O caubói aguardava ansioso pela noiva encomendada por correspondência — mas quando a carroça finalmente chegou, não desceu uma mulher, e sim duas irmãs gêmeas idênticas, mudando para sempre seu destino.

Wade — não, Boon Delaney — sabia cada vírgula das cartas. Três meses de correspondência, uma cadência de promessas que pareciam tão sólidas quanto cerca de aroeira. Naquela tarde de céu seco, ele ficou à sombra do alpendre, os olhos fixos na poeira que se erguia na estrada. Quando a carroça parou diante da casa modesta, o cocheiro apenas tocou o chapéu e não disse palavra. O toldo abriu, e duas mulheres desceram.

Eram iguais. O mesmo cabelo ruivo que faiscava ao sol como fio de cobre, os mesmos olhos verdes, o mesmo queixo fino, os mesmos pendentes de prata. Uma pisou a terra com delicadeza, vestido limpo, mãos unidas como quem pede licença ao vento. A outra veio firme, tecido amarrotado, o queixo erguido de quem não teme ninguém. As duas carregavam a mesma sacola de couro. As duas traziam no peito o mesmo medalhão.

— Sr. Delaney? — disse a mais suave, a voz mansa como chuva de começo de outono. — Sou Sadie Quinn, sua noiva.

— Não, — cortou a de queixo alto. — Sou Rosalie Dean… e acho que houve um engano.

Boon apalpou o bolso da camisa e sentiu o volume conhecido das cartas. Recordou a padaria da Tia Henderson, o incêndio, a receita do biscoito de buttermilk, o nome do cachorro que ele mencionara num bilhete. Quando perguntou, as duas responderam ao mesmo tempo, com o mesmo conteúdo, como se lessem um script invisível. Impossível. O cocheiro estalou o chicote e partiu sem olhar para trás, deixando Boon e as duas mulheres numa ilha de silêncio.

— Talvez a gente entre e converse com calma, — disse Boon, tentando domar a situação pela via simples.

A Sadie mansa assentiu, aliviada. Rosalie fitou o terreiro como quem mede saídas. Foi quando três cavalos surgiram pela curva do arroio. Na dianteira vinha Thorne Shepherd, terno escuro, cabelo grisalho penteado para trás, o sorriso reto de quem joga xadrez com a vida dos outros. Dois capangas vieram atrás, as mãos próximas das armas, como se a paz fosse apenas um intervalo.

— Parabéns, Delaney, — disse Thorne, descendo com a elegância de quem já herdou tudo o que queria. — Dois anjos por um correio só.

— Isto é assunto meu. — Boon manteve a voz baixa. — E o senhor não é bem-vindo.

— Engano seu. — O sorriso não alcançou os olhos. — Tenho interesses aqui. Dívidas, contratos… e, agora, possíveis crimes.

Rosalie deu um passo à frente.

— O senhor é quem tenta comprar esta terra há meses.

— Brava, — aprovou Thorne. — Sim, fiz propostas generosas. Todas recusadas. Mas casamento muda patrimônio, responsabilidade, legalidade… — Ele circulou o trio devagar. — E há o detalhe do uso indevido de nomes.

— Ninguém usou nada, — disse Sadie, a voz menos doce. — Alguém usou nossos nomes. Alguém que sabia demais.

— Família, talvez? — ironizou Thorne.

Antes que Boon respondesse, uma figura surgiu na varanda: uma mulher alta, cabelo grisalho bem preso, roupa de tecido bom. Margaret Whitmore. A tensão das gêmeas foi visível: o reconhecimento doía.

— Tia Margaret? — sussurrou Sadie.

— Meninas, — disse Margaret, sem doçura. — Vim encerrar pendências do seu pai. O Sr. Shepherd espera há vinte anos.

O chão moveu sob Boon. Cartas forjadas? Noiva inventada? Margaret explicou como quem lê inventário: observou a vida das sobrinhas, colheu detalhes, escreveu em nome delas, montou a armadilha para trazer Boon a um contrato confuso. Thorne completou com os dentes à mostra: bastaria um passo em falso — bigamia, fraude, “imigração”— para Boon perder a terra por “acordo” conveniente.

Boon olhou para Sadie e Rosalie. Na mansidão da primeira havia coragem; na dureza da segunda, lealdade. Eram vítimas, como ele. Secou a boca, sentiu a poeira no céu da boca, e decidiu.

— Não vendo. — A firmeza veio de um lugar antigo. — E se for preciso, anuncio que caso as duas. O juiz que se vire com a confusão até provar o contrário. Enquanto isso, ninguém toma meu chão nem usa essas mulheres como moeda.

O sorriso de Thorne rachou. Margaret empalideceu. Rosalie abriu a sacola, tirou uma pasta atada com fita.

— Nosso pai deixou direitos minerais em Colorado, — disse. — Pedido no nome da nossa mãe. Há dois anos, a mina produz. O suficiente para pagar tudo e comprar este rancho duas vezes.

— Mentira, — soprou Margaret.

— Verdade, — disse Sadie, colocando ao lado escrituras e telegramas.

