Acordei com um estrondo distante, como se a própria terra estivesse respirando sob mim.

Eu estava deitado sobre uma superfície morna e vítrea, iluminada por uma luz dourada que filtrava através de cúpulas imensas. Pisquei, tentando focar, e então a vi.
Uma silhueta massiva movia-se contra a luz, aproximando-se lentamente. Ela não era uma criatura monstruosa, nem uma forma distorcida de pesadelo. Era uma mulher — uma mulher enorme, com traços perfeitamente humanos e uma constituição atlética. Sua pele era lisa e brilhante como bronze sob a luz do sol. Seu rosto, belo e perfeitamente proporcionado, mostrava algo entre a curiosidade e a ternura.
— Ele acordou. — Uma voz profunda e ressonante sussurrou, fazendo o ar vibrar.
Outras duas surgiram atrás dela. Três mulheres, impossivelmente grandes, mas completamente humanas. Seus corpos pareciam esculpidos pela própria natureza: fortes, mas suaves, elegantes, com cabelos que pareciam rios de luz. Senti-me tonto apenas tentando olhar para cima, mal conseguindo ver seus rostos completos de onde eu estava.
— Onde estou? — perguntei, minha voz tremendo diante da magnitude delas.
A mulher de cabelos prateados abaixou-se, e o ar mudou com seu movimento. Seus olhos, da cor do oceano profundo, fixaram-se nos meus. — Você está em Lethera — disse ela. — A cidade dos últimos.
Seu tom era solene, quase sagrado. Forcei-me a sentar. Tudo ao meu redor parecia construído para gigantes. Portas que tocavam as nuvens, bancos esculpidos em pedra de cristal e, no centro, uma fonte que subia do chão como uma cascata de luz líquida.
— O que significa “os últimos”? — perguntei.
A mais alta deu um passo à frente. Sua pele âmbar e o olhar firme davam-lhe o ar de uma líder. — Porque somos as últimas de nossa espécie — respondeu ela. — As únicas que sobreviveram à extinção. — Ela fez uma pausa, depois acrescentou: — E você foi escolhido para nos ajudar a reconstruir.
Meus pensamentos congelaram. Tentei lembrar como cheguei ali. Lembrava-me de um laboratório, luzes brancas, um experimento de criossono e, depois, um clarão azul que apagou tudo.
Antes que eu pudesse dizer outra palavra, uma sirene ecoou à distância. As três mulheres viraram-se instantaneamente. O chão estremeceu. Luzes vermelhas piscavam entre a fumaça que subia das torres externas.
— Eles nos encontraram! — gritou uma delas.
A líder inclinou-se, pegou-me gentilmente em suas mãos e começou a correr. A batida do coração dela retumbava como um tambor distante sob sua pele quente. — Devemos protegê-lo — disse ela com urgência. — Nem todos querem você aqui.
Enquanto nos movíamos, um rugido metálico rolou pela cidade. Ao longe, enormes figuras armadas emergiram das sombras. E, por um momento, senti uma onda de energia percorrer meu corpo. Algo novo, desconhecido, respondendo ao pulso da própria Lethera. Eu não era apenas um visitante. Algo dentro de mim estava conectado a este lugar, e as gigantes sabiam disso.
O ar em Lethera vibrava como se a cidade estivesse viva. A cada passo que as mulheres davam, o chão zumbia, não em violência, mas em um ritmo natural, como se o mundo estivesse acostumado à presença delas.
A mulher de pele âmbar, a líder, segurava-me com cuidado enquanto corria por um vasto corredor coberto de símbolos brilhantes. Seus dedos eram fortes, quentes, mas impossivelmente gentis. Eu podia sentir o eco de sua respiração, seu pulso firme e rápido contra meu corpo.
Atrás de nós, alarmes continuavam a soar. Um estrondo trovejante ecoou quando um portão enorme se fechou, bloqueando a passagem superior.
— Não há tempo — disse a de cabelos prateados, olhando para trás. — As Sentinelas estão perto.
A líder assentiu. — Então vamos para o santuário. Ninguém ousará entrar lá.
Emergimos em uma galeria aberta, e a visão roubou meu fôlego. Terraços flutuavam em camadas conectadas por pontes de cristal. Tudo estava banhado por uma luz dourada que parecia subir do próprio solo. Não havia sol, nem céu, apenas uma atmosfera radiante pulsando com energia.
