Meus pais se ofereceram para cuidar das crianças no nosso aniversário de casamento. A ligação veio do nada, numa terça-feira à noite, enquanto eu ajudava a pequena Emma com sua tarefa de ortografia.
“Estivemos pensando”, disse minha mãe, com uma voz até entusiasmada demais. “Você e a Jessica merecem uma noite só para vocês. Quando é o aniversário de casamento?”
Quase deixei o telefone cair. Em 12 anos de casamento, meus pais nunca haviam se oferecido para cuidar das crianças. Nem quando Emma nasceu. Nem quando os gêmos, Luke e Mason, chegaram três anos depois. Nunca.
“Neste sábado”, respondi com cautela. “Mas mãe, você sempre disse que três crianças era demais…”
“Bobagem. Somos os avós deles. Já estava na hora de fazermos nossa parte.”
Quando contei para Jessica, que preparava as lancheiras do dia seguinte, ela congelou com a faca de pasta de amendoim no ar. “Seus pais? Os mesmos que esqueceram o aniversário da Emma e perderam a graduação do jardim de infância dos gêmos?”
“Os mesmos”, eu disse.
Jessica não respondeu de imediato. Já tinha se machucado demais com a indiferença deles.
“Talvez estejam tentando mudar”, sugeri, meio incerto.
“Talvez… Deus sabe que as crianças merecem todos os avós presentes.”
O sábado chegou rápido. Reservamos uma mesa no restaurante italiano onde tivemos nosso primeiro encontro. Jessica vestiu o vestido azul que eu adorava. Pela primeira vez em meses, parecíamos o casal de antes das contas e dos treinos de hóquei.
Meus pais chegaram pontualmente às seis. Meu pai trazia uma bolsa de viagem. Minha mãe, um pote de cookies “homemade” — que claramente eram de supermercado.
“As crianças estão animadas”, comentei. Emma estava; os meninos, não tão interessados.
Jessica explicou a rotina: “Os gêmos dormem às 20h, Emma às 20h30. Os telefones estão na geladeira. O inalador da Emma está no banheiro, mas ela não tem crises há meses.”
“Criamos dois filhos”, disse minha mãe com um sorriso forçado. “Sabemos cuidar.”
Notei que meu pai parecia nervoso, suando, apesar do clima fresco. Estava em pé, quase protegendo a bolsa de viagem. Jessica, querendo ajudar, foi pegá-la para levar ao quarto de hóspedes.
Meu pai reagiu imediatamente. “Não!” Mas ela já tinha aberto o zíper.
Seu rosto empalideceu. Ela gritou: “Pega as crianças! Liga pra polícia!”
Corri para ver o que havia. Dentro da bolsa: cordas, fita adesiva, Benadryl infantil, sedativos adultos sem rótulo, uma arma e três malas infantis — uma rosa e duas azuis.
“Mas que inferno é isso?!”, minha voz mal saía.
O rosto da minha mãe ficou frio. “Não é o que parece…”
Jessica já estava levando as crianças para cima. Meu pai tentou alcançar a escada.
“Nem pense nisso”, eu disse, bloqueando a passagem.
“Vocês não entendem. Queremos salvá-los”, disse minha mãe.
“Salvar do quê?!”
“De vocês! Desta vida. Dela!”, gritou, apontando para o quarto onde Jessica protegia nossos filhos.
As sirenes se aproximavam. “Vocês queriam sequestrar nossos filhos?!”
“Não! Iamos levá-los para uma viagem. Mostrar o mundo. Depois devolveríamos.”
“Com sedativos e arma?!”
“Era por proteção”, justificou meu pai. “Caso tentassem impedir.”
A polícia chegou. Meus pais foram rendidos e presos no tapete da sala. Confiscaram a bolsa. O Benadryl estava misturado com outro sedativo. Os remédios eram fortes demais até para adultos.
“Para onde pretendiam levá-los?”, perguntou o detetive.
“Flórida. Temos um condo lá.”
Era mentira. Tinham alugado uma casa no México, pago em dinheiro por seis meses. Havia passaportes falsos com nomes diferentes: Emma agora era Catherine. Luke, Michael. Mason, David. Tinham pesquisado leis de educação domiciliar em países sem tratado de extradição.
Meus pais planejaram o sequestro por meses. Uma fuga silenciosa para recomeçar, onde eles seriam os heróis, os únicos avós. Jessica chorou aquela noite.
“Eles iam desaparecer com nossos filhos…”
O julgamento foi brutal. O advogado deles tentou retratá-los como avós desesperados. Mas as provas falavam mais alto: os remédios, a arma, os documentos falsos.
“Nós apenas queríamos amar nossos netos”, disse minha mãe no tribunal.
“Vocês queriam possuí-los”, respondeu Jessica.
Foram condenados a 15 anos. Elegíveis para liberdade condicional em sete. Meus filhos estão seguros. Emma faz terapia e dorme melhor. Os gêmos quase não lembram.
Meus pais ainda mandam cartas. Não abro mais. Elas só contêm culpas, desculpas falsas e acusações.
Eu sou um filho de verdade. Um que protege seus filhos, mesmo que seja dos próprios pais. Amor não é posse. É presença. E eles fizeram sua escolha.
Agora, em todo aniversário de casamento, comemoramos juntos. Não com jantares sofisticados, mas com a família reunida, segura e inteira. E isso vale mais que qualquer celebração.