A luz da manhã filtrava-se pelas longas cortinas brancas do salão de banquetes do Hotel Halbert, espalhando um brilho suave sobre os copos de cristal e talheres de prata. Eram 8h em ponto e o evento de café da manhã para o círculo interno de investidores da Bennett Global começava, fiel ao estilo de Cyrus Bennett: preciso, discreto, intransigente.
Cyrus estava sentado na mesa central, usando um terno cinza-chumbo e uma gravata azul-marinho. Ajustou o colarinho com uma mão, enquanto seus olhos afiados examinavam o ambiente. Risadas contidas, conversas discretas e o tilintar de talheres criavam uma sinfonia silenciosa de poder e sofisticação. Ao seu lado, El Monroe, sua noiva e diretora de comunicação da empresa, conversava com um investidor japonês. Cyrus, no entanto, parecia alheio à conversa. Seu olhar se fixava no copo de suco de laranja diante dele – uma atenção cuidadosa, mas estranha. Ele não havia pedido. E mais importante: ele odiava suco de laranja.
Achava o sabor artificial e enjoativo. Pegou o copo, não para beber, mas para girar suavemente o líquido dourado, seus olhos se estreitando. “Não beba isso” – a voz veio sem urgência, mas cortante como uma lâmina. Cyrus inclinou a cabeça. A dona da voz era uma mulher em uniforme azul-escuro de faxineira, cabelos presos, luvas nas mãos e um pano úmido. Estava ao lado de uma coluna, próxima à mesa de buffet, como se apenas estivesse de passagem.
“O que disse?”, ele perguntou, num tom calmo. “Tem algo aí dentro”, respondeu ela, sem encarar seus olhos. “Não é suco comum. Se confia em mim, coloque o copo de lado. Se não, beba e veja o que acontece.” E se virou, sem esperar resposta.
Cyrus era um homem cauteloso, forjado por traições e guerras silenciosas. O aviso da mulher, por mais absurdo que parecesse, calou fundo. Fez sinal ao assistente pessoal: “Daniel, tire esse copo da mesa. Agora”.
Uma hora depois, num escritório improvisado no nono andar, Cyrus olhava fixamente para a tela do tablet. O relatório do laboratório independente havia chegado. Resultado: baixa concentração de escopolamina – um sedativo conhecido por causar perda de memória de curto prazo e leve controle comportamental. O risco era alto para quem nunca havia sido exposto. Os efeitos começariam entre 15 e 30 minutos.
Cyrus não ficou surpreso com o envenenamento. O que o surpreendia era o aviso. Sem pedir nada em troca. Naquela mesma noite, voltou ao andar de serviço e pediu para ver a equipe de limpeza. A chefe do setor, Linda, indicou uma lista. “Turno da manhã: quatro pessoas. Dois homens, um senhor mais velho e uma garota nova. Norah Reyes.”
“Quero vê-la.”
“Ela saiu mais cedo. Não deixou motivo, mas tenho o ramal dela.”
Cyrus anotou o número, ligou. Sem resposta. Seguiu até a área de manutenção. O som de um esfregão deslizando no piso ecoava. E lá estava ela. Sem surpresa, sem fuga. Apenas olhos calmos e mãos firmes.
“Por que fez aquilo?”, perguntou ele. Norah pausou, focando numa mancha no chão. “Você é importante. Morrer por causa de um copo de suco é um fim… feio. E eu detesto mortes feias.”
“Quem é você?”
“Uma faxineira”, respondeu. “Mas já evitei uma morte por suco de laranja antes. Hoje foi a segunda.”
Cyrus ficou parado. Sentia-se dividido entre cautela, gratidão e inquietação. Uma mulher sem nome, sem status, sem motivo para salvá-lo. Mas que apareceu no momento exato, como se programada.
“Não confio em quem faz o bem sem pedir nada em troca”, disse ele.
“Então ache que sou louca,” respondeu Norah com um leve encolher de ombros. “Mas você está vivo.”
Naquela noite, Cyrus não dormiu. Ligou para Daniel.
“Investigue Norah Reyes. Imediatamente. Ela não é comum.”
A resposta veio rápida. “Não há registro oficial com esse nome nos últimos 40 anos. Sem carteira de motorista. Sem número de seguro. Nada. Ela simplesmente… não existe.”
“Então quem contratou ela?”
“Agência terceirizada. Contrato por turno.”
“Ela está escondendo algo”, concluiu Cyrus.
“Talvez esteja sendo caçada”, disse Daniel.
Cyrus cruzou os braços sob a luz fraca. Seus olhos brilharam com algo entre suspeita e fascínio. Quem era a mulher que o salvou? E como ela sabia de tudo antes que acontecesse?