Escrava Acha 3 Bebês no Túmulo do Coronel: O Crime Que A Fome Revelou Tinha Raízes no Pecado e no Incesto.

A madrugada estava gelada naquela fazenda de café na Zona da Mata Mineira, no ano de 1867.

Isaura acordou antes do sino da senzala tocar. Seus pés descalços pisaram no chão de terra batida, ainda úmido do sereno da noite, e ela envolveu o corpo magro num xale remendado. Tinha apenas 28 anos, mas as marcas nas costas e o olhar cansado a faziam parecer muito mais velha.

Havia três dias, o velho coronel Augusto Tavares da Silva havia sido enterrado no pequeno cemitério da fazenda, nos fundos da Casa Grande, debaixo de um Ipê amarelo que ele mesmo plantara décadas atrás. Isaura fora incumbida pela Sinhá de levar flores frescas ao túmulo todas as manhãs. Uma tarefa que ela cumpria em silêncio, com o coração apertado pelo medo do que viria pela frente, agora que o Coronel se fora.


Quando Isaura atravessou o portão de ferro enferrujado do cemitério, o sol ainda não havia nascido completamente, e uma névoa espessa cobria as lápides como um manto fantasmagórico. O cheiro de terra molhada e flores murchas invadia suas narinas, misturado ao aroma adocicado do café, que começava a ser colhido nas encostas verdejantes ao redor.

Ela caminhava devagar, com os olhos baixos, quando um som estranho cortou o silêncio da manhã: um choro fraco, abafado, que parecia vir de muito perto.

Isaura parou, o coração disparando no peito. Era choro de criança. Seu instinto maternal, que nunca pudera exercer depois que lhe arrancaram o filho dos braços ainda bebê para vendê-lo, fez suas pernas se moverem mais rápido em direção ao túmulo do Coronel.

O que ela viu ali a fez cambalear e apoiar-se numa cruz de madeira ao lado. Sobre a terra, ainda fresca do túmulo, envoltos em panos brancos manchados de sangue e lama, estavam três bebês recém-nascidos.

Três menininhas com a pele clara como porcelana, os olhos fechados, tremendo de frio e fome. O choro delas era fraco, desesperado, como se já estivessem à beira da morte.

Isaura caiu de joelhos, as mãos tremendo ao tocar o rosto de uma das crianças. Elas não podiam ter mais que algumas horas de vida. Quem faria uma barbaridade daquelas? Quem abandonaria três bebês sobre o túmulo de um homem morto?

As perguntas explodiam em sua mente, mas não havia tempo para respostas. Aquelas crianças precisavam de ajuda urgente.


Com o coração aos saltos e as mãos trêmulas, Isaura pegou os três bebês nos braços, envolvendo-as em seu xale como pôde. Elas pesavam quase nada, frágeis como passarinhos caídos do ninho. Ela correu de volta à senzala, passando pela Casa Grande ainda adormecida, seus pés descalços voando sobre a terra vermelha.

Quando chegou, as outras escravas já estavam acordando para mais um dia de trabalho árduo. Tia Josefa, a parteira mais velha da fazenda, levantou-se assustada ao ver Isaura entrar ofegante com aquele embrulho nos braços.

“Pelo amor de Deus, menina, o que é isso?”, gritou a velha.

Isaura depositou os bebês sobre uma esteira e todas as mulheres se aglomeraram ao redor. “Encontrei elas no túmulo do Coronel, abandonadas, morrendo de frio,” disse Isaura, a voz embargada.

Tia Josefa examinou as crianças com suas mãos experientes. “Essas meninas nasceram há poucas horas. Quem fez isso quis que elas morressem junto com o velho Coronel.” A velha ergueu os olhos para Isaura, e havia medo naquele olhar. “Você não devia ter trazido elas aqui, menina. Essas crianças são brancas, filhas de gente da Casa Grande, com certeza. Isso vai dar uma confusão dos infernos.”

Isaura sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ela sabia que Josefa estava certa, mas não podia ter deixado aquelas inocentes morrerem ali.


Antes que pudessem decidir o que fazer, a porta da senzala se escancarou com violência. Era o feitor Militão, um homem alto e corpulento, com o chicote sempre pendurado na cintura e um olhar que não conhecia piedade.

