Eu Encontrei Uma Gigante Acorrentada no Deserto, Mas ao Libertá-la, Descobri Que Havia Cometido um Erro

Eu jamais esquecerei o momento exato em que a vi pela primeira vez. O sol do deserto caía sobre mim como uma laje de metal em brasa. O ar ondulava em cortinas douradas que tremiam diante dos meus olhos cansados. Eu caminhava havia horas, procurando vestígios da antiga rota comercial. Mas o que encontrei foi algo completamente diferente.

Entre dunas irregulares e rochas fendidas por séculos de vento, algo enorme estava brilhando. Pensei ser uma miragem. O deserto já me havia enganado antes, pintando cidades fantasmas e falsos oásis que desapareciam no momento em que eu me aproximava. Mas, desta vez, a visão não se desfez. Permaneceu ali, sólida, imensa, impossível de ignorar.

À medida que me movia para perto, minhas botas afundando na areia quente, minha respiração falhou. Deitada à minha frente, semi-enterrada sob correntes tão grossas quanto troncos de palmeiras, estava uma mulher gigantesca. Ela media cerca de nove metros, talvez mais. Sua pele era de tom quente, levemente beijada pelo sol, com um brilho natural que contrastava com a poeira que cobria seu corpo. Ela usava um vestido rasgado, tecido com alguma fibra fina que deve ter sido linda há muito tempo. Seu cabelo escuro, longo como uma cascata da noite, estava espalhado ao redor dela.

E o mais surpreendente: ela estava respirando.

Seu peito colossal subia e descia lentamente, como se ela estivesse dormindo há séculos. Cada expiração empurrava a areia ao seu redor. Meu coração palpitava contra minhas costelas. Eu não sabia se devia recuar ou ajoelhar ao lado dela.


Aproximei-me mais um pouco. As correntes que a prendiam eram antigas, enferrujadas, gravadas com símbolos que eu nunca tinha visto. Símbolos que pareciam ondular como cobras sob a luz. Tudo indicava que ela não era uma prisioneira comum. Eu podia sentir isso como um pulso oculto no ar.

— Olá — minha voz murmurou, engolida pela vastidão do deserto.

Ela não respondeu, mas suas pálpebras tremeram. Um calafrio subiu pela minha espinha. Eu não sabia quem ela era ou por que estava acorrentada. Mas algo dentro de mim, uma mistura de compaixão e a curiosidade que sempre me metia em problemas, me impulsionou a agir.

Cheguei ainda mais perto, estudando as fechaduras de metal. Embora fossem enormes, haviam sido enfraquecidas pelo tempo. Bastaria atingir os pontos certos.

— Calma. Eu não vou te machucar — eu disse. Embora não tivesse certeza se estava tentando convencer a ela ou a mim mesmo.

Agarrei uma barra de metal que carregava na mochila, uma ferramenta para minhas explorações. Eu acertei o primeiro grilhão. A vibração percorreu todo o meu braço. Eu acertei outro mais forte, e uma faísca avermelhada saltou. A corrente se partiu. O som ecoou pelo deserto como um trovão.

Imediatamente, ela inalou bruscamente, seus olhos se abriram. Eu nunca tinha visto olhos como aqueles. Eram enormes, profundos, verde brilhante, contendo florestas, rios e tempestades dentro deles, e estavam cheios de confusão e medo.

— Quem é você? — ela perguntou, sua voz ressoando como o eco suave de uma montanha distante. Apesar de seu tamanho, seu tom era delicado, quase melancólico.

— Meu nome é Daniel — eu respondi. — Eu te encontrei aqui. Eu queria ajudar.

Ela me encarou intensamente. Eu podia sentir seu olhar perfurando todas as minhas dúvidas, meus segredos, minhas intenções.

— Você sabe o que você fez? — ela disse, levantando lentamente suas mãos ainda acorrentadas. Seus dedos eram longos e elegantes, embora enfraquecidos pelo cativeiro. — Você não deveria ter quebrado isso.

Meu estômago apertou. Um vento frio varreu o deserto, levantando uma rajada rodopiante que nos envolveu por um momento. As correntes restantes vibraram de forma inquietante, como se respondessem ao seu despertar.

— Eu te libertei — eu disse, incerto. — Eu pensei que você estava sofrendo.

