O ano era 1879, e o inverno chegara como uma promessa indesejada, silenciosa, pálida e implacável. A neve grudava nos telhados como uma dor não dita, e o vento soprava suavemente pelas planícies, contornando cercas e cadeirinhas vazias como um fantasma retornando para casa. Nada no campo se movia com propósito naquela manhã, exceto por duas pequenas figuras, não mais altas que um mourão de cerca, descalças na beira da rua principal, segurando um embrulho branco entre elas.
Silas McGra as avistou da sela. A princípio, ele pensou que eram apenas sombras perto do poste ou talvez sacos de flores deixados ao frio. Mas à medida que se aproximava, a geada cedeu, e o que apareceu foram duas meninas pequenas, talvez com três anos, com os rostos vermelhos de frio e os lábios rachados pelo silêncio e pelo vento. Uma segurava a mão da outra. A outra segurava um gatinho.
O animal era branco como a neve, enrolado em um pedaço de lã rasgado. Suas orelhas se moviam, meio congeladas, mas não fazia som. As meninas também não disseram nada até que Silas parou seu cavalo e tirou o chapéu.
“Vocês duas estão bem aí fora?” perguntou Silas. A menina à esquerda piscou. A outra olhou para baixo, fixando os olhos nos sapatos, embora estivessem descombinados e cheios de buracos. A mais alta, por um centímetro, deu um passo à frente e sussurrou: “Por favor, é o nosso gatinho.”
A voz dela veio de algum lugar vazio, como se não tivesse usado a voz muito. Silas desceu da sela, os botas rangendo contra o chão congelado. “Onde está a sua mãe?” perguntou com suavidade. Elas se olharam, depois olharam de volta para ele. A mais nova sussurrou: “Ela está enterrada.”
O gatinho soltou um miado fraco, como se concordasse. Silas franziu a testa. “Enterrada onde?” A mais velha virou a cabeça. “Na neve, não muito fundo. Ela nos disse para correr. Mandou a gente manter o Snowy quente.”
Silas as olhou bem. Realmente olhou. Seus vestidos estavam errados para o clima. Eram de algodão fino, mais adequados para a primavera. Suas bochechas estavam doloridas, e os dedos das mãos estavam roxos nas pontas. Ele se agachou na frente delas, com cuidado para não assustá-las. “Qual é o seu nome?” A mais velha hesitou, depois disse: “June.” Ela apontou para a irmã. “Ela é a Daisy.”
June e Daisy. Flores que nasciam no gelo.
Silas se levantou, a mandíbula apertando sob a barba. “Me mostre”, disse ele, com voz baixa. Elas o levaram por um caminho de entrega, passando pelo cemitério onde a neve grudava nas portões de ferro como um perdão congelado. O vento assobiava pelas altas árvores de pinho que margeavam a cidade, e eles cruzaram para a floresta. As botas de Silas afundavam profundamente na neve, mas as meninas, leves como o vento, caminhavam pela neve compactada como cervos.
Silas as observava caminhar. Havia algo no jeito que June erguia o queixo, como seus cachos escuros moldavam seu rosto apesar do frio. Algo nela mexia com uma memória que ele não tinha falado em sete anos. Willa, ela usava uma fita da mesma cor violeta pálida. Ela ria como sinos de igreja, sempre quase sem fôlego de tanta alegria. E então, uma noite, pouco antes do casamento deles, ela desapareceu. Simplesmente sumiu. Sem bilhete de resgate, sem pista, apenas a boca amarga de seu pai, dizendo que ela havia fugido com alguém indigno do nome dos Calder. A cidade o teve pena por algumas semanas, depois seguiu em frente. Mas ele nunca seguiu em frente.
As meninas pararam em um pedaço de pinho onde a neve estava compactada em montes estranhos. Pedaços de pano estavam visíveis sob o branco. June se agachou e empurrou a neve para o lado, revelando o que parecia ser parte de um xale e uma bota de mulher.
“Ela está aqui embaixo,” disse June. “Ela disse para a gente seguir em frente, mas a gente não quis.”
Silas engoliu em seco. Ele se ajoelhou e começou a empurrar a neve com as mãos nuas. Centímetro por centímetro, o branco cedeu à roupa, depois à pele. O pulso dela estava pálido, ainda quente sob a neve. Ele trabalhou mais rápido. O rosto dela apareceu sob a geada, os lábios azuis, os cílios congelados, o cabelo grudado na bochecha como tinta congelada. Quando viu seus olhos, meio abertos, algo dentro dele quebrou como madeira velha. “Willa,” ele sussurrou.
