O fazendeiro encomendou uma noiva para começar uma nova vida — mas quem desceu da diligência foi a irmã dela, trazendo segredos, traições e um destino que ninguém poderia imaginar

Boon Carter conhecia cada detalhe daquela fotografia como quem conhece o caminho de casa. Os cachos castanhos macios, as mãos delicadas pousadas no colo, o olhar tímido, desviado da câmera. Ficou de pé ao lado do carro de boi no posto de trocas, observando a nuvem de poeira crescer no horizonte, certo de que, em poucos minutos, conheceria a mulher que se tornaria sua esposa. Quando a diligência sacudiu e parou, a porta se abriu e a mulher que desceu nada tinha a ver com a fotografia. O cabelo era mais escuro, preso com firmeza. As mãos, calejadas e fortes. E, quando o encarou, não havia timidez em seus olhos verdes, apenas uma determinação agressiva que fez o peito dele apertar.

Você deve ser Boon Carter — disse ela, a voz cortando o calor da tarde como lâmina. — Sou Ruby, não Violet. Ruby.

Boon sentiu o chão ceder sob as botas, embora não tivesse se mexido. O vestido simples que ela usava parecia diferente no corpo de qualquer mulher que ele já conhecera, como se Ruby pudesse encarar uma tempestade e sair ilesa. Ela o estudava com a mesma intensidade com que ele a estudava, e algo naquela avaliação mútua subiu pelo pescoço dele, quente, desconcertante.

Onde está Violet? — a pergunta saiu mais áspera do que ele planejava.

Ruby mal endureceu o maxilar.

Houve uma mudança de planos.

Sem pedir licença, puxou um bornal de couro de dentro da diligência e lançou-o ao ombro com facilidade treinada.

Precisamos conversar.

O cocheiro, atrás dela, já desatrelava os animais, evitando encarar os dois. Aquilo, por si só, dizia a Boon que havia algo muito errado.

As cartas — disse Boon, devagar, enquanto tentava juntar as peças. — Você escreveu durante seis meses sobre o casamento, sobre… muita coisa que agora parece diferente.

Ruby deu um passo adiante. O cheiro dela não lembrava água de rosas, como nas cartas. Era algo mais terroso, honesto.

Há coisas que você precisa saber. Coisas que nunca foram minhas para contar.

A maneira como falou fez o estômago de Boon se contrair. Não era apenas um desencontro ou um atraso. Ruby carregava segredos mais fundos que uma troca de noivas, e o peso disso estava na postura, no cuidado com as palavras.

Onde ela está, Ruby?

Desta vez a voz de Boon saiu com a autoridade que fazia seus peões se endireitarem no ato. Ruby sustentou o olhar sem piscar.

Isso depende do quanto de verdade você aguenta, Boon Carter. Porque, quando eu começar, não haverá volta para a vida que você achou que ia ter.

O burburinho do posto seguia ao redor — homens carregando sacas, cavalos impacientes —, mas tudo parecia distante diante da tensão que emanava daquela mulher.

Eu aguento — ele disse, embora algo se retorcesse por dentro.

Ruby olhou em volta, mediu as orelhas curiosas.

Não aqui. Na sua casa.

Boon hesitou. Levar Ruby ao rancho, à casa que preparara para Violet, parecia cruzar uma linha. Mas ficar ali, em praça pública, enquanto o mundo arrumado dele desmoronava, parecia pior. Subiu ao banco do carro.

Siga-me.

Ruby se acomodou ao lado dele com um movimento líquido de quem conhecia a lida. Sentada, costas eretas, mãos no colo, lançava-lhe olhares furtivos quando achava que ele não via. Cada vez que os olhos se encontravam, passava algo elétrico entre os dois, algo que nada tinha a ver com a irmã ausente ou com acordos quebrados.

O rancho de Boon se aninhava num vale de colinas suaves, casa modesta porém bem construída, alpendre largo para pegar a brisa da tarde. Ele passara semanas preparando tudo para a noiva: cortinas novas, flores do campo junto à escada, tinta fresca nos postigos. Agora, enquanto Ruby examinava tudo com os olhos afiados, ele se sentiu tolo.

Foi você quem levantou isso? — perguntou ela, quando chegaram ao alpendre.
A maior parte.

Boon amarrou as rédeas, desceu e estendeu a mão para ajudá-la. Ela hesitou um instante antes de aceitar. A palma quente e calejada contra a dele pareceu íntima demais. Ficaram assim por um momento, a consciência do toque se alongando até Ruby puxar a mão, a cor subindo-lhe o pescoço.