Ela inclinou a cabeça ligeiramente. Seu olhar ficou mais escuro, mais profundo.

— Eu estava — ela admitiu. — Mas essas correntes não prendiam apenas a mim. Elas prendiam outra coisa.

Minhas mãos ficaram suadas. Eu recuei. A areia estalou sob meus pés.

— Daniel — ela sussurrou, dizendo meu nome como se tivesse sido esculpido em algum lugar antigo. — Você cometeu um erro.

E então, pela primeira vez, eu senti o deserto me observando.


Quando ouvi essas palavras, o silêncio que se seguiu caiu sobre mim como um manto gelado. O vento parou. A duna parou de se mover. E até o sol pareceu diminuir, como se o mundo inteiro estivesse prendendo a respiração, esperando por sua próxima frase.

À minha frente, a gigante lentamente se impulsionou para a posição vertical com a inabilidade de alguém que dormiu por muito tempo. As correntes quebradas tilintaram enquanto deslizavam por seu corpo como serpentes de metal, finalmente despidas de seu propósito.

— O quê? O que mais essas correntes prendiam? — eu perguntei, embora minha voz soasse pequena, até mesmo para meus próprios ouvidos.

Ela baixou o olhar, como se estivesse procurando por palavras enterradas sob séculos de silêncio. Seus olhos verdes haviam assumido um tom mais escuro, como uma floresta que sente uma tempestade se aproximando.

— Elas não apenas me aprisionavam — ela disse. — Eram um selo, uma barreira. Algo que continha uma parte de mim que jamais deveria ter despertado.

Sua confissão me atingiu. Uma parte dela. Algo perigoso, eu presumi. Algo grande, considerando que a mulher à minha frente tinha mais de nove metros de altura.

— Meu nome é Silera — ela continuou. — E embora eu possa parecer uma prisioneira, fui eu quem pediu por estas correntes. Por minha própria vontade, para proteger todos vocês.

Eu não entendi. Nada fazia sentido. Por que uma mulher gigante se acorrentaria no meio de um deserto? Que tipo de ameaça ela poderia representar com o que quer que ela guardasse dentro de si?

Enquanto eu tentava organizar meus pensamentos, Silera colocou uma mão na areia e se levantou completamente. O movimento enviou uma nuvem de poeira rodopiando ao nosso redor, dançando como se celebrasse seu despertar. Agora de pé, sua presença era esmagadora. Seu vestido gasto tremulava com uma graça quase viva, revelando uma estatura colossal envolta em uma beleza melancólica e misteriosa.

— Por séculos — ela disse — eu permaneci adormecida para evitar que minha energia interior transbordasse. Meu povo a chamava de Ressonância. É uma força antiga e instável, uma mistura de memória, emoção e poder. Quando é liberada, transforma tudo o que toca.

Eu engoli em seco.

— Transforma de que maneira?

Silera virou seu olhar para o horizonte, onde as dunas se estendiam como ondas douradas imóveis.

— Eu já vi montanhas se partirem, rios mudarem de curso, céus escurecerem por dias. Mas o pior não é o que faz ao mundo — ela disse, a tristeza permeando sua voz. — O pior é o que faz àqueles perto de mim.

A areia pareceu vibrar levemente sob meus pés. Uma sensação sutil, como a respiração de algo enorme escondido no subsolo.

— E agora essa Ressonância está desperta? — eu perguntei, temendo a resposta.

Silera assentiu lentamente.

— Quando você quebrou a primeira corrente, eu a senti se agitar, como se ela se lembrasse de que existia. Ela ainda não foi liberada, mas está inquieta. E buscará uma forma de sair.

O nó apertou em meu peito. A culpa rastejou pela minha garganta. Eu pensei que estava salvando alguém, quando na verdade eu posso ter liberado uma tempestade enterrada por séculos.

— Podemos selá-la novamente? — eu perguntei. — Deve haver uma maneira.

— Não sem um Guardião — ela respondeu, seu tom pesado. — Alguém capaz de canalizar a Ressonância, de equilibrá-la, de suportar seu peso. O último Guardião morreu muito antes de estas correntes serem colocadas.

O pequeno vislumbre de esperança se formando dentro de mim desmoronou.