“O que está acontecendo aqui? Por que não estão nos cafezais?”, ele berrou.

Quando seus olhos pousaram sobre as três bebês na esteira, seu rosto mudou completamente. A cor fugiu de suas faces morenas, e ele deu um passo para trás, como se tivesse visto um fantasma. “Onde… onde você encontrou essas crianças?”, ele perguntou, a voz rouca e trêmula, apontando para Isaura.

“No túmulo do Coronel, senhor. Estavam abandonadas lá, quase mortas.”

Militão ficou em silêncio por longos segundos, o maxilar travado, os punhos cerrados. Então, de repente, girou nos calcanhares e saiu correndo em direção à Casa Grande, deixando as escravas confusas e apavoradas.

Não demorou muito para que Dona Antônia Tavares da Silva, a viúva do Coronel, aparecesse à porta da senzala. Alta e magra, com os olhos frios como gelo, ela entrou lentamente.

Dona Antônia caminhou até a esteira, observou os bebês e então seus olhos encontraram os de Isaura.

“Você as encontrou no túmulo do meu marido?”, ela perguntou, a voz gelada e controlada.

Isaura assentiu. Dona Antônia se aproximou, ajoelhou-se diante dos bebês e tocou delicadamente o rosto de uma delas. Por um instante, algo pareceu quebrar em sua expressão dura. Uma lágrima solitária escorreu por sua face pálida, mas logo ela se recompôs.

“Essas crianças não podem ficar aqui,” ela disse, levantando-se. “Tragam-nas para a Casa Grande imediatamente.”

E, virando-se para Isaura, acrescentou com uma voz que carregava desespero disfarçado de autoridade: “Você… você cuidará delas. É uma ordem. E que ninguém, absolutamente ninguém nesta fazenda, ouse falar sobre isso. Quem desobedecer será vendido ou açoitado até a morte.”

O silêncio era pesado como chumbo. Isaura pegou os três bebês nos braços novamente e seguiu Dona Antônia, sentindo que sua vida acabara de mudar para sempre. Aquelas três criaturinhas inocentes carregavam um segredo enterrado junto com o Coronel Augusto. Um segredo que alguém tentara apagar, deixando-as para morrer sobre seu túmulo.


Isaura foi instalada num pequeno quarto nos fundos da Casa Grande. Era minúsculo, mas para ela parecia um palácio comparado à senzala úmida. As três bebês foram colocadas numa grande cesta forrada e receberam nomes de gente branca: Laura, Júlia e Helena.

Isaura as amava como se fossem suas próprias filhas. Mas quanto mais tempo passava com elas, mais percebia detalhes perturbadores. As três meninas eram idênticas, trigêmeas perfeitas, espelhos umas das outras. E havia algo mais.

Quando Isaura as observava dormir, via naqueles rostinhos delicados traços que reconhecia: o formato dos olhos, o nariz levemente arrebitado, a curva dos lábios. Ela já vira aquele rosto antes, muitas vezes. Eram as feições do Coronel Augusto quando jovem, as mesmas que apareciam no grande retrato a óleo que ficava pendurado na sala principal.

Aquelas meninas tinham o sangue do Coronel. Isaura tinha certeza absoluta disso. Mas se eram filhas dele, quem era a mãe?

Uma tarde, Isaura ouviu vozes alteradas vindo do corredor: Dona Antônia e Militão.

“A senhora não pode manter essas crianças aqui,” dizia Militão. “As pessoas vão começar a fazer perguntas. Isso vai explodir na nossa cara.”

Dona Antônia respondeu com uma frieza cortante. “Essas crianças ficam aqui, Militão. Não me importa o que você pense. Elas são inocentes do pecado que as criou.”

Então, a voz de Militão voltou, um sussurro que Isaura mal conseguiu captar: “A senhora sabe quem é a mãe, e sabe que ele mandou eu sumir com as crianças assim que nascessem. Mantê-las vivas é trair a ordem dele.”

Isaura sentiu um frio na espinha. O Coronel ordenara que as bebês sumissem. Fora ele quem mandara que fossem deixadas para morrer no seu próprio túmulo, e Militão estava seguindo a ordem mesmo após a morte do Coronel.


Semanas depois, numa noite sem lua, Isaura desceu até a senzala e encontrou Tia Josefa.

