
Na manhã de 23 de outubro de 1889, os criados da mansão Hotman, localizada no elegante bairro de Higienópolis, em São Paulo, descobriram algo que abalaria a sociedade paulistana por décadas. A senora Beatriz Hotman, conhecida tanto por sua fortuna quanto por seu temperamento implacável, foi encontrada em seu escritório privado.
A posição em que se encontrava sugeria que havia morrido sentada em sua cadeira de couro importada da Inglaterra, com uma expressão de absoluta surpresa congelada em seu rosto. Não havia sinais de luta, nem de entrada forçada. As janelas estavam trancadas por dentro. Assim como as portas, um polícia chegou rapidamente ao local, mas os relatos iniciais foram arquivados de maneira tão discreta que apenas em 1962, quando um historiador chamado Cláudio Mendes pesquisava os arquivos da antiga delegacia central para sua tese, o caso
voltou à tona. O que tornou a morte de Beatriz Hotman tão perturbadora, não foi apenas o mistério de como alguém poderia ter entrado em um cômodo completamente trancado por dentro, mas o que os médicos encontraram quando examinaram seu corpo? De acordo com o relatório original assinado pelo Dr. Eugênio Pereira da Silva, a causa da morte permanece indeterminada, pois não há ferimentos, contusões ou sinais de envenenamento.
O coração simplesmente parou, como se a falecida tivesse visto algo que não poderia suportar. O que poderia ter assustado tanto uma mulher que, segundo todos os relatos, não temia absolutamente nada, nem ninguém. A São Paulo, de 1889, vivia um período de transformação acelerada. A abolição da escravatura ocorrera apenas um ano antes e a República seria proclamada apenas um mês após a morte de Beatriz.
As antigas famílias cafeeiras dividiam agora o poder com os novos industriais, muitos deles imigrantes europeus. Entre esses novos ricos estava Heinrich Hotman, um industrial de origem alemã que havia feito fortuna com a fabricação de tecidos. Seu casamento com Beatriz Oliveira, filha de uma família tradicional paulistana em declínio financeiro, havia sido um arranjo conveniente para ambos.
Ele ganhava respeitabilidade social. Ela recuperava o status econômico perdido pela família. O casal morava em uma das mansões mais imponentes de Higienópolis, com uma equipe de mais de 20 empregados. De acordo com os registros municipais da época, a mansão Hotman era conhecida por seus eventos sociais exclusivos, onde a elite paulistana se reunia para negócios e fofocas.
Beatriz era a anfitriã perfeita, elegante, culta e extremamente atenta aos mínimos detalhes, mas havia algo mais. Segundo Maria Augusta Silveira, uma das poucas amigas próximas de Beatriz, cujo diário foi doado ao Arquivo Histórico Municipal em 1956, Beatriz conhecia segredos de todos. Observava, escutava e guardava. Nunca ameaçava diretamente, mas todos sabiam que um movimento em falso poderia resultar em exposição social.
Sua influência era silenciosa, mas absoluta. Os Hotman não tinham filhos, o que era tema de especulação constante. Alguns diziam que Beatriz não queria dividir atenção ou herança, outros que ela sofrera um aborto nos primeiros anos de casamento e nunca mais conseguira engravidar. O fato é que o casal mantinha uma rotina quase mecânica.
Heinrich dedicava-se à fábrica e Beatriz à vida social. Raramente eram vistos demonstrando afeto em público. Era como observar duas pessoas interpretando os papéis de marido e esposa, sem nunca realmente ocupá-los. escreveu o jornal da província em uma coluna social de abril daquele ano, em uma rara crítica velada ao casal mais poderoso da cidade.
A vida dos Hotman mudou sutilmente em junho de 1889, quando chegou à mansão uma nova empregada. Antônia Pereira havia trabalhado anteriormente para a família Bueno, rivais sociais dos Hotman. Sua contratação causou estranhamento entre os outros criados, mas Beatriz insistiu pessoalmente em trazê-la, algo incomum para uma senhora de sua posição.
De acordo com o depoimento de Josefa Santos, cozinheira principal da mansão, registrado anos depois na investigação de Cláudio Mendes, a senhora nunca se envolvia com a contratação da criadagem. Isso era trabalho do mordomo. Mas quando Antônia chegou, a senora Beatriz a recebeu em seu escritório particular, onde ficaram a sós por mais de uma hora.
Depois disso, Antônia ganhou o privilégio de ser a criada pessoal da senhora, algo que causou muito desconforto entre nós. Foi também em junho que Heinrich Hotman começou a fazer viagens frequentes ao interior, supostamente para supervisionar a compra de algodão para sua fábrica.