— Então estamos condenados — eu sussurrei.

Silera se inclinou em minha direção com uma gentileza surpreendente para seu tamanho. Sua sombra cobriu todo o meu corpo, mas em seu olhar, eu encontrei algo inesperado. Uma faísca de calma, de determinação.

— Não inteiramente — ela disse. — Existe uma possibilidade. Muito pequena, mas real.

— Qual é?

Você.

Eu senti o chão sumir sob mim. Eu? Um simples explorador sem poderes, sem linhagem, sem destino heroico.

— Você deve estar enganada — eu disse. — Não há nada de especial em mim.

— Você está errado. — Sua voz ecoou como um sussurro da montanha, suave, mas impossível de ignorar. — A Ressonância te escolheu no momento em que você se aproximou de mim. Eu posso sentir. Ela está tentando te alcançar.

Eu recuei, alarmado.

— Tentando me alcançar? O que isso significa?

Silera exalou profundamente. A areia se moveu como se respondesse à sua respiração.

— Significa que se você ficar ao meu lado, se você escolher me ajudar, a Ressonância tentará se fundir com você. Não para destruí-lo, mas para se fundir, para despertar um novo Guardião.

Eu congelei. Ela falou como se o destino já estivesse escrito, como se minha escolha fosse apenas para confirmar algo inevitável.

— Mas se você rejeitar — ela acrescentou —, você terá que correr para muito longe, porque a Ressonância irá transbordar de mim. E desta vez, nenhuma corrente será forte o suficiente para contê-la.

O deserto ficou em silêncio novamente. E pela primeira vez desde que a encontrei, percebi que eu não havia apenas libertado uma gigante. Eu havia libertado algo que estava me observando de dentro dela. Algo que agora me queria.


O deserto parecia diferente depois que ela se levantou. Antes, era um oceano silencioso e imóvel. Agora, cada grão de areia vibrava, como se algo antigo estivesse acordando sob a superfície. O que eu sabia era que não conseguia afastar a sensação de um estranho pulsar no ar.

— Silera, eu não posso ser um Guardião — eu finalmente disse. — Eu não sei nada sobre o seu mundo.

Ela me observou com uma paciência quase dolorosa. Seu rosto, tão grande que cobria metade do céu, suavizou-se com algo que lembrava compreensão.

— Eu sei. Nenhum Guardião começa com conhecimento. A Ressonância não escolhe com base no que você entende. Ela escolhe com base na emoção. Sua essência interior. Algo em você a chamou.

Eu desviei o olhar para o horizonte, evitando seu olhar imenso.

— Talvez não tenha sido coragem. Talvez tenha sido imprudência.

— Não — ela disse com uma firmeza que ressoou como um tambor grave. — Foi compaixão.

Abri a boca para argumentar, mas algo me parou. Um sopro quente de ar varreu minhas costas, e o chão sob meus pés tremeu levemente. Silera também sentiu. Ela virou a cabeça para o norte, como se estivesse ouvindo algo que meus ouvidos humanos não conseguiam detectar.

— O deserto está reagindo — ela murmurou. — A Ressonância está despertando mais rápido do que eu esperava.

— O que fazemos agora? — eu perguntei, mal encontrando minha voz.

— Precisamos alcançar um lugar chamado Naravun — ela respondeu. — Lá, talvez possamos conter o que está por vir, mas há um problema.

— Outro? — Eu suspirei.

O vento se levantou subitamente, atirando uma tempestade de areia contra nós como uma cortina escaldante. Silera me protegeu instintivamente com a mão, formando um escudo maciço. A tempestade durou apenas segundos. Mas quando limpou, eu senti. Uma vibração profunda vinda de longe. E não era natural.

— Eles estão nos procurando — Silera disse.

Um calafrio percorreu-me.

— Quem?

Ela não me olhou. Seu olhar permaneceu fixo no horizonte, onde nuvens escuras começavam a se formar em um céu que estava limpo minutos antes.

— Os Vigilantes do Véu. Guardiões antigos do equilíbrio entre os mundos. — Ela respirou fundo, como alguém se preparando para dizer algo doloroso. — Eles acreditavam que me selar era necessário. E se descobrirem que estou livre, não tentarão me acorrentar novamente. Desta vez, eles vão me destruir.

