Eleanor sussurrou as palavras que fizeram Samuel paralisar no meio do movimento: “Dói. É a minha primeira vez.”
Era a noite de núpcias, verão de 1868, dentro da pequena cabana perto de Abilene, Kansas. O lampião a óleo tremeluzia. A cama de madeira rangeu sob o peso deles. Sam era viúvo há dez anos. Eleanor, com apenas 21, havia chegado três dias antes, como sua noiva de catálogo.
Mas havia algo terrivelmente errado. O corpo dela estava rígido como uma tábua. Suas mãos tremiam. E quando Sam olhou em seus olhos, ele não viu timidez. Viu terror puro.
“Vai acabar logo,” Sam disse gentilmente. Mas então ele parou completamente, pois foi quando as viu.
As contusões. Marcas antigas, amarelo e verde desbotados, subindo por seus braços como um mapa retorcido de dor. Algumas tinham meses, outras eram mais velhas. Suas mãos rudes de rancheiro, as mesmas mãos que podiam domar um garanhão selvagem, de repente se tornaram suaves como penas.
“Quem fez isso com você?” Sam perguntou, sua voz quase um sussurro.
Eleanor começou a chorar. Não eram as lágrimas gentis de uma noiva nervosa. Eram o tipo de soluço que vinha de anos de inferno enterrado.
Ela se afastou, enrolou-se no lençol e sentou-se na beira da cama.
“Meu padrasto,” ela finalmente disse. “Cyrus Bennett. Depois que mamãe morreu, há cinco anos, ele… ele…” Ela não conseguiu terminar.
Ela não precisou. Sam sentiu seu sangue gelar e depois se transformar em fogo. Ele tinha visto guerra, morte e ladrões de gado. Mas isso… isso era diferente.
“Quanto tempo?” Sam perguntou.
“Cinco anos. Toda vez que eu revidava, ficava pior. Então parei de lutar. Apenas sobrevivi. Quando vi seu anúncio de esposa no jornal do Kansas, soube que era minha única saída. Eu tinha que escapar, mesmo que isso significasse casar com um estranho.”
Sam se levantou, foi até a bacia e voltou com um pano úmido. Ele se sentou ao lado de Eleanor, não a tocando, apenas perto dela.
“Escute com muita atenção,” disse Sam, sua voz firme e calma. “Você está segura agora. Eu não a trouxe aqui para machucá-la. Eu a trouxe porque precisava de uma parceira, não de uma serva. E parceiros não se machucam. Você me entende?”
Eleanor olhou para ele através dos olhos marejados. Ela assentiu lentamente.
“Vamos com calma,” continuou Sam. “Não há pressa. Temos todo o tempo do mundo. Esta noite, você dorme na cama. Eu fico com o chão. E amanhã, recomeçaremos como amigos primeiro. Depois veremos onde isso vai dar. Combinado?”
Pela primeira vez desde que chegara ao Kansas, Eleanor sorriu. Era pequeno, quebrado, mas era real. “Combinado,” ela sussurrou.
Sam pegou um cobertor e fez um lugar para si no chão de madeira. Enquanto estava ali, olhando para o teto, uma pergunta queimava em sua mente. Que tipo de monstro levantava a mão contra uma garota indefesa por cinco anos inteiros? E, mais importante, o que Sam faria se esse monstro algum dia aparecesse em seu rancho?
Na manhã seguinte, Eleanor acordou com o cheiro de café e bacon. Em Ohio, ela sempre era quem cozinhava. Cyrus gritava se o café da manhã não estivesse pronto ao nascer do sol. Mas ali, Sam já estava no fogão, virando bacon em uma frigideira de ferro fundido como se fosse a coisa mais natural do mundo.
“Bom dia,” disse Sam sem se virar. “Espero que goste dos ovos mexidos. Não sou chique, mas consigo nos alimentar.”
Eleanor se enrolou no cobertor e foi até a pequena mesa. À luz do dia, a cabana parecia simples e honesta. Nada como a casa escura e sufocante da qual ela havia escapado.
“Você não precisava fazer isso,” disse Eleanor baixinho.
“Nem você, quando concordou em se casar com um velho rancheiro teimoso sem nunca o ter visto,” respondeu Sam com um meio sorriso. “Agora coma. Temos trabalho a fazer.”
