O Último Homem Vivo: Caí em um mundo de mulheres gigantes e o que elas me pediram foi… irrecusável.

O impacto me arremessou contra o painel de controle com a violência de um deus irado. A cápsula girou, um turbilhão de metal envolto em fogo e ruído ensurdecedor, rasgando a atmosfera como um meteoro indesejado. O mundo lá fora era um borrão de chamas até que, subitamente, houve o choque. Não contra rocha ou aço, mas contra algo macio, úmido, vivo.

Então, o silêncio.

Absoluto e pesado. A única coisa que eu ouvia era o silvo agudo do ar escapando por uma fissura no casco e as batidas descompassadas do meu próprio coração. Minhas mãos tremiam enquanto eu tateava a trava de emergência. Quando a escotilha finalmente cedeu e se abriu com um gemido metálico, não foi a escuridão do espaço que me saudou, nem a aridez de um planeta morto.

Um brilho verde, pulsante e etéreo, inundou minha visão.

Saí, cambaleando. O chão sob minhas botas não era terra firme, mas um tapete espesso de musgo azul-celeste que cedia suavemente sob meu peso. O ar… Deus, o ar. Cheirava a terra molhada, a frutas maduras explodindo de doçura e a algo mais. Algo almiscarado, doce, quase humano. Tirei meu capacete, ignorando os protocolos, e a umidade tropical abraçou meu rosto como um suspiro quente e acolhedor.

Eu havia caído em uma selva, mas aquilo não era uma floresta comum. As folhas eram do tamanho de velas de navios, balançando preguiçosamente sem vento. As raízes, expostas e retorcidas, pareciam serpentes petrificadas de uma era esquecida. E através da névoa luminosa que pairava no chão, veio um som. Um canto baixo, feminino, gutural, que não vibrava apenas no ar, mas ressoava nos meus ossos.

Avancei com dificuldade. A gravidade ali era ligeiramente mais fraca do que a da Terra, fazendo com que cada passo meu parecesse um salto em câmera lenta, onírico. O chão exalava vapor a cada pegada minha, como se a crosta do planeta estivesse respirando.

Então o canto cessou abruptamente. E eu as vi.

Eram mulheres. Altas, inacreditavelmente altas. A menor delas devia ter pelo menos cinco metros de altura. No entanto, não havia nada de monstruoso nelas. Moviam-se com uma graça fluida que desafiava a física de seus tamanhos. Sua pele era humana, beijada pelo sol, com imperfeições reais — poros, cicatrizes tênues, marcas de vida. Não eram deusas metálicas ou seres etéreos inatingíveis. Eram vivas, reais, perfeitamente humanas, apenas magnificadas.

Seus cabelos pareciam cascatas em tons de obsidiana, cobre e prata líquida. Seus olhos enormes refletiam a luz do sol que filtrava através do dossel da floresta. Vestiam trajes feitos de fibras naturais, em tons de terra e verde-musgo, tecidos que aderiam aos seus corpos úmidos pelo calor da floresta.

Uma delas me viu.

Seus passos trovejaram no solo como um tambor lento e profundo, e sua sombra me cobriu completamente, bloqueando a luz. Ela tinha um rosto jovem, traços fortes, quase selvagens, e uma presença que fez o ar ficar rarefeito.

— Que pequena criatura ousa pisar no solo sagrado de Elra? — Sua voz não era um grito, mas atravessou meu peito com a força de uma onda de choque.

Eu congelei, o instinto de sobrevivência gritando para eu correr, mas minhas pernas não obedeciam. O olhar dela, no entanto, suavizou-se ao notar meu terror palpável. Ela se ajoelhou, um movimento que deslocou o ar ao meu redor. Seu rosto agora estava diante do meu, imenso, mas calmo como um lago profundo. Ela estendeu uma mão do tamanho de uma rocha em minha direção.

— Não tema, pequeno viajante — sussurrou ela, e o hálito quente tinha cheiro de chuva fresca. — Sua vinda foi escrita nas raízes.

Outras mulheres surgiram por entre as árvores gigantescas, cercando-me em silêncio. Eu podia sentir a curiosidade delas, o calor que emanava de seus corpos colossais. Algumas riam suavemente, um som que lembrava sinos de vento; outras murmuravam em uma língua musical. Mas todas me olhavam com a mesma mistura desconcertante de ternura e um desejo contido.

— Você veio do céu — disse a primeira, a voz tremendo ligeiramente. — As estrelas nos disseram que, quando o último homem caísse dos céus, a vida floresceria entre nós mais uma vez.

Engoli em seco. O ar ficou espesso. Eu não sabia se estava sonhando, delirando pela falta de oxigênio na queda, ou se havia acabado de me tornar o centro de uma profecia esquecida.