Eu não quis negar, mas suas palavras carregavam um peso irrefutável.

— E eu? — eu perguntei, com medo de ouvir a resposta.

Ela pressionou a mão na areia, deixando uma cratera gigante. Era sua forma de conter emoções que, em um corpo tão grande, podiam se tornar perigosas.

— Se eles acreditarem que você está me ajudando, farão o mesmo com você.

O ar ficou mais frio. As nuvens continuaram a se acumular, como se uma tempestade estivesse viajando em nossa direção. Um longo silêncio nos envolveu até que eu finalmente reuni forças para falar.

— Silera, me diga a verdade. A Ressonância… ela pode me matar se tentar se fundir comigo?

Ela finalmente encontrou meu olhar, um olhar colossal, vulnerável, quase humano.

— Não — ela disse. — Ela não vai te matar, mas pode te mudar, te transformar. E eu não posso prometer que você ainda será a pessoa que você é agora.

Suas palavras me atingiram como um balde de água gelada. Olhei para minhas mãos. Elas estavam tremendo.

— Então, o que você quer que eu faça? Eu não posso decidir por você. — Sua voz se suavizou, quase suplicante. — Se você ficar comigo, você entrará em um caminho sem volta. Você se tornará parte de algo vasto, perigoso e belo. Mas se você for embora, eu prometo que farei todo o possível para manter a Ressonância longe de você. Ela não vai te perseguir.

Eu engoli em seco novamente. A decisão parecia dividir o mundo em dois. Ficar e enfrentar um destino que eu não entendia, mas que estava me chamando. Ou deixá-la para trás, sozinha em um deserto que já começava a mudar ao seu redor.

Algo se retorceu dentro de mim. Não era medo. Era conexão. Como se um cordão invisível ligasse meu peito ao dela.

Dei um passo em direção a ela.

— Silera, eu…

Mas antes que eu pudesse terminar, um som ensurdecedor rasgou o horizonte. Uma coluna de luz azul desceu do céu, distante, mas intensa. Silera ficou rígida.

— Os Vigilantes alcançaram o mundo exterior — ela disse gravemente. — E eles estão vindo para nós.

O tempo para decidir estava se esgotando.


O brilho azul no horizonte parecia uma ferida fresca aberta no céu. A princípio era fino, apenas um fio de luz esticando-se das nuvens. Mas a cada segundo que passava, crescia, expandindo-se como se algo enorme estivesse se forçando a passar do outro lado.

Silera não se moveu. Apenas olhou para ele. E em sua expressão, havia algo que eu nunca tinha visto nela antes: verdadeiro medo.

— Os Vigilantes já cruzaram o véu — ela murmurou. — Eu não pensei que eles viriam tão rapidamente.

O vento que soprava da direção da luz carregava um cheiro metálico, como se arrastasse partículas de energia bruta pelo ar. Arrepios subiram pelos meus braços. O chão sob meus pés vibrava mais forte do que antes, desta vez com um ritmo irregular, quase frenético, como um coração batendo assustado.

— Silera, se os Vigilantes estão vindo para você, quanto tempo nós temos? — eu perguntei.

Ela inalou lentamente, e o ato simples fez o ar ao nosso redor balançar com uma ondulação palpável.

— Minutos, talvez menos. Eu não posso enfrentá-los assim.

— Então temos que ir — eu disse rapidamente. — Você disse que precisávamos chegar a Naravun.

— Sim, mas eu não conseguirei no meu estado atual. — Ela apertou os lábios. — Eu dormi por muito tempo. Minha força está incompleta, e a Ressonância… ela já está se agitando dentro de mim.

Uma onda invisível rolou sob a areia aos nossos pés, como se algo se movesse debaixo de nós. O ar estalou. Silera fechou os olhos por um momento, como se estivesse tentando conter uma tempestade interna.

— A Ressonância está acelerando — eu entendi.

Ela abriu os olhos.

— Sim. E se eu não controlá-la logo, será pior do que os Vigilantes.

As nuvens acima da coluna azul começaram a girar em espiral. Raios silenciosos se curvaram em torno daquele ponto, como serpentes luminosas.

Sem pensar, eu dei um passo em direção a Silera. O vento chicoteou areia ao nosso redor em rajadas violentas, mas eu não recuei. Ela olhou para mim com surpresa.

