Ela estava dando à luz quando o médico entrou: era o homem que a abandonou grávida. O que ele arriscou para salvar “seu filho” é simplesmente inacreditável.

O corredor do Chicago General Hospital parecia encolher a cada metro. O bipe rítmico dos monitores era um contraponto cruel à tempestade que se formava dentro de Elise. A maca avançava, mas para ela, o mundo estava parado, focado apenas na dor lancinante que rasgava seu corpo.

Contrações, como ela descobrira, não eram ondas suaves. Eram lâminas de barbear, arrastando-se impiedosamente por suas costas e ventre. O suor encharcava seus cabelos, colando-os ao rosto pálido. Mas nada, absolutamente nada, doía mais do que a memória.

Aos 28 anos, ela nunca imaginou estar ali. Sozinha. Prestes a trazer ao mundo uma criança cujo pai havia desaparecido de sua vida como fumaça.

Seis meses antes, aquelas duas linhas rosas no teste de gravidez brilharam como uma promessa de felicidade. Uma promessa que se transformou em pesadelo em segundos.

“Eu não estou pronto para isso, Elise.”

As palavras de Harry ecoavam em sua mente como uma sentença de morte. Ele olhou para aquele pedaço de plástico como se fosse uma bomba.

“Um filho vai destruir tudo o que construí. Meus planos. Minha carreira. Você pode… cuidar disso?”

“Cuidar disso?” A voz dela foi um sussurro quebrado. “Você está falando do nosso filho.”

“É um erro, Elise. Um acidente. Não um filho.”

Ela deixou o apartamento elegante deles em Lincoln Park com uma única mala e um coração partido em mil pedaços.

Agora, o presente a trazia de volta com um grito abafado.

“Respire, querida. Estamos quase lá,” disse uma enfermeira.

As portas duplas da sala de parto se abriram com um silvo pneumático. A luz fria e clínica a cegou.

“Vamos posicioná-la agora,” disse uma voz masculina, profunda e controlada, vinda do fundo da sala.

Elise tentou focar. Seus olhos piscaram, ajustando-se à luz, e então… o tempo parou.

Lá estava ele. Ao lado da mesa cirúrgica, com a máscara cirúrgica pendurada no pescoço, revelando o rosto que ela conhecia melhor que o seu. No jaleco branco, bordado em azul, estava o nome: Dr. Harry Morrison.

Seu ex-marido. O pai do bebê. O homem que a havia abandonado.

O ar escapou de seus pulmões. “Não.” O gemido saiu como uma súplica desesperada. “Não. Por favor, não.”

Harry congelou. Seus olhos encontraram os dela, e por um segundo insuportável, o universo inteiro se conteve naquele silênso. “Elise.”

“Tire ele daqui!” ela gritou para a enfermeira, a voz rasgada pela dor e pelo pânico. “Por favor, tire ele daqui! Eu não posso! Eu não posso!”

Outra contração a fez desabar na maca, o corpo tremendo.

“Senhorita Carter,” ele disse, usando o sobrenome dela, vestindo o tom profissional que ela tanto conhecia. “Eu sou o obstetra de plantão e preciso examiná-la.”

“NÃO ME TOQUE!” O rugido veio das profundezas de sua ferida. “Você não tem o direito!”

A enfermeira-chefe, Linda, uma mulher de cabelos grisalhos, olhou de um para o outro, chocada. “Doutor, talvez seja melhor chamar o Dr. Stevens.”

“O Dr. Stevens está em cirurgia,” Harry respondeu, sem tirar os olhos de Elise. “E esta paciente já está em trabalho de parto avançado. Não há tempo.”

“Por favor, Harry,” ela sussurrou, a voz quebrada. “Não faça isso comigo.”

Ele parou a centímetros da maca. A máscara profissional pareceu escorregar, revelando um vislumbre de dor em seus olhos escuros. “Elise,” ele murmurou, tão baixo que só ela ouviu. “Eu sei que você me odeia. Você tem todo o direito. Mas agora, há uma vida em jogo. E eu juro, pela minha honra de médico, que não vou deixar nada acontecer… com vocês dois.”

Vocês dois.

Aquelas palavras a atingiram como um tapa. “Nosso filho,” ele dissera. O homem que chamou o bebê de “um erro”.

Uma nova contração a sacudiu, mais brutal que as anteriores, e ela não pôde conter o grito.

“Doutor!” A enfermeira Linda apontou para o monitor. “A frequência cardíaca do bebê está acelerada. Caiu para 180.”

As palavras caíram como um tiro. Em um instante, o ex-marido desapareceu e o médico assumiu. Harry analisou as ondas verdes na tela com uma precisão assustadora.

“O bebê está mostrando sinais de sofrimento,” ele murmurou. “Elise, eu preciso examiná-la. Agora.”

Ela o olhou com olhos cheios de lágrimas e fúria, mas o medo pelo filho foi maior. “Faça o que tem que fazer,” ela rosnou entre os dentes.

Ele se moveu com a habilidade de um especialista. Suas mãos, que um dia conheceram cada canto de seu corpo com ternura, agora a tocavam com a frieza clínica da medicina.

“Sete centímetros de dilatação,” ele anunciou. “Elise, sei que este não é o momento, mas preciso que confie em mim. Não vou deixar nada acontecer.”

“Você já deixou,” ela respondeu, a voz fraca.

“Dr. Morrison!”

A porta se abriu, revelando o Dr. Harrison, o diretor clínico, um homem de cabelos grisalhos e olhos frios como aço. “Acabei de saber que você tem uma conexão pessoal com a paciente. Isso é uma violação direta do protocolo ético.”

“Diretor, estou no meio de um parto complicado…”

“Não importa. Você não pode continuar.”