Nas semanas seguintes, Sam ensinou tudo a Eleanor: como tirar leite da vaca Bessie, que tinha problemas de temperamento; como montar seu cavalo mais dócil, uma égua chamada Daisy. Ele nunca a apressou, nunca levantou a voz, nunca levantou a mão.
Nas noites frias, ele alinhava garrafas vazias na cerca e colocava seu revólver sobressalente nas mãos dela. Os primeiros tiros a abalaram tanto que ela mal conseguia respirar. Mas depois de algumas semanas, ela conseguia derrubar uma garrafa limpa de um poste a seis metros.
A princípio, Eleanor se encolhia toda vez que Sam se movia muito rápido. Mas lentamente, dia após dia, o encolhimento cessou.
Certa tarde, enquanto consertavam uma cerca juntos sob o sol escaldante do Kansas, Eleanor de fato riu. Foi a primeira risada de verdade que Sam ouviu dela.
“O que é tão engraçado?” Sam perguntou, limpando o suor da testa.
“Você,” disse Eleanor, sorrindo. “Você xingou aquele poste da cerca por cinco minutos seguidos como se ele tivesse insultado pessoalmente a sua mãe.”
Sam riu. “Bem, ele é um poste teimoso. Coisa de família.”
Eles trabalharam lado a lado até o pôr do sol. E naquela noite, pela primeira vez, Eleanor não pediu para Sam dormir no chão.

“Você pode… você pode dormir na cama,” disse ela nervosamente. “Eu confio em você.”
Sam assentiu lentamente. “Só se tiver certeza.”
“Tenho certeza.”
Eles se deitaram em lados opostos da cama naquela noite, um bom espaço de dois palmos entre eles. Mas em algum momento por volta da meia-noite, a mão de Eleanor moveu-se lentamente pelos lençóis. Seus dedos encontraram a mão áspera e calejada de Sam, e ela a segurou. Sam não se moveu, apenas segurou a mão dela de volta. Gentil como segurar um filhote de pássaro.
Duas semanas depois, em uma noite quente de agosto, Eleanor se virou e beijou Sam pela primeira vez. Não porque ela tinha que, mas porque ela queria. O que aconteceu a seguir foi lento, cuidadoso e nada parecido com sua primeira noite de terror. Sam continuou perguntando se ela estava bem. Ela continuou dizendo sim. E quando acabou, Eleanor chorou novamente. Mas desta vez, Sam entendeu. Eram lágrimas diferentes.
“Obrigada,” ela sussurrou em seu peito. “Obrigada por ser paciente.”
Sam beijou o topo de sua cabeça. “Obrigada por dar a um velho uma segunda chance em algo real.”
Mas a 400 milhas de distância, em Ohio, Cyrus Bennett lia uma carta do carteiro do Kansas e estava furioso. Três meses de paz, era só o que eles tinham.
Era uma manhã de terça-feira no final de outubro quando Eleanor estava pendurando a roupa do lado de fora. O vento do Kansas estava aumentando, carregando o cheiro de chuva iminente. Sam estava verificando o gado no pasto norte. Foi quando ela ouviu a carroça.
Eleanor levantou os olhos e sentiu o corpo inteiro virar pedra, porque descendo daquela carroça, usando a mesma carranca cruel que ela lembrava de mil pesadelos, estava Cyrus Bennett. Ao lado dele, no assento da carroça, estava o xerife do condado de Abilene, um homem com aparência cansada chamado Clayton, que Cyrus havia convencido a cavalgar até ali com uma garrafa de uísque e uma história sobre um cavalo roubado.
“Ali está ela,” anunciou Cyrus, apontando para Eleanor como se ela fosse um cão fugitivo. “Minha enteada, a ladra que fugiu durante a noite.”
Eleanor deixou cair o lençol molhado que segurava. Sua mão começou a tremer. Todas aquelas semanas de cura, de aprender a se sentir segura novamente, desapareceram em um instante.
O xerife Clayton inclinou o chapéu. “Minha senhora, este homem escreveu ao meu escritório dizendo que a senhora fugiu com o cavalo dele e deixou dívidas para trás. Estou aqui para ouvir os dois lados.”
“Dívidas?” A voz de Eleanor falhou.