Segundo os registros da empresa disponíveis no Arquivo Histórico Empresarial de São Paulo, essas viagens nunca haviam sido tão frequentes antes. De acordo com o Diário de Maria Augusta Silveira, Beatriz começou a se comportar de maneira diferente nesse período. Ontem, durante o chá, Beatriz parecia distante. Perguntei se estava tudo bem e ela respondeu com uma pergunta que me deixou desconcertada.
Você já se perguntou quanto tempo levaria para alguém perceber que você desapareceu, Augusta? Depois sorriu como se tivesse feito um comentário sobre o clima. Em julho, Beatriz contratou discretamente os serviços de um investigador particular, Jerônimo Ribeiro, ex-policial conhecido por sua descrição e métodos eficientes.
Essa informação só veio à tona em 1964, quando a neta de Ribeiro encontrou sua caderneta de anotações ao limpar o sótam da casa da família. As anotações eram enigmáticas. acompanhar HR em suas viagens, documentar encontros, verificar se as cartas estão sendo enviadas conforme instruções da contratante. No início de agosto de 1889, Beatriz Hotman iniciou uma rotina incomum.
De acordo com os registros mantidos pelo coxeiro da família Sebastião Almeida, ela começou a fazer visitas semanais ao cemitério da Consolação, recém inaugurado como o primeiro cemitério público de São Paulo. O que chamava a atenção é que a família Rotman não tinha parentes enterrados ali. em seu depoimento à polícia, registrado no dia posterior à descoberta do corpo, Sebastião afirmou: “A senhora pedia que eu a deixasse no portão principal e voltasse duas horas depois. Nunca me disse quem visitava.
Uma vez, quando retornei, encontrei-a conversando com um homem idoso perto da entrada. Quando me aproximei, eles se separaram rapidamente. Esse homem nunca foi identificado oficialmente. No entanto, o zelador do cemitério daquela época, Anselmo Ferreira, mantinha um caderno onde anotava visitantes frequentes.
Em uma entrada de 19 de agosto, ele escreveu: “A senhora elegante voltou. Hoje ficou muito tempo no setor H, perto do mausoléu daquela família italiana. Depois foi encontrar-se com o velho professor no portão leste. O velho professor poderia ser uma referência ao professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Osvaldo Santos, que havia sido o tutor particular de Beatriz na juventude.
Santos havia falecido em 1912, mas antes disso, conforme registros da faculdade, havia se especializado em direito sucessório e testamentário. Em meados de agosto, Antônia Pereira, a criada pessoal de Beatriz, começou a demonstrar um comportamento estranho, segundo relatos dos outros empregados, Estter Silva, lavadeira da mansão, declarou ao investigador Mendes.
Antônia parecia nervosa, sempre olhando por cima do ombro. Uma vez a encontrei chorando no quartinho de limpeza. Quando perguntei o que havia acontecido, ela disse apenas: “Nunca devemos saber demais sobre nossos patrões”. No final do mês, Jerônimo Ribeiro, o investigador contratado por Beatriz, entregou-lhe um envelope lacrado.
A entrega foi testemunhada pelo jardineiro Miguel Pereira, que trabalhava perto da entrada de serviço quando Ribeiro chegou. “O homem parecia preocupado”, disse Miguel. entregou um pacote à senora Beatriz e disse: “Está tudo aqui, como a senhora pediu, mas devo alertá-la que algumas descobertas são perigosas”.
Ela sorriu de um jeito que me arrepiou e respondeu: “Todos os conhecimentos são úteis, Senr. Ribeiro. Alguns apenas exigem mais cuidado no manuseio. A primeira semana de setembro trouxe uma mudança notável na rotina da mansão Hotman. Beatriz cancelou vários compromissos sociais, algo inédito para uma mulher que construíra sua reputação na impecabilidade de sua presença pública.
De acordo com as anotações em seu caderno de compromissos encontrado em seu escritório após sua morte, ela havia marcado encontros com três advogados diferentes em um período de 5 dias. Um deles era Ricardo Fernandes, especialista em direito criminal, cujos serviços raramente eram solicitados pela alta sociedade.
Sua visita à mansão Hotman foi registrada no livro de visitantes, mantido pelo porteiro Benedito Silva. No dia 7 de setembro, enquanto o país comemorava sua independência, Beatriz passou a tarde inteira trancada em seu escritório. De acordo com Antônia, que lhe serviu chá durante esse período, ela estava rodeada por documentos e escrevia freneticamente em um caderno de capa preta.
A senhora tinha os olhos vermelhos, como se não tivesse dormido”, declarou Antônia mais tarde. Quando entrei com o chá, ela cobriu rapidamente alguns papéis. Vi apenas o topo de uma fotografia antes que ela aguardasse na gaveta da escrivaninha. Heinrichman, que deveria ter retornado de uma viagem ao interior naquele dia, enviou um telegrama informando que precisaria permanecer em Campinas por mais uma semana.