Então ela sorriu. Era um sorriso quente, triste e profundamente humano. — Venha. Temos tanto para lhe mostrar, e tanto para pedir a você.

Elas me carregaram na palma da mão de uma delas, como se eu fosse um pássaro ferido. A pele da gigante era morna e macia. A cada passo que ela dava, as árvores pareciam se curvar, afastando seus galhos como se prestassem reverência à sua passagem. Eu mal conseguia respirar. A magnitude de tudo aquilo me esmagava e maravilhava ao mesmo tempo.

Passamos por um arco natural formado por raízes entrelaçadas, cobertas de flores do tamanho de lanternas que pulsavam luz própria. Além dele, a floresta se abriu em uma cidade impossível.

Não havia metal ou concreto. Eram estruturas vivas de pedra coberta de musgo, torres esculpidas diretamente em troncos massivos que tocavam as nuvens, e pontes de videiras que vibravam com cada brisa. Elra, a cidade oculta das mulheres gigantes.

Do alto, dezenas delas nos observavam. Algumas descansavam em galhos grossos como estradas, outras teciam fibras de plantas douradas, e outras simplesmente caminhavam descalças, deixando pegadas que pareciam pequenos lagos temporários. O riso delas enchia o ar como um coro quente. Mas seus olhos… seus olhos me estudavam com uma intensidade que misturava fome, tristeza e uma esperança desesperada.

A mulher que me resgatou me depositou suavemente em uma pedra redonda ao lado de uma cachoeira de águas cristalinas. Ela se ajoelhou diante de mim, seus joelhos afundando na terra macia.

— Eu sou Lysara, guardiã da linhagem — disse ela solenemente. — Já se passaram mais de cem ciclos desde que um novo ser nasceu em Elra. Nossos homens desapareceram quando o céu queimou. Desde então, restamos apenas nós e o eco do que fomos um dia.

Eu não sabia o que dizer. Olhei ao redor, tentando absorver a realidade. Cada detalhe da cidade parecia vivo. As casas respiravam. As paredes pulsavam com uma luz interior, como se cada pedra guardasse uma memória. Em meio àquele verde luminoso e úmido, as mulheres gigantes moviam-se com elegância, como se cada passo fosse parte de um ritual antigo para manter o mundo girando.

Lysara me ofereceu uma tigela esculpida em cristal puro. O líquido dentro era verde, espesso e liberava um perfume doce e inebriante.

— Beba — disse ela. — Isso o ajudará a nos entender.

Hesitei por um momento, olhando para o líquido desconhecido. Mas o olhar dela tinha algo hipnótico, uma honestidade que eu não podia recusar. Eu bebi.

O gosto era intenso — uma mistura de fruta exótica, néctar e eletricidade estática. Senti um calor subir do meu peito até minhas têmporas. A selva mudou diante dos meus olhos. As cores tornaram-se violentamente vívidas. O ar parecia vibrar com sons ocultos, e as vozes das mulheres ecoaram dentro da minha cabeça, não como som, mas como pensamento puro.

Agora você pode nos ouvir, a voz de Lysara sussurrou na minha mente, embora seus lábios não se movessem. Elra fala através de nós. E você agora faz parte da tecitura dela.

Seu dedo gigante roçou minha bochecha, e uma corrente elétrica percorreu todo o meu corpo. Por um instante, vi o que elas viam. Séculos de solidão. Uma raça condenada ao silêncio e à estagnação. A beleza e a tristeza insuportável de um mundo esquecido pelos deuses.

Então Lysara me olhou com uma expressão diferente. Mais vulnerável. — Não o trouxemos aqui por acaso, viajante. Você foi chamado. O coração da floresta escolheu você para nos devolver o que perdemos. — A voz dela embargou, e as outras gigantes baixaram a cabeça. — A semente do futuro.

Meu coração batia descompassado. Eu não sabia se aquilo era destino ou uma armadilha sofisticada. Mas, naquele momento, entendi que, de alguma forma, a selva viva e suas filhas gigantes esperavam por mim há séculos.

Naquela noite, o céu de Elra queimou com um brilho estranho. Não havia estrelas conhecidas, apenas grandes vaga-lumes flutuando lentamente entre as copas das árvores, iluminando a cidade como tochas vivas.

De onde eu estava, uma plataforma alta feita de madeira translúcida, eu podia ver a vastidão da floresta, respirando, pulsando sob a luz verde do firmamento. Lysara sentou-se perto, de pernas cruzadas. Apesar de seu tamanho, seus movimentos eram gentis. Seus olhos refletiam o brilho das luzes e, pela primeira vez, notei algo além de sua autoridade: um cansaço profundo, uma nostalgia secular.