“Ele chama isso de cuidado? Eu te alimentei, vesti, mantive um teto sobre sua cabeça depois que sua mãe morreu,” disse Cyrus suavemente. “E você me paga roubando meu cavalo e fugindo para casar com algum estranho. Você me deve $500, garota. Ou está voltando para Ohio, onde pertence.”
Antes que Eleanor pudesse responder, ela ouviu cascos. Sam veio cavalgando rápido, poeira levantando-se atrás de seu cavalo. Ele deu uma olhada em Cyrus e seu maxilar se apertou tanto que se podia ouvir seus dentes rangerem.
“Saia da minha terra,” Sam disse calmamente. Mas a quietude em Sam era mais perigosa do que gritos.
“Isso não lhe diz respeito, rancheiro,” zombou Cyrus. “Isso é entre mim e minha filha.”
“Enteada,” corrigiu Sam, descendo do cavalo. “E ela não é mais sua. Ela é minha esposa. Legalmente. Registramos os papéis em Abilene há três meses. Então, seja qual for o negócio que você pensa ter aqui, você não tem.”
Cyrus sorriu, aquele sorriso traiçoeiro. “Ela ainda me deve $500 pela sua criação. Um homem é devido por esse tipo de cuidado, senhor. O xerife aqui vai dizer a você.”
O xerife Clayton parecia desconfortável. “Tudo o que sei é que ele alega que você lhe deve dinheiro e um cavalo. Isso pode ser um assunto sério.”
“Mostre a eles,” disse Sam de repente, olhando para Eleanor.
“Sam, não,” sussurrou Eleanor.
“Mostre a eles,” repetiu Sam, sua voz gentil, mas firme. “Esses homens precisam entender exatamente que tipo de ‘cuidado’ você teve.”
As mãos de Eleanor tremeram enquanto ela lentamente desabotoava a manga. Ela arregaçou o tecido, revelando a paisagem de cicatrizes antigas e contusões desbotadas que ainda marcavam sua pele como um mapa do inferno.
O rosto do xerife Clayton empalideceu.
“Cinco anos,” disse Eleanor. Sua voz estava mais forte agora. “Cinco anos disso. Esse é o ‘cuidado’ de que ele está falando.”
Mas Cyrus ainda não tinha terminado. “Ela está mentindo. Essas cicatrizes podem ser de qualquer coisa. Acidentes de trabalho na fazenda.”
“Cinco anos de acidentes?” Sam se adiantou. “Em uma garota que ficava trancada na casa a maioria dos dias. Tente novamente.”
O xerife assentiu. “O senhor tem uma hora para estar na estrada fora deste condado, Sr. Bennett. Depois disso, vou registrar um relatório e, confie em mim, a notícia viaja rápido entre a lei do Kansas e a de Ohio.”
Cyrus subiu de volta em sua carroça. Mas o olhar que ele deu a Eleanor era puro veneno. “Isso não acabou, garota. Você me ouve? Isso não acabou.”
Eles o observaram partir, a poeira arrastando-se atrás da carroça. Eleanor desabou nos braços de Sam, tremendo. O xerife Clayton inclinou o chapéu e partiu logo depois, prometendo ficar de olho.
“Acabou,” Sam sussurrou no cabelo de Eleanor. “Ele se foi.”
Ainda assim, ao deslizar o ferrolho da porta da cabana naquela noite, um nó apertado estava no estômago de Sam. Homens como Cyrus não engoliam a humilhação facilmente.
Por volta das 2:00 da manhã, Eleanor acordou com o som de vidro quebrando. Ela se sentou na cama, o coração disparado. Sam já estava pegando sua espingarda no canto.
“Fique aqui,” Sam sussurrou.
Mas Eleanor conhecia aquele som. Ela conhecia aquele passo pesado na varanda. Ela o tinha ouvido mil vezes em Ohio, geralmente pouco antes de as surras começarem. Cyrus havia voltado.
“Eu sei que você está aí,” Cyrus gritou do lado de fora. “Você pensa que pode me envergonhar na frente de um homem da lei e sair impune? Você pensa que pode simplesmente ir embora?”
Sam se moveu em direção à porta, mas Eleanor agarrou seu braço. “Não. Esta é a minha luta.”
“Eleanor, não. Ele me controlou pelo medo a vida inteira. Sam, se eu não o enfrentar agora, estarei olhando por cima do ombro para sempre.”
Antes que Sam pudesse argumentar, Eleanor pegou o revólver sobressalente dele na gaveta. Suas mãos não tremiam mais. Ela caminhou até a porta e a abriu.
Cyrus estava ali na varanda, bêbado e zangado, pistola na mão. Mas quando viu Eleanor com a arma apontada diretamente para o peito dele, ele congelou.
“Você.” Cyrus riu, mas parecia nervoso. “Você não tem coragem, garota. Nunca teve.”
“Você tem razão,” disse Eleanor calmamente. “A velha Eleanor não tinha, mas eu não sou mais ela. Agora saia da terra do meu marido ou eu farei um buraco em você que nem um agente funerário conseguiria consertar.”
Atrás dela, Sam apareceu na porta com sua espingarda, dando-lhe apoio. “É sério, Cyrus. E mesmo que ela erre, eu não vou.”
Pela primeira vez, ela viu algo novo nos olhos de Cyrus Bennett. Medo.
Ele baixou a arma lentamente. “Você vai se arrepender disso, vocês dois.”
“O único arrependimento que tenho,” disse Eleanor, “é não ter confrontado você antes. Agora saia, e se você voltar ao Kansas, estarão lhe medindo para um caixão de pinho.”
Cyrus cambaleou para trás, montou em seu cavalo e cavalgou para a escuridão.
Eleanor ficou ali na varanda depois que ele se foi, ainda segurando a arma. Então seus joelhos vacilaram. Sam a segurou antes que ela caísse.
“Acabou,” disse Sam. “Desta vez, realmente acabou.”
Um ano depois, verão de 1869, o sol do Kansas estava escaldante novamente, mas desta vez tudo parecia diferente. O rancho havia crescido, e o jardim que Eleanor plantou estava explodindo de vida. E Eleanor estava sentada naquele mesmo banco de madeira do lado de fora da cabana, não mais a garota aterrorizada que chegara há um ano. Sua barriga estava redonda com o primeiro filho deles, e quando ela sorria, o brilho chegava até seus olhos.
Certa tarde escaldante, Sam veio dos campos e se deixou cair nos degraus da cabana. Eleanor, com sete meses de gravidez, sentou-se um degrau acima dele, em seu vestido branco fino. O calor os deixava ousados. Ela se inclinou, beijou-o devagar, e naquele momento seu velho cavalo castrado se aproximou e ficou observando-os, as orelhas tremendo como se não pudesse acreditar no que estava vendo. O que aconteceu a seguir sob aquele sol do Kansas foi mais doce do que a noite de núpcias jamais foi. Sam sentiu aquela sensação calorosa e completa que pensou que nunca mais teria depois que sua primeira esposa morreu.
“Como você se sente?” Sam perguntou, ajoelhando-se ao lado dela.
Eleanor riu, esfregando a barriga. “Este bebê tem sua teimosia. Já consigo perceber.”
Eles não tinham planejado o momento, mas ali, a vida não pedia permissão antes de crescer. Sam pressionou o ouvido gentilmente contra o estômago dela, escutando. “Aquele é o meu menino ali, ou menina. Não importa qual. Contanto que tenha a sua coragem.”
Eleanor passou os dedos pelo cabelo grisalho de Sam. “Eu nunca agradeci direito. Sabe, por me salvar.”
Sam olhou para ela, balançando a cabeça. “Você está enganada, Ellie. Você me salvou. Eu era apenas um velho solitário passando pela vida antes de você aparecer. Você trouxe vida de volta a este lugar. E de volta para mim.”
Ela se inclinou e o beijou suavemente. “Nós nos salvamos. Então é isso. Parece certo.”
Enquanto o sol subia, pintando o céu do Kansas em tons de ouro e azul, Sam pensou em tudo que eles haviam passado, a dor, o medo. Meses depois, uma nota curta do Xerife Clayton havia mencionado um boato de que Cyrus Bennett tinha sido esfaqueado em algum bar em Ohio. Talvez fosse verdade, talvez não. No que dizia respeito a Eleanor, ele morreu na noite em que ela o enfrentou naquela varanda com uma arma na mão.
Mas principalmente, Sam pensou em segundas chances.