Devido a complicações nos negócios, o telegrama original foi preservado entre os documentos pessoais de Beatriz e, curiosamente, apresenta uma mancha que parece ser de uma gota de água ou talvez uma lágrima, exatamente sobre a palavra complicações. Na noite de 10 de setembro, Beatriz recebeu uma visita inesperada.
Maria Teresa Bueno, esposa de seu principal rival social e empresarial, chegou sem aviso prévio e insistiu em falar com a dona da casa em particular. Os criados foram dispensados, mas Josefa Santos, a cozinheira, afirmou ter ouvido vozes alteradas vindas do salão principal. Não consegui entender tudo, mas a senora gritou algo como: “Você não tem o direito e ele jamais será seu.
A visita durou menos de meia hora e testemunhas na rua viram Maria Teresa deixando a mansão às pressas, visivelmente perturbada. No dia seguinte, Beatriz enviou uma carta ao escritório de seu marido, solicitando que ele retornasse imediatamente a São Paulo. A carta nunca foi encontrada, mas o mensageiro João Oliveira recordava-se claramente da expressão da senhora ao entregar o envelope.
Ela me disse: “Certifique-se de que isso chegue apenas às mãos do Sr. Hotman. Ele precisa saber que o tempo está se esgotando. As semanas que se seguiram à visita de Maria Teresa Bueno, foram marcadas por um silêncio estranho na mansão Hotman. Beatriz, normalmente exigente quanto à rotina da casa, parecia distante e desinteressada.
De acordo com os relatos dos empregados coletados posteriormente pelo investigador Cláudio Mendes, ela passava horas em seu escritório, saindo apenas para refeições breves e solitárias. A mesa principal, que normalmente era arrumada com todo esmero, mesmo quando apenas a senhora jantava, agora recebia apenas talheres básicos e uma única vela. relatou o mordomo Carlos Ribeiro.
Era como se a casa estivesse em luto, mas ninguém havia morrido. Heinrich Hotman retornou finalmente no dia 18 de setembro. Sua chegada foi observada pelo jardineiro Miguel Pereira, que trabalhava perto do portão principal. O patrão parecia mais velho de alguma forma. Não era apenas cansaço de viagem. Havia algo em seus olhos como medo.
De acordo com Antônia, a criada pessoal, o reencontro do casal foi frio. A senhora o recebeu no hall de entrada, como se fosse um visitante qualquer. Disse apenas: “Precisamos conversar sobre o futuro da nossa família, Heinrik. Há decisões que não podem mais ser adiadas. Naquela noite, os criados relataram ter ouvido uma discussão acalorada vinda do escritório de Beatriz.
As paredes grossas da mansão abafam as palavras, mas o tom era inconfundível. Na manhã seguinte, Heinrich saiu cedo sem tomar café e dirigiu-se à fábrica. Segundo o assistente pessoal dele, Paulo Silveira, cujo depoimento foi registrado apenas em 1963, quando o caso foi reaberto brevemente. O Sr.
Hottman chegou transtornado, trancou-se em seu escritório e ordenou que ninguém o incomodasse. Mais tarde o vi rasgando e queimando papéis na lareira pequena que havia na sala. Quando perguntei se estava tudo bem, ele respondeu: “Paulo, há coisas que um homem faz para proteger seu nome que nunca deveriam vir à luz, mas os muros têm olhos e os papéis memória.” No dia 20 de setembro, três dias antes de sua morte, Beatriz fez algo inesperado, chamou todos os empregados ao salão principal e anunciou que haveria uma pequena recepção na noite seguinte.
Apenas alguns amigos íntimos”, disse ela, segundo Josefa Santos. “Mas quero que tudo esteja perfeito. Será uma noite que ninguém esquecerá”. Josefa lembra que ao dizer isso, Beatriz sorriu de uma maneira que a fez sentir calafrios. A pequena recepção mencionada por Beatriz aconteceu na noite do dia 21 de setembro de 1889.
A lista de convidados encontrada mais tarde em sua escrivaninha incluía apenas seis nomes. Einrich Hotman, obviamente o casal Bueno, rivais comerciais dos Hotman, Maria Augusta Silveira, a suposta amiga íntima de Beatriz, o juiz Ricardo Mendonça, figura influente no judiciário paulistano, e o banqueiro Antônio Almeida, responsável pelas finanças tanto dos Hotman quanto dos Bueno.
