O início de uma vida a dois marcada pelo silêncio

No dia em que vesti meu vestido de noiva, branco como a esperança que carregava no coração, imaginei um futuro repleto de carinho, cumplicidade e calor humano. Via-me construindo, ao lado do homem que escolhi, uma casa iluminada por risadas, refeições partilhadas e pequenas declarações de amor ao anoitecer.
Mas logo depois da festa, da música e das promessas ditas diante do altar, o que encontrei foi o frio. Não o frio das estações, mas o frio de um olhar distante, de palavras medidas, de gestos que nunca se concretizavam. O homem que passara a ser meu marido não me feriu com gritos nem com violência física. Não. Ele me feriu com algo mais cruel: a indiferença.
Ele nunca levantou a voz. Nunca quebrou um prato. Mas também nunca segurou minha mão ao atravessarmos a rua, nunca perguntou como me sentia depois de um dia cansativo, nunca compartilhou comigo os sonhos ou os medos que, no fundo, todos os seres humanos carregam.
E assim, cada dia vivido ao seu lado era um tijolo colocado nas paredes invisíveis que nos separavam. A solidão crescia, não como uma ausência, mas como uma presença sufocante.
A casa dos pais dele
Logo após o casamento, fomos viver na casa dos pais dele. Eu, ainda jovem, acreditava que seria apenas uma etapa passageira, um ponto de partida antes de termos nosso próprio lar. Mas aquela casa se tornou o palco onde meus sonhos foram sendo triturados aos poucos.
Todas as manhãs eu era a primeira a acordar. Preparava o café, lavava as roupas, varria os cantos da casa como se cada tarefa fosse uma forma de merecer um olhar de aprovação. Mas o que recebia era silêncio.
À noite, eu me sentava à mesa, aguardando o retorno dele. Imaginava que talvez naquele dia houvesse uma história do trabalho, uma observação qualquer que nos aproximasse. Porém, invariavelmente, ele entrava, tirava os sapatos e dizia apenas:
– “Já comi.”
Era como se cada palavra tivesse sido cuidadosamente escolhida para cortar pela raiz qualquer tentativa de diálogo.
E assim as noites se sucediam, uma após a outra, até que comecei a me perguntar se aquilo que chamávamos de casamento não passava, na verdade, de uma pensão disfarçada. Eu cozinhava, limpava, cumpria meus deveres. Ele ocupava o espaço, mas sua alma parecia sempre em outro lugar.
A erosão invisível do coração
É possível morrer em vida? É possível que alguém vá desaparecendo aos poucos sem que o corpo dê sinais? Eu acredito que sim. Eu mesma morria a cada olhar indiferente, a cada jantar em silêncio, a cada madrugada em que virava de um lado para o outro na cama enquanto ele dormia como se nada estivesse errado.
Meus pensamentos se enchiam de perguntas. Será que sou eu a culpada? Será que não sei amar direito? Será que meu esforço é pequeno demais para que ele perceba?
E então vinham as lembranças do altar, das flores, das promessas diante de Deus e dos convidados. Tudo parecia tão distante, como se fosse a história de outra mulher. A minha, a real, era feita de ausências.
O pedido de divórcio
Até que, numa tarde como qualquer outra, ele chegou em casa com o mesmo semblante de sempre. Nenhum sinal de raiva, nenhum gesto brusco. Sentou-se diante de mim, colocou sobre a mesa alguns papéis e disse com uma voz seca, sem entonação:
– “Assina. Não quero mais desperdiçar o nosso tempo.”
Não houve discussão. Não houve explicações. Apenas aquelas palavras, duras como pedras, atiradas sobre mim.
Meu corpo gelou, mas não posso dizer que fiquei surpresa. Era como se eu soubesse, desde sempre, que esse momento chegaria. Ainda assim, quando segurei a caneta, minha mão tremia. As lágrimas escorriam sem pedir licença.
Enquanto minha assinatura se desenhava no papel, todas as memórias vieram como navalhas: as noites em que dormi com fome porque ele não quis jantar comigo, as vezes em que esperei um gesto de carinho e recebi silêncio, os aniversários esquecidos, as datas ignoradas.
Uma despedida amarga
Quando o último traço da minha assinatura foi feito, compreendi que aquele capítulo se encerrava. Recolhi minhas poucas coisas: algumas roupas, alguns objetos de valor sentimental, e uma almofada velha.
Era a almofada que tinha levado comigo quando deixei a casa da minha mãe para estudar na universidade. Desde então, nunca conseguira dormir bem sem ela. Tornou-se uma companhia silenciosa, quase como um relicário das noites em que ainda acreditava no futuro.
Ao me ver pronta para sair, ele, com um sorriso de desprezo, atirou a almofada em minha direção e disse:
– “Leva. Lava isso. Deve estar caindo aos pedaços.”
O tom sarcástico foi como uma última punhalada. Eu segurei a almofada com força, sentindo não apenas o peso do tecido gasto, mas também o peso de todos os anos desperdiçados.
Um quarto alugado, uma almofada e um segredo
Saí daquela casa sem olhar para trás. Aluguei um quarto simples, onde as paredes nuas refletiam o vazio que eu carregava. Coloquei a mala no chão e, sem forças, sentei-me na cama, abraçando a almofada como quem abraça o último vestígio de si mesma.
As palavras dele ainda ecoavam em minha mente. “Lava isso. Deve estar caindo aos pedaços.” Talvez ele tivesse razão. A fronha estava desbotada, com manchas amareladas, alguns pontos quase rasgados. Era um pedaço de passado que resistira ao tempo, mas que também precisava ser limpo.
Decidi tirar a fronha para lavá-la. Pelo menos assim eu poderia dormir em paz, sem sentir o cheiro do abandono impregnado no tecido. Mas, ao abrir o zíper, algo estranho aconteceu.
Entre o enchimento macio, senti algo duro. O coração acelerou. Introduzi a mão, hesitante, e toquei em algo que não fazia parte da almofada.
Por um instante, o mundo parou. E quando finalmente puxei o objeto para fora, os olhos se arregalaram.
— Meu Deus… não podia acreditar no que estava vendo.