“Comam seus filhos”: O monstro que engravidou as cinco filhas e as forçou a devorar os bebês mortos na Alemanha de 1927.

Nas vastas extensões cor de areia da Charneca de Lüneburg, na Alemanha dos anos 20, onde o vento acariciava as planícies áridas e o sol de verão queimava impiedosamente, contava-se uma história que permaneceu enterrada no silêncio por décadas.

O ano era 1927. A Alemanha ainda lambia as feridas da Grande Guerra, oscilando entre a esperança e a miséria. Mas ali, escondido entre urzes violetas e florestas de pinheiros retorcidos, crescia algo que desafiava a compreensão humana.

Longe de qualquer povoado, a cerca de vinte quilômetros da pequena aldeia de Eichenmoor, ficava a propriedade isolada de um homem cujo nome logo seria sussurrado apenas com temor: Friedrich Steinbrecher. Sua fazenda erguia-se como uma mancha escura no tapete colorido da charneca. Um edifício longo de enxaimel, desgastado pelo tempo, cercado por zimbros e bétulas tortas, guardando segredos que o vento tentava, em vão, levar embora.

Steinbrecher chegara à charneca em 1910. Era um homem de estatura imponente, barba grisalha e olhos frios como um lago congelado. Dizia-se viúvo. Com ele, trouxe cinco filhas: Anna, Helene, Margarete, Liselotte e a pequena Gretchen.

As meninas eram sombras. Vestidas sempre com roupas escuras e gastas, nunca sorriam. Tinham os traços duros do pai e caminhavam de cabeça baixa, como se o simples ato de olhar para o horizonte fosse um pecado punível. Friedrich mantinha um controle absoluto. “São minhas filhas”, rosnava ele para quem ousasse perguntar. “Eu decido o que é bom para elas.”

Os anos passaram e o isolamento se aprofundou. No entanto, o dono da mercearia local, Sr. Abundius Meer, notou algo perturbador em 1918. Friedrich começou a comprar grandes quantidades de tecido branco, fraldas e pequenos frascos. Mas não havia bebês na fazenda. Nenhuma parteira fora chamada, nenhum choro infantil fora ouvido pelos pastores que passavam ao longe.

Então, em 1922, a névoa da manhã revelou o primeiro sinal concreto do pesadelo.

Patrizia Hermann, uma lavadeira da vila, viu uma figura entre os arbustos. Era Margarete, agora com 18 anos. A jovem estava esquálida, com os olhos fundos, mas seu ventre estava inegavelmente inchado. Grávida.

— Você está bem? — perguntou Patrizia, horrorizada.

Margarete recuou, protegendo a barriga com as mãos trêmulas, incapaz de falar, emitindo apenas um som estrangulado antes de fugir para a vastidão da charneca como um animal caçado. Patrizia correu para o padre da vila, Emil Krämer, mas o medo paralisou a ação. Steinbrecher era um homem violento, conhecido por ameaçar estranhos com sua espingarda.

Uma semana depois, Patrizia desapareceu.

A vila de Eichenmoor estremeceu. Buscas foram feitas, mas a charneca é vasta e guarda bem seus mortos. Friedrich Steinbrecher recebeu a patrulha de busca na porta de casa, com a arma em punho e um desprezo gelado: — Aquela fofoqueira não está aqui. Deve ter fugido com algum vagabundo. Mulheres assim são fracas.

Sem provas, o silêncio voltou a cair sobre a charneca. Mas era um silêncio pesado, carregado de culpa.

Foi em 1926 que o véu finalmente se rompeu. Friedrich parou de vir à vila buscar mantimentos. Um mês, dois, três. A fome de curiosidade e preocupação venceu o medo. Abundius Meer e seu filho adolescente, Markus, decidiram ir até a fazenda.

Ao chegarem, o sol poente banhava a propriedade em um vermelho sangue. O portão batia com o vento. Nenhum animal, nenhum som. Apenas um cheiro. Um odor doce e podre que parecia grudar na pele.

Eles entraram na casa principal. O caos reinava: móveis quebrados, manchas escuras nas paredes. Mas o verdadeiro horror estava atrás das portas trancadas. Eram celas. Quartos sem janelas, com camas de ferro enferrujadas, paredes arranhadas até a altura humana, desenhos primitivos feitos com carvão e sangue.

Na cozinha, na lareira fria, havia um grande caldeirão de ferro. Abundius levantou a tampa e o mundo girou. Dentro, havia ossos. Pequenos, frágeis, inconfundivelmente humanos. Ossos de bebês.

Markus vomitou. O pai, pálido como a morte, puxou o filho para fora. — Temos que ir. Agora.

Mas um gemido vindo do estábulo os deteve.

Lá, na penumbra fétida de um estábulo em ruínas, acorrentada pelos tornozelos como um cão, estava uma criatura que mal parecia humana. Cabelos emaranhados, corpo coberto de cicatrizes e sujeira, pele translúcida sobre os ossos.

— Ajuda… por favor — o sussurro era poeira.

Abundius quebrou a corrente com um pé de cabra. A mulher desabou em seus braços. — Quem é você? — Anna… Eu sou Anna Steinbrecher.