A recepção foi servida na sala de jantar principal com a melhor porcelana e prataria. De acordo com os relatos dos criados, a atmosfera inicial era de tensão palpável, disfarçada por sorrisos forçados e conversas superficiais. Nunca vi pessoas tão desconfortáveis fingindo estarem à vontade”, comentou Carlos Ribeiro, o mordomo, em seu depoimento. Era como se todos soubessem que algo estava prestes a acontecer, mas ninguém quisesse ser o primeiro a mencioná-lo. Após o jantar, Beatriz convidou todos a seguirem para o salão de música.
Em vez de solicitar que alguém tocasse o piano, como seria habitual, ela pediu a atenção de todos. Senhoras e senhores, agradeço sua presença esta noite”, começou ela, segundo o relato de Antônia, que servia licores naquele momento. “Vocês foram escolhidos por uma razão específica. Cada um de vocês compartilha comigo um segredo, alguns mais profundos que outros”.
Heinrich tentou interrompê-la, mas ela o silenciou com um gesto firme. Meu querido marido está particularmente familiarizado com o peso dos segredos, não é mesmo Heinrich? O restante do discurso não foi ouvido pelos criados, pois Beatriz ordenou que se retirassem. No entanto, o clima na casa mudou dramaticamente após aquela noite.
Na manhã seguinte, dia 22 de setembro, Heinish Hotman saiu novamente cedo e não retornou para o jantar. Beatriz passou o dia em seu escritório, recebendo apenas a visita de seu advogado pessoal, Sérgio Buarque, que permaneceu por mais de 3 horas.
Quando saiu, segundo o porteiro Benedito, o advogado parecia pálido e perturbado. Ele me perguntou quanto tempo eu trabalhava para os Hotman e se estava satisfeito com meu emprego. Quando respondi, ele balançou a cabeça e disse: “Aproveite enquanto pode, meu rapaz. Os ventos estão mudando. O dia 23 de outubro de 1889 começou como qualquer outro na mansão Hotman.
Os criados levantaram-se antes do amanhecer, iniciaram a preparação do café da manhã e a limpeza dos cômodos principais. Heinrichman ainda não havia retornado da noite anterior. De acordo com Josefa Santos, Beatriz desceu para o café por volta das 8 horas. vestida impecavelmente como sempre. “A senhora parecia estranhamente serena”, recordou a cozinheira. “Comeu pouco, apenas um pedaço de pão com geleia e uma xícara de chá.
Antes de se retirar, olhou pela janela que dava para o jardim e disse quase para si mesma: “É um belo dia para que a verdade venha à tona. Não acha, Josefa? não soube o que responder. Beatriz retirou-se para seu escritório por volta das 9 horas, instruindo Antônia a não permitir interrupções, exceto se seu marido retornasse.
Por volta das 10 horas, o carteiro entregou uma correspondência que Beatriz havia solicitado com urgência. Era um envelope grande, selado, endereçado a ela em caligrafia elegante. Antônia levou a correspondência imediatamente ao escritório. Quando entreguei o envelope, a senhora parecia ansiosa relatou Antônia. Suas mãos tremiam levemente.
Ela me agradeceu e disse que eu poderia tirar o resto do dia de folga, algo que nunca havia acontecido antes. Antônia hesitou, mas acabou aceitando a oferta em comum e saiu da mansão por volta do meio-dia. Por volta das 2 horas da tarde, o juiz Ricardo Mendonça chegou à mansão, solicitando ver Beatriz com urgência. Carlos Ribeiro, o mordomo, informou-o que a senhora havia dado ordens expressas para não ser incomodada.

De acordo com Carlos, o juiz parecia extremamente agitado. Ele insistiu várias vezes, dizendo que era questão de vida ou morte. Quando finalmente aceitou que não seria recebido, entregou-me um envelope e disse: “Dê isso a ela assim que possível. Diga-lhe que ainda há tempo de reconsiderar.
O envelope foi posteriormente encontrado intacto na bandeja de correspondência no rall de entrada. Por volta das 4 horas, Heinrich Hotman retornou finalmente à mansão. Segundo Benedito, o porteiro, ele parecia exausto e preocupado. O patrão nem me cumprimentou como fazia normalmente. Foi direto para dentro, perguntando em voz alta onde estava sua esposa.
Heinrich foi informado que Beatriz estava em seu escritório e dirigiu-se para lá imediatamente. O que aconteceu depois é objeto de controvérsia. Alguns empregados relataram ter ouvido vozes alteradas por um breve momento, seguidas de silêncio absoluto. Outros afirmam que não ouviram nada. O fato é que Heinrich deixou a mansão menos de 20 minutos depois, aparentemente compressa.
Sua expressão, segundo o coxeiro que lhe trouxe a carruagem, era a de um homem que viu um fantasma. Às 7 horas da noite, quando Antônia retornou de sua folga, ela tentou verificar se Beatriz precisava de algo antes do jantar. Não obtendo resposta às batidas na porta do escritório e achando estranho o silêncio, ela usou a chave mestra que possuía como criada pessoal. Foi então que descobriu o corpo.
