
Ele não tocava numa mulher há 12 anos. E agora, a primeira a cair nos seus braços estava quase destruída. James Coulter já não esperava muito da vida. Vivia sossegado, sozinho naquelas colinas secas do Arizona, com nada além do vento e o peso de memórias sobre as quais nunca falava.
Tinha uma cabana, uma espingarda e arrependimentos mais velhos do que as árvores ao seu redor. Mas naquele dia, tudo mudou. Ela veio a tropeçar para fora da linha das árvores como se a morte lhe estivesse a morder os calcanhares, descalça, imunda, mal coberta por um pedaço de pano branco que costumava ser uma cortina ou talvez um vestido. Os seus braços estavam esfolados em carne viva. Os seus lábios estavam rachados. Os seus olhos, bem, pareciam ter visto coisas que ninguém deveria ver.
Ela colapsou mesmo à frente dele. Sem gritos, sem nome, apenas duas palavras sussurradas enquanto agarrava aquele pano imundo contra o peito: “Por favor, não.” Ele congelou. Ela não estava a sangrar muito por fora, mas o corpo dela tremia como se tivesse acabado de rastejar para fora de uma casa em chamas. Ele deu um passo em frente. Ela estremeceu, mas não se afastou.
Foi então que o pano escorregou apenas um pouco, e o que ele viu fez o seu estômago dar um nó. As costas dela pareciam que alguém tinha tentado marcá-la com fogo e vergonha. Queimaduras, vergões, cicatrizes profundas e retorcidas, e formas que não pertenciam à pele humana. Símbolos, letras, como se alguém tivesse tentado escrever o seu nome na dor dela. James recuou aos tropeços. Não era o sangue. Não eram as feridas.
Era a forma como ela se encolhia dentro de si mesma, como se tivesse aprendido a desaparecer. E por um momento, tudo o que ele conseguia ver era o Tennessee. A guerra. A rapariga que ele não conseguiu salvar. Aquela que olhou para ele com o mesmo olhar quebrado. Ele tinha-se ido embora uma vez. Jurou nunca mais o fazer. Tirou o casaco, devagar e com firmeza, e envolveu-o à volta dela como uma promessa.
Sem palavras, sem perguntas, apenas ação. Depois pegou nela e carregou-a para longe de qualquer inferno de onde ela tivesse vindo. E pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se vivo. Ele pensou que o pior já tinha passado. Não fazia ideia de que a verdadeira tempestade estava apenas a começar. A cabana estava quente, mas naquelas colinas, o ar da noite ainda mordia.
Não estava a gelar, mas depois do que ela tinha passado, até uma brisa de verão poderia ter parecido gelo na pele dela. Ele deitou-a gentilmente na velha cama de campanha junto à parede dos fundos. Ela não falou, nem sequer tentou cobrir-se mais do que já estava, apenas se encolheu, agarrada àquele casaco que ele tinha enrolado à volta dela como se fosse feito de segurança. James não fez perguntas.
Ele não queria assustá-la e, verdade seja dita, não saberia por onde começar. Então fez o que homens como ele fazem quando as palavras parecem demais. Acendeu uma pequena fogueira no fogão, não porque estivesse frio, mas porque o som do crepitar dava ao lugar um batimento cardíaco. Ela não se mexeu muito.
Os olhos dela apenas examinavam a cabana como se estivesse à espera que alguém arrombasse a porta. Cada ruído lá fora fazia-a estremecer. Até o vento a roçar nas portadas parecia fazer chocalhar os ossos dela. James fez café. Era amargo, forte e mais velho do que ele gostaria de admitir, mas dava às suas mãos algo para fazer.
Sentou-se à mesa, observando o fogo, lançando olhares furtivos na direção dela de vez em quando, ainda a respirar, ainda em silêncio. Mas algo na forma como ela agarrava aquele casaco dizia-lhe que ela não tinha desistido completamente. Mais tarde nessa noite, ela mexeu-se ligeiramente. A cabeça virou-se, os olhos dela encontraram os dele por um instante. Sem palavras, sem emoção, apenas conexão.