“Eu sabia que você viria, menina. Esse peso nas suas costas está ficando grande demais para carregar sozinha, não é?”

Isaura contou tudo. Josefa ouviu em silêncio. “Isaura, o que vou te contar agora pode nos custar a vida, mas você merece saber a verdade.”

A velha começou. “Na noite em que o Coronel Augusto morreu, Militão me levou até uma casa abandonada. Tinha uma moça lá dentro, já no trabalho de parto, sozinha, apavorada, amordaçada. Fiz o parto. Foram três meninas, trêmeas, perfeitas. Mas Militão entrou, arrancou as três crianças dos meus braços e disse: ‘O Coronel mandou sumir com elas. Elas vão morrer com o pecado dele enterrado no túmulo.’

Isaura respirou com dificuldade. “E a moça? Quem era ela?”

Tia Josefa suspirou profundamente, com tristeza. “Aquela moça, Isaura… ela era filha do próprio Coronel. Ele a teve com uma escrava, Laurinda, há muitos anos. Quando a menina cresceu, o Coronel a trouxe de volta, dizendo que ia cuidar dela. Ele estava vivendo em pecado com a própria filha.”

O mundo de Isaura girou. As três bebês eram filhas de um incesto monstruoso, abandonadas para morrer por ordem do próprio pai, que morrera antes do nascimento delas.

“E a moça, ela ainda está viva?”, perguntou Isaura.

“Não sei. Quando voltei no dia seguinte para ver como ela estava, o lugar estava vazio. Militão disse que ela fugiu, mas eu não acredito. Acho que ele fez alguma coisa com ela.”

Isaura voltou para a Casa Grande com a mente em tumulto. Não importava o pecado que as concebera; elas eram inocentes. Ela se ajoelhou ao lado da cesta. “Eu vou proteger vocês,” ela sussurrou. “Ninguém vai machucar vocês.”


Três meses depois, numa tarde abafada, Isaura ouviu um alvoroço vindo do terreiro. Gritos, correrias. Ela correu até a janela e viu os escravos se aglomerando. Uma carruagem simples parou e dela desceu uma mulher jovem, magra, com o rosto pálido e os olhos fundos. Em seu rosto, as mesmas feições das três bebês.

Era Celina, a mãe das crianças.

“Eu vim buscar minhas filhas. Onde estão minhas filhas?”, gritou a mulher, a voz rouca, mas firme.

Militão surgiu correndo, o rosto lívido, e tentou segurar Celina. “Tire suas mãos imundas de mim, assassino! Você me trancou naquela casa para me deixar morrer de fome, mas eu sobrevivi e agora vim buscar o que é meu!”

Dona Antônia apareceu na varanda da Casa Grande, o rosto branco como cera. Ela desceu os degraus lentamente.

“Celina,” disse Dona Antônia, a voz trêmula: “Você deveria estar morta.”

Celina riu, um riso amargo. “Era isso que a senhora queria, não era? Me ver morta e enterrada junto com o segredo sujo do seu marido, mas eu não morri.” Ela apontou um dedo para a Casa Grande. “Eu ouvi os escravos falando. Tem três bebês sendo criadas dentro dessa casa por uma escrava chamada Isaura. São minhas filhas!

O tumulto cresceu. Isaura, tremendo da cabeça aos pés, pegou as três bebês e emergiu na varanda, com Laura, Júlia e Helena aninhadas contra seu peito.

Celina soltou um grito que parecia vir de sua alma. “Minhas filhas, minhas meninas! Vocês estão vivas!” Ela caiu de joelhos aos pés de Isaura, as mãos estendidas.

Isaura olhou para Dona Antônia, depois para Celina, e disse, a voz firme: “Elas são suas. Eu as encontrei abandonadas no túmulo do Coronel, mas elas são suas e você tem o direito de tê-las de volta.”

Isaura se ajoelhou e depositou as três bebês nos braços de Celina.

A cena foi brutalmente interrompida quando Militão avançou, o chicote erguido. “Essas crianças não podem ficar com você! O Coronel ordenou que morressem e eu vou cumprir essa ordem agora!”

Isaura se colocou entre ele e Celina, abrindo os braços. “Você vai ter que me matar primeiro!”