O corpo de Beatriz Hotman estava sentado em sua cadeira de couro, virado para a porta, como se estivesse esperando que alguém entrasse. Seus olhos estavam abertos, fixos em um ponto logo acima da entrada do escritório. Na mesa à sua frente havia vários documentos cuidadosamente organizados e um pequeno frasco de cristal vazio.
De acordo com o relatório policial inicial, não havia sinais de violência ou luta. A porta estava trancada por dentro, assim como as janelas. A chave estava na fechadura pelo lado de dentro. O médico legista Dr. Eugênio Pereira da Silva chegou por volta das 8 horas da noite. Seu exame preliminar documentado no relatório oficial indicou que a morte provavelmente ocorrera entre 4 e 6 horas da tarde. “O rigor mortes estava apenas começando a se instalar”, escreveu ele.
“Não há sinais externos de ferimentos ou violência. A falecida parece ter morrido sentada exatamente onde foi encontrada. O mais intrigante era a expressão no rosto de Beatriz, uma mistura de surpresa e o que o Dr. Silva descreveu como uma estranha satisfação.
Entre os documentos da mesa havia o que parecia ser um testamento recém-redido, com a assinatura de Beatriz ainda fresca na página. Havia também uma carta selada endereçada ao delegado de polícia, Francisco Peixoto. O conteúdo dessa carta nunca foi divulgado oficialmente. Segundo o investigador Cláudio Mendes, que teve acesso breve aos arquivos em 1962, a carta foi classificada como confidencial e posteriormente desapareceu dos registros. Heinrichman foi localizado em sua fábrica.
e trazido de volta à mansão para identificar o corpo. Segundo o relato do delegado assistente Eduardo Moreira, o Sr. Hottman parecia em estado de choque. Ao ver o corpo da esposa, empalideceu ainda mais e murmurou algo como: “Então, ela realmente o fez?” Quando, questionado sobre o que queria dizer, recusou-se a elaborar.
O frasco de cristal encontrado na mesa foi enviado para a análise, mas os resultados, se é que chegaram a ser concluídos, não constam nos registros oficiais. O doutor Silva mencionou em suas anotações pessoais encontradas décadas depois por seu neto, que o cheiro sutil de amêndoas no frasco sugere um composto de sianeto possivelmente autoministrado, embora não haja sinais característicos de envenenamento por sianeto no cadáver.
A autópsia completa, incomum a época, foi realizada a pedido expresso do delegado Peixoto. O relatório, curiosamente, foi arquivado separadamente do resto do inquérito e só foi redescoberto em 1966. Sua conclusão era desconcertante, causa da morte, indeterminada.
Não há evidências conclusivas de envenenamento, doença cardíaca ou qualquer outro fator natural. É como se a vida simplesmente deixasse o corpo sem causa aparente. Os dias seguintes à morte de Beatriz Hotman foram marcados por um silêncio oficial que contrastava com os burburinhos nos círculos sociais de São Paulo. O inquérito policial foi conduzido de forma discreta, quase secreta.
O delegado Francisco Peixoto pessoalmente supervisionou o caso, algo incomum para a morte de uma senhora da sociedade sem sinais evidentes de crime. Todos os empregados da mansão Hotman foram interrogados, mas nenhum registro desses depoimentos foi encontrado nos arquivos oficiais da polícia.
O funeral de Beatriz foi realizado apenas dois dias após sua morte, um prazo incomumente curto para os padrões da época. A cerimônia, segundo o jornal da província de 26 de outubro, foi discreta, considerando a posição social da falecida. O artigo mencionava a ausência notável de vários nomes importantes da sociedade paulistana, incluindo o casal Bueno e o juiz Ricardo Mendonça.
Heinrich Rotman, descrito como abatido pela dor, estava acompanhado apenas de seu assistente pessoal, Paulo Silveira. No dia seguinte ao funeral, o advogado Sérgio Boarque apresentou o testamento de Beatriz para homologação. O documento, conforme registrado no cartório central, continha uma surpresa. Beatriz deixava metade de sua fortuna considerável, proveniente da herança de sua família, para a fundação de um orfanato nos arredores de São Paulo.
A outra metade seria dividida entre alguns funcionários leais da mansão, com Antônia Pereira, a criada pessoal, recebendo a maior parte. Heinrichado uma única vez no documento. Curiosamente, a data do testamento era de apenas um dia antes da morte de Beatriz. No início de novembro, Heinrich Hotman vendeu a mansão em Higienópolis e mudou-se para uma propriedade menor em Santos.
