Carol estava diante do espelho, ajustando o colar que sua mãe lhe dera antes de morrer. O pingente em forma de meia-lua ainda brilhava, apesar do tempo. Era um dos poucos objetos que a conectava à sua mãe, Daphne, e aos momentos de felicidade que passaram juntas. Ela respirou fundo e murmurou para si mesma, tentando se convencer: “Tudo vai ficar bem.”
O convite para a festa de 70 anos de sua avó Margaret não existia para Carol. Nos últimos dois anos, desde a morte de sua mãe, Carol havia sido excluída da família. Seus tios foram claros, dizendo que sua presença só reabriria feridas em Margaret, que estava em depressão devido à perda de sua filha, Daphne. A princípio, Carol tentou protestar, dizendo que sua avó precisava de todos, mas a decisão foi tomada. Sem a defesa de sua mãe, Carol encontrou-se afastada.
Agora, à porta do pequeno salão onde a festa estava sendo realizada, Carol sentia o peso daqueles dois anos. A conversa com sua prima Amanda no supermercado, três dias antes, ainda ecoava em sua mente. Amanda, surpresa ao vê-la, havia perguntado por que Carol tinha se afastado da família, apenas para revelar que seus tios mentiram para Margaret, dizendo que Carol havia escolhido se distanciar para lidar com seu luto.
Com um pacote nas mãos, Carol entrou no salão. A decoração era simples, com balões prateados e arranjos de flores brancas. Alguns parentes estavam presentes, mas Carol percebeu que estavam mais velhos do que lembrava. E ali, no canto, estava Margaret. Sozinha, com o olhar perdido. Sua avó, que sempre tivera a energia de uma mulher cheia de vida, agora parecia um reflexo de si mesma.
Os olhares começaram a se voltar para Carol. Primeiro sua tia Lena, que derrubou o copo de punch que segurava. Depois, seu tio Robert, que se aproximou com expressão alarmada. Mas antes que alguém pudesse intervir, Margaret levantou os olhos e encontrou os de Carol. O tempo pareceu parar. Só havia a avó e a neta, separadas por dois anos de ausência, unidas por uma dor compartilhada.
— Carol… — a voz de Margaret era suave, trêmula, como se temesse que estivesse tendo uma alucinação.
— Sim, vovó, sou eu. — Carol respondeu, as palavras saindo com mais dificuldade do que ela imaginava.
As rugas no rosto de Margaret se aprofundaram enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. Com esforço, ela se levantou, ignorando a mão de apoio que lhe foi oferecida.
— Você voltou… — disse, a voz engasgada com emoção. — Você voltou para mim.
Carol atravessou a sala, sentindo os olhares de seus parentes queimando em sua pele. Quando chegou até sua avó, não conseguiu conter as lágrimas.
— Feliz aniversário, vovó. — disse, estendendo o pequeno pacote.
Margaret ignorou o presente e, sem hesitar, abriu os braços para um abraço, algo que Carol havia sonhado durante os últimos dois anos. O cheiro familiar de lavanda e o calor dos braços frágeis de sua avó trouxeram de volta uma avalanche de memórias: tardes cozinhando biscoitos na velha cozinha, histórias contadas sob a luz da lâmpada, mãos enrugadas trançando seu cabelo enquanto falavam sobre o futuro.
— Por que demorou tanto? — Margaret perguntou, entre soluços. — Achei que você tivesse me esquecido.
Carol sentiu os olhares acusatórios de seus tios, mas decidiu que aquele não era o momento para verdades dolorosas.
— Eu nunca poderia esquecer você, vovó. Nunca.
A festa, que antes parecia apenas uma obrigação familiar, ganhou nova vida. Margaret não largou a mão de Carol nem por um segundo. Como se tivesse medo de que a neta desaparecesse novamente, ela a apresentou a conhecidos que Carol já conhecia, contou as mesmas histórias várias vezes e seu rosto, antes apagado, agora brilhava com uma energia que ninguém via há anos.
— Viu o que você fez? — Robert disse a Carol, quando finalmente conseguiu se aproximar. — Toda essa animação vai acabar com ela. E depois, quando você sumir novamente, como acha que ela vai se sentir, com as lembranças da sua mãe?
Carol sentiu a raiva crescer, mas respirou fundo.
