Era uma manhã de terça-feira que parecia igual a tantas outras em Lisboa, mas que rapidamente se transformou no epicentro de um terramoto político que iria mudar o rumo de Portugal. O dia 7 de novembro de 2023 ficará para a história como o dia em que a “Operação Influencer” foi desencadeada, uma investigação do Ministério Público que, em poucas horas, levaria à queda de um governo com maioria absoluta e mergulharia o país numa crise política sem precedentes.

No centro da tempestade estava o Primeiro-Ministro, António Costa. Mas a operação visava o seu círculo mais próximo, suspeito de corrupção, prevaricação e tráfico de influências em negócios milionários ligados à transição energética. O que se seguiu foi uma sucessão de eventos digna de um thriller político: buscas, detenções e a revelação de detalhes chocantes que abalaram a confiança dos portugueses nas suas instituições.
De todas as imagens e informações que emergiram nesse dia caótico, uma delas destacou-se pela sua natureza visual e profundamente perturbadora. Durante as buscas em São Bento, a residência oficial do Primeiro-Ministro, os inspetores da Polícia Judiciária descobriram algo inacreditável no gabinete de Vítor Escária, o chefe de gabinete de António Costa: 75.800 euros em notas, guardados em envelopes.
A notícia caiu como uma bomba. Como poderia o homem de maior confiança do Primeiro-Ministro ter uma quantia tão elevada de dinheiro vivo, ali mesmo, no coração do poder? A imagem dos envelopes tornou-se o símbolo instantâneo do escândalo. A defesa de Escária alegaria mais tarde que o dinheiro provinha de trabalhos anteriores em Angola e que estava devidamente declarado, mas para a opinião pública, o dano estava feito. O cheiro a corrupção era intenso, e as perguntas multiplicavam-se. De onde vinha realmente aquele dinheiro e para que serviria?
Mas quem eram os alvos desta operação? O nome “Influencer” não foi escolhido ao acaso. O Ministério Público suspeitava de uma rede de influência que operava nas sombras para favorecer determinados projetos empresariais. No centro desta rede estava uma figura-chave: Diogo Lacerda Machado.
Conhecido publicamente como o “melhor amigo” de António Costa, Lacerda Machado era um consultor e advogado sem cargo formal no governo, mas cuja influência era, alegadamente, imensa. O Ministério Público acredita que ele usou essa proximidade única ao Primeiro-Ministro para beneficiar a empresa Start Campus, promotora de um mega centro de dados (Data Center) em Sines. Lacerda Machado tinha sido contratado pela Start Campus, e as escutas telefónicas sugeriam que ele invocava o nome de Costa para pressionar e “abrir portas”.
Ao seu lado, outras figuras de peso: Vítor Escária, o homem dos envelopes; João Galamba, o então Ministro das Infraestruturas, já fragilizado por outros casos e que Costa tinha insistido em manter no governo; e Nuno Mascarenhas, o presidente da Câmara Municipal de Sines, o concelho onde os grandes projetos iriam aterrar. Do lado empresarial, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, administradores da Start Campus, completavam o leque de principais suspeitos.
O que estava em jogo para que esta alegada rede de influência se movesse? A resposta está em três letras: PIB. Estavam em causa alguns dos maiores projetos de investimento em Portugal, todos ligados à chamada “transição energética”.
O primeiro e mais central era o Data Center da Start Campus em Sines. Um projeto gigantesco que prometia revolucionar a economia digital do país, mas que necessitava de um enquadramento legal e licenciamentos favoráveis. A suspeita é que Lacerda Machado e Galamba terão atuado para beneficiar indevidamente a empresa.
A par deste, os controversos projetos das minas de lítio em Montalegre e Boticas. O “ouro branco” da transição energética é um recurso estratégico, e a concessão da sua exploração é um negócio de milhares de milhões. O Ministério Público investigava se o grupo teria exercido influência para favorecer um consórcio específico.