Vamos entrar — disse Boon, rouco.

Dentro, a luz suave revelou o que a tarde escondia na face dela: olheiras, uma tensão que vinha de noites sem dormir. Ruby percorreu a sala como se catalogasse uma prova.

Você pensou em tudo — disse, com mistura de admiração e arrependimento.
Sou um homem prático.

Ela sentou-se, o corpo de repente mais pesado.

Violet nunca quis se casar com você. Nem no começo.

As palavras bateram nele como soco, mas ele se manteve firme.

Então por que concordou? Por que as cartas, os preparativos?
Porque estava desesperada. Nosso pai morreu no inverno. Deixou dívidas que engoliriam tudo. Ela tinha dezessete anos e medo. E eu… — Ruby fechou os punhos — achei que podia consertar. Procurei por você, escrevi, arranjei tudo. Violet sabia, mas as palavras, as promessas… A mulher que você achou que conhecia era eu. Inventei alguém que não existia.

Boon foi até a janela, precisando de espaço. A mulher por quem ele se afeiçoara nas cartas — a alma gentil que falava de livros e de futuro — nunca existira.

Onde ela está?

A pausa foi comprida.

Três dias atrás, um homem apareceu na pensão. Alguém do passado dela. Disse coisas sobre você. Tinha documentos, fotografias… Fez Violet acreditar que você não era quem eu dizia. Ela foi com ele.

A raiva subiu, mas Ruby continuou:

Vim avisar. Seja quem for, isso não acabou. Ele sabe sobre o rancho, sobre os contratos. Acho que estamos em perigo.
O nome dele? — Boon se aproximou.
Marcus Dalton. Alto, bem-vestido, cabelo grisalho e rosto jovem. Olhos frios.

O nome acertou Boon como pancada. Parceiro de frete no Colorado, anos antes. Desaparecera com dinheiro e deixara Boon como ladrão. Até que Boon limpasse o nome, Dalton sumira. Tudo encaixava: os papéis falsos, as histórias.

Ele mostrou algo para Violet? — Boon perguntou.
Fotografias de mulheres machucadas. Disse que eram suas “outras esposas”. Reconheci uma. Trabalha no saloon da cidade vizinha. Está viva, casada com o ferreiro.

Boon assentiu, a fúria agora afiada.

Como ele sabe tanto sobre meus negócios?

Ruby respirou fundo.

Ou observa você há tempos, ou alguém próximo conta o que não deve.

O trotar de cavalos cortou o silêncio. Três cavaleiros surgiram no caminho. Boon esticou a mão para a carabina sobre a lareira.

Esperando visita? — Ruby perguntou.
Não a essa hora.

Quando pararam diante da casa, Boon reconheceu a égua negra do homem à frente.

O xerife Morrison.

Desceram. Dois homens permaneceram montados, a mão próxima às armas. Um deles usava estrela federal. O estômago de Boon afundou.

Boa tarde, Boon — disse Morrison. — Precisamos conversar.
Sobre?
Tenho um mandado de prisão. Fraude, roubo e conspiração para sequestro. Denúncia de um senhor Marcus Dalton. Diz que você atrai moças sob falsos pretextos. Uma tal de Violet McCall está desaparecida.

Ruby avançou, queixo erguido.

Sou irmã de Violet. Ela não está desaparecida. Fugiu por vontade própria.
Não é o que diz o denunciante. Há testemunhas de que ela foi forçada a entrar numa carroça, chorando.
Dalton mente — rosnou Boon. — Foi ele quem a levou.
Isso, só o juiz decide. Agora, venha em paz.

O brilho da estrela no peito do outro homem disse tudo: jurisdição para além da cidade. Boon percebeu, na frieza metódica de Morrison, algo ensaiado. Não era justiça, era um roteiro.

Ruby enfiou a mão no bolso do casaco e tirou um caderninho de couro.

Antes que o senhor cometa um erro, devia saber que Dalton não foi o único a observar. Eu também tomei notas.
Notas do quê? — Morrison forçou dureza, mas um fio de suor lhe cortou a têmpora.
Das suas visitas ao hotel onde Dalton se hospedou. Dias, horários, assuntos: os contratos de gado de Boon, os hábitos dele, a correspondência com Violet.

O marechal federal, atento, olhou de esguelha para o xerife.

Isso é verdade, Morrison?
Mentira de gente desesperada.

Ruby abriu o caderno e leu encontros, quartos, descrições. O rosto do xerife empalideceu.

