O Espetáculo da Hipocrisia e a Trama de Desviar o Foco
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga as graves fraudes e o desmonte no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tornou-se, nos últimos dias, o palco de uma das mais tensas e reveladoras batalhas políticas do cenário nacional recente. O que deveria ser um rigoroso inquérito focado em proteger milhões de aposentados, pensionistas e beneficiários do BPC, vítimas de esquemas de roubo milionários, transformou-se em um espetáculo de acusações sem lastro probatório e manobras desesperadas, orquestradas por alas da oposição, em uma tentativa clara de desviar a atenção pública dos verdadeiros focos de investigação.
A cena central desse drama político girou em torno de Fábio Luís Lula da Silva, mais conhecido como Lulinha, o filho mais velho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em um movimento que o próprio governo classificou como “patético” e “absurdo”, a oposição buscou a convocação de Lulinha para depor, baseada em alegações frágeis e que carecem de qualquer fundamentação jurídica ou prova material contundente, visando apenas criar manchetes negativas e atacar o presidente pela via familiar.
A acusação, veiculada por veículos de imprensa e amplificada por figuras bolsonaristas como o deputado Nicolas Ferreira, sustentava que Lulinha teria recebido uma espécie de “mesada” mensal de cerca de R$ 300 mil, totalizando a cifra astronômica de R$ 25 milhões em valores repassados por Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, preso desde setembro de 2025 e uma figura central no esquema de fraudes.
Essa narrativa explosiva tinha um único ponto de sustentação: o depoimento de uma única testemunha, Edson Claro, ex-funcionário de Camilo Antunes. No entanto, o próprio contexto da investigação e a ausência de provas documentais tornam a alegação altamente questionável. Como bem apontado pelos governistas, e até mesmo por partes da reportagem que vazou o depoimento, é virtualmente impossível esconder transações dessa magnitude (R$ 25 milhões e pagamentos mensais de R$ 300 mil) sem deixar um rastro documental que, até o momento, não foi apresentado sequer à Polícia Federal ou à própria CPMI.
O Confronto e a Derrubada da Farsa
A estratégia oposicionista, caracterizada por ser um “jogo rasteiro”, encontrou uma resposta firme e eloquente vinda da bancada governista, personificada na postura do ministro Paulo Pimenta. Em um dos momentos mais marcantes da CPMI, Pimenta demonstrou uma postura inabalável e elegante, desmantelando a manobra bolsonarista em questão de segundos.
A essência da defesa foi clara: exigência de prova. O desafio lançado aos parlamentares que propunham a convocação e propagavam a acusação era simples e direto: “Apresentem aqui um documento da CPI, que apresentem aqui uma prova do que disseram”. A ausência de qualquer documento, extrato, comprovante de transferência ou nexo causal entre Fábio Luís e os desvios associativos do INSS apenas reforça a tese de que o objetivo não era investigar, mas sim fazer “espetáculo” e transformar a comissão em um “circo político”.

O alvo da oposição não era o crime em si, mas o desgaste da imagem presidencial. No entanto, esse tipo de tática expõe a profunda hipocrisia que permeia certos setores da direita. O transcript aponta para uma gritante dualidade de critérios: por um lado, uma única testemunha, que sequer apresentou provas materiais, é suficiente para condenar moralmente o filho do presidente na arena pública; por outro, quando se trata de investigações envolvendo figuras de seu próprio campo político—como o ex-presidente ou seu círculo próximo—e que, segundo a narrativa da base aliada, possuem “toneladas de provas, arquivos, áudios, vídeos de reunião” de planos mais graves, todas as evidências são sumariamente ignoradas e tratadas como invenções.
A política, nesse cenário, é reduzida a um jogo de ataque e defesa, onde a verdade factual é secundária em relação à criação de uma narrativa impactante para as redes sociais. A preocupação demonstrada pelos governistas não era apenas defender Lulinha, mas proteger a própria seriedade do inquérito. O objetivo do requerimento era, inequivocamente, desviar o foco da investigação dos “verdadeiros responsáveis dentro do INSS” que, segundo a base governista, agiram durante a gestão anterior para permitir que “quadrilhas de ladrões roubassem aposentados, aposentadas, pensionistas”.