Finalmente, o projeto de produção de hidrogénio verde, também em Sines, fechava o triângulo dos interesses. Eram projetos vistos como cruciais para o futuro do país, mas que, segundo a acusação, estavam a ser manchados por tráfico de influências ao mais alto nível.
A operação já era um escândalo de proporções gigantescas, mas o Ministério Público tinha guardada a verdadeira “bomba atómica” política. Num comunicado emitido nesse mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República informava que, durante a investigação, “vieram à luz factos” que poderiam implicar diretamente o próprio Primeiro-Ministro.
O nome de António Costa era mencionado pelos suspeitos nas escutas telefónicas. Expressões como “isto tem de chegar ao Primeiro-Ministro” ou referências a decisões que teriam de ser tomadas por ele foram suficientes para que o MP decidisse abrir um inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça, o único foro que pode investigar o chefe do governo.
Para António Costa, esta foi a linha vermelha. Ao saber que o seu nome estava formalmente associado a um inquérito-crime, e apesar de afirmar a sua total inocência e “total confiança na justiça”, tomou uma decisão drástica. Ao início da tarde, dirigiu-se ao Palácio de Belém e apresentou a sua demissão ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Numa declaração ao país, foi taxativo: a dignidade das funções de Primeiro-Ministro não era compatível com qualquer suspeita sobre a sua integridade. O governo com maioria absoluta caía, e o país era atirado para eleições antecipadas.
A queda do governo parecia o culminar inevitável de uma investigação sólida. Contudo, meses mais tarde, a narrativa sofreu uma reviravolta digna de um filme. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao analisar a libertação dos suspeitos que estavam em prisão preventiva (como Lacerda Machado e Escária), teceu críticas demolidoras à investigação do Ministério Público.
Os juízes desembargadores consideraram que os indícios eram frágeis, baseados mais em “conclusões e especulação” do que em “factos concretos”. A Relação desmontou grande parte da tese da acusação, questionando a existência de provas de corrupção.
Mas o pormenor mais surreal, e potencialmente mais grave, estava para vir. Foi revelado que a escuta que mais comprometia António Costa—onde se falava em “influenciar” o PM—poderia ter sido alvo de uma confusão colossal por parte dos investigadores. O nome ouvido, “António Costa”, poderia não ser o Primeiro-Ministro, mas sim… António Costa Silva, o Ministro da Economia, que tinha a tutela de vários daqueles projetos.
A possibilidade de o Ministério Público ter confundido o Ministro da Economia com o Primeiro-Ministro, e de essa confusão ter sido a base para implicar o chefe do governo e, consequentemente, provocar a sua demissão, é assustadora. Um governo inteiro pode ter caído, e o mapa político do país redesenhado, com base num erro de interpretação.
Hoje, Portugal vive com as consequências deste terramoto. As eleições antecipadas resultaram num novo governo, de cor diferente, e num parlamento profundamente fragmentado. António Costa, embora já não seja Primeiro-Ministro, continua formalmente a ser investigado pelo Supremo Tribunal, num processo que se arrasta sem conclusões à vista.
Os principais suspeitos da “Operação Influencer” estão em liberdade, aguardando o desenrolar de uma investigação que foi severamente abalada pela decisão do Tribunal da Relação. A opinião pública ficou dividida. Para uns, a operação foi uma ação corajosa e necessária para limpar a corrupção do coração do poder. Para outros, foi um exemplo de incompetência ou excesso judicial, uma investigação desastrada que provocou uma instabilidade política desproporcional com base em indícios que se revelaram, até agora, muito frágeis.
As perguntas essenciais permanecem: O que fazia Vítor Escária com 75.800€ em notas em São Bento? Qual era a verdadeira natureza da influência de Diogo Lacerda Machado? E, acima de tudo, o Ministério Público agiu com base em provas sólidas ou cometeu um erro histórico que mudou o destino de Portugal? A história da “Operação Influencer” está longe de estar terminada, mas as suas cicatrizes na democracia portuguesa serão difíceis de apagar.