Como você saberia disso? — ele explodiu.
Porque eu trabalhava na cozinha. É fácil ouvir quando acham que você é invisível.

O marechal respirou, pesado.

Xerife, desmonte e entregue a arma.

Morrison olhou Boon e, num estalo, escolheu o lado errado. A mão voou ao revólver. Ruby puxou Boon de lado; o tiro quebrou a janela. O marechal derrubou o xerife no chão; o outro agente sacou a arma.

No caos, Ruby enfiou algo na mão de Boon: uma chave.

O celeiro. Há algo escondido lá. Violet deixou para você.

Atravessaram a noite como sombras. No celeiro, Boon acendeu uma lamparina. Ruby foi direto a um baú antigo. A chave girou num fecho que Boon nunca notara. Dentro, uma caixa de madeira. Cartas. Fotografias. Nomes graúdos. Dinheiro repassado. Favores. Juiz. Prefeito. Um executivo da ferrovia. E o xerife, claro. Anos de chantagem.

Violet encontrou isso quando foi tirar satisfações — disse Ruby, a voz trêmula. — Entendeu quem Dalton realmente era. Por isso fugiu. E… — engoliu seco — Thomas.
Quem? — Boon mal reconheceu a própria voz.
Nosso irmão. Quatorze anos. Dalton o levou três dias antes do casamento. Disse que mataria o menino se Violet não ajudasse a destruir você.

O mundo de Boon se imobilizou. Então voltou a girar, rápido, centrado numa única coisa: agir.

Para onde foram?
Ela ouviu o nome Cânion de Miller. Vinte milhas ao norte. Uma cabana.

Dia nascendo, partiram. O marechal Chen, pragmático, lia as cartas, já reescrevendo o caso na cabeça. Morrison, manietado, cuspiu as informações que faltavam para salvar a própria pele. Quatro homens, armas, guarda frouxa. Lugar ermo, sem lei local. Perfeito para o tipo de terror que Dalton praticava.

No alto da crista, viram a clareira: cabana principal, dois anexos, três sentinelas. O plano foi simples. Boon e Chen cuidariam dos guardas, Ruby iria ao anexo com grades nas janelas.

O primeiro tiro de Boon calou um vigia. Chen derrubou o segundo. O terceiro correu gritando. Ruby já estava na porta do anexo, a chave de Morrison servindo no cadeado. Dentro, Violet e Thomas, vivos, amarrados, olhos arregalados.

Ruby! — Violet desabou nos braços da irmã. — Ele disse que você estava morta.
Estou aqui. E vamos sair agora. Conseguem andar?

Conseguiram. Do lado de fora, o fogo cruzado tomou a clareira. Ruby viu Dalton escapar pela lateral, fuzil em punho, rumo ao anexo. Puxou o revólver que Boon lhe dera.

Atrás de mim.

Dalton arrombou a porta, ódio no rosto.

Vocês destruíram tudo. Ainda acabo o que comecei.

Ruby atirou duas vezes. O corpo de Dalton tombou na soleira, o fuzil escapando-lhe das mãos. O último pistoleiro se rendeu a Chen. Boon correu até a porta e, ao ver Violet e Thomas, as pernas quase cederam. Ruby saiu primeiro, a respiração curta, o olhar fixo nele. Boon a abraçou, segurando também aquilo que ainda tremia dentro dele: o medo, a culpa, a esperança.

Seis meses depois, Boon observava do alpendre enquanto Ruby cuidava da horta atrás da casa. Violet casara-se com um professor da cidade e esperava o primeiro filho. Thomas aprendera a lida do campo com a rapidez de quem tinha urgência em crescer. Sem a teia de corrupção, a ferrovia negociou honestamente e desviou o traçado. O rancho ficou.

Senhora Carter — chamou Boon, ainda saboreando o som do novo nome dela. — O jantar está pronto.

Ruby endireitou o corpo, a mão pousada sobre a barriga que começava a despontar. Sorriu para o homem que se tornara sua casa.

O que começara como engano e desespero tornara-se algo sólido e verdadeiro. A irmã “errada” descera da diligência, mas encontrara a vida certa. E Boon, que por meses amara uma mulher inventada nas cartas, descobriu, na mulher real à sua frente, a coragem que sempre buscara sem saber: a de encarar a verdade, proteger os seus e escolher, todos os dias, aquilo que se constrói a duas mãos.

Related Posts

Our Privacy policy

https://abc24times.com - © 2025 News