— Diga-me o que eu tenho que fazer — eu disse. — Se a Ressonância realmente me escolheu, então eu não vou te deixar.

Por um momento, a tempestade pareceu fazer uma pausa. Os olhos verdes de Silera brilharam com um tipo diferente de intensidade. Quente, inesperada. Não poder, emoção.

— Daniel, você tem certeza? — ela perguntou. — Se você der este passo, não há retorno.

— Estou mais certo agora do que estava há um minuto — eu respondi. — Talvez seja irracional, mas eu não quero que você enfrente isso sozinha.

O ar tremeu. Uma fenda azul rasgou o céu acima de nós, como um raio congelado. Silera estendeu a mão. Seus dedos enormes se abriram com uma delicadeza impossível para alguém de seu tamanho.

— Então, ouça com atenção.

Eu dei um passo em direção a ela. Depois, mais um passo. Finalmente, eu toquei sua pele. Estava quente e vibrando, como se rios de luz contida fluíssem sob sua superfície.

— A Ressonância se canaliza através do contato emocional — ela explicou. — Não pelo corpo, mas pelo vínculo. Eu preciso que você se abra para ela. Para não resistir.

— Não resistir? Isso significa que eu vou sentir alguma coisa?

Silera assentiu.

— Você vai sentir tudo.

Um rugido distante rasgou o céu, como o chamado distorcido de uma trombeta colossal, profundo e antigo. Os Vigilantes estavam anunciando sua chegada final. A luz azul começou a se dividir em múltiplos feixes, descendo em direção às dunas como tentáculos dos céus.

Silera baixou o rosto em direção ao meu até que seus olhos se alinhassem com os meus. Sua expressão era solene.

— Daniel, uma vez que a Ressonância entrar em você, eu não posso prometer o que ela vai despertar. Mas eu confio em você mais do que eu jamais pensei ser possível.

Meu peito apertou. Não de medo, de determinação.

— Faça isso — eu disse.

Ela colocou um único dedo sobre meu coração. Ela mal me tocou, mas eu senti uma pressão quente e profunda, como se tivesse atravessado minha pele sem machucá-la.

E então aconteceu. Uma onda de energia irrompeu de sua pele, expandindo-se como um rio de luz âmbar. Envolveu-me instantaneamente, e senti meus sentidos se estenderem. O deserto não era mais apenas uma paisagem. Eu podia sentir cada grão de areia, cada corrente de ar, cada vibração oculta. Minha mente se abriu não para o mundo, mas para ela.

Eu vi memórias fugazes, um vale cheio de árvores cristalinas, uma cidade suspensa em pilares de luz, um exército de seres gigantes como ela, caindo um por um.

Silera ofegou, e a Ressonância explodiu entre nós como um relâmpago silencioso. Eu gritei, não de dor, mas da intensidade avassaladora de sentir tudo de uma vez. O céu inteiro se iluminou.

Os Vigilantes haviam chegado, e agora algo dentro de mim havia despertado.


A luz azul que caía do céu se dividiu em centenas de colunas, descendo ao nosso redor como as barras de uma prisão colossal. Cada coluna queimava sem calor, vibrava sem som e brilhava sem projetar sombra. Era tão belo quanto aterrorizante.

Silera me protegeu instintivamente com o braço, mas eu não era mais o mesmo homem que havia caminhado sozinho pelo deserto horas antes. A Ressonância percorria-me. Eu podia sentir a areia sob meus pés como se fosse uma extensão da minha pele.

— Daniel, você consegue ouvir, não consegue? — ela perguntou. Sua voz reverberou como um trovão suave rolando através dos meus ossos.

Eu assenti. Eu não estava falando apenas com palavras. A Ressonância comunicava através de emoções que floresciam em minha mente como faíscas douradas. Era uma força imensa, mas agora não era uma tempestade. Era um rio buscando direção.

As colunas de luz se intensificaram, e emergindo entre elas estavam os Vigilantes. Eles eram altos, mais altos do que qualquer humano, mas não gigantes como Silera. Seus corpos estavam envoltos em vestes etéreas que se moviam como fumaça debaixo d’água. Seus rostos não tinham traços definidos, apenas a sugestão de olhos brilhando como estrelas distantes.