“Não.”

A voz de Elise, embora fraca, cortou o ar. Ambos os médicos se viraram para ela.

“Vocês não vão me mover como um objeto,” disse Elise, ignorando a dor aguda. “Seus protocolos não sentem contrações. E seus protocolos não vão decidir quem traz meu filho ao mundo. Ele fica.”

Dr. Harrison parecia prestes a explodir, mas Linda interveio novamente. “Doutor, a frequência está em 200. Estamos perdendo o ritmo!”

A tensão era palpável. “O bebê não vai esperar,” disse Harry, olhando para Elise. “Preciso fazer uma cesariana de emergência. O cordão pode estar enrolado.”

“Cesárea?” O medo brilhou nos olhos dela. “Mas eu queria…”

“Eu sei,” ele disse, sua voz suavizando por um momento. “Eu sei. Mas precisamos fazer o que é certo para ele. E eu estarei com você o tempo todo.”

“Dr. Morrison, eu não posso permitir…” começou Harrison.

“ENTÃO ME DEMITA!” Harry gritou, sua voz ecoando como aço. “Me processe. Tire minha licença. Mas eu não vou sair daqui até garantir que meu filho nasça em segurança.”

Meu filho.

Harrison recuou, chocado com a confissão. Após um silêncio eterno, ele suspirou. “Faça o que deve, Doutor. Mas isso terá consequências.”

“Estou pronto para enfrentá-las,” disse Harry, já se movendo.

O primeiro choro do bebê irrompeu na sala como uma melodia de redenção. Elise desabou em lágrimas quando Harry ergueu o recém-nascido.

“É um menino,” disse Harry, a voz embargada pela primeira vez. “Um menino lindo e perfeito.”

Quando Elise segurou seu filho, o mundo fez sentido novamente. “Alfie,” ela sussurrou, beijando sua testa minúscula. “Mamãe esperou tanto por você.”

Harry observou a cena, com uma mistura de assombro e dor profunda. “Elise,” ele começou, enquanto as enfermeiras cuidavam dela. “Eu preciso te contar por quê.”

Ela o olhou, exausta, mas curiosa.

“Quando eu tinha cinco anos,” ele disse, a voz grave, “minha mãe engravidou. Meu pai, também obstetra, disse que seria o parto mais importante de sua vida. Algo deu errado. Uma complicação rara. Meu irmão morreu. E minha mãe também.”

Elise prendeu a respiração.

“Eu cresci vendo meu pai se despedaçar. Quando vi seu teste de gravidez,” ele olhou nos olhos dela, “eu me tornei aquele menino de cinco anos novamente. Apavorado. Pensei que se eu não me envolvesse, não doeria se algo desse errado. Mas doeu de qualquer maneira. Porque, mesmo negando, eu já amava vocês dois. Eu sou um covarde, Elise.”

Três dias depois, Harry entrou no quarto do hospital. Ele não usava jaleco, apenas roupas civis. Parecia não dormir há dias.

“Elise,” ele disse, parando perto da porta. “O Dr. Harrison me suspendeu. Estou sob investigação do conselho de ética.”

“Eu sinto muito,” ela disse, sinceramente.

“Não sinta. Eu faria tudo de novo.” Ele se aproximou, segurando uma pasta. “Eu sei que não posso consertar o que fiz. Mas posso tentar fazer o certo agora. Para o Alfie.”

Ela o observou, desconfiada.

“Eu não vou pedir para você voltar para mim,” ele disse rapidamente. “Mas eu tenho uma proposta. O hospital tem um novo programa de apoio a mães vulneráveis. Um projeto que desenhei há dois anos. Quero que você o lidere.”

Elise piscou. “O quê?”

“Coordenação do ‘Programa Esperança’. Você tem a experiência em marketing, a inteligência e… você viveu isso. O cargo oferece um salário excelente, um apartamento no complexo residencial do hospital e creche gratuita para o Alfie.”

“Isso é uma tentativa de comprar meu perdão.”

“Não,” ele disse, firme. “É uma tentativa de dar ao nosso filho as melhores oportunidades. Em Chicago. Perto de mim. Se você aceitar, serei seu colega. Profissional. Nada mais. E se você decidir que não me quer perto de Alfie… eu respeitarei.”

Seis meses depois, Elise ajustou seu blazer azul-marinho. O “Programa Esperança” era um sucesso estrondoso, e ela era seu rosto público. Alfie engatinhava pelo apartamento espaçoso, saudável e feliz.

Harry cumpriu sua palavra. Eles eram colegas. Viam-se em reuniões, sempre focados no trabalho. Ele via Alfie nos fins de semana supervisionados. Era uma dança cuidadosa de proximidade e distância.

Naquele dia, após uma apresentação de sucesso para investidores, Harry a encontrou perto da janela do jardim.

“Parabéns, Elise,” ele disse. “O que você construiu aqui é extraordinário.”

“O que nós construímos,” ela corrigiu.

Eles ficaram em silêncio, observando Alfie na creche, rindo.

“Talvez,” ela disse, quebrando o silêncio, “seja hora de conversarmos sobre o próximo passo.”

Harry se virou para ela, uma esperança cautelosa em seus olhos escuros.

“Eu não posso ser a mulher que você abandonou,” ela disse. “Mas talvez… talvez possamos descobrir como ser a família que Alfie merece. Não a que éramos. Mas a que podemos nos tornar.”

Do lado de fora, o filho deles ria, sem saber que seus pais estavam, finalmente, prontos para reescrever o destino que o destino, ironicamente, havia forçado. A dor do passado ainda estava lá, mas o futuro, pela primeira vez, parecia maior que ela.

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