O mundo estava silencioso, exceto pela voz do menino. Fraca, quebrada, chamando seu nome. “Mamãe!” Ela não se virou. Não quando os passos dele perseguiam os seus. Não quando seus gritos ecoavam pelo corredor gelado. Nem mesmo quando suas pequenas mãos bateram contra a porta de aço que ela acabara de trancar. Corredor subterrâneo. Nível do bunker três. Seu fôlego atingiu o metal em nuvens. Sua testa pressionada contra o ferrolho frio, as mãos tremiam, mas ela apertava a maçaneta, mantendo-se firme. O soldado próximo dela não se movia desde que ela pediu para que ele fosse testemunha, para garantir que ela não tentaria voltar atrás.
Seu rifle estava pendurado baixo, sua boca aberta em descrença. “O que você fez?” ele sussurrou. Mas ela não respondeu. Ela deu um passo para trás, a tranca agora selada. O soldado se aproximou, como tentando entender. Havia espaço para mais um, ele disse. “Por que não foi ele?” Ela olhou para ele então, seus olhos vazios, as bochechas cobertas de cinza, os lábios entreabertos. Por um momento, parecia que ela falaria, mas ela simplesmente se virou, caminhando pelo corredor, cada passo como uma lenta traição. As mãos fechadas, os ossos brancos de tanto apertar alguma coisa que não estava mais lá.
Em seu bolso, um desenho amassado, uma carta nunca enviada, a ponta do cobertor de seu filho. Ela pressionou sua mão sobre ele uma única vez, como se tocá-lo pudesse trazê-lo de volta para mais perto. Os alarmes soaram acima. Evacuação em 10 minutos. As paredes tremeram. As luzes piscavam. Mesmo assim, ela continuava andando. Você pode julgá-la. Pode odiá-la. Dizer que ela foi covarde. Dizer que foi cruel, mas antes de amaldiçoar seu nome, você precisa saber o que aconteceu antes disso. Antes daquela porta de aço, houve uma febre, uma ração muito pequena, um filho com as mãos trêmulas e uma mãe se desintegrando por dentro.
Ela fez uma pausa na escada, uma mão no corrimão, a outra no peito, como se tentasse segurar o coração dentro de seu corpo. Um último sussurro escapou de seus lábios. “Esqueça-me.” E então ela desapareceu na escuridão.
O que se seguiu não foi o fim do mundo. Foi uma despedida que ninguém devia entender. Os pássaros não cantaram naquele dia. Eles não cantavam há semanas, talvez meses. Mas o silêncio tem um jeito de se tornar o fundo da cena, como a dor deixada muito tempo sem ser tocada. O bule fez um som baixo. O vapor subiu pela borda. Uma fina linha de luz do sol se esgueirou pela mesa, iluminando uma tigela de aveia morna, a última ameixa seca que ela conseguiu encontrar por cima. Ela a colocou silenciosamente em frente ao menino.
Nenhum sorriso, nenhuma palavra, apenas hábito. O menino, pequeno, pálido, enrolado em dois suéteres, não olhou para cima. Ele sabia que era para ele, porque sempre era. Ela sentou-se à sua frente, as mãos abraçando uma caneca rachada, com água fervida. Sem chá, sem açúcar, apenas algo quente para fingir. O rádio murmurava ao fundo. Uma voz falava, calma demais para o que dizia. Conflito não confirmado ao longo do corredor norte. Cidadãos são aconselhados a permanecer dentro de casa.
Ela abaixou o volume. Não desligou, apenas baixou. Baixo o suficiente para que o menino não ouvisse a parte onde diziam “zona de evacuação.” Ele ainda mastigava lentamente. Sua tosse havia retornado durante a noite. Ela percebeu como ele se curvava agora quando respirava, como se até seus pulmões estivessem cansados. Fora da janela, as ruas estavam quietas. Sem pássaros, sem cães, sem vizinhos cortando cercas ou gritando sobre a roupa de cama. Apenas geada na grama e uma ambulância estacionada na esquina. Sem luzes. Sem movimento.
Ela olhou para o menino. Sua colher tremia levemente em sua mão. Ele precisava de caldo, pensou ela. Ovos, remédio, dormir sem tossir acordado. O que ele tinha era aveia e ela. E por enquanto, isso teria que ser o suficiente.
Mais tarde, naquele dia, ela estava na pia, secando a última tigela. A água escorria pela torneira quebrada. Um fio de cabelo se grudou em seu pulso. O menino estava desenhando algo com árvores. Ela não conseguia dizer se eram para ser florestas ou apenas galhos e vento, mas o lápis se movia com cuidado, como se cada linha fosse uma promessa que ele tinha que cumprir.
Então veio a batida na porta. Não frenética, não oficial, apenas dois toques, suaves, cansados. Ela abriu a porta lentamente e encontrou a menina, talvez 16 anos, sapatos rasgados, segurando a mão de um menino de no máximo quatro anos. Suas bochechas estavam vermelhas de febre. Suas roupas caíam sobre ele, como se um dia tivessem pertencido a outra pessoa. Ela não perguntou onde estava a mãe deles. Não fez nenhuma pergunta. Apenas se afastou e os deixou entrar.
O menino não estava mais sozinho. Nem a mãe. Ela já não estava mais sozinha em suas escolhas. Ela havia dado a sua última refeição. Quando a menina se foi, levou consigo algo mais do que um pedaço de pão. Ela levou a última chance de entender que o amor pode significar, às vezes, deixar ir. Ela não soubera se estava fazendo a coisa certa, mas sabia que era a única coisa que poderia fazer. Ela não voltaria, não para ele, porque ele já não era mais dela. Ela o havia deixado ir. O que restava era essa parte da mãe que não a deixava.