A Blindagem e o Preço da Ação Afoita
O termo “blindagem” foi exaustivamente repetido nos debates da comissão, mas com significados diferentes para cada lado. A oposição usou a palavra para acusar o governo e a base aliada de protegerem Lulinha e, em momentos anteriores, bancos e outros citados. Já a base aliada via a manobra como uma tentativa desesperada de blindar os “verdadeiros culpados” do período Bolsonaro, que se beneficiaram de fraudes e desvios.
O ponto crucial é que a imunidade parlamentar, embora ampla, não protege ninguém contra o crime. Como alertou a bancada governista, qualquer acusação repetida “aqui fora daqui que repetir, que afirmar que recebia mesada, que recebeu dinheiro, vai ter que provar o que disse, porque a imunidade parlamentar não protege ninguém contra crime”. Este é um lembrete severo de que a veiculação de fake news e a transformação de suspeitas em fatos concretos, sem respaldo documental, podem e devem gerar responsabilidade criminal e civil para quem as propaga.
Apesar da veemência da oposição, a tentativa de convocação de Lulinha foi derrotada. A base governista conseguiu expor a fragilidade das acusações e a natureza puramente política da manobra. Isso marcou uma derrota significativa para o Centrão bolsonarista, que apostava todas as suas fichas na criação desse escândalo para reverter a pressão que recaía sobre seu campo político.
O Boomerang Político: Romeu Zema é Convocado
A virada de mesa, o momento de maior impacto e ironia política, veio logo em seguida. Enquanto a oposição celebrava em parte o barulho que fez com a acusação contra Lulinha, o Congresso aprovou a convocação de outra figura proeminente: o governador de Minas Gerais, Romeu Zema.
A convocação de Zema se deu para que ele depusesse sobre as fraudes em consignados envolvendo a empresa de sua própria família, o Banco Máter, e a Cocaro, também citada no caso. Este movimento, aprovado no calor da disputa, demonstrou que as tentativas de “desvio de foco” podem, na verdade, acabar colocando o holofote em figuras que a oposição preferiria manter nas sombras.
A convocação do governador Zema, um dos nomes fortes da direita e potencial candidato à presidência, é um golpe retumbante. Enquanto o ataque contra Lulinha desmoronou por falta de provas, a convocação de Zema, para depor sobre fraudes concretas em consignados, eleva o patamar da investigação a um nível que a oposição jamais esperava.
O resultado final do episódio foi um poderoso boomerang político. A artilharia, inicialmente direcionada ao Planalto e à família presidencial, acabou atingindo uma figura de peso da própria direita. A derrota na tentativa de convocar Lulinha e a vitória na convocação de Zema significaram, em termos de narrativa, uma vitória para a base governista e um forte revés para o campo bolsonarista.
Conclusão: O Que Realmente Importa
O episódio na CPMI do INSS é um retrato fiel da política brasileira contemporânea: uma guerra de narrativas onde a busca por manchetes e a criação de inimigos políticos muitas vezes ofuscam o trabalho sério de investigação. O grande drama, no entanto, permanece inalterado.
A CPMI foi criada para investigar um crime hediondo: assaltar a dignidade e o sustento de milhões de idosos e pessoas vulneráveis. A oposição, ao tentar desviar o foco para acusações frágeis contra a família do presidente, corre o risco de ser vista como cúmplice da blindagem dos verdadeiros responsáveis pela fraude.
O resultado do confronto — a derrota da convocação de Lulinha e a aprovação da convocação de Zema — reafirma a necessidade de que a política volte a ser pautada por fatos e provas. O circo se encerrou, mas a investigação, agora, deve voltar aos trilhos e garantir que todos os personagens, de todos os espectros políticos, que foram responsáveis por permitir que esta “quadrilha de ladrões roubasse aposentados”, sejam punidos na forma da lei. O povo brasileiro está atento e exige que a justiça seja feita, não contra os alvos políticos escolhidos a dedo, mas contra aqueles que roubaram o salário mínimo de quem trabalhou a vida inteira.