O vento cortante das montanhas distantes atravessava a túnica surrada de Aara, fazendo com que os pelos de sua pele se arrepiaram. O cheiro de pinho e terra úmida, normalmente reconfortante e ligado à sua casa, agora apenas amplificava o vazio em seu coração. “Casa” já não tinha mais o mesmo significado para ela; estava quebrado, como as folhas secas que voavam ao vento, espalhadas por toda a floresta ao redor.
A imagem de sua mãe, sempre uma máscara de desaprovação, tinha sido estranhamente vazia ao empurrá-la para a escuridão crescente da floresta. “Você é uma maldição, um fardo”, a voz do pai de Aara, áspera como madeira não polida, ecoava em sua mente. “Fique aqui. Não me siga.” E então, eles desapareceram, consumidos pelas árvores indiferentes, deixando-a com nada além do terror crescente e a sensação de estar completamente sozinha.
Aara, com apenas sete verões, tinha os olhos cor da musgo após a chuva, olhos que já haviam testemunhado demasiada maldade e tão pouca gentileza. A fome, uma dor familiar, a corroía, mas agora estava afiada por um frio que penetrava até seus ossos, prometendo uma quietude terrível. Ela chorou no início, um som rouco que a vasta floresta absorveu sem nem se mover. Suas lágrimas, quentes em suas bochechas geladas, congelavam instantaneamente.
A floresta, com suas árvores antigas, permanecia implacável e silenciosa, como juízes em um tribunal que não tinha interesse em oferecer conforto. Ela sentia-se um fardo, como seus pais haviam dito, e aquelas palavras grudavam nela como espinhos em suas pernas enquanto ela avançava pela floresta, sem saber para onde estava indo, mas sabendo que não poderia ficar onde eles haviam partido.
O sol, uma fraca testemunha no céu cinza, começava sua descida, pintando a floresta com tons de roxo e laranja sangue, cores bonitas demais para tamanha traição. Em sua pequena mão, Aara apertava uma pedra cinza e lisa que pegara da beira do rio perto de sua antiga casa, a única coisa sólida em um mundo que havia se dissolvido em medo.
Foi quando o último vestígio de luz se foi e a noite se aproximava que Caleb a encontrou. Ele se movia com a quietude de quem conhecia as florestas e a própria dor. Seu machado, usado para cortar árvores teimosas ou dividir lenha para o fogo escasso em sua cabana vazia, parecia pesado em suas mãos, como o vazio em seu peito que o acompanhava desde a morte de sua esposa, Martha.
Ele estava verificando suas armadilhas, esperando pegar um coelho para aliviar um pouco da fome quando o som, fino e frágil, cortou o silêncio da noite. Não era o grito de uma criatura da noite que ele conhecia, mas o som de uma dor humana, sufocada por um desespero profundo. Seu coração, cansado e marcado pela perda, deu uma batida inesperada. Ele seguiu o som, afastando os galhos baixos e ouvindo o som de suas botas esmagando as folhas congeladas até vê-la. Uma criança, ali, no coração desolado da floresta, um lugar onde até os caçadores mais experientes temiam entrar à noite. Ela parecia mais um bebê, seu rosto pálido e coberto de lágrimas, os lábios trêmulos.
Por um momento, ele ficou parado, uma onda de perguntas e descrença o invadindo. Quem faria algo assim? Deixar uma criança para os lobos, para o frio mortal? O vento passava pelas árvores acima, um som de lamento que parecia traduzir a crueldade de tudo.
Aara não se mexeu quando ele se aproximou, seu corpo pequeno e encolhido, tentando se esconder da dureza do mundo. Ele se agachou, seus joelhos rangendo, e tocou delicadamente seu ombro. Sua pele estava gelada, como o próprio inverno.
“Pequena,” ele murmurou, sua voz suave, quase como se a palavra fosse um juramento. Os olhos de Aara se abriram lentamente, e ele viu neles um terror tão profundo que aquilo lhe cortou o coração. Ele viu Martha nos olhos dela, por um breve e doloroso momento. A mesma vulnerabilidade, a mesma súplica silenciosa.
Ele pensou na dura vida que levava, com pouca comida e uma casa vazia, e como adicionar mais uma boca para alimentar seria quase um fardo impossível de carregar. Mas deixá-la ali, sozinha, seria uma traição ao que restava de sua humanidade.
A luta interna foi rápida, uma batalha feroz e breve. Ele pensou na bondade de Martha, em como ela resgatava pássaros feridos, e no seu firme acreditar de que sempre havia algo de bom, mesmo nos tempos mais difíceis. Então ele tirou sua capa de lã surrada, ainda com o leve cheiro das árvores e da lavanda de Martha, e a envolveu ao redor do corpo trêmulo de Aara.
“Não se preocupe,” ele sussurrou, mais para si mesmo do que para ela. “Eu vou te cuidar.”
Ele a levantou com cuidado, ela pesando quase nada em seus braços, um feixe de ossos frios e medo. A viagem de volta à sua cabana foi lenta, cada passo medido, sua mente correndo enquanto o pequeno peso de Aara em seus braços se tornava tanto uma acusação contra o mundo quanto uma faísca frágil de propósito.
A cabana de Caleb era simples, uma única sala com as paredes de musgo seco e lama, o ar pesado com o cheiro das árvores e das tristezas antigas. Mas para Aara, naquele momento, ela era um refúgio. Caleb a deitou suavemente na cama simples, coberta com um cobertor remendado, o único item macio no lugar. Ele se moveu com urgência, acendendo as brasas no fogo até que uma pequena chama brilhou, projetando sombras dançantes nas paredes de madeira. O calor, hesitante no início, começou a afastar o frio que a dominava.
Enquanto ele a alimentava com um pouco de caldo morno, o medo de Aara começou a mudar. Não o medo do abandono, mas o medo do desconhecido. Esse homem, com sua quietude e olhos tristes, não a havia ferido. Ele a trouxera para a luz, para o calor.
Os dias passaram lentamente, marcados pela luz fraca do inverno e o silêncio na cabana de Caleb. Aara permaneceu silenciosa a maior parte do tempo, observando Caleb em seus afazeres diários. Ele nunca a pressionava a falar, oferecendo-lhe comida e sustento com uma paciência silenciosa que gradualmente curava seu espírito quebrado.
Com o tempo, Aara começou a aprender, observando e absorvendo. O medo da floresta que havia sido seu lugar de abandono começou a ser substituído por uma conexão com ela, por um sentido de pertencimento. Ela até começou a criar pequenas figuras de madeira, e, em uma manhã, entregou a Caleb sua primeira criação, uma estrela de madeira irregular, mas cheia de orgulho. Ele sorriu, um sorriso raro, mas sincero, e Aara sabia que, naquele momento, ela não era mais apenas uma criança perdida. Ela era alguém. Ela era importante. Ela era amada.