O vento parou. As meninas ficaram atrás dele, com a respiração visível. O gatinho se retorceu nos braços de June, emitindo um suave miado. “Silas tocou sua bochecha.” “Sou eu,” disse ele suavemente. “É o Silas. Você me escuta?” Um movimento leve. Seus lábios se abriram o suficiente para deixar o ar escapar. Ele colocou o ouvido perto. Um sussurro. “Silas.”
Ele queria chorar. Não havia deixado a si mesmo chorar em anos. Não desde o dia em que eles enterraram um caixão vazio no campo dos Calder. Ele ficou quieto enquanto o pastor falava palavras vazias sobre nada. Ficou sozinho enquanto o pai dela resmungava sobre desonra. Ficou para trás enquanto a cidade voltava às suas reuniões e salões de dança. Mas agora ela estava ali, viva, frágil como um suspiro e meio congelada.
Ele a levantou gentilmente, cobrindo-a com seu casaco. Ela estava mais magra do que ele lembrava, mais leve. As meninas seguiram em silêncio, os pés estalando atrás dele. O gatinho viajava no casaco de Daisy como um guardião silencioso.
Quando chegaram ao cavalo, Silas olhou para as meninas. “Vocês confiam em mim?” Elas acenaram com a cabeça. “Bom. Eu vou levar vocês para casa.” Casa? Ele não estava falando da cidade. O fogo estalava na lareira como antigas memórias.
Silas moveu-se com cuidado, deitando Willa na cama do quarto de hóspedes, onde sua mãe costumava dormir. As meninas se enrolaram perto do fogão, cobertas com o antigo cobertor de exército dele, os olhos grandes, mas silenciosos.
Willa se mexeu. Ele colocou caldo em seus lábios. A garganta dela se moveu enquanto engolia. “Onde você esteve?” ele perguntou, com a voz mal acima de um sussurro. Ela o olhou com os olhos pesados. Seus lábios tremeram, depois se estabilizaram. “Eu tentei voltar. Sete anos?” Ela piscou e uma lágrima solitária escapou. “Eu não fugi. Fui tomada.”
Silas olhou para baixo. “Eu sabia.”
Ela fechou os olhos como se ouvir aquilo lhe desse descanso.
Naquela noite, a neve se aprofundava fora da cabana, mas dentro o silêncio era gentil. As meninas dormiam uma contra a outra, e o gatinho ronronava suavemente em seus braços. Silas sentou ao lado da cama, observando Willa respirar.
A luz do fogo iluminava seu rosto, projetando sombras douradas e tristes. “Eu guardei o medalhão,” ele murmurou. “Está na gaveta. Ainda cheira a rosa.”
Ela não respondeu, mas um suspiro lento saiu de seu peito, e sua mão deslizou pelo cobertor até seus dedos encontrarem os dele.
No dia seguinte, as meninas ajudaram a fazer mingau. Suas pequenas mãos desajeitadas, mas alegres. Willa se sentou na cama, a cor lentamente retornando ao seu rosto. Sua voz ficou mais forte quando falou: “Eu disse a elas para venderem o gatinho se encontrassem um homem bom. Disse que ele saberia o que fazer.”
Silas riu, enxugando as mãos com um pano. “Elas encontraram o certo.”
Willa olhou para a janela. “Eu não pensei que viveria para ver o céu de novo.”
Silas se aproximou dela, não tocando, apenas perto. “Você não está apenas vendo o céu, Willa,” ele disse suavemente. “Você está em casa.”
Ela fechou os olhos, deixando aquela palavra penetrar nela, depois sussurrou: “Eles são seus também, se você quiser.”
As palavras flutuaram na sala como a luz do sol através de vidro. Silas assentiu uma vez, devagar e profundo. “Reckon, eu já decidi.”
Do lado de fora, o vento mudou de direção. A neve ainda caía, mas agora mais suave, como se a terra tivesse exalado. Dentro, Silas pegou uma cadeira e se sentou ao lado dela novamente. Ele abriu a gaveta e colocou o velho medalhão em sua mão.
Ela sorriu, levemente, e naquele silêncio entre as tempestades, a verdade estava aberta como a terra derretendo. Ela estava viva, e ele não tinha errado em esperar.
O fogo estalava. As meninas riam baixinho na sala ao lado, nomeando as patas do gatinho. E Silas, o homem que a cidade há muito parara de observar, sentava-se ao lado da mulher que ninguém pensou em procurar e sabia, lá no fundo, que aquilo era só o começo.