— Olhe para ela agora. — respondeu, com firmeza. — Essa é a face de alguém que está sofrendo por minha presença?
Robert não respondeu, afastando-se frustrado. Lena, do outro lado da sala, observava a cena com os braços cruzados, sua expressão reprovadora.
Quando a festa finalmente terminou e os convidados começaram a se despedir, Margaret segurou firme o braço de Carol.
— Você vai ficar um pouco mais, não vai? — perguntou, com os olhos cansados, mas esperançosos.
— Claro que sim. Podemos conversar o quanto quiser.
— Na verdade… — Margaret hesitou. — Você poderia dormir aqui hoje? Seu quarto ainda está do jeitinho que você deixou. Sabe, nunca mudei nada.
Carol olhou para sua avó e viu o medo de ser abandonada em seus olhos cansados. Seu coração apertou.
— Eu adoraria, vovó.
A casa de Margaret não mudou muito. As paredes ainda tinham a mesma tinta descascada em alguns cantos, e o mobiliário antigo continuava lá, cheio de histórias de décadas. Mas havia algo diferente no ar, uma sensação de abandono que Carol nunca havia sentido ali. Enquanto Margaret preparava o chá na cozinha, Carol observava as fotografias no piano que ninguém mais tocava. Muitas eram de sua mãe, Daphne, desde criança até adulta. Algumas delas mostravam Carol, sempre ao lado de sua mãe, com sorrisos idênticos.
— Seu tio Robert quis que eu guardasse essas fotos. — Margaret comentou, entrando na sala com a bandeja. — Ele disse que não era saudável ver elas todo dia. Mas como poderia esconder o rosto da minha filha, da minha neta?
Carol rapidamente pegou a bandeja, colocando-a na mesa de café.
— Você não precisava se preocupar, vovó.
— Não é problema algum. — Margaret sorriu, sentando-se no sofá. — É a primeira vez em muito tempo que me senti capaz de fazer algo assim. Carol entregou o pacote à sua avó, que abriu com cuidado reverente. Ao ver o álbum de fotos, Margaret levou a mão à boca.
— Oh, Carol…
As primeiras páginas mostravam fotos antigas que Carol conseguiu recuperar. Margaret, jovem, segurando Daphne ainda bebê. Daphne crescendo, suas primeiras passagens, formaturas, grávida, e então Carol apareceu. As três gerações se misturavam em momentos de alegria.
— Lembra desse dia? — Carol apontou para uma foto onde as três estavam na praia, com sorvetes derretendo sob o sol forte.
— A pele da sua mãe ficou tão vermelha que eu passei iogurte nela por três dias. — Margaret riu, a risada rouca depois de tanto tempo sem usar.
Ela acariciou o rosto de Daphne na fotografia.
— Você tem o sorriso dela.
As páginas do álbum passaram, trazendo memórias compartilhadas. Algumas trouxeram lágrimas, outras risos. Era doloroso e curativo ao mesmo tempo.
— Sabe, vovó… — Margaret finalmente disse, fechando o álbum. — Depois que minha Daphne se foi, eu senti como se um pedaço de mim tivesse ido embora com ela. Uma mãe não deveria ter que enterrar sua filha.
— Eu sei, vovó.
— E então você desapareceu também. Robert e Lena disseram que você precisava de espaço, que era muito doloroso para você ficar com a família.
— Eles não entenderam. — Carol disse com firmeza. — Eu nunca quis desaparecer.
Margaret a olhou com olhos firmes e claros.
— Não é algo que se faça por alguém. — Margaret sorriu e segurou as mãos de Carol. — O luto não é uma doença que se esconde. É um caminho que temos que andar, e de preferência, juntos.
Nos dias seguintes, Carol fez questão de visitar Margaret todos os dias. Ela trouxe mantimentos, ajudou a limpar a casa e, mais importante, conversaram sobre Daphne, sobre o passado, sobre os pequenos momentos que constroem uma vida.
Quando a mudança de Carol foi finalmente anunciada, foi recebida com alívio por Margaret.
A família, um pouco resistente no início, começou a aceitar o novo arranjo. A casa de Margaret, com o tempo, se encheu de vida novamente. Um capítulo novo começou, cheio de risos e esperança.
E com o bolo de banana e canela no centro da mesa, Carol finalmente entendeu o que o amor e a família realmente significavam.