu especial no ar, afirmando que não queria “participar disso.” O cantor chegou a dizer que a emissora teria “custado caro” para ele em termos de tempo e serviço, mas que a questão de honra se sobrepunha ao investimento. Ele ainda ressaltou a importância de “honrar pai e mãe”, insinuando uma mudança radical de pensamento nas filhas de Silvio Santos.
A fala de Zezé, embora tenha ecoado em uma parte do público, rapidamente foi confrontada por uma análise mais fria e cínica da dinâmica entre poder e mídia no Brasil. O cerne da crítica reside na alegada hipocrisia de um empresário multimilionário que subitamente se coloca como defensor intransigente de uma ideologia. Zezé Di Camargo não é apenas um cantor; ele é um grande empresário, com uma fortuna estimada em centenas de milhões de reais, com vastos interesses no setor do agronegócio. É natural e esperado que figuras com tal poder econômico negociem e se encontrem com políticos de todos os espectros ideológicos.

A realidade histórica do SBT reforça esse argumento. Conforme apontado por analistas do setor, Silvio Santos, o patriarca, sempre manteve uma relação pragmática com o poder, aliando-se a todos os governos de turno, da ditadura militar ao governo mais recente. Este é um modus operandi comum na grande imprensa brasileira, que necessita de bom relacionamento com quem está no poder, em parte devido à necessidade de verba federal para sustentar grandes operações de mídia. A lembrança do episódio em que Silvio Santos precisou de ajuda do governo federal para salvar o Banco Pan-Americano apenas sublinha essa relação histórica e de dependência mútua.
Portanto, a sugestão de que as herdeiras Abravanel estariam “mudando totalmente a maneira de pensar” ou “se prostituindo” por receberem o presidente e o ministro de Estado é vista por muitos como uma ingenuidade, ou pior, um esforço deliberado de Zezé para se alinhar a uma narrativa polarizada, subestimando a inteligência do público brasileiro.
Diante do vendaval de críticas e do protesto de Zezé, a presidente do SBT, Daniela Abravanel Beirut, veio a público em uma carta aberta para defender a nova proposta jornalística da emissora. A nota foi um exercício de gestão de crise e posicionamento, buscando reafirmar os valores de isenção e pluralidade.
“Nos últimos dias, minha família tem sido alvo de críticas antes mesmo de apresentarmos a nossa proposta para o SBT News,” escreveu Daniela. Ela argumentou que a falta de diálogo é justamente o que a emissora quer combater. A base do novo projeto, segundo a presidente, são os princípios deixados pelo fundador e a confiança conquistada em pesquisas que atestam a credibilidade do jornalismo do SBT.
A mensagem central da família Abravanel é de total imparcialidade e isenção. O lançamento do canal de notícias, que contou com representantes dos três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), foi apresentado como um reflexo dessa pluralidade e do respeito a todas as instituições. “Queremos entregar ao Brasil um jornalismo confiável, sem partido, sem lado. Um jornalismo que não terá viés, não terá algoritmo, não provocará divisão e raiva entre as partes,” concluiu Daniela Abravanel Beirut, convidando o público a conferir o trabalho na prática antes de emitir julgamentos.
Enquanto a família fundadora tentava acalmar os ânimos, a polêmica ganhou novos capítulos com a adesão de figuras públicas com forte alinhamento político. O maquiador de Michelle Bolsonaro, Agostinho Fernandes, juntou-se ao coro de Zezé Di Camargo, ampliando o alcance do protesto.
Agostinho Fernandes, que gravou uma participação no Programa Silvio Santos em outra ocasião, também pediu para que seu quadro fosse vetado da exibição. O maquiador não apenas questionou a nova linha editorial da emissora, mas também fez uma alegação surpreendente: de que sua participação teria sido proibida pela própria Primeira-Dama, Janja da Silva, que teria solicitado a varredura de sua vida para encontrar algo que pudesse ser atrelado à imagem de Michelle Bolsonaro.
Essa alegação, no entanto, foi recebida com profundo ceticismo e até escárnio por parte de analistas e críticos. A probabilidade de que a Primeira-Dama do país estivesse ativamente envolvida na censura de um quadro com um maquiador em um programa dominical do SBT é considerada extremamente baixa e, para muitos, um delírio de auto-importância. A explicação mais plausível, conforme a crítica, é a de que o quadro simplesmente não era bom o suficiente ou não se encaixava na linha de edição, algo comum na televisão. O maquiador, ao invés de questionar a qualidade de sua performance ou o destino natural da edição televisiva, preferiu dar uma interpretação política grandiosa e vitimista à situação.
Essa série de eventos, na verdade, oferece um estudo de caso fascinante sobre a política da fama e dos negócios no Brasil. A polêmica de Zezé Di Camargo e Agostinho Fernandes desvela como a ideologia é frequentemente utilizada como moeda de troca, como estratégia de marketing ou como um escudo para proteger ou projetar interesses pessoais. O SBT, por sua vez, tentou reafirmar sua vocação histórica de pragmatismo político sob a capa de uma nova e necessária imparcialidade jornalística, lutando para manter sua base de espectadores e, principalmente, suas fontes de receita.
Enquanto a comoção causada pela perda de seguidores de Patrícia Abravanel (um número inexpressivo frente aos milhões que ela ainda possui) é rapidamente minimizada, o debate real permanece: em um país tão polarizado, é possível para um veículo de comunicação ser verdadeiramente neutro? E para um empresário do calibre de Zezé Di Camargo, é honesto colocar a ideologia acima do interesse comercial e da tradição pragmática que sempre norteou a relação entre mídia e poder? A cortina do SBT pode ter sido erguida para um novo telejornal, mas o espetáculo que roubou a cena foi um drama político-midiático que nos força a questionar: será que fomos subestimados, ou será que isso é apenas o show business brasileiro em sua forma mais escancarada?