Chimamanda e o Caminho da Esperança
Chimamanda, uma menina quieta de 14 anos, vivia com sua tia e Ketchi em Port Harkort após a morte trágica de seus pais em um acidente de carro. Seu tio prometera cuidar dela como se fosse sua própria filha, mas, após alguns meses, ele foi gradualmente entregando todas as responsabilidades para sua esposa. Desde o início, tia Ketchi tratava Chima como um fardo. Ela não via uma criança em luto, mas apenas mais uma boca para alimentar.
O dia a dia de Chima era repleto de tarefas. Ela acordava cedo para varrer o pátio, lavava as roupas de todos e esfregava os pisos enquanto seus primos brincavam ou assistiam a desenhos. Quando chegava a hora de comer, ela se sentava no canto, esperando as sobras. Se a comida não fosse suficiente, ela simplesmente tomava água e ia dormir.
Sua vida escolar também não era fácil. Usava os uniformes rasgados de sua prima mais velha, que eram dois números maiores que o seu. Suas sandálias escolares estavam tão desgastadas que as laterais estavam rachadas e foram costuradas com linha para que não se desfizessem. Mas ela nunca reclamava. Caminhava em silêncio, evitava encrenca e guardava sua dor para si mesma.
Mas nada a feria mais do que os domingos.
Dia de igreja. Todo domingo, a família inteira se vestia com suas melhores roupas. Tia Ketchi usava um vestido de renda caro. Sua filha e Kyru vestiam vestidos lindos e sapatos pretos brilhantes. Mas Chima, ela recebia roupas velhas e as mesmas sandálias de sempre, aquelas com as solas desgastadas e as tiras quebradas. Por mais que pedisse, lhe diziam para usar o que tinha e ficar quieta. Chima temia entrar na igreja, pois as pessoas sempre olhavam. Os sussurros, os julgamentos, as risadinhas silenciosas. Ela desejava desaparecer, mas seguia em frente, com a cabeça baixa, tentando esconder seus pés e rezando para que o serviço acabasse rápido. Ela caminhava atrás deles, como uma sombra, despercebida, não ouvida. Era a menina que andava em silêncio, não apenas na igreja, mas pela vida. Uma menina que ninguém via. Uma menina que carregava o luto, a rejeição e o silêncio, tudo dentro de um par de sandálias quebradas.
Mas ela não sabia que, em um daqueles domingos, tudo mudaria.
Na manhã daquele domingo, Chima estava de pé, ao lado da porta da frente, segurando quieta um par de sandálias nas mãos. Não eram apenas velhas, estavam quase caindo aos pedaços. As solas estavam finas e as tiras de couro haviam sido costuradas com linha preta para evitar que se rompesse. Elas eram pelo menos três números menores que o seu tamanho. Cada vez que andava com elas, o barulho da sandália batendo no chão chamava a atenção que ela nunca queria.
Ela olhou para sua tia com olhos suplicantes e disse suavemente: “Tia Ketchi, por favor, posso usar os sapatos pretos velhos da Kyru? Eles me servem melhor.” Sua tia virou-se abruptamente, sem nem mesmo olhar direito para ela. “Você acha que isso é um desfile de moda?”, disparou. “Se preferir, nem vá.”
Chima não respondeu. Ela já aprendera que discutir só trazia mais insultos. Lentamente, ela se abaixou, colocou seus pés doloridos nas sandálias apertadas e se levantou sem dizer uma palavra. A dor já era familiar, assim como o silêncio. O resto da família já estava vestida com suas roupas elegantes. Kyru usava sapatos novos e uma bolsa combinando. Seu irmão mais novo estava com uma camisa bem passada e sandálias marrons polidas. Tia Ketchi ajeitou seu vestido de renda e borrifou perfume, enquanto todos saíam. Chima seguia atrás, com a cabeça baixa, cuidadosa para não andar rápido demais. A cada passo, o som das sandálias batendo contra o concreto lembrava-a do seu lugar na família. Ela andava como uma sombra atrás deles, presente, mas não vista. Ela ficava quieta, não porque não tinha nada a dizer, mas porque ninguém nunca a ouvia. Seus pés doíam a cada passo, mas seu coração doía mais. Não apenas pelas sandálias, mas por como ela se sentia invisível. Perguntava-se se alguém na igreja notaria ou se ririam como da última vez. Mesmo assim, continuava andando.