Uma centelha de algo humano enterrado bem fundo sob toda aquela dor. Ele assentiu como um homem que já tinha estado nas trincheiras e sabia quando não falar. E ela virou a cabeça de volta para a parede. Na manhã seguinte, ela sussurrou a sua primeira palavra: “Água.” Ele entregou-lhe um copo. Devagar e com cuidado. Sem movimentos bruscos.
Ela bebeu em silêncio, depois olhou para ele um pouco mais demoradamente do que antes. E aquele olhar, não pedia ajuda. Não lhe agradecia. Dizia apenas uma coisa: “Ainda estou aqui.” O que James ainda não sabia era isto: aquela única palavra, aquele único gole de água iria desencadear uma cadeia de eventos que nenhum fogo, nenhuma espingarda e nenhuma quantidade de silêncio poderiam parar.
Ela não falou muito no dia seguinte. Apenas respostas curtas, acenos de cabeça, alguns olhares cuidadosos como se ainda estivesse a tentar perceber se ele era real ou apenas mais um truque de um mundo cruel. Mas no final da tarde, enquanto ele estava a desbastar a perna de uma cadeira partida no alpendre, ela saiu e sentou-se nos degraus ao lado dele.
Não disse uma palavra no início. Apenas olhou para as árvores. Então, quase como se estivesse a falar para si mesma, ela disse: “Eles costumavam obrigar-me a limpar as botas deles.” James continuou a esculpir. Não estremeceu. Apenas assentiu. Devagar. A Ellie continuou. Disse que havia um campo de mineração não muito longe. Não oficial. Fora de qualquer mapa.
Um lugar onde trabalhavam as pessoas até ao osso e as puniam quando elas quebravam. Ela tinha fugido duas vezes. Na primeira vez partiram-lhe o nariz. Na segunda vez talharam-lhe as costas como se fosse um pedaço de couro cru. Ele não perguntou como ela saiu na terceira vez. Imaginou que essa era uma história melhor contada num dia mais forte. Mas assim que o sol começou a cair atrás dos pinheiros, James ouviu algo que o paralisou.
Batidas de cascos rápidas, a subir a estrada da crista. Ele levantou-se, agarrou a sua espingarda, fez sinal para a Ellie entrar. Ela congelou, depois moveu-se como se tivesse sido treinada para momentos exatamente como este. O homem que chegou a cavalo não parecia um cowboy. Parecia um banqueiro bêbado que perdeu o relógio e culpou a empregada de mesa.
Colete chique, bigode oleoso que não conseguia esconder a crueldade por trás dele. Chamou-a pelo nome: “Ellie Rose, tens uma oportunidade de voltar calada.” James desceu do alpendre e disse: “Ela não vai a lugar nenhum.” O homem sorriu com desdém: “Não cabe a ti decidir, velhote.” James engatilhou a espingarda. Não apontou. Apenas o suficiente para lembrar ao homem que isto não era uma rua da cidade. Esta era a sua terra.
O homem não sacou da arma. Apenas cuspiu na terra, virou o cavalo e partiu. Mas aquele olhar nos olhos dele ao sair deixou uma coisa clara. Ele voltaria. E não estaria sozinho. James não disse uma palavra durante muito tempo depois. Apenas ficou ali sentado, com a espingarda no colo, a olhar para as árvores.
Mais tarde nessa noite, rabiscou um bilhete para um velho amigo que usava um distintivo, apenas por precaução. Se ainda estás aqui a ouvir isto, diria que és tal como o James. Queres saber o que vem a seguir. E acredita em mim, vais querer estar por perto para ver. Por isso, se ainda não o fizeste, agora é uma boa altura para carregar no botão de subscrever, porque a verdadeira luta ainda nem começou.
Três dias passaram, dias sossegados, mas o tipo de sossego que não é pacífico. O tipo onde até o vento parece estar à espera de algo. James manteve-se por perto. Ele não o disse, mas a Ellie sabia que ele estava de vigia. Ele não cortou lenha, não verificou armadilhas, apenas limpou aquela espingarda como se fosse domingo de manhã e o mundo estivesse prestes a ir para o inferno.