Quando chegamos ao santuário, elas me colocaram em um pedestal de pedra branca. A líder ajoelhou-se, os olhos fixos nos meus. — Perdoe o caos — disse ela suavemente. — Sua chegada deveria ser pacífica.
— Minha chegada? — perguntei. — Por que me trouxeram aqui?
A mulher de cabelos prateados deu um passo à frente, sua sombra me envolvendo. — Nossa espécie não consegue se reproduzir há séculos. Tempestades de energia destruíram os códigos de vida dentro de nós. Mas nossos estudiosos descobriram que, há muito tempo, humanos e gigantes compartilhavam a mesma origem. E você, humano, carrega a chave que pode devolver nosso futuro.
Um calafrio percorreu minha espinha. — E se eu não puder?
A expressão da líder suavizou-se: calma, esperançosa, quase frágil. — Então Lethera desaparecerá para sempre. Mas acreditamos que você pode, porque quando sua cápsula cruzou o véu, o coração da cidade despertou pela primeira vez em séculos.
— O coração da cidade… Lethera vive — disse ela, pressionando a palma da mão contra o chão. — A energia dela pulsa através de tudo o que você vê. E desde que você chegou, o ritmo dela mudou.
Antes que eu pudesse responder, um tremor sacudiu o templo. Rachaduras de luz abriram-se ao longo das paredes. A gigante ruiva olhou para cima, alarmada. — Eles estão quebrando o selo!
A líder levantou-se e, com um movimento rápido, ergueu-me novamente em suas mãos. Seu rosto estava iluminado pelo brilho dourado do coração de Lethera, agora latejando sob nossos pés como um vulcão contido. — Ouça-me — disse ela, o olhar intenso. — Se o coração morrer, todas nós morremos. Mas se você puder se conectar com ele, pode nos salvar.
— Conectar com ele? Como?
Ela respirou fundo. — Seu corpo saberá. A cidade já o reconheceu.
O chão se abriu com uma onda de energia branca. As Sentinelas estavam lá: figuras massivas vestidas com armaduras negras que refletiam o fogo do coração. As gigantes fecharam fileiras ao meu redor, formando uma parede viva. E enquanto o santuário tremia, senti a energia de Lethera fluir através de mim, como se meu próprio sangue tivesse começado a bater no ritmo da cidade.
Algo estava despertando dentro de mim. Algo que eu não entendia, mas que parecia desesperado para protegê-las.
O santuário tremia como se o coração de Lethera estivesse prestes a explodir. As paredes brilhavam com uma luz dourada fraturada que se estilhaçava em clarões elétricos. As três gigantes estavam prontas, enfrentando as Sentinelas que avançavam.
— Não deixem que cheguem ao escolhido! — gritou a líder, sua voz trovejando.
Eu estava no centro, de pé no pedestal. O chão vibrava com um poder que sacudia meus ossos. Minha pele queimava, minhas veias pulsavam com energia.
A gigante ruiva virou-se para mim em pânico. — Faça agora! Conecte-se com o núcleo!
— Mas eu não sei como! — gritei.
A líder estendeu a mão para mim, o rosto brilhando com fogo dourado. — Feche os olhos. Ouça o ritmo dela. Deixe-a encontrar você.
Eu obedeci. Os sons da batalha diminuíram, substituídos por um zumbido hipnótico profundo. Atrás das minhas pálpebras, vi luzes: filamentos dourados entrelaçando-se como raízes vivas. E então senti a cidade respirando dentro de mim. Uma batida de coração, depois outra, até que eu não conseguia distinguir se era o meu ou o de Lethera que eu ouvia.
Quando abri os olhos, meu corpo flutuava alguns centímetros acima do pedestal. Um anel de energia espalhou-se a partir de mim, subindo pelas colunas do templo e ondulando pelas paredes como uma maré de luz. As Sentinelas congelaram ao se aproximarem, suas armaduras rachando sob o brilho dourado.
As gigantes observavam maravilhadas. A líder sorriu. — Você conseguiu.
Mas algo estava errado. A energia continuava crescendo, transbordando. Minhas mãos ardiam. Minhas veias brilhavam como linhas fundidas sob minha pele. — Não consigo parar! — gritei.
