Arizona, Agosto de 1880. O sol começava a se deitar no horizonte, espalhando laranja ardente sobre a terra rachada quando cinco vaqueiros viram algo que os fez parar. Entre a poeira e os arbustos de sálvia, uma mulher tropeçava, o vestido rasgado na lateral, a mão pressionada contra a barriga de onde o sangue escorria em filetes. Estava descalça, o cabelo emaranhado, o rosto pálido como osso. Não gritou. Apenas avançava, arrastando um pé atrás do outro, como se cada passo fosse o último.
Um deles murmurou:
– Jesus, essa mulher levou um tiro.
Ninguém se moveu. Só um desceu do cavalo. As botas bateram forte no chão. Chamava-se Fletcher Ward. Tinha 29 anos, alto e magro, rosto queimado de sol, mãos de quem conhecia o trabalho duro. Caminhou até ela sem hesitar, certo de que, se esperasse um segundo, ela cairia. E caiu mesmo, de joelhos, antes que ele a alcançasse.
– Você está comigo? – perguntou baixo, a voz firme.
Ela ergueu os olhos febris, lábios rachados.
– Água.
Fletcher tirou o cantil do cinto, levou à boca dela com cuidado. Ela bebeu em goles trêmulos, agarrando o pulso dele como se fosse âncora.
– Nome? – perguntou.
– Georgia – respondeu com voz rouca. – Georgia Fletcher.
As sobrancelhas dele se arquearam. Ela soltou uma risada curta que virou tosse.
– Nome de casada… não mais.
Fletcher olhou os outros. Um já se afastava a cavalo, covarde. Ele voltou-se para a ferida, limpou como pôde, improvisou curativo com tecido rasgado.
– Preciso levá-la para sombra – disse.
Carregou-a nos braços até um bosque de álamos, perto de um filete d’água. Deitou-a com cuidado, molhou o lenço e pressionou a ferida.
– Quem fez isso? – perguntou.
– Três homens. Levaram a carroça. Me deixaram para morrer.
Fletcher não insistiu. Naquela noite, ficou ao lado dela, dando goles d’água, trocando os panos encharcados. Perto do amanhecer, ela apertou a mão dele e murmurou:
– Elijah.
– Quem é?
– Meu menino. Cinco anos. Levaram ele.
O peito de Fletcher apertou.
– Seu filho?
Ela assentiu, lágrimas correndo silenciosas.
– E minha menina, Ellen. Sete anos. Escondi os dois no mato. Não sei se…
– Você vai encontrá-los. Eu prometo.
No dia seguinte, ela já conseguia sentar. Fletcher fez café, rasgou a própria camisa para reforçar a faixa. Achou frutas silvestres, convenceu-a a comer. Ao montar, colocou-a à frente, apoiada em seu peito.
– Você não precisa fazer isso – murmurou Georgia.
– Eu sei.
– Então por quê?
– Porque não consigo ir embora.
Ao entardecer chegaram à casa de Maria, conhecida de Fletcher. Ela limpou a ferida, deu caldo, emprestou cama. Naquela noite, Georgia, febre baixa, virou a cabeça na direção dele.
– Lembrei de você. Comprou pêssegos da minha banca uma vez.
Fletcher sorriu devagar.
– Eu lembro. Você devia ter falado.
– Eu era casada.
– Sinto muito.
– Eu não – disse baixinho. – Ele não era bom.
Fletcher não julgou. Apenas prometeu:
– Vamos achar seus filhos.
Dias depois, voltou da cidade com notícias.
– Passaram por Santa Rosa três dias atrás. O menino mancando, a menina com pingente. Estão com um homem chamado Pike Crenshaw.
Georgia firmou a voz:
– Então vamos.
Partiram antes do amanhecer. Georgia montava uma égua mansa; Fletcher seguia ao lado. Durante o caminho, silêncios longos preenchiam mais que palavras. Ao meio-dia, pararam à sombra. Ele notou:
– Você protege o lado esquerdo quando monta. Vai abrir a ferida.
Aplicou unguento que Maria havia dado. Os dedos ásperos tocaram suave. Ela ficou quieta, respirando curto.
À noite, encontraram uma fogueira apagada. Fletcher sentiu o calor das cinzas. Georgia achou um pedaço de tecido cor-de-rosa preso em espinho.
– Da Ellen. Eu mesma costurei esse vestido.
– Amanhã alcançamos.
Acamparam perto de arroio seco. Jantaram feijão e biscoito duro. Deitaram próximos, sem se tocar. Antes de dormir, Georgia sussurrou:
– Amanhã eu trago eles de volta.
– Você vai.
Na manhã seguinte, seguiram rastros até o desfiladeiro. Viram a carroça: roda quebrada, fogo aceso, três homens. Fletcher desmontou.
– Fica aqui.
– Não. Eu vou.
Ele entregou-lhe uma pistola.
– Sabe usar?
– Meu irmão ensinou. Mirar baixo, atirar duas vezes.
Fletcher avançou até a clareira, mãos soltas.
– Procurando troca – disse. – Café, toucinho.
– Não vendo nada – respondeu Crenshaw.
– Não vim comprar. Vim buscar as crianças.
Silêncio duro. Crenshaw tentou sacar, mas Fletcher foi mais rápido. A coronha atingiu a têmpora. Os outros avançaram. Um levou tiro no ombro; o outro caiu com golpe de Georgia.
Ela correu ao toldo de lona. Dois rostos pequenos apareceram.
– Ellen! Elijah! – gritou.
Abraçou os filhos, chorando sobre seus cabelos. O menino olhou para Fletcher.
– Quem é ele?
– Só um vaqueiro que encontrou sua mãe.
Mais tarde, deixaram Crenshaw e capangas amarrados, fogo apagado. Georgia montou com os filhos colados à cintura. Acamparam junto ao rio. As crianças dormiam. Georgia disse:
– Eles lembraram de mim. Eu temia que não.
– Sempre foram seus – respondeu Fletcher.
– Não sei para onde ir. Não posso voltar.
– Não precisa. Você tem a mim.
Ela encostou a cabeça no ombro dele. Pela primeira vez, acreditou que talvez não precisasse mais fugir.
No dia seguinte, seguiram até Pine Hollow. Georgia procurou Martha, antiga conhecida.
– Preciso de trabalho. Minhas crianças precisam de roupa.
Martha abriu a porta.
– Entre.
E assim foi. Fletcher arrumou emprego consertando cercas. Georgia passou a ajudar no armazém. Alguns moradores desviavam os olhos, outros sorriam. Aos poucos, o silêncio de julgamento foi cedendo lugar ao respeito.
Numa tarde, Fletcher entalhava um cavalinho para Elijah. Georgia sentou ao lado.
– Você sente falta da estrada?
– Menos do que pensei.
– O que mudou?
– Você.
Ela pegou a mão dele.
– Quero me casar com você.
Ele sorriu.
– Então vamos fazer uma vida boa.
Casaram-se sob o carvalho da casa de Martha. Ellen carregava flores, Elijah tentava parecer sério. Não houve música, só palavras simples e verdadeiras.
Com os anos, Georgia assumiu o armazém. Fletcher cultivou a horta. Ellen aprendeu a ler; Elijah caminhava mais firme a cada primavera. Construíram balanço, criaram galinhas. Ao entardecer, sentavam na varanda, ombro com ombro, vendo o céu corar. Georgia encostava a cabeça, Fletcher beijava-lhe a têmpora.
A vida que construíram não era grandiosa. Mas era deles. Era casa.