— Não nascemos gigantes — disse ela suavemente, como quem confessa um segredo vergonhoso. — Éramos humanas como você. Mas a radiação do céu vermelho nos mudou, nos moldou. Sobrevivemos, sim, mas o preço foi nossa solidão. Nossos corpos cresceram para suportar a nova atmosfera, mas os homens… eles eram frágeis. Eles partiram ou pereceram.

Olhei para as minhas mãos, tão pequenas comparadas às dela, e senti um nó na garganta. — Então não há mais ninguém neste mundo?

Lysara balançou a cabeça lentamente. — Apenas nós e os ecos. A profecia dizia que aquele que viesse do fogo traria a mistura perdida, a união do que é humano com o que resta de nós.

Levantei-me e caminhei até a borda da plataforma. Ao longe, as gigantes cantavam, suas vozes subindo em ondas, um hino fúnebre que se misturava com o vento. O som era tão bonito que doía.

— Lysara — disse eu, sem olhar para ela. — Eu não sei se posso ser o que vocês esperam de mim. Sou apenas um homem que caiu do céu.

Ela se aproximou lentamente até ficar diante de mim. Sua sombra me cobriu, mas sua voz foi um abraço. — Não queremos um salvador. Queremos um companheiro. Alguém que lembre o que significa sentir. Elra não busca poder. Ela busca amor.

Suas palavras me atingiram com força inesperada. Eu havia viajado por galáxias, sobrevivido a tempestades cósmicas, visto estrelas inteiras morrerem. No entanto, nenhuma dessas coisas jamais me fizera sentir tão vivo quanto aquela frase simples.

Na manhã seguinte, Lysara me levou ao centro da cidade. — Desça, viajante — a voz dela ecoou. — Chegou a hora de ver o coração que nos mantém vivas.

Descemos por um corredor orgânico cujas paredes brilhavam com uma luz verde tênue. À medida que descíamos, o ar ficava mais quente, quase sufocante, pesado de energia vital. O chão pulsava, literalmente, como se eu estivesse caminhando dentro de uma artéria.

No final da passagem, uma caverna imensa se abriu. Em seu centro, suspenso entre raízes e vinhas grossas como cabos de aço, palpitava um núcleo de luz vermelha e dourada: o Coração de Elra. Ao redor, dezenas de mulheres gigantes se curvavam, murmurando orações antigas. A cena era majestosa e aterrorizante.

— Tudo em Elra depende disso — disse Lysara, seu rosto iluminado pelo brilho do núcleo. — Sem o coração, morremos. Mas sua energia está desaparecendo. A cada ciclo, a luz fica mais fraca. Ele precisa de um catalisador. De uma alma nova.

Ela estendeu a mão, convidando-me a subir em sua palma. Senti a vibração profunda emanando do coração, uma frequência que ressoava através dos meus ossos.

— Quando você chegou, a luz reagiu. Elra o reconheceu.

O coração brilhou mais forte por um instante, como se respondesse às palavras dela. Os murmúrios das gigantes transformaram-se em um canto rítmico. Lysara me aproximou do núcleo. Senti um calor intenso, não de fogo, mas de vida pura.

— O que está acontecendo? — perguntei, sentindo minha pele formigar.

— Ele está escolhendo — Lysara fechou os olhos. — O coração busca um laço com a vida humana original. Apenas através de você ele pode renascer.

Uma explosão de luz me envolveu.

Vi imagens fugazes, rápidas demais para processar conscientemente. Montanhas queimando, oceanos secando, rostos gigantes desaparecendo no tempo. Depois, a visão mudou. Eu caminhando entre elas. Tocando o solo fértil. Sementes brotando sob meus passos. Rios de água pura rompendo a rocha.

Eu gritei, não de dor, mas de assombro. Senti a força da floresta entrar em mim. O batimento cardíaco de Elra fundindo-se com o meu. Eu não era mais um indivíduo; eu era a raiz, a folha, a chuva.

Quando a luz diminuiu, as gigantes me observavam em silêncio absoluto. Lysara sorriu, lágrimas cintilando em suas bochechas colossais. — Começou — disse ela com a voz trêmula. — A união entre os mundos.

Eu lutei para respirar. Algo dentro de mim havia mudado irrevogavelmente. Eu podia ouvir a selva falar, sentir a energia de cada raiz, cada folha, cada respiração daquelas mulheres imensas. Mas, junto com a maravilha, veio o medo. E se o coração não tivesse me escolhido, mas me reivindicado?