A mais velha. Aquela que tinha 12 anos quando chegou, agora parecia ter 60. — Onde estão suas irmãs? — perguntou Abundius.

Os olhos de Anna eram poços negros de vazio. — Mortas. Todas mortas, exceto eu. Ele foi embora… foi buscar “novas”.

O resgate de Anna desencadeou uma tempestade. A polícia, o médico e o padre reviraram a fazenda no dia seguinte. O que encontraram no poço atrás da casa fez homens feitos chorarem. Os corpos de Helene, Margarete, Liselotte e Gretchen. Todas mostravam sinais de terem morrido no parto ou logo após, vítimas de negligência brutal. E entre elas, os ossos minúsculos de pelo menos nove recém-nascidos.

No porão, encontraram um diário. Friedrich Steinbrecher, em sua loucura religiosa e narcisista, havia documentado tudo. Ele engravidara as próprias filhas repetidamente, acreditando que devia manter seu sangue “puro”, sem mistura com o mundo exterior. Os bebês nascidos dessas uniões profanas eram sacrificados para “manter a pureza”.

Anna fora a única a sobreviver à fome e à loucura quando ele partiu, decidido a encontrar novas vítimas para recomeçar seu ciclo monstruoso em outro lugar.

A caçada a Friedrich Steinbrecher foi implacável. Ele foi encurralado dias depois nos pântanos traiçoeiros ao norte. Recusando-se a se render, gritando que havia “salvo” suas filhas do pecado, ele abriu fogo contra a polícia e foi morto em uma saraivada de balas. Seu corpo foi enterrado sem honras, em uma cova sem nome, longe da terra sagrada.

Anna foi levada para um convento próximo a Lüneburg. Lá, sob os cuidados da Madre Magdalena, ela permaneceu em silêncio por meses. Ela costurava freneticamente, seus olhos sempre baixos, estremecendo a cada som alto.

O promotor Arthur Dingemann, determinado a fazer justiça à memória das irmãs, visitou Anna. Ele não queria apenas os fatos sórdidos; ele queria humanizá-las. Mas Anna estava trancada dentro de si mesma.

Foi a chegada de Rafael Mertens, um jovem historiador de Berlim, que mudou tudo. Ele não olhava para Anna como uma vítima ou uma aberração, mas como uma sobrevivente.

— Eu não quero escrever sobre o monstro — disse Rafael suavemente, sentado ao lado dela no jardim do convento. — Quero escrever sobre quem vocês eram antes da escuridão.

Pela primeira vez, Anna falou. Ela contou sobre como Margarete desenhava nas paredes para criar janelas imaginárias. Como Gretchen colecionava pedras coloridas chamando-as de tesouros. Como a irmã Karmen cantava baixinho para abafar os gritos.

Rafael ensinou Anna a ler e escrever. E com as palavras, veio o poder. Anna começou a escrever sua própria história, preenchendo cadernos com memórias dolorosas, mas também com momentos de amor entre as irmãs, a única luz naquele inferno.

O inverno passou e a primavera trouxe degelo à charneca e ao coração de Anna. O livro de Rafael, “As Filhas da Charneca”, foi publicado, não como um conto de horror, mas como um testamento de resistência. O mundo chorou por elas.

Mas Anna sabia que precisava de um fechamento final.

Em um dia claro de outono, ela pediu para voltar a Eichenmoor. O vilarejo parou. As pessoas saíram de suas casas, não para julgar, mas para prestar homenagem. O velho dono da mercearia, Abundius, chorou ao vê-la. O padre Emil, consumido pela culpa de não ter agido anos antes, pediu perdão de joelhos.

— Eu não posso esquecer — disse Anna, tocando o ombro do padre. — Mas não vou carregar o ódio. Ele é pesado demais.

Ela foi até o cemitério, onde cinco cruzes de madeira marcavam o repouso de suas irmãs e dos “inocentes sem nome”. Havia flores frescas em todos os túmulos, colocadas pelos aldeões.

— Eu estou aqui — sussurrou Anna para a terra. — Eu vivi por vocês.

Rafael estava ao seu lado, esperando pacientemente. Ele não a pressionou, apenas ofereceu a mão quando ela se levantou. — Para onde agora? — perguntou ele.

Anna olhou para a vasta charneca, para o horizonte onde o céu tocava a terra. Ela não via mais a prisão. Via caminhos. — Para longe — disse ela, apertando a mão dele. — E depois, para onde a vida nos levar.

Anna deixou o convento e a charneca para trás. Ela e Rafael viajaram, falaram sobre a necessidade de proteger os vulneráveis, de quebrar o silêncio. Anna nunca esqueceu a escuridão do porão, mas aprendeu que a luz, quando finalmente entra, é mais forte do que qualquer sombra.

No local onde ficava a casa dos horrores, a natureza retomou seu espaço. Urzes e flores silvestres cresceram sobre as ruínas, cobrindo as cicatrizes da terra. Mas a história das irmãs Steinbrecher permaneceu, não como um conto de medo, mas como uma lembrança eterna de que mesmo no solo mais estéril e cruel, o espírito humano pode, contra todas as probabilidades, sobreviver e florescer novamente.

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