A água derramada ainda escorria pela terra seca, formando pequenas poças de lama. O balde vazio, virado de cabeça para baixo, parecia não pertencer àquele lugar. Thorne Shepherd, com os olhos fixos na cena, sabia que algo estava errado. Naquela terra árida, a água era uma mercadoria valiosa, e ninguém a desperdiçava. Ele observou atentamente as duas jovens mulheres que estavam escondidas atrás do seu galpão de madeira, tentando se ocultar das vistas do mundo, mas sem conseguir disfarçar completamente sua presença. Seus vestidos estavam rasgados e sujos, e suas expressões traíam a urgência de uma situação desesperadora. Elas não estavam pedindo ajuda, mas, sim, esperando algo — ou alguém.
Thorne conhecia aquele lugar como a palma da sua mão. O som da terra seca sob seus pés, as sombras da tarde, e até as poucas almas que frequentavam a região, ele as reconhecia todas. Mas aquelas duas mulheres, com suas roupas em farrapos e seus olhares desconfiados, não pertenciam ali. Havia algo estranho nelas, algo que as tornava ainda mais enigmáticas. A mais jovem segurava algo pequeno nas mãos, que brilhava sob a luz do amanhecer. Metal. Um metal precioso que claramente não era algo que se encontraria em mãos de fugitivas sem recursos. E, antes que Thorne pudesse investigar mais, a mulher mais velha virou-se e o encarou. Não havia surpresa, nem medo em seus olhos. Ela parecia saber que ele estava ali, que ele encontraria as duas naquele momento exato.
“Você é Thorne Shepherd,” disse ela com a autoridade de quem já sabia muito mais sobre ele do que ele mesmo poderia imaginar. Não era uma pergunta, mas uma afirmação. Thorne ficou imóvel por um momento. Como ela sabia seu nome? Como ela sabia de sua existência, de sua reputação?
O som distante dos cascos de cavalos se aproximava. Os homens estavam chegando. As duas mulheres, que até então estavam tentando manter a calma, agora pareciam tensas. A mais jovem sussurrou algo que fez a expressão da mais velha mudar instantaneamente. Uma palavra foi o suficiente para fazer a verdade vir à tona: “Leilão.”
Naquele momento, Thorne entendeu o que estava acontecendo. Aquelas mulheres não estavam ali por acaso. Elas sabiam sobre o leilão. Sabiam do destino terrível que as aguardava. Elas não estavam fugindo de um simples sequestrador. Elas estavam fugindo de uma rede de tráfico humano, liderada por ninguém menos que Ambrose Kelly, o homem mais perigoso daquela região. Thorne sabia muito bem quem ele era. Kelly era um traidor. Ele fazia negócios sujos com gente poderosa, envolvido em crimes que iam muito além daquilo que o simples fazendeiro poderia imaginar.
“Leilão? Que tipo de leilão?” Thorne perguntou, a tensão tomando conta de seu corpo.
A mulher mais velha, Sabrina, olhou para ele com uma calma que beirava o assustador. “O tipo onde jovens como nós desaparecem para sempre. Onde nossa liberdade é vendida para os mais ricos e poderosos.”
Thorne ficou em silêncio, processando as palavras dela. Ele sabia que as coisas estavam prestes a sair do controle. Aqueles homens não iam desistir tão facilmente. Ambrose Kelly não era um homem que aceitava derrotas. Mas as irmãs estavam ali, à vista de Thorne, e ele sabia o que precisava fazer. Ele não poderia deixá-las ser levadas de volta a esse destino terrível. Ele fez uma promessa, uma promessa de proteger aqueles que não podiam se defender, como ele fez um dia com sua própria esposa.
“Como chegaram até aqui?” Thorne perguntou, sua voz grave, tentando entender o tamanho da situação.
“Pastor William, em Milfield. Antes de ser… antes de o matarem,” Sabrina respondeu, e Thorne sentiu o peso dessas palavras como uma faca cortando sua carne. Pastor William havia sido seu amigo, o único homem que sabia sobre seu passado, sobre a promessa que ele fizera à esposa moribunda — a promessa de proteger os inocentes. Agora ele estava morto, e as duas irmãs estavam ali por causa disso.
“Ele me contou que você perdera tudo tentando proteger alguém que amava. E que faria o mesmo de novo, se fosse necessário,” Sabrina disse.
Thorne olhou para ela, sem palavras. O que ela sabia sobre ele? Mais do que ele estava disposto a aceitar. A voz de Sabrina, séria e direta, fazia tudo parecer ainda mais real.
O som dos cascos de cavalos cresceu mais alto. Ambrose Kelly estava chegando. Thorne sabia que o momento de tomar uma decisão havia chegado. Ele olhou para as irmãs, o medo em seus olhos se tornando cada vez mais claro. Mas Sabrina, apesar de sua juventude, parecia pronta para o que estava por vir. Callie, sua irmã mais nova, tremia, mas permanecia firme. Ambas estavam determinadas a lutar.
“Se eu ajudar vocês, Kelly nunca vai parar de nos caçar,” Thorne disse, a seriedade de suas palavras se refletindo em sua voz grave.
“Se não ajudar, você terá que viver com o que acontece depois,” Sabrina respondeu, sua voz tão calma quanto a do fazendeiro.
Ambrose Kelly e seus homens começaram a descer da estrada, cavalgando em direção à casa. Thorne sabia o que tinha que fazer. Ele olhou para elas, sua decisão tomada. “Atrás da casa, no celeiro. Fiquem lá até que eu venha buscá-las.”
Mas antes que as irmãs pudessem se mover, Callie deixou cair algo no chão. Thorne se agachou e pegou o objeto brilhante. Era um selo de ferro de uma companhia ferroviária. O que duas fugitivas como elas fariam com um selo tão oficial? Thorne guardou o objeto em seu bolso rapidamente, antes que Kelly e seus homens chegassem.
“Você está procurando algo, Shepherd?” Kelly perguntou com um sorriso frio. Ele estava ali, com seus homens, tão seguro de que venceria a partida.
“Não vi nenhuma mulher por aqui,” Thorne respondeu, tentando esconder sua tensão. “A menos que esteja falando das filhas da senhora Henderson, mas elas estão casadas e moram na cidade.”
Kelly olhou ao redor, examinando a propriedade com seus olhos gelados. “Estamos atrás de algo mais… valioso,” ele disse com desdém. “E o senhor pode estar nos ajudando a esconder o que é nosso.”
Thorne não teve tempo para mais palavras. Kelly e seus homens estavam prestes a invadir a casa quando uma das irmãs, Sabrina, disparou uma advertência. “Eu posso te ajudar, mas você vai ter que viver com as consequências.”
O futuro delas estava por um fio. E para Thorne, agora, a única opção era fazer a coisa certa — não importava quem estivesse na sua cola. Ele faria o que fosse necessário para garantir que aquelas mulheres fossem salvas.