Claro! Aqui está uma história de 800 palavras em português baseada no seu pedido:
O Som Que Eu Ainda Ouço
Ainda ouço esse som de vez em quando, mesmo agora, cinco anos depois, como uma porta fechando suavemente, como se alguém estivesse apagando você com precisão absoluta. Esse foi o último som que ouvi quando fui embora. Não houve gritos, não houve lágrimas, apenas aquele clique quase imperceptível quando a porta se fechou atrás de mim. Não foi uma batida forte, nem trancada, foi só fechada, como se eu nunca tivesse existido. Eu não levei o carro. Lembro-me de caminhar quatro quadras no escuro com uma bolsa de duffel que não era nem minha. Era dela. Zíper rosa, uma alça quebrada. A única coisa que eu tinha colocado dentro foi duas camisetas, minha certidão de nascimento e uma escova de dentes que nunca usei. Eu deixei até meu próprio nome para trás, como ela me pediu. Eu desapareci.
E sabe qual é a parte mais doente disso tudo? Eu pensei que ela poderia me procurar. Só um texto, uma ligação, algo como “Espera, eu não quis dizer isso”. Mas nada veio. Os dias passaram, depois meses, depois as estações mudaram, e ela ainda não havia me procurado. Você provavelmente acha que estou sendo dramático. Eu entendo. Quero dizer, a maioria dos homens não desapareceria só porque a esposa mandou, mas eu não era a maioria. Eu era o pano de fundo, o espaço reservado. Eu acho que sempre soube disso, no fundo. As palavras exatas dela: “Você é tipo papel de parede, só está ali. Eu preciso de espaço para ser mais do que isso”. Ela nem conseguiu pensar em um insulto decente. Me reduziu a tinta bege e silêncio e me mandou sair como se eu fosse um mofo atrás de um sofá. E eu fui. Me mudei para uma cidade onde as pessoas não faziam perguntas. Sem identidade, sem cartão de crédito. Eu trabalhava à noite, limpando máquinas de venda e terminais de ônibus. Escrevia nomes falsos nos formulários dos motéis. Uma vez, dormi dentro de uma unidade de armazenamento por duas semanas quando não consegui pagar o aluguel. Parei de falar com espelhos. Era mais fácil não ver meu rosto. O rosto dela ainda ecoava no meu.
Houve noites em que eu queria gritar, não porque sentia falta dela, mas porque eu não conseguia nem lembrar como eu me parecia quando estava feliz. Não só antes dela, mas antes da erosão, antes de aprender a encolher, ficar tão pequeno que eu pudesse desaparecer completamente. Mas então algo mudou.
No mês passado, recebi uma carta. Sem selo, sem endereço de remetente, apenas enfiada entre dois panfletos na porta de uma cafeteria em Maine. Estava selada com fita adesiva. Dentro, havia uma foto: ela, Vera, em frente a um banner de conferência, apertando a mão de um cara político e, atrás, uma caligrafia que eu não via há meia década: “Você nunca realmente foi embora, foi?”. Eu quase deixei cair. Ela me encontrou, ou ao menos encontrou uma parte de mim. O tempo não fazia sentido. Nada fazia sentido, porque dois dias depois eu estava andando perto da prefeitura quando a vi novamente. Não em uma carta, não em um sonho. Na vida real, carne e osso, com aquele sorriso presunçoso. Ela estava fazendo um discurso, o mesmo vestido que eu lembrava, os mesmos gestos com as mãos, a mesma arrogância, mas algo no rosto dela se quebrou quando me viu. As palavras dela congelaram no meio da frase. As pessoas viraram para seguir seu olhar. Então ela tropeçou como se tivesse visto um fantasma. Seus olhos reviraram, os joelhos cederam. Ela desabou ali mesmo, sob as luzes fluorescentes, no palco que deveria ser para heróis.
Eu fiquei no fundo da sala. Não me movi. Não pisquei, porque eu sabia que a versão de mim que ela havia enterrado não ficou morta. E eu estava prestes a desenterrar todas as mentiras que ela pensou que tinha enterrado. O silêncio naquela sala não era um silêncio normal. Era o tipo que congela sua espinha e diminui o ar ao seu redor. Todos estavam olhando para ela, caída à beira do palco como uma marionete cujas cordas se partiram no meio de uma frase. E eu? Eu ainda estava de pé, no canto, meio sombreado sob uma luz de emergência piscando, com o coração batendo forte como se quisesse se arrancar de mim. Eu deveria ter ido embora naquele momento, deslizado para fora, do jeito que cheguei. Mas algo, eu nem sei o que, me prendeu ali. Talvez fosse curiosidade, talvez fosse despeito, talvez algum fiozinho dentro de mim ainda acreditasse em um tipo de fechamento. Eu não planejei nada disso. Não vim para destruí-la. Vim para ver se ela ainda tinha um coração.
Mas, antes que eu pudesse dizer uma palavra, ela caiu como uma pedra. As pessoas correram para ajudá-la. Alguém gritou por um médico. Eu fiquei imóvel, observando a mulher que um dia me disse que eu era só um preenchimento na vida dela, deitada inconsciente no chão, respirando com dificuldade, sua mão tremendo como se estivesse perseguindo algo em um sonho. E então, e eu juro que isso aconteceu, ela abriu os olhos por um segundo e me viu novamente. Seus lábios se moveram levemente, como se estivesse tirando a poeira de uma caixa selada. Ela disse uma palavra. A minha verdadeira. Não o nome falso que eu usei durante esses cinco anos. Não o apelido que ela usava nos bons tempos. Não. Ela disse o meu nome. Como se fosse uma maldição que retornava. Eu saí. Não corri. Eu saí lentamente, como quem acaba de ver algo muito antigo e poderoso para lutar contra. Passei pela multidão que nem me percebeu. Todos estavam ocupados tentando ressuscitar a reputação dela.
Não sabia para onde estava indo, mas minhas pernas me levaram até um banco à beira do lago. Aquele mesmo lago onde Vera uma vez jogou meu celular na água durante uma briga e disse: “Agora você vai parar de reclamar sobre conexão”. Sim, eu me lembro de tudo. Eu fiquei lá, olhando para a água, como se ela pudesse me dar respostas. E então, quando estava prestes a me perder de novo, meu celular queimado tocou. Uma mensagem. Nenhum número, só o texto: “Você não pode voltar. Eles não sabem. Por favor, estou te implorando.” Eu fiquei parado, encarando a tela, como se tivesse lido errado. Eles não sabem quem sobre o quê?
Queria jogar o celular no lago e esquecer que havia voltado para a órbita dela. Mas, em vez disso, me levantei e caminhei até a clínica local, o mesmo lugar para onde ela havia sido levada. Não me registrei, não pedi permissão. Encontrei o quarto dela no diretório e subi as escadas silenciosamente, como um fantasma retornando ao seu lugar de morte. Ela estava acordada, deitada na cama do hospital, conectada a aparelhos, maquiagem removida, cabelo bagunçado, cara pálida. Ela parecia menor. Ou talvez eu estivesse maior agora, depois de cinco anos aprendendo a existir sem a voz dela dizendo quem eu deveria ser. Quando ela me viu na porta, não gritou. Não chorou. Sussurrou novamente: “Você devia ter ficado desaparecido.”
Eu não falei nada. Esperei. Como se fosse dar a ela uma chance de reescrever tudo. Mas então ela disse a única coisa para a qual eu não estava preparado: “Lol”. Se eles descobrirem que você está vivo, tudo que eu construí vai desmoronar. E foi então que percebi. Não se tratava de amor, nem de arrependimento, nem de culpa. Se tratava do segredo dela. Um segredo grande o suficiente para fazer ela querer me apagar. E ela achou que tinha conseguido. Até agora.