Um levantou a mão, e sua voz se espalhou em todas as direções, não pelo ar, mas diretamente na mente.

— Silera do reino Luminar, sua prisão foi quebrada. Seu despertar coloca em risco a harmonia dos mundos.

Silera avançou, mantendo-me atrás de sua mão. Sua sombra era protetora, imensa, quente.

— Eu não pedi por isso — ela respondeu. — E eu não estou sozinha. Ele foi escolhido pela Ressonância. Um novo Guardião surgiu.

Os Vigilantes voltaram seus rostos sem feições para mim. Eu senti seu exame como uma rajada congelante cortando-me.

— Humano, você ainda não é um Guardião. A energia o consome. Se não for destruído, você trará devastação.

Eu engoli em seco. Era difícil permanecer firme sob a presença deles. Mas a Ressonância não estremeceu. Ela me segurou por dentro como uma mão luminosa pressionada contra meu peito.

— Ele não trará devastação — Silera disse firmemente. — Ele está equilibrando a energia. Eu consigo sentir.

Os Vigilantes não responderam imediatamente. Era como se estivessem calculando, medindo, comparando possibilidades em um universo inteiro. Então, o que havia falado primeiro estendeu a mão em minha direção. A luz azul começou a se curvar em sua palma, como se estivesse absorvendo a própria essência do céu.

— Se deseja provar que pode conter a Ressonância, humano, mostre-o agora.

Eu senti a energia dentro de mim se agitar. Era como um oceano respondendo a uma lua estranha. Podia transbordar ou podia me obedecer. Eu fechei os olhos. O mundo não se apagou. Pelo contrário, tudo se aguçou. Eu ouvi o vento movendo dunas distantes. Senti a sombra de Silera me protegendo. E senti dentro de mim um coração que não era físico, feito de luz dourada e memórias que não eram minhas. Um poder que não exigia domínio, apenas direção.

Eu respirei fundo. A Ressonância respirou comigo. Eu a modelei em minha mente, não como um raio, não como uma explosão, mas como algo pacífico, uma esfera quente e constante que pulsava em harmonia com o meu próprio coração.

Quando abri os olhos, a luz dourada se reuniu em minha palma. Não era violenta. Não era perigosa. Era uma promessa.

Os Vigilantes congelaram. O silêncio que se seguiu foi diferente de qualquer outro. Era reconhecimento.

Finalmente, um deles falou.

— O equilíbrio é possível.

O segundo acrescentou:

— Naravun deve ser alcançado. Somente lá o Guardião completará seu vínculo.

E o terceiro:

— Silera é colocada sob sua proteção e julgamento, humano.

Silera soltou um suspiro que fez o chão tremer suavemente, como se o próprio mundo suspirasse com ela. A luz azul dos Vigilantes começou a se dissipar, subindo como lanternas retornando ao céu. As colunas desapareceram, as nuvens se separaram. O vento retornou ao seu fluxo natural. E então estávamos sozinhos novamente.

Ela olhou para mim, um olhar tão vasto que parecia cobrir a distância entre dois mundos. Seus olhos não continham mais medo, apenas gratidão e esperança.

— Daniel, você conseguiu. — Sua voz estremeceu suavemente. — Você é o Guardião que eu nunca pensei que veria novamente.

Algo dentro de mim se acalmou, como uma engrenagem colossal finalmente se encaixando.

— Acho que não posso voltar para a minha vida normal agora — eu disse com um sorriso contido.

Silera sorriu também, um sorriso imenso e quente que iluminou as dunas. Então ela estendeu a mão em minha direção, repousando-a na areia para que eu pudesse subir.

— Não. Mas você não estará sozinho nesta jornada.

Eu olhei para a mão enorme dela, depois para o horizonte onde Naravun nos esperava, e finalmente para minha própria palma, onde um leve vestígio de Ressonância dourada ainda brilhava.

Eu dei um passo à frente. Porque algumas histórias não são escolhidas, elas escolhem você.

— Vamos — eu disse.

Silera inclinou a cabeça suavemente.

— Juntos.

Enquanto eu subia em sua mão, o sol nasceu atrás de nós, iluminando o início de um caminho que mudaria não apenas nosso destino, mas talvez o futuro do mundo.

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