Aeroporto lotado ao entardecer. As luzes brancas e frias se espalhavam pelas grandes janelas de vidro, criando um brilho cintilante e distante. O som das malas rolando, anúncios de voos, crianças chorando, risadas e suspiros se misturavam numa sinfonia caótica de pessoas em movimento, indo e voltando.
No meio da multidão apressada, Ava Wells estava sozinha, em silêncio, como se todos os sons ao seu redor tivessem sido apagados. A velha mala em suas mãos tinha uma alça desfiada e uma roda gasta. A parte de trás do seu casaco cinza-prateado estava encharcada pela chuva depois que ela correu para pegar o trem, que acabou atrasado mais de duas horas. Seus olhos estavam vermelhos, as pálpebras inchadas pela falta de sono e pelas lágrimas ainda não secas, enquanto ela fitava a tela do celular.
Portão 14. Voo para Ashwood. Embarque final realizado. A mensagem fria e piscante diante dos seus olhos parecia o lembrete final de que ela perdera a última chance do dia. Ava largou a mala, deixando-a cair no chão sem se importar em pegá-la. Algumas pessoas passaram por ela rapidamente, desviando como se evitassem um fantasma perdido em um mundo que se movia rápido demais. Ela se sentou numa cadeira plástica próxima à parede de vidro, onde podia ver a pista do aeroporto, com os aviões alinhados, um por um, decolando e afastando-se, como tudo o que sempre esteve em sua vida.
Apenas algumas horas antes, Ava estava em frente à biblioteca central, onde trabalhava meio período há dois anos, com um envelope branco em mãos. “Lamentamos informar que seu contrato de trabalho será encerrado na próxima semana devido a cortes orçamentários.” Ela leu a carta várias vezes, incapaz de acreditar. As estantes, os cartões da biblioteca que ela conhecia tão bem, não fariam mais parte da sua vida. Sem mais emprego, sem mais plano de saúde, sem mais razão para continuar naquela cidade. Quando saiu da biblioteca, uma nova mensagem apareceu de seu ex-namorado, ou melhor, do homem que a havia abandonado na semana passada da forma mais covarde possível.
“Desculpe, Ava. Eu simplesmente não posso continuar com alguém que não tem direção, que não tem um futuro claro. Estou cansado.” Uma frase, sem nome, sem ponto final. Ava tentou apagar a mensagem de imediato, mas não o fez. Deixou ali, como um corte que não parava de sangrar.
De lá, correu para o apartamento para fazer as malas. Seu único objetivo era voltar para casa, para a cidade de Ashwood, onde a velha casa de madeira que ela não via há mais de um ano ainda estava de pé, o lugar onde sua avó a esperava com refeições quentes e olhos preocupados. Mas o trem para o aeroporto estava mais de duas horas atrasado devido à chuva e as estradas alagadas. Quando chegou, tudo o que viu foi a porta do portão de embarque fechando à sua frente. A atendente da companhia aérea se desculpou como uma máquina. O embarque foi finalizado. Não podemos reabrir o portão. Ava não tinha forças para discutir. Sem voz para implorar. Sentou-se na área de espera, pegou o celular, ligou a câmera frontal e olhou para si mesma na tela.
Olheiras profundas, um rosto pálido, o cabelo castanho escuro, um emaranhado de fios molhados pelo vento e pela chuva. Ela deu uma risada fraca, uma risada só de quem já bateu fundo. Ava Wells, 27 anos. Sem trabalho, sem namorado, sem voo, sem lugar para ir. Parabéns. Essa é a minha vida.
Desligou o celular e escondeu o rosto nas mãos. Tudo doía em silêncio, como uma onda de dor que rugia sob a superfície. Não soluçou. Apenas ficou ali, em silêncio, enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto e se encharcavam nas mangas do suéter gasto. Ninguém parou até que, por trás, uma voz suave cortou o silêncio.
“Não sei se posso ajudar, mas acho que você precisa disso.”
Ela levantou os olhos. Um homem de sobretudo preto estendia uma xícara de papel com café quente na direção dela. Sua voz era profunda e suave, como se temesse quebrar o frágil silêncio ao redor. Ava ficou parada. Não teve tempo de recusar, não teve tempo de questionar porque um completo estranho pararia no meio de uma multidão apressada para ajudar uma garota invisível como ela. Tudo o que sabia era que o café estava quente. E o modo como ele a olhava não era com pena, mas com sinceridade.
A xícara foi gentilmente colocada ao seu lado na cadeira. A mão do homem que a colocou retirou-se rapidamente, como se não quisesse invadir seu espaço, apenas oferecer. Sua voz foi baixa e calma.
“Você parece precisar disso mais do que eu.”
Ava piscou, levando alguns segundos para processar as palavras. O homem já estava sentado, um assento vazio entre os dois. Não perto o suficiente para ser intrusivo, mas também não tão longe a ponto de ser um completo estranho. Ele usava um sobretudo preto que ia até os joelhos, calças de vestir simples e sapatos de couro negros. Nenhum logo visível, nenhum relógio chamativo, nenhum perfume forte. Apenas um homem calmo e discreto. Seus cabelos escuros estavam ligeiramente bagunçados pelo vento, como se tivesse acabado de chegar. Mas seus olhos eram algo diferente. Um olhar profundo. Não invasivo, não piedoso, apenas… vendo.
Ava imediatamente desviou o olhar, rapidamente limpando as lágrimas de seus cílios.
“Estou bem.” Ela murmurou, sua voz fria e exausta.
“Eu acredito em você,” ele disse com um leve sorriso. “Mas o café ainda é uma boa ideia.”
Ela olhou para a xícara. Era uma xícara simples de papel branco, sem nenhuma marca, provavelmente de um quiosque ali perto. Mas o cheiro era forte e aquecia partes de seu corpo que ela sentia que estavam desmoronando.
“Você não precisava fazer isso.” Ela disse, sem jeito. “Eu não preciso de nada.”
“Talvez,” ele inclinou a cabeça ligeiramente, ainda com aquele sorriso amável. “Mas eu tenho tempo. E você?”
Ava o observou por mais tempo desta vez. Esse homem não tinha pressa. Não tirava o celular do bolso. Não olhava ao redor à procura de uma desculpa para sair depois de fazer algo de bom. Ele estava ali, como se pudesse esperar horas por ela, se fosse necessário.
“Eu acabei de perder meu voo.” Ela disse, meio confessionando, meio convidando.
“Então temos algo em comum,” ele respondeu. “Eu estou tentando adiar o meu.”
Ava franziu a testa. “Por que alguém iria querer adiar um voo?”
Ele deu de ombros. “Não sei. Talvez pela mesma razão que você perdeu o seu.”
Ava soltou uma risada curta e inesperada, depois rapidamente cobriu a boca, como se temesse perder um pedaço de si mesma se deixasse essa risada sair de forma muito livre. Ele não disse nada, apenas sorriu suavemente, como se tivesse acabado de ouvir uma melodia estranha, mas agradável.
“Meu nome é Lucas.” Ele disse após uma pausa.
“Lucas Gray?” Ela perguntou.
Ele não comentou sobre seu nome. Não fez perguntas invasivas. Apenas levantou sua própria xícara de café, deu um gole e acenou com a cabeça em direção à xícara dela. “Está esfriando. E não vai ajudar muito se continuar assim.”
Ava olhou novamente para a xícara. Desta vez, estendeu a mão, pegou-a com cuidado. Sentiu o calor penetrar seus dedos, que estavam entorpecidos pela exaustão e o frio.
Um pequeno gole. O café era amargo o suficiente, mas suave. Sem açúcar, sem creme.
“Você está certo.” Ela exalou. “Eu realmente precisava disso.”
Lucas sorriu, como se algo não dito acabasse de ser confirmado. E naquele momento, Ava sentiu-se, nem que fosse um pouco, vista, compreendida e não mais totalmente invisível.