O tribunal ficou em silêncio enquanto a pequena Emma caminhava corajosamente até o banco das testemunhas, seu vestido tremendo ao redor dos joelhos. O juiz se inclinou para frente
— Emma, você entende por que estamos aqui? — perguntou ele suavemente.
Ela assentiu, os olhos fixos no homem que a abandonara anos atrás.
— Porque ele diz que é meu pai — sussurrou ela.
O juiz inclinou a cabeça, observando a menina.
— E o que você acha disso? — perguntou ele.
A sala prendeu a respiração. A voz de Emma rompeu o silêncio, forte e certa:
— Meu verdadeiro pai é aquele que dançava comigo quando eu estava triste. Aquele que me ajuda com a lição de casa, que me empurra no balanço. Esse é o Sr. Nathaniel. Ele é meu pai, não o outro homem.
Suspiros ecoaram pelo tribunal. Ninguém podia acreditar no que acabara de ouvir. O que aconteceu a seguir mudou tudo, e você não vai querer perder.
A chuva já tinha parado há horas, mas a rua ainda cheirava a asfalto molhado e ferrugem. Nathaniel Hayes estava sentado silenciosamente no banco traseiro de seu carro preto, olhando para as fileiras de casas deterioradas, enquanto seu motorista tentava fazer uma conversa.
— Sr. Hayes, o senhor realmente não deveria sair por aqui — alertou Paul, seu motorista fiel. — Esse bairro não é seguro para você. O senhor tem aquela ligação com os investidores em Tóquio daqui a poucas horas.
Nathaniel nem sequer virou a cabeça. Sua mão pairava sobre a maçaneta da porta, e sua voz estava cansada, sem emoção.
— Cancele a ligação, Paul. Diga a eles que estou doente.
Paul quase pisou no freio.
— Senhor, o senhor já cancelou três reuniões importantes este mês. As pessoas estão começando a perceber. Isso pode ser o fim.
Nathaniel gritou, surpreendendo até a si mesmo. Ele raramente levantava a voz. Seu império fora construído com controle disciplinado e precisão imperturbável. Mas naquela noite, seu peito parecia um cofre trancado prestes a explodir.
— Eu preciso de ar. Preciso de algo real.
Ele saiu do carro, a porta batendo atrás de si com um som pesado. Pela primeira vez, ele não se importava com acionistas, contratos ou o império que carregava seu nome. Desde a morte de Olivia, sua esposa, tudo aquilo se transformara em cinzas em suas mãos.
Ele andou pelas calçadas rachadas, passando por cercas quebradas, crianças brincando de pega-pega sob lâmpadas de rua piscando, e mães estendendo roupas entre postes tortos. Era um mundo distante de seu apartamento de luxo com vista para o Central Park. E, no entanto, parecia mais vivo do que sua vida sem alma.
Foi então que algo chamou sua atenção: um cartaz amarelo brilhante pregado na porta de uma escola primária local. As palavras pareciam queimá-lo: Baile de Pai e Filha. Hoje às 19h. Por um momento, o mundo parou. Sua garganta se apertou enquanto ele se lembrava da voz de Olivia anos antes, brincando com ele na cozinha:
— Um dia, vamos ter uma menina. Ela vai ter meus olhos, seu sorriso, e você a levará para dançar assim.
Mas a vida roubou deles esse sonho. O acidente levou mais do que apenas sua esposa. Levou seu futuro.
Um som interrompeu seu pensamento. Lamentos suaves abafados por mãos pequenas. Poucos passos à frente, uma menina estava sentada nas escadas da escola. Ela não tinha mais do que oito anos. Seu vestido azul claro com rendas estava novo, mas levemente amassado, e seus sapatos de couro brilhavam sob a luz que se apagava. Mas seus olhos estavam inchados de tanto chorar.
Nathaniel hesitou. Ele fechara negócios de bilhões de dólares, enfrentara conselhos hostis e falara perante líderes mundiais. Mas se aproximar daquela figura pequena e frágil parecia a coisa mais difícil que ele já fizera.
— Ei, tudo bem? — disse ele suavemente, abaixando-se para ficar à altura dela.
A menina fungou e balançou a cabeça.
— É o baile de pai e filha — sussurrou ela, a voz quebrando. — Todo mundo tem um pai para dançar, menos eu.
As palavras perfuraram Nathaniel mais profundamente do que qualquer traição em uma sala de reunião. Ele engoliu em seco, a voz rouca.
— Onde está seu pai?
— Eu não tenho pai — respondeu ela, sem olhar para ele. — Bem, eu até tenho, mas ele não mora com a gente.
— E minha mãe, ela sempre trabalha. Ela sempre trabalha.
Ela enxugou o nariz na manga do vestido.
— Então, eu só estou aqui sozinha.
Nathaniel sentiu uma dor profunda em seu peito. Não sabia o que o fazia se importar tanto. Mas não podia deixar a menina sozinha ali.
— Qual é o seu nome? — perguntou ele suavemente.
— Emma — disse ela, seus grandes olhos castanhos encontrando os dele.
— Nathaniel — ele respondeu, estendendo a mão como se estivessem se encontrando em um grande baile. — Prazer em conhecê-la, Emma.
Ela o estudou com curiosidade, seu olhar fixando-se em seu terno impecável e sapatos polidos, detalhes que gritavam que ele não pertencia àquele lugar. Mas, ao invés de recuar, ela inclinou a cabeça.
— Você tem uma filha? — perguntou ela.
— Não — ele admitiu. — Não tenho filhos.
— Então, por que está aqui? — A pergunta caiu como um soco.
Nathaniel não soube o que responder. Ele não sabia. Só sabia que não podia se afastar daquela solidão.
— Talvez — disse ele lentamente — Eu esteja aqui porque era para te encontrar. E se você quiser, eu posso ser seu pai por esta noite.
Os olhos de Emma se abriram. Pela primeira vez, ela sorriu, uma chama de esperança acendendo-se em seu olhar.
— Sério? Você vai dançar comigo?
— Claro — Nathaniel sorriu suavemente. — Mas só se você quiser.
Ela mordeu o lábio.
— Minha mãe diz que eu não devo falar com estranhos.
— Sua mãe está certa — Nathaniel assentiu. — Ela parece muito sábia. Que tal perguntarmos à sua professora primeiro? Só para ter certeza.
Emma pensou por um momento e então se levantou, alisando o vestido.
— Ok, mas só por hoje.
— Só por hoje — ele prometeu, embora sentisse lá no fundo que seria muito mais do que isso.
Dentro da escola, o ginásio estava decorado com balões e flores de papel. Pais em jeans gastos e botas de trabalho giravam suas filhas pelo salão enquanto o DJ tocava uma melodia nostálgica. Nathaniel se sentia deslocado, como um pinguim no meio de uma turma de pombos. Seu terno sozinho o fazia se destacar, mas o peso da sua dor fazia com que ele se sentisse ainda mais pesado.
Emma puxou a manga de sua camisa.
— Não se preocupe, eu te ensino. Minha mãe me fez praticar a semana toda.
Quando a música começou, ela colocou sua mão gentilmente na cintura dele, e colocou sua pequena palma no ombro dele. Nathaniel se curvou para se alinhar com sua altura, e começaram a dançar suavemente. O riso de Emma soou alto quando ele tropeçou. Seus olhos brilharam quando ele seguiu sua liderança. Pela primeira vez em meses, Nathaniel sentiu uma rachadura de luz atravessar a escuridão dentro dele.
— Veja, você é um natural! — Emma exclamou.
Ele riu, a voz rouca, quase estranha.
— E você? Você dança como se já fizesse isso há muito tempo.
— Minha mãe diz que dançar é como voar, só que com os pés no chão.
Nathaniel engoliu em seco. Ele observou o sorriso dela se alargar, suas bochechas coradas de alegria. E, por um segundo fugaz, ele imaginou que ela realmente fosse sua filha. Que ele fosse apenas mais um pai em mais um baile. Mas, naquele momento, foi mais do que uma brincadeira. Porque, enquanto Emma girava sob seu braço e ria, ele percebeu algo aterrador. Seu coração não estava apenas brincando. Ele estava despertando.
Ao final da noite, Emma agarrou sua mão como se o conhecesse há muito tempo. Ela o apresentou aos seus amigos como “meu pai, Nathaniel”. E, embora ele risse toda vez que ela dizia isso, uma parte dele queria acreditar que fosse verdade.
Quando a música parou, ela subiu em seu colo, descansando a cabeça contra seu peito.
— Sr. Nathaniel — ela sussurrou. — Você pode ser meu pai todos os dias, não só hoje?
O coração dele apertou. Ele abriu a boca, mas antes que pudesse responder, uma voz cortante de mulher atravessou o ginásio.
— Emma, onde você estava?
Nathaniel olhou para cima. Uma mulher jovem, vestindo um uniforme de enfermagem, com o cabelo escuro preso em um rabo de cavalo bagunçado, correu em direção a eles. Ela parecia exausta, mas seus olhos queimavam de um fogo protetor.
— E quem exatamente é você? — ela exigiu.
A bolha mágica que envolvia aquela noite estourou.