A líder aproximou-se, estendendo suas mãos imensas cuidadosamente em minha direção. — Você tem que liberar a energia, não segurá-la!
Suas palavras ecoaram como vento. Eu não sabia como, mas o instinto me guiou. Empurrei minhas mãos em direção ao chão, e uma torrente de luz dourada irrompeu em todas as direções. As Sentinelas desintegraram-se instantaneamente, suas formas colapsando em sombras desvanecidas.
O silêncio retornou. Apenas o pulso suave do coração permaneceu constante agora.
— Calma — as três gigantes ajoelharam-se diante de mim.
A de cabelos prateados olhou para cima com lágrimas nos olhos. — Lethera aceitou você — sussurrou ela. — Você é parte dela agora.
Senti uma dor oca, como se algo dentro de mim tivesse ficado para trás naquela explosão. Eu estava fraco, exausto, mas quando olhei para a líder, soube que algo entre nós havia mudado. Seus olhos, antes afiados e autoritários, agora continham uma mistura de respeito e algo mais profundo, mais humano.
— Venha — disse ela suavemente. — Há muito que você precisa aprender. O que você fez hoje foi apenas o começo.
Ela me ergueu em suas mãos e me carregou em direção a uma câmara interna, enquanto a cidade se reconstruía ao nosso redor, viva mais uma vez. Do alto, uma aurora dourada envolvia as torres e uma brisa nova varria as ruas suspensas.
Mas enquanto me levavam para longe do santuário, uma voz ecoou dentro da minha mente. Não era humana. Não era uma delas. “Você não salvou Lethera. Você a despertou.”
E naquele momento, soube que o que estava por vir seria muito mais perigoso.
A câmara interna era um santuário dentro do santuário. Paredes translúcidas banhadas em uma luz que parecia respirar e um silêncio profundo, quase sagrado.
As mulheres gigantes caminhavam descalças, seus passos fazendo o chão vibrar suavemente, ritmicamente, como um batimento cardíaco vivo. Eu permanecia nas mãos da líder, pressionado contra o peito dela enquanto o brilho da cidade filtrava através de sua pele dourada.
— A conexão está completa — disse a de cabelos prateados, observando os símbolos agora brilhando ao longo das paredes. — Mas algo mudou no fluxo de energia. Ele não responde apenas a Lethera; responde a ele.
A líder olhou para mim com uma mistura de admiração e cautela. — Isso significa que o vínculo é duplo. Se ele cair, a cidade cai com ele.
Um calafrio percorreu-me, mas antes que eu pudesse perguntar, a gigante ajoelhou-se diante de uma piscina luminosa onde a água refletia imagens em movimento, fragmentos do passado.
— Olhe — disse ela suavemente. — Isto é o que éramos.
A água projetava figuras de tamanho humano misturando-se com seres como elas, mais altos, mais fortes. Não eram deuses nem monstros, mas uma civilização onde gigantes e humanos viviam juntos. Então a visão se distorceu. Tempestades de energia destruindo cidades, gritos.
— A energia do coração — explicou a líder. — Nos deu poder e depois nos dividiu. Os humanos rejeitaram-na. Nós a absorvemos. Mas sem equilíbrio, estávamos condenadas.
— E agora? — perguntei. — O que esperam de mim?
— Restaurar o equilíbrio. — A voz dela era firme, embora a dúvida cintilasse em seus olhos. — Mas temo que, ao fazer isso, Lethera despertará completamente, e a mente dela não está adormecida por acidente.
O chão tremeu novamente. Um gemido metálico profundo reverberou pelas paredes. A água ondulou, mostrando uma figura massiva emergindo das profundezas da cidade: uma forma feminina colossal feita de luz, rosto sereno, olhos fechados.
— Não pode ser — sussurrou a ruiva. — O núcleo está assumindo forma física.
A líder virou-se para mim, alarmada. — Lethera está se manifestando.
A luz expandiu-se, preenchendo toda a câmara. Senti uma força invisível me puxando em direção à piscina. Meu corpo começou a flutuar, envolto em fios dourados. As gigantes tentaram me segurar, mas a energia era forte demais.
“Não lute!” gritou uma voz dentro da minha cabeça, a voz da própria cidade. “Você me chamou.”
O rosto radiante abriu os olhos. Duas orbes douradas acenderam-se diante de mim, tão vastas que me senti como um grão de poeira suspenso no ar.