Ela não sabia que aquelas mesmas sandálias, aquelas sandálias quebradas e dolorosas, estavam prestes a mudar sua vida diante de toda a igreja.
Chima entrou na igreja atrás de sua tia e primos. Cuidando para ficar alguns passos atrás, eles encontraram lugares perto do fundo, longe do púlpito, mas o suficiente para todos vê-los ao entrarem. Chima manteve a cabeça baixa, rezando silenciosamente para que ninguém notasse suas sandálias. Mas essa oração não foi atendida. Quando o coral começou a cantar, Chima sentiu os olhares. Primeiro, foram duas meninas do outro lado do corredor. Uma delas cutucou a outra, inclinou a cabeça em direção aos pés de Chima e sussurrou com um sorriso. A outra olhou e riu. Então, ela ouviu. Um menino atrás dela se inclinou para o amigo e disse baixinho, o suficiente para ela ouvir: “Viu o sapato dela? Pois é, ela entrou na igreja assim.” Suas orelhas queimaram. Ela olhou fixo para frente, piscando rapidamente, tentando segurar as lágrimas.
Mas então algo inesperado aconteceu. O pastor Toby, durante o sermão, fez uma pausa. Seus olhos varreram a multidão lentamente e, de repente, ele fixou o olhar em alguém. “Chima”, disse ele, levantando a mão e apontando gentilmente. “Você”, ele disse claramente, “sim, você, a jovem com as sandálias remendadas. Por favor, venha até aqui.”
A igreja congelou. O ar ficou pesado. Todos olharam. Os sussurros tomaram conta do lugar. Alguns se surpreenderam, outros se inclinaram para ver quem ele estava chamando. Chima olhou para cima, confusa. Ele estava falando com ela? Seus olhos procuraram para os lados, esperando que ele estivesse falando com outra pessoa. Mas o pastor Toby assentiu. “Você, querida, não tenha medo.”
O corpo de Chima ficou congelado. Suas pernas tremeram enquanto ela se levantava lentamente. Sua tia se mexeu desconfortavelmente, percebendo que todos os olhares estavam agora voltados para eles. Chima deu seu primeiro passo. O som das sandálias, aquelas sandálias quebradas, batia contra o piso de cerâmica. Um passo, depois outro, cada um mais alto que o anterior. As pessoas olhavam, não apenas para os sapatos, mas para ela, algumas com curiosidade, outras com piedade. Ela continuou andando, com o coração batendo forte como um tambor dentro de seu peito. Suas mãos tremiam ao seu lado, seus olhos fixos no chão, sem ousar olhar para ninguém.
Quando chegou à frente, diante do pastor, pequena e silenciosa, ele a olhou com calma e gentileza. Ele não apressou a conversa. Permitiu que o silêncio se espalhasse pela sala enquanto a igreja toda esperava. Então, ele falou suavemente, com o microfone em mãos. “Qual é o seu nome, querida?” Chima respondeu, com a voz quase inaudível: “Chimamanda.”
Ele assentiu lentamente. “Você sabe que você é maravilhosamente feita, não sabe?” Chima deu uma pequena assentida com a cabeça. “E sabe que seu valor não vem das roupas, dos sapatos ou do que as pessoas falam pelas costas?”
Ela mordeu os lábios, segurando as lágrimas. As palavras dele não eram duras, mas atingiram um ponto profundo. Não porque machucassem, mas porque falavam de algo que ela tanto desejava ouvir.
Então, ele se virou para a congregação e falou com firmeza: “Esta jovem entrou na casa de Deus hoje com dignidade, apesar de ser tratada com desonra.” A sala se mexeu. Algumas pessoas se entreolharam, outras arregalaram os olhos. Aquelas palavras se espalharam como uma manta de peso, e as pessoas que antes riam de suas sandálias agora estavam em silêncio.
E foi naquele momento que Chima sentiu, pela primeira vez em sua vida, que alguém a via. Ela não era mais invisível. Ela não estava sozinha. Ela era vista, verdadeiramente vista.