Segundo registros da empresa, ele também começou a vender gradualmente suas participações na fábrica de tecidos. Em janeiro de 1890, menos de 3 meses após a morte de Beatriz, ele embarcou em um navio com destino à Alemanha. De acordo com o manifesto de passageiros preservado no Arquivo Nacional, ele viajava sozinho e levava apenas duas malas. No mesmo dia de sua partida, o jornal da província publicou uma pequena nota na sessão social.
Antônia Pereira, antes empregada na residência Hotman, foi vista embarcando no vapor para o Rio de Janeiro, acompanhada de uma criança de aproximadamente 3 anos de idade. Fontes próximas afirmam que a senora Pereira pretende estabelecer-se na capital federal, onde adquiriu recentemente uma propriedade no bairro de Botafogo.
Cerca de uma semana após a partida de Heinrich, o juiz Ricardo Mendonça solicitou uma licença médica e afastou-se de suas funções. Ele nunca retornou ao tribunal. Seu corpo foi encontrado em sua casa de campo em Atibaia, em fevereiro de 1890. O laudo médico oficial apontou causas naturais, mas o médico que assinou o documento era cunhado do delegado Peixoto.
12 anos se passaram antes que o nome de Beatriz Hotman voltasse a ser mencionado publicamente em São Paulo. Em 1901, Maria Augusta Silveira, a antiga amiga de Beatriz, publicou suas memórias intituladas Sombras da Belle epoque Paulistana. No livro, ela dedicava um capítulo inteiro ao que chamava de O mistério Hotman. Sem nunca acusar diretamente ninguém, Maria Augusta fazia insinuações intrigantes.
Certos segredos são como veneno em doses pequenas. A pessoa que os detém acredita estar protegida pelo conhecimento quando, na verdade está sendo lentamente consumida por ele. B. Descobriu algo que nunca deveria ter vindo à luz. algo sobre seu próprio lar, quando percebeu que não poderia viver com aquele conhecimento, mas também não conseguiria silenciá-lo, fez a única escolha que lhe restava.
Transformou-se em sua própria juíza, juuri e executora. O livro causou sensação, mas foi rapidamente retirado de circulação. Apenas algumas cópias sobreviveram, uma das quais foi encontrada por Cláudio Mendes em 1962 na biblioteca particular de um colecionador. Em 1925, um incêndio destruiu parte do arquivo da antiga delegacia central, incluindo muitos documentos do final do século XIX.
Entre os documentos perdidos estava o inquérito original sobre a morte de Beatriz. O delegado Peixoto, já aposentado e vivendo no interior, morreu no mesmo ano, levando consigo o que quer que soubesse sobre o caso. A mansão Rotman passou por vários proprietários ao longo dos anos. Em 1942, uma reforma extensa, trabalhadores encontraram algo interessante escondido em uma cavidade na parede do escritório que havia pertencido à Beatriz, uma pequena caixa de madeira contendo uma fotografia e uma carta.
A fotografia mostrava uma mulher jovem não identificada, segurando uma criança pequena. No verso escrito à mão, havia apenas a verdadeira herdeira 1886. A carta, endereçada à Beatriz e assinada apenas com a inicial M, continha um único parágrafo. Sua insistência em investigar o assunto é imprudente e perigosa. O que está feito, está feito.
H jamais reconhecerá a criança publicamente e você só trará desgraça sobre sua própria casa ao tentar expor o que deveria permanecer oculto. Há interesses maiores que os seus em jogo. Recue enquanto ainda pode. Depois não haverá volta. Os itens foram enviados ao Departamento de História da Universidade de São Paulo, mas desapareceram misteriosamente antes de serem estudados.
O único registro de sua existência é uma breve menção em uma carta do professor de história Alberto Ventura, ao colega em uma universidade no Rio de Janeiro. Em 1962, quando o jovem historiador Cláudio Mendes começou sua pesquisa sobre crimes não solucionados na São Paulo da Bep Epoc, o caso Hotman era pouco mais que uma nota de rodapé na história da cidade.
Ouvido pela curiosidade sobre a menção no livro de Maria Augusta Silveira, Mendes começou a procurar nos arquivos por qualquer documento relacionado ao caso. Foi durante essa busca que ele encontrou fragmentos do inquérito original que haviam sobrevivido ao incêndio de 1925. Os documentos estavam fora de ordem, alguns parcialmente danificados pela água usada para combater o fogo”, escreveu Mendes em seu caderno de pesquisa. Mas havia algo estranho neles.
Certos trechos pareciam ter sido deliberadamente riscados e algumas páginas tinham marcas que sugeriam que alguém tentou removê-las antes mesmo do incêndio. A descoberta mais significativa de Mendes foi um pequeno caderno de anotações pertencente ao Dr. Eugênio Pereira da Silva, o médico legista que examinou o corpo de Beatriz.
O caderno continha observações que nunca foram incluídas no relatório oficial. Examinei pessoalmente o frasco encontrado na mesa. O resíduo sugere uma substância à base de sianeto, mas não há sinais típicos de envenenamento no corpo. A senora R. não apresenta a coloração característica das vítimas de Sianeto, nem o rigor mortes acelerado. Os olhos, porém, contam outra história.
A dilatação das pupilas e certos padrões nas veias da retina sugerem um choque extremo. Vi padrões semelhantes apenas duas vezes na minha carreira, ambas em pessoas que morreram de terror absoluto. Intrigado por essas descobertas, Mendes tentou localizar descendentes das pessoas envolvidas no caso. Descobriu que Heinrich Hotman morrera na Alemanha em 1913, sem deixar herdeiros conhecidos.
A família Bueno havia se mudado para o Rio de Janeiro no início do século XX e seus descendentes não tinham conhecimento do caso. A busca por Antônia Pereira levou Mendes a uma descoberta surpreendente. No registro civil do Rio de Janeiro, ele encontrou o certificado de casamento de uma Antônia Pereira Hotman com um comerciante local em 1895.
O documento listava a noiva como viúva, anteriormente empregada doméstica. Mais intrigante ainda era o registro de uma menina chamada Helena Rotman, nascida em 1886, listada como filha de Antônia. Não havia menção ao pai. Mendes conseguiu rastrear a família até uma senhora idosa que vivia em um bairro afastado do Rio de Janeiro, Luía Hmman, neta de Antônia.
A entrevista com Luía, gravada por Mendes em maio de 1962, forneceu o que poderia ser a chave para todo o mistério. Minha avó raramente falava do passado, mas quando bebia um pouco de vinho nas festas de fim de ano, às vezes mencionava São Paulo. Uma noite, pouco antes de morrer, ela me chamou perto e disse: “Luía, vou lhe contar um segredo que carrego há mais de 50 anos.
Sua mãe, Helena, não era minha filha biológica. Ela era filha de Heinrich Hotman, com Maria Teresa Bueno, esposa do maior rival dele. Foi um escândalo que teria arruinado três famílias se viesse à tona. A senora Beatriz descobriu tudo quando encontrou cartas trocadas entre eles, mas em vez de causar o escândalo, ela fez algo inesperado. Negociou com todos os envolvidos.
O juiz Mendonça, que era padrinho de batismo de Maria Teresa, ajudou a arranjar tudo. Eu, que trabalhava para os Bueno e sabia do caso, fui transferida para a casa dos Hotman para cuidar da menina em segredo, enquanto oficialmente continuava sendo minha filha. Beatriz concordou em manter o segredo em troca de concessões nos negócios e influência social.
Ela controlava todos com aquele conhecimento até o dia em que descobriu que tinha uma doença terminal. O médico havia dado a ela apenas alguns meses de vida. Foi então que ela decidiu orquestrar sua própria saída, mas não sem antes garantir que a verdade viesse à tona de alguma forma depois de sua morte. Ela chamou todos os envolvidos para um jantar e revelou que sabia de tudo.
Depois preparou documentos que seriam revelados após sua morte. Na tarde final, Heinrich a confrontou e ela lhe mostrou o diagnóstico médico e o testamento que havia preparado, deixando tudo para a menina e para mim, sua guardiã. Ele saiu transtornado e ela ficou sozinha esperando, mas não pela morte natural. Ela tinha preparado algo para si mesma, um veneno especial que ela mesma havia pesquisado, algo que não deixaria marcas. Beatriz Hotman escolheu o momento e a maneira de sua partida.
Ela não foi assassinada por ninguém além de si mesma, mas conseguiu sua vingança ao forçar Heinrich em desgraça e garantir que a filha ilegítima que ele nunca reconheceu recebesse sua fortuna. O mais assustador, Luía, é que ela me disse que ficou no corredor a pedido de Beatriz naquela última tarde.
Ela viu quando Heinrich saiu do escritório, esperou alguns minutos e usou a chave que tinha para verificar se a senhora estava bem. Beatriz estava viva, sentada em sua cadeira, segurando o frasco vazio. Ela sorriu para minha avó e disse apenas: “Está feito, Antônia. Agora tranque a porta quando sair e só volte ao anoitecer. Por hoje sou eu quem guarda seu segredo.
Minha avó fez como foi instruída, retornou horas depois e fingiu descobrir o corpo pela primeira vez. O delegado Peixoto, que era primo distante dos Bueno, garantiu que o caso fosse encerrado rapidamente e todos os documentos comprometedores desaparecessem. A gravação da entrevista com Luía Hotman foi a última peça do quebra-cabeça que Cláudio Mendes coletou.