Militão hesitou, e Dona Antônia finalmente se moveu, caminhando lentamente até ficar ao lado de Isaura. Ela ergueu o queixo e encarou o feitor com autoridade.

“Abaixe esse chicote, Militão. Abaixe agora! Meu marido está morto. Suas ordens morreram com ele. Essas crianças vão viver e Celina vai criá-las longe daqui.”

“Mas, Senhora, elas são o pecado do Coronel e ela…”

“Eu sei exatamente o que elas são, Militão. E é justamente por isso que não posso deixá-las morrer.” Dona Antônia continuou, a voz pesada de remorso. “Foi culpa minha. Quando descobri que meu marido estava vivendo em pecado com a própria filha, eu o obriguei a se livrar do primeiro bebê. Ameacei expô-lo. Ele mandou o Militão sufocar a criança assim que nasceu.”

A plateia recuou em choque.

“Quando Celina engravidou de novo, de trêmeas, Augusto ficou apavorado. Ele morreu de ataque do coração na noite em que Celina entrou em trabalho de parto. E eu… eu pensei que seria melhor deixar as coisas seguirem o curso que ele havia planejado.” As lágrimas caíram livres pelo rosto de Dona Antônia. “Militão me trancou naquela tapera abandonada, achando que eu morreria de fome e sede, mas um dos escravos do feitor me encontrou e me deu comida escondido. Demorei três meses para conseguir força suficiente para fugir.”

Celina levantou a cabeça. “A senhora sabia o tempo todo que Augusto era meu pai? Sabia e me deixou acreditar que ele me amava, que eu era especial para ele? Deixou eu carregar dois filhos dele, sabendo que era incesto?”

Dona Antônia fechou os olhos. “Sim, e isso me torna tão monstro quanto ele. Eu estava cega de ciúmes, de raiva, de orgulho ferido. Me perdoe, Celina. Me perdoe por ter sido covarde, por ter deixado que a maldade do meu marido continuasse.”

Celina, olhando para suas três filhas, disse: “Eu quero apenas uma coisa. Quero ir embora daqui com minhas filhas. Quero levá-las para longe dessa fazenda amaldiçoada.”

Dona Antônia assentiu. “Você terá dinheiro suficiente para começar uma nova vida. Vou dar a você a herança que deveria ter sido sua como filha de Augusto. Isaura!” Ela se voltou para a escrava. “Isaura, você é livre. A partir de hoje você é uma mulher livre.”

Isaura sentiu os joelhos fraquejarem. Liberdade. A palavra que ela sonhara por toda a vida.

Dona Antônia tirou um anel de ouro do dedo e o colocou na mão de Isaura. “Você salvou essas crianças quando todos nós as condenamos à morte. Você é melhor do que todos nós juntos. E se quiser, pode ir com Celina e as meninas. Pode ajudá-la a cuidar delas.”

Isaura olhou para Celina, que a esperava. Ela então olhou para Laura, Júlia e Helena. “Sim,” disse Isaura, a voz firme e cheia de esperança. “Eu vou com elas. Vou ajudar a criar essas meninas longe daqui, onde possam ser felizes.”

Naquela mesma tarde, uma carruagem deixou a Fazenda Tavares da Silva, carregando Celina, suas três filhas, e Isaura, agora uma mulher livre. Militão foi expulso da fazenda, e as escravas da senzala choraram de alegria ao ver Isaura partir.

Anos depois, numa pequena cidade do interior de São Paulo, três meninas idênticas brincavam no quintal de uma casa modesta, mas acolhedora. Laura, Júlia e Helena cresceram saudáveis e felizes, amadas por sua mãe Celina e por Isaura, que elas chamavam carinhosamente de Tia Isa.

Elas nunca souberam a verdade completa sobre seu nascimento. O passado ficara enterrado na Zona da Mata Mineira, junto com o Coronel Augusto e seus crimes. O que importava agora era o futuro. Um futuro construído sobre amor, liberdade e a segunda chance que a vida lhes dera.

Isaura nos ensina que a verdadeira liberdade não está apenas em quebrar correntes, mas em escolher o amor quando o ódio seria mais fácil. Três bebês, nascidas em meio à escuridão do pecado e da vergonha, foram salvas pelo amor desinteressado de uma escrava que nada tinha, exceto a compaixão. O passado não define quem somos. Nossas escolhas, sim.

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