Então aconteceu. Final da tarde, o ar ficou parado. Sem pássaros, sem insetos, apenas o som de cascos e poeira a levantar-se na estrada da crista. Três cavaleiros, não rancheiros, não homens da lei. Cavalgavam como se não precisassem de pedir permissão. James ficou na porta, Ellie atrás dele, a suster a respiração. Um dos homens era o mesmo que tinha vindo dias antes.
Desta vez, ele não veio para conversar. Levantou a voz: “Sai da frente, velho.” James não saiu. O segundo cavaleiro ajeitou-se na sela, a mão a desviar-se demasiado para perto do cinto. James não esperou. Disparou. O homem ganiu, caiu como um saco de grãos, a perna a jorrar sangue. Os outros dois congelaram. Não correram, mas também não se mexeram.
Foi aí que outra voz entrou, calma, firme, desgastada como cabedal: “Eu pensaria muito bem no teu próximo passo.” Da linha das árvores, um homem saiu, distintivo no peito, rifle pendurado baixo. Abram Hale, o velho camarada de guerra do James. Agora, xerife de todo o raio do território. Abram olhou cada um deles nos olhos: “Isto aqui é a minha jurisdição, e ela está sob a minha proteção agora.”
O ferido gemeu, o amigo praguejou baixinho, mas nenhum deles procurou as armas novamente. Foram-se embora devagar, mas foram-se. Mais tarde, James perguntou a Abram como ele sabia que devia vir. Abram sorriu: “Tu envias um bilhete que cheira a pólvora e arrependimento. Imaginei que fosse sério.” E se achas que essa é a última vez que estes homens se cruzam, talvez queiras ficar por aqui, porque algumas histórias não acabam em tiroteio.
Elas apenas começam aí. A poeira assentou. A cabana estava sossegada outra vez, mas não como antes. Não pesada, não assombrada, apenas sossegada de uma forma que deixava um homem ouvir a sua própria respiração e não a odiar. A Ellie já não se escondia. Ainda estremecia com ruídos altos, ainda acordava a suar algumas noites.
Mas agora sentava-se à mesa de manhã. Bebia o seu café devagar. Ajudava a apanhar lenha, fazia perguntas sobre o fogão. Pequenas coisas. Mas pequenas coisas significam algo quando se volta da beira do abismo. James também notou. A forma como ela olhava pela janela mais tempo a cada manhã. A forma como uma vez se riu, mal um sopro, mas estava lá.
E como ele não sabia o que fazer com isso. Não tinha a certeza se a estava a consertar ou se ela o estava a consertar a ele. Talvez não importasse. Numa tarde, ela trouxe um cesto de flores silvestres e colocou-as junto à janela. Ele não disse nada, mas no dia seguinte, varreu o alpendre pela primeira vez em anos.
Não falavam de amor, não chamavam nada àquilo. Mas uma noite, diante de um guisado e café preto, ela olhou para cima e perguntou: “Já alguma vez pensaste que algumas pessoas foram colocadas aqui não para salvar os outros, mas para lhes dar espaço para se salvarem a si mesmas?” James não respondeu, apenas assentiu. Porque se tivesse aberto a boca, as palavras erradas poderiam ter saído.
E foi assim que aconteceu. Duas pessoas, uma cabana, uma cura lenta que não precisava de permissão ou explicação. Mas aqui está a questão. Quantas pessoas como a Ellie ainda estão lá fora agora? Quantos James estão sentados sozinhos a pensar que a sua história acabou? Às vezes, tudo o que é preciso é uma decisão, um ato de bondade, um momento de não virar as costas.
Então, deixa-me perguntar-te algo: “Quem és tu nesta história? És aquele que foge ou aquele que fica parado e abre a porta?” Se esta história significou algo para ti, deixa um gosto. Talvez partilha-a. Talvez deixa-a ficar contigo um pouco. E se quiseres ouvir mais histórias como esta, reais, duras, do tipo que ficam contigo, vai em frente e carrega nesse botão de subscrever.
Porque aqui no Oeste, as histórias não acabam. Elas continuam a cavalgar.