Uma semana depois, quando retornou ao apartamento dela para fazer perguntas complementares, descobriu que ela havia falecido pacificamente durante o sono. mais perturbador ainda. Quando voltou à sua sala na universidade, descobriu que alguém havia entrado e levado todos os seus documentos de pesquisa sobre o caso a gravação da entrevista que ele felizmente havia deixado em sua casa era a única evidência que restava de sua investigação. Mendes preparou um artigo detalhando suas descobertas para a publicação na revista de história da
Universidade de São Paulo. O texto foi aceito inicialmente, mas na semana anterior à publicação, o editor chefe informou que o artigo havia sido removido da edição por questões editoriais. Quando Mendes protestou, foi informado discretamente que certas famílias ainda têm muita influência nesta cidade.
Desapontado, mas não derrotado, Mendes guardou cuidadosamente a gravação e suas anotações pessoais em um envelope lacrado que entregou ao Arquivo Histórico Municipal com instruções para que só fosse aberto 50 anos após sua morte. Em 1968, Mendes aceitou uma posição em uma universidade no exterior e nunca mais retornou ao Brasil.
Morreu em 1991 em Paris, onde lecionava história latino-americana. O envelope foi finalmente aberto em 2041, conforme suas instruções. O conteúdo foi disponibilizado para pesquisadores, mas atraiu pouca atenção. O caso havia se tornado apenas mais uma curiosidade histórica em uma cidade que já não se lembrava de seus antigos moradores. A mansão original dos Hotman foi demolida nos anos 70 para dar lugar a um edifício comercial.
Durante a escavação das fundações, trabalhadores encontraram uma pequena caixa metálica enterrada profundamente sob o que teria sido o escritório de Beatriz. Dentro havia apenas um pequeno frasco de cristal vazio e um bilhete amarelado pelo tempo. O bilhete escrito com a caligrafia elegante que os conhecidos de Beatriz teriam reconhecido imediatamente continha apenas uma frase: “Aguns segredos só podem ser guardados pela morte, mas a verdade sempre encontra uma forma de respirar”.
Hoje, mais de um século após a morte misteriosa de Beatriz Hotman, poucos se lembram do caso. Os registros oficiais são fragmentados, as testemunhas há muito se foram e mesmo os historiadores raramente mencionam o incidente. Mas há algo curioso que ocorre ocasionalmente. Visitantes do cemitério da Consolação, onde Beatriz foi enterrada em uma sepultura simples, apesar de sua riqueza, às vezes relatam ver uma figura feminina elegantemente vestida em roupas do final do século XIX, parada diante do túmulo. Quando se aproximam, a figura desaparece. Alguns dizem que é apenas um
truque da luz filtrada pelas árvores antigas. Outros, mais supersticiosos, sugerem que é o espírito inquieto de uma mulher, cujos segredos ainda não encontraram descanso completo. Funcionários antigos do cemitério mencionam em conversas reservadas que ocasionalmente encontram um pequeno frasco de cristal vazio sobre a lápide, sempre no aniversário da morte de Beatriz.
Ninguém sabe quem o deixa lá ou significa. Em 2005, durante uma reforma no edifício que agora ocupa o local da antiga mansão, um operário encontrou algo estranho no espaço entre duas paredes, um retrato em miniatura de uma mulher jovem segurando uma criança pequena. O quadro foi enviado ao Museu Paulista, onde permanece até hoje, catalogado simplesmente como retrato de mulher desconhecida com criança. C 1886.
Os curadores do museu não sabem que estão preservando a única imagem conhecida de Antônia Pereira com a menina que seria conhecida como Helena Hotman, a verdadeira herdeira da fortuna e dos segredos da família mais temida da alta sociedade paulistana do final do século XIX.
E assim o mistério da morte de Beatriz Hotman permanece oficialmente não resolvido. Foi suicídio meticulosamente planejado para parecer inexplicável? Foi vingança de alguém cujos segredos ela ameaçava expor? Ou foi, como alguns documentos sugerem, o resultado de um choque tão profundo que seu coração simplesmente parou? A verdade, assim como o conteúdo da carta selada que Beatriz deixou para o delegado Peixoto, parece ter desaparecido nas sombras da história.
O que sabemos com certeza é que na manhã de 23 de outubro de 1889, Beatriz Hotman, a mulher mais temida da alta sociedade brasileira, sentou-se em seu escritório, trancou a porta por dentro e preparou-se para enfrentar seu destino. O que aconteceu naquelas horas finais é um segredo que ela levou para o túmulo.
Um túmulo que, segundo dizem, nunca está verdadeiramente em paz nas noites de lua nova, quando o vento sussurra entre os ciprestes do cemitério da consolação, histórias que ninguém mais vivo consegue lembrar completamente. ente