O Meu Sangue Gelou: No Casamento do Meu Pai, Vi a Noiva com o Medalhão da Minha Mãe Falecida nas Mãos

Tinham passado cinco anos desde que Teresa partira, mas para Lena, agora com 21 anos, o vazio era tão presente como se tivesse sido ontem. Os calendários podiam marcar o tempo, mas o seu coração permanecia ancorado àquela tarde de abril em que a sua mãe fechou os olhos pela última vez. O luto, para Lena, não tinha sido um processo linear; fora uma âncora que a impedia de navegar para águas mais calmas.

O seu bem mais precioso, a última dádiva de Teresa, era um medalhão em ouro rosa. Uma peça de antiquário, com pequenas marcas que contavam silenciosamente as histórias de gerações. Lá dentro, uma fotografia em miniatura de Teresa, sorridente, a segurar Lena ao colo. No verso, uma inscrição simples: “Amor eterno”. Antes de partir para a universidade, Lena guardara-o na gaveta da sua velha cómoda. A corrente estava partida, o fecho não funcionava, e ela temia perdê-lo para sempre. Aquele medalhão partido era um símbolo perfeito de como ela se sentia: uma ligação preciosa, mas quebrada.

Enquanto Lena, estudante de arquitetura, lutava para equilibrar as aulas com os pesadelos recorrentes de corredores de hospital, o seu pai, Peter, parecia ter virado a página. A relação com Susan começara de forma casual — um café depois de uma reunião de trabalho, mensagens trocadas de madrugada. Em pouco tempo, Susan tornou-se uma presença constante na vida dele.

Para Lena, as videochamadas com o pai tornaram-se exercícios de tolerância. Ela observava o brilho nos olhos dele, a forma como gesticulava ao mencionar o nome “Susan”, e sentia uma mistura tóxica de culpa e ressentimento. Como podia ele sorrir tanto, quando ela ainda chorava às escondidas no chuveiro? A felicidade dele parecia uma traição direta à sua dor.

O Casamento Anunciado

“Temos novidades”, anunciou Peter numa sexta-feira de março, o seu rosto a preencher o ecrã do portátil. “A Susan e eu vamos casar-nos.”

Lena forçou um sorriso, mas as suas mãos tremiam enquanto fechava o computador. Naquela noite, confessou à sua colega de quarto, Renata: “Cada vez que ele menciona o nome dela, sinto que a minha mãe morre um bocadinho mais.”

Dois meses depois, Lena encontrava-se em frente ao espelho num quarto de hóspedes de uma casa espaçosa nos arredores da cidade. Ajustava o seu vestido azul-claro. A propriedade, de uma amiga de Susan, seria o cenário da cerimónia. Faltava uma hora. Na noite anterior, Lena encontrara uma foto antiga na mala: ela e a mãe num banco de jardim, a comer gelado. Lembrou-se da voz de Teresa: “O amor nunca acaba, filha. Apenas muda de forma.”

Talvez fosse esse o significado. Talvez o amor do seu pai por Teresa se tivesse transformado em algo novo, algo que incluía Susan, mas não apagava Teresa. Com uma nova resolução, Lena decidiu que era altura de baixar as defesas. Foi até ao corredor e bateu suavemente à porta da suite principal, onde a noiva se preparava.

O Momento em que o Tempo Parou

“Entre”, respondeu uma voz feminina.

Lena abriu a porta. Susan estava sentada em frente a um espelho antigo, enquanto uma maquilhadora dava os retoques finais. Usava um vestido simples de cetim marfim. Aos 42 anos, Susan emanava uma beleza serena.

“Susan? Posso roubar-te por um segundo?”, perguntou Lena, forçando um sorriso que esperava parecer genuíno. As assistentes saíram discretamente, deixando-as a sós.

Lena avançou, com o discurso de paz ensaiado na ponta da língua. Queria dizer-lhes que lhes desejava felicidade, que estava disposta a recomeçar, que o pai merecia uma segunda oportunidade. Mas as palavras morreram-lhe na garganta.

Nas mãos de Susan, pousado como uma oferenda, estava ele. O medalhão.

O ar rarefez nos pulmões de Lena. Ela parou, congelada. O sorriso desapareceu. Era inconfundível. O medalhão da sua mãe, com as suas marcas familiares, o ouro rosa que parecia sempre quente ao toque. O medalhão que ela deixara partido, em segurança, na gaveta da sua casa de infância.

A raiva, que estivera adormecida sob camadas de tristeza, entrou em erupção. O momento que deveria ser de reconciliação transformou-se num confronto.

“O que estás a fazer com isso?”, a voz de Lena saiu mais estridente do que pretendia. “Esse é o medalhão da minha mãe! O que… o que ias fazer com ele?” Ela imaginou o pior: Susan a usá-lo na cerimónia, como uma espécie de triunfo macabro sobre a memória de Teresa.