— Quem é você? — perguntei, embora minha voz sumisse no eco.
“Eu sou Lethera. Eu sou tudo o que resta deles. De você. Daqueles que esqueceram.”
Minha mente foi inundada de visões. As primeiras civilizações, templos colossais, humanos caminhando ao lado de gigantes. Havia harmonia até que algo sombrio rasgou seus mundos.
“Agora ambos os mundos sangram”, disse ela. “Mas você… você pode uni-los novamente.”
Meu corpo queimava. Eu podia sentir o batimento cardíaco da cidade fundindo-se com o meu.
— Desconecte-se! — gritou a líder lá embaixo. — Ela está usando você!
— Não — sussurrei. — Ela está tentando me lembrar de algo.
O rosto luminoso inclinou-se mais perto. “Se elas me temem”, disse ela, “é porque lembram do que fizeram. Mas você… você era um de nós.”
O brilho explodiu. Minha visão encheu-se de luz e vozes antigas. Entre elas, ouvi meu próprio nome falado em uma língua há muito esquecida. Eu já estive ali antes. Não era a primeira vez que eu caminhava por Lethera.
O brilho me envolveu completamente. Eu não sentia mais meu corpo, apenas uma corrente infinita de luz e memória. Vi o nascimento de Lethera, as primeiras alianças, o poder compartilhado, e então a traição, a ganância, a ruptura.
Flutuei em meio àquele oceano de memórias quando uma figura humana apareceu diante de mim. Era eu, mas diferente: mais alto, resoluto, vestido com túnicas antigas. “Você foi o primeiro a cruzar o véu”, disse meu outro eu. “O vínculo original. Quando tudo estava perdido, você ofereceu sua alma para manter a cidade viva. Então, isso não é uma coincidência. Nada em Lethera é.”
As luzes começaram a girar. Eu podia ver as três gigantes novamente, protegendo o templo lá embaixo, minúsculas diante da vastidão do coração da cidade. A líder chamava meu nome, tentando me alcançar, mas a barreira de energia a segurava.
“Você deve escolher”, ecoou a voz de Lethera. “Posso despertar completamente e devolver o mundo a elas, mas para fazer isso, precisarei da sua vida. Ou você pode quebrar o vínculo. Salvar a si mesmo e condenar a todos nós ao esquecimento.”
O silêncio tornou-se pesado. Pela primeira vez, entendi que despertar não era apenas renascimento. Era sacrifício.
Olhei para baixo. A líder encontrou meu olhar, seus olhos brilhando. Ela não precisava falar. Eu sabia que ela entendia.
— Eu não posso deixar vocês morrerem de novo — murmurei.
Estendi minhas mãos e senti o fluxo de energia retornar — não violentamente, mas calmamente, como um batimento cardíaco harmonioso. A cidade respondeu, brilhando com espirais douradas. As torres, as avenidas, as fontes suspensas começaram a brilhar como se Lethera estivesse respirando novamente pela primeira vez em milênios.
A voz da cidade suavizou-se. “Então viveremos juntos. Eu serei o mundo. E você… você será a alma dele.”
Uma onda morna varreu-me. A luz me consumiu, não com dor, mas com paz. Eu estava me dissolvendo em algo muito maior, fundindo-me com cada pedra, cada sopro de ar.
Lá embaixo, as gigantes caíram de joelhos enquanto uma onda dourada se espalhava por toda a cidade. O céu, antes selado, abriu-se pela primeira vez, revelando uma aurora nunca vista em séculos.
A líder olhou para cima, a voz trêmula. — Ele conseguiu.
As outras choraram silenciosamente enquanto uma brisa suave passava pelas torres. Dos templos, flores brilhantes desabrocharam. As estátuas se moveram. A cidade havia despertado.
E dentro daquele resplendor, minha voz ecoou em suas mentes. “Não me procurem. Estou aqui, em cada pedra, em cada sopro de vento. Eu sou parte de Lethera, e Lethera é parte de vocês.”
As três se abraçaram, olhando para o horizonte onde a aurora dourada nascia. A líder sorriu, lágrimas escorrendo pelo rosto. — Obrigada, pequeno. Guardião da vida.
O coração da cidade bateu mais uma vez. Profundo e sereno. E assim, Lethera viveu novamente.