O tropel que veio da estrada, agora, foi da lei. Marshall Pierce desmontou, dois auxiliares atrás. O distintivo brilhou de modo que nenhuma bravata apagaria. Trouxe mandados por fraude postal, conspiração e mais o que coubesse. Enumerou sete casos idênticos: ranchos assediados por cartas forjadas, “noivas” problemáticas, vendas a preço vil. Na sequência, os brados, os ferros, as algemas. Thorne ficou pálido, mas, quando percebeu a rede fechando, sacou. O estampido cortou o ar.

Rosalie se lançou sobre Sadie. A bala riscou a varanda e pegou o ombro de Rosalie, fazendo-a girar. Pierce respondeu com precisão e derrubou Thorne no chão batido. O cheiro de pólvora se misturou ao do café frio esquecido no fogão.

— Para dentro! — Boon ergueu Rosalie nos braços e a deitou sobre a mesa da cozinha. Sadie já rasgava panos, lavava, estancava. Mãos de quem aprendera com parteira: firmeza, cuidado, prioridade. O ferimento atravessara músculo, sem osso. Doía como ferro quente, mas havia conserto.

— Sr. Delaney, temos um problema, — Pierce surgiu à porta, rosto fechado. — Shepherd escapou.

A notícia caiu como pedra em balde. Rosalie tentava sentar e mordeu o lábio. Sadie terminou o curativo.

— Ele não volta de peito aberto, — disse Rosalie, ofegante. — Vai tentar algo sorrateiro.

O vidro estilhaçou ao fundo. Fumaça subiu. Fogo no celeiro. Pierce espiou e praguejou; homens de Thorne avançavam pelos flancos. De repente, um assovio longo ecoou: estouro. Pelas frestas, Boon viu a tropa em disparada, o fogo atrás atiçando pânico. Era para atropelar a casa.

— Consigo parar, — disse Boon, mais para si do que para os outros.

— Com a casa cercada? — Pierce duvidou.

— Com canto. — Boon colocou Rosalie apoiada no batente. Sadie, já com a espingarda, tomou a janela.

Boon saiu ao terreiro e começou a cantar baixo, cadência funda, canção de amansar que o Pai Delaney usava nos potros novos. A massa de cascos veio como tempestade, mas a frente diminuiu, hesitou, abriu. Thorne surgiu da fumaça, ombro ensanguentado, arma trêmula. Mirou. O tiro arrancou farpas do pilar ao lado da cabeça de Boon. Sadie alinhou a mira e atirou frio: Thorne caiu, ainda tentando erguer o revólver. Pierce fechou a conta com um disparo seco. A tropa, já sob o canto, quebrou em meia-lua, rodou, fungou, e a poeira baixou.

No silêncio que seguiu, só se ouviam baldes no poço e respirações. Rosalie tremia, mas sorriu torto.

— Não olhe para mim como se eu fosse morrer, — sussurrou.

— Nem sonho, — disse Boon, e sentiu a vida voltar a caber no peito.

Quando os homens da lei levaram Margaret Whitmore algemada e cobriram o corpo de Thorne Shepherd, a noite já puxava a última luz do dia. Pierce explicou, de novo, pacientemente: processo, depoimento, devolução de terras roubadas. Sadie ouviu, assentiu. Rosalie fechou os olhos, exausta.

No alpendre, Boon falou o que queimava na língua desde a poeira da chegada:

— Estou apaixonado por vocês duas. Não sei escolher.

As irmãs se olharam. Anos cabiam naquele gesto.

— Então não escolha, — disse Rosalie, surpreendendo-o. — Case-se com a Sadie. Ela precisa do papel. Eu fico. Somos três para tocar um rancho que sempre exigiu mais de um.

— Isso não é contra a lei? — Boon tentou sorrir.

— O que é contra a lei ficou no chão do quintal, — respondeu Sadie, séria e terna. — O resto é trabalho, respeito e verdade.

Três meses passaram. A cerimônia de Boon e Sadie Quinn reuniu meia dúzia de vizinhos e o Marshall Pierce de terno emprestado. Rosalie, de dama de honra, trazia no ombro uma cicatriz fina. A casa ganhou remendos, o pasto ganhou água, o curral ganhou tábua nova. As cartas falsas viraram prova; sete homens recuperaram seus chãos. Margaret recebeu dois anos por fraude postal e mais o peso do próprio nome. O saloon de Shepherd fechou as portas; as dívidas que ele fabricara minguaram ao sol dos autos.

No fim de uma tarde clara, Boon sentou no degrau e observou Sadie regando o canteiro de manjericão e Rosalie treinando um tordilho arisco com paciência recém-aprendida. A canção que ele usava no galope de acalmar veio sozinha, quase sussurro. A vida, ali, tinha horário, ferramenta e compromisso.

Boon Delaney não recebeu a noiva do correio; recebeu duas verdades: a de que amor não cabe em formulário e a de que terra boa exige gente boa — e que nenhuma das duas coisas se entrega a quem chega para tomar. Quando a brisa virou e trouxe cheiro de pão no forno, ele soube que, finalmente, estava em casa.

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