A Revelação Inesperada

Susan olhou para Lena. Não havia surpresa ou culpa no seu olhar. Apenas uma calma profunda. Ela não escondeu a joia; pelo contrário, ofereceu-a para ser vista.

“Lena”, disse Susan, a voz baixa e afetuosa. “O teu pai emprestou-mo. Ele disse-me o quão importante é para ti e como a corrente estava partida há anos.”

Susan abriu ainda mais as mãos, mostrando o medalhão em detalhe. A corrente velha e gasta tinha desaparecido. No seu lugar, o medalhão estava preso a uma corrente nova e forte de ouro branco, a brilhar. O fecho, que Lena considerava irreparável, estava perfeito. O próprio ouro rosa, outrora baço, estava polido e brilhante, mas as marcas do tempo, as histórias, permaneciam.

“Levei-o a um especialista em restauro de joias antigas”, explicou Susan, com um sorriso triste e gentil. “Ele restaurou o fecho, reforçou a dobradiça e poliu o ouro sem danificar as marcas características.”

Lena piscou os olhos várias vezes, a fúria a recuar perante a confusão. “Mas… porquê? Porque estás com ele agora?”

Foi então que Susan fez algo que Lena nunca esperaria. Levantou-se graciosamente, caminhou na direção de Lena e, com o máximo cuidado, colocou o medalhão nas mãos trémulas da jovem.

“Eu queria dar-to hoje, como um símbolo, Lena”, explicou Susan, os olhos a brilhar com lágrimas que não caíam. “Eu não o vou usar. Eu não sou uma substituta para a tua mãe e nunca serei. Eu só queria que hoje tu soubesses que eu honro quem ela foi e o que ela deixou para trás.”

O seu olhar era direto, a sua voz inabalavelmente sincera. “Eu mandei restaurar o tesouro dela para que pudesse durar mais 50 anos. E para que soubesses que eu sou uma guardiã. Eu vou cuidar da memória dela. E de ti.”

A Cura de um Coração Partido

A verdade atingiu Lena com a força de uma onda. O seu pai não tinha esquecido a sua mãe. Ele tinha encontrado alguém que compreendia a profundidade do seu luto e, mais do que isso, o respeitava.

As lágrimas que Lena segurara durante anos na faculdade caíram finalmente, livres e abundantes. “Tu… tu restauraste-o. Para mim”, conseguiu ela sussurrar, o medalhão agora quente nas suas mãos.

“Mas claro. É teu”, confirmou Susan, tocando levemente no braço de Lena. “Usa-o. Pertence à tua família.”

Naquele momento, Peter entrou na suite, elegante no seu fato cinzento escuro. Congelou ao ver as duas mulheres mais importantes da sua vida frente a frente, uma delas em lágrimas. “O que se passa aqui?”, perguntou ele, tenso.

Lena olhou para o pai, depois para Susan. Com os dedos ainda a tremer, colocou o medalhão à volta do seu próprio pescoço. O fecho encaixou-se perfeitamente.

“Não se passa nada, pai”, respondeu Lena, a voz embargada, mas o sorriso, pela primeira vez, genuíno. “Estamos prontas.”

Ela virou-se para Susan e abraçou-a. Um abraço que foi, em simultâneo, um pedido de desculpas, uma aceitação e um agradecimento profundo.

A cerimónia foi íntima. Sob um arco de flores silvestres, Peter e Susan trocaram os votos. Lena assistiu na primeira fila, o medalhão entre os dedos, sentindo-se, finalmente, em paz. Durante a receção, ela afastou-se para o jardim, abriu o medalhão e olhou para a foto da sua mãe. “Acho que ias gostar dela”, sussurrou.

“A falar sozinha?”, surpreendeu-a a voz do pai. Ele aproximou-se e tocou no medalhão. “Foi ideia dela, sabes? Restaurá-lo. A Susan disse que algumas coisas partidas não precisam de ser substituídas. Às vezes, só precisam de ser cuidadas com mais atenção.”

Lena sentiu o peso daquelas palavras. “Desculpa, pai. Por ter tornado tudo mais difícil. Tive tanto medo de perder as memórias dela.”

“Tu és tão parecida com ela”, murmurou Peter, abraçando-a.

Mais tarde, Lena regressou ao seu quarto e encontrou um pequeno pacote na cama. Dentro, uma caixa de madeira esculpida, perfeita para guardar o medalhão. Um cartão acompanhava o presente: “Para estimar o passado, enquanto construímos um novo futuro juntas. Com amor, Susan.”

O luto não tinha desaparecido. Talvez nunca desaparecesse completamente. Mas, pela primeira vez em cinco anos, Lena sentiu que era possível respirar sem aquela dor aguda no peito. Era possível amar a sua mãe, não apenas com tristeza, mas com a alegria da memória. E esse, percebeu ela, foi o maior presente que Susan lhe poderia ter dado.

Related Posts

Our Privacy policy

https://abc24times.com - © 2025 News