Lysara inclinou-se mais perto, seus lábios próximos o suficiente para que sua respiração agitasse meu cabelo. — Não tema. Elra não destrói. Ela transforma.

No olhar dela não havia ameaça, apenas uma ternura imensa carregada de destino. E naquele momento, soube que não era mais um visitante naquele mundo. Elra me aceitara, e nada jamais seria o mesmo.

Por dias, a floresta não parou de se mover. O ar vibrava com uma energia nova, elétrica. As árvores pareciam crescer mais rápido, como se despertassem de um sono milenar. Das torres naturais, as gigantes observavam o horizonte com uma mistura de medo e esperança.

O coração da floresta batia dentro de mim. Sincronizado. Guiando meus passos. Às vezes ouvia vozes suaves como o vento, sussurrando palavras antigas que eu não conseguia entender, mas que enchiam minha mente de paz.

Certa manhã, Lysara veio me buscar. Seu rosto, antes solene, agora irradiava uma paz nova. Ela me ergueu em suas mãos como no primeiro dia e me elevou em direção à luz da manhã.

— Olhe — disse ela.

Diante de nós, a selva inteira estava florescendo. Milhares de flores abriram-se ao mesmo tempo, cobrindo o vale com um tapete impossível de cores. Vermelhos que pareciam fogo líquido, azuis que brilhavam como cristal, dourados que rivalizavam com o sol. Dos galhos, pássaros e criaturas que eu nunca vira cantavam, celebrando o retorno da vitalidade.

Lysara sorriu. — Elra respira novamente por sua causa. A terra se renova, o ar se limpa. Mas mais do que isso, você despertou algo que havíamos esquecido.

— O quê? — perguntei, ainda incrédulo com a beleza diante de mim.

— Esperança.

Suas palavras me comoveram mais do que eu esperava. Lembrei-me do meu planeta, da solidão do espaço, das vozes que eu havia perdido. Talvez não fosse Elra que precisasse ser salva. Talvez fosse eu.

Os dias seguintes foram uma celebração. As mulheres gigantes dançaram ao redor do coração, agora brilhando com uma luz dourada e constante. A vida retornou em ondas.

Mas algo mais aconteceu. A conexão intensa entre mim e o coração começou a diminuir, como uma maré recuando suavemente. Lysara percebeu.

— Elra não precisa mais segurar você — disse ela, com um traço de tristeza. — Você cumpriu o que a floresta pediu. O ciclo foi restaurado.

— E o que acontecerá comigo agora? — perguntei. — Eu pertenço a este lugar agora?

Ela baixou o olhar, depois me encarou com infinita ternura. — Você poderia ficar. Elra o aceitaria como um de nós. Seria amado aqui até o fim dos seus dias. Mas… se sua alma pertence às estrelas, o coração lhe mostrará o caminho de volta.

Olhei para o céu, para além da folhagem verde. A saudade de casa, que eu havia esquecido no êxtase da conexão, voltou a latejar. Lysara viu a resposta em meus olhos antes mesmo de eu falar.

A luz do núcleo começou a nos envolver novamente, mas desta vez era diferente. Era morna, pacífica, como um adeus sem palavras. Senti meu corpo ficando mais leve, como se o vento estivesse me dissolvendo em partículas de luz.

Lysara inclinou-se mais perto, tão perto que eu podia ver o reflexo dos meus olhos nos dela, duas pequenas galáxias perdidas na imensidão.

— Onde quer que você vá — sussurrou ela, e uma lágrima imensa caiu, molhando a terra ao meu lado — Elra viverá dentro de você.

Tudo ficou branco.


Acordei com um solavanco dentro da minha cápsula.

O silêncio era tecnológico, apenas o zumbido dos ventiladores e o bip dos computadores. O painel exibia coordenadas da Terra. Eu estava de volta. O resgate estava a caminho.

Olhei para fora, através do vidro reforçado. O planeta azul parecia diferente, mais brilhante, mais vivo. Mas quando olhei para minhas mãos, elas pareciam estranhas. Pequenas. Solitárias.

No meu peito, um brilho tênue ainda pulsava sob a pele, como um eco distante do coração da floresta.

Eu não sabia se Elra havia sido um sonho induzido pelo trauma, uma visão de um futuro possível, ou uma dimensão escondida entre as dobras das galáxias. Eu só sei que, cada vez que fecho meus olhos, posso ouvir o canto delas. E a cada batida do meu coração, sinto que uma parte de mim ainda caminha entre aquelas mulheres gigantes, guardiãs da vida, filhas da selva infinita.

Se algum dia você ouvir a terra respirar sob seus pés, não tenha medo. Talvez Elra